Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | PEREIRA RODRIGUES | ||
Descritores: | SOCIEDADES COMERCIAIS PESSOA COLECTIVA RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL DANOS MORAIS | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 11/20/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | ALTERADA A DECISÃO | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I. As sociedades comerciais, operando no universo do mercantil com o objectivo do ganho, na prossecução desse desiderato carecem de salvaguardar o bom nome, a reputação e a imagem comercial, na justa medida em que tais valores são indispensáveis para alcance daqueles proveitos de natureza patrimonial, pelos quais se movem. II. Porém, a lesão do bom nome comercial de uma sociedade não se traduz num prejuízo de natureza moral, consistindo sim num dano patrimonial, que se manifestará, exempli gratia, pelo afastamento da clientela e pelo, resultante, insucesso de negócios e perda de réditos. III. Os danos morais são imputáveis apenas às pessoas singulares, porque são danos que afectam, essencialmente, a parte psíquica do indivíduo, em toda e qualquer uma das variadas funções mentais, desde as sensitivas às intelectuais. IV. Daí que as sociedades comerciais e as pessoas colectivas em geral porque não são possuidoras das faculdades próprias das pessoas singulares, inerentes às faculdades sensoriais, afectivas e intelectuais, não podem sofrer danos que se projectem no âmbito destas faculdades, isto é, que se possam caracterizar como morais. V. A responsabilidade civil extracontratual das sociedades é moldada na responsabilidade civil do comitente no confronto com a responsabilidade civil do comissário. VI. Assim, são pressupostos da responsabilização das sociedades comerciais a prática pelos titulares dos seus órgãos, agentes ou representantes de um facto ilícito e culposo ou outro que implique a obrigação de indemnizar. VII. Acresce que no âmbito da responsabilidade civil extracontratual outras situações existem em que o agente é responsável pelos danos que produza, independentemente da culpa, como sucede com o proprietário, autor da lesão, que responde, independentemente de ter agido, ou não, com culpa, pelos danos causados pelas suas obras nos prédios vizinhos. (PR). | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA: I. OBJECTO DO RECURSO. No Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, A, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra B, pedindo a condenação da ré a pagar à Autora as quantias: de 238.818.914$00, a título de indemnização por danos patrimoniais e juros vencidos; de 20.000.000$00, a título de danos não patrimoniais, acrescidas de juros vincendos até integral pagamento. Fundamentando tais pretensões, alega que em 1994 adquiriu o arrendamento de um armazém onde tem a sua sede, tendo obtido previamente informação da Câmara Municipal e da B que as obras a realizar naquela zona não afectariam o armazém. Todavia, em Março de 1997 iniciaram-se obras de adaptação da rede viária envolvente do Parque …, as quais causaram poeira que passou a deteriorar a mercadoria da Autora. Em resultado de tais obras, o armazém ficou rodeado de terras, ficando o pavimento cerca de 1,70 metros subido em relação à entrada do armazém. Passou a ser impossível o acesso de qualquer viatura ao armazém por falta de espaço de manobra. Na sequência de queixas da Autora, foi construída uma rampa improvisada para acesso ao armazém a qual impossibilitava o acesso de camiões TIR, operando os automóveis mais pequenos com muita dificuldade. Esta situação causou uma diminuição da actividade comercial da Autora e cancelamento de encomendas. Nos dias 18 e 19 de Outubro de 1997, caíram fortes chuvadas, ocorrendo inundação no armazém da Autora, ficando as instalações inoperacionais e a mercadoria do rés-do-chão ficou totalmente inutilizada. Tal ocorreu porque, sem projecto e sem cuidados mínimos, foram efectuadas as referidas obras com grande movimentação de terras, elevação da Rua face ao armazém, sem a construção de rede de drenagem de águas. Sustenta a Autora que, não fora conduta culposa dos autores e responsáveis da obra, a Autora gozaria hoje de boa saúde financeira e continuaria a expansão da sua actividade comercial. A Autora quantificou os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos da seguinte forma: - 58.799.596$00 de mercadoria existente no piso do rés-do-chão que foi destruída pela inundação, havendo que deduzir a este valor o salvado de 8.960.000$00 pelo que a destruição directa de mercadoria foi de 49.839.569$00; - 60.257.489$00 de mercadoria da Autora desvalorizada e depreciada pela infiltração de poeiras; - 83.165.330$00 de danos de idêntica natureza causados em mercadorias pertencentes a C, sendo a Autora depositária de tais mercadorias; - 2.800.000$00 pelo pagamento de renda de um outro armazém; - 839.000SOO na reparação do equipamento de elevação e transporte; - 430.000$00 de danos causados no mobiliário; - 1.200.000$00 de reparação de viaturas danificadas em virtude da forte inclinação da rampa de acesso; - 750.000$00 de custos internos na inventariação e avaliação da mercadoria sinistrada; - 37.200$00 em fotografias; - 2.500.000$00 pela peritagem que a Autora mandou realizar; - 20.000.000$00 de perdas relativas à quase destruição do armazém e à consequente perda do imobilizado; - 17.000.000$00 de indemnização aos trabalhadores da Autora e da C pela cessação da actividade; - 27.727.326$00 correspondentes aos juros do capital de 221.818.615$00, correspondendo este ao valor das mercadorias danificadas e bens danificados utilizados no exercício da actividade comercial da Autora; - 20.000.000$00 pela destruição do bom-nome comercial e bancário da Autora e da C bem como pelo desprestígio dos gerentes das sociedades induzido pela sua falência. A Ré contestou por excepção e por impugnação. Arguiu a excepção dilatória da falta de legitimidade passiva sustentando que a ré não teve qualquer culpa no sucedido, sendo apenas a dona da obra. Ocorreu uma omissão no projecto da responsabilidade da D uma vez que o acesso às instalações da Autora não foi ponderado nem pela Câmara Municipal que forneceu os desenhos sobre os quais assentou o projecto nem pelos projectistas. Cabia à empreiteira F executar os trabalhos necessários para evitar danos nos prédios vizinhos, não tendo a empreiteira cumprido ordem específica da Ré para realização de trabalhos preventivos cuja execução teria evitado a inundação. Arguiu a excepção dilatória da ilegitimidade activa da Autora para deduzir pedidos de indemnização relativos C. Para a eventualidade da Ré ser responsabilizada enquanto dona da obra e para prevenir o exercício do subsequente direito de regresso, deduziu a ré incidente de intervenção principal provocada de: - F, empreiteira, cuja conduta culposa foi a principal causadora dos danos; - G, na qualidade de fiscal da obra, verificando-se que a ordem para a realização de trabalhos preventivos não foi executada o que indica que esta sociedade não cumpriu as funções que lhe estavam adstritas; - D, na qualidade de projectistas, por se ter esquecido do acesso às instalações da Autora, bem como por ter demorado a apresentar uma solução para o acesso quando o problema foi detectado, sendo que as sucessivas soluções apresentadas foram recusadas; - Câmara Municipal por partilhar com a projectista as responsabilidades pela omissão inicial do projecto e mais de cinco meses despendidos com o estudo de um acesso ao armazém; - Companhia de Seguros H com a qual a ré celebrou contrato de seguro cujo âmbito de cobertura abrangia a empreitada em causa e danos dela decorrentes. A ré peticiona a condenação da autora como litigante de má fé por: - agir em nome da C para obter quantias a que não tem direito; - apresentar um relatório cujas considerações os peritos não tinham possibilidade de conhecer; - peticionar danos decorrentes de uma inundação (a de 2 de Novembro) que já havia reconhecido não terem existido; - quantificar danos em valores que nada têm a ver com os que anteriormente havia apontado; - por ficcionar factos e comportamentos, omitindo a existência de inúmera documentação que, só por si, é suficiente para obstar a parte das suas pretensões. Conclui a Ré pela:- procedência das excepções dilatórias que deduziu; - admissão das intervenções principais das entidades mencionadas, como co-Rés, devendo as mesmas serem condenadas na medida das suas culpas, caso se apure qualquer dano indemnizável; - improcedência da acção quanto à Ré; - condenação da autora como litigante de má fé. A Autora replicou, pugnando pela improcedência das excepções e do pedido de condenação como litigante de má fé. Foi ordenada a citação das chamadas. A G apresentou articulado próprio em que sustenta que o incidente adequado ao seu chamamento é o da intervenção acessória provocada, arguindo a nulidade do despacho que admitiu o incidente de intervenção principal provocada no que tange à G por violação do disposto nos Artigos 325° e 330° do Código de Processo Civil. Conclui pela consequente absolvição da instância e, subsidiariamente, pela improcedência da acção quanto a si. A CÂMARA MUNICIPAL apresentou contestação arguindo a excepção dilatória da incompetência absoluta do tribunal, argumentando que - tratando-se de um caso de responsabilidade civil extracontratual do Estado - a competência deve ser deferida aos tribunais administrativos. Tal excepção veio a ser julgada procedente por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15.5.2003, transitado em julgado. A COMPANHIA DE SEGUROS H arguiu a sua ilegitimidade passiva em virtude do proprietário da obra ser a Câmara Municipal de Lisboa, sendo da responsabilidade desta a localização e concepção da avenida sendo que os danos terão advindo de factos previsíveis e resultantes de tal localização e concepção. Arguiu também a excepção dilatória da ilegitimidade activa da Autora para deduzir pedidos em nome da C. No mais, contesta por impugnação, concluindo pela procedência das excepções e pela improcedência da acção. A D contestou, concluindo pela improcedência a acção quanto a si. Requereu incidente de intervenção principal de E e de I, fundamentando este incidente, alegou que a primeira das referidas sociedades assistiu a Autora no planeamento, projectos de traçado e terraplanagens, projectos de pavimentação e de instalações de segurança. A segunda encarregou-se da geologia e geotécnica, dos projectos de drenagens, águas e esgotos. Tais sociedades realizaram projectos das respectivas especialidades. A D e demais projectistas transferiram para a Seguradora J a responsabilidade civil profissional decorrente da elaboração do projecto de execução das obras em causa até ao montante de 40.000.000$00. Foi ordenado o chamamento assim requerido. A F, arguiu a sua ilegitimidade passiva em virtude de não ter qualquer responsabilidade na ocorrência na inundação. Arguiu também a ilegitimidade activa da Autora para peticionar prejuízos da C. No mais, contestou por impugnação, concluindo pela procedência das excepções e pela improcedência da acção quanto a si. A Autora apresentou réplica à contestação da D. A COMPANHIA DE SEGUROS J arguiu a excepção dilatória da ilegitimidade activa da Autora bem como a excepção peremptória decorrente do contrato de seguro ter caducado um ano após a recepção provisória da obra, não tendo sido apresentada à seguradora qualquer reclamação durante esse período. Conclui pela procedência das excepções e pela improcedência da acção. I e E apresentaram contestação, pugnando ambas pela improcedência da acção. A Ré apresentou articulado de resposta às contestações das chamadas. Em 22.11.2000, C deduziu incidente de intervenção principal provocada, aderindo aos articulados apresentados pela Autora, especificando que as suas mercadorias sofreram danos no valor de 83.165.330$00. Concluiu pela admissibilidade da sua intervenção e pela condenação da ré e Intervenientes a pagar a quantia de 258.818.914$00. A I deduziu oposição à admissibilidade do incidente de intervenção da C, arguindo ainda a excepção peremptória da prescrição porquanto o eventual direito da C prescreveu em 17.11.2000. Companhia de Seguros H a Ré e Companhia de Seguros J deduziram oposição em termos similares. C replicou, sustentando que só após o relatório da peritagem elaborado pela Sofiriscos, em 1998, é que pôde apreender de forma esclarecida e completa todos os pressupostos do seu direito a indemnização. Acresce que a Autora, ao agir judicialmente em 1999 e sendo detentora de um direito igual ao seu, acautelou o decurso do prazo prescricional. Foi proferido despacho saneador em que: - foi julgada improcedente a excepção dilatória da ilegitimidade activa parcial da Autora, considerando-se a Autora parte legítima para deduzir pedidos indemnizatórios relativos à C; - foram julgadas improcedentes as excepções dilatórias da ilegitimidade passiva da Ré, da G, da Companhia de Seguros H, da F; - foi relegada para final a apreciação da excepção peremptória da prescrição do direito de indemnização da C; - foi relegada para final a apreciação da excepção peremptória da caducidade do contrato de seguro celebrado entre a J e a D; -foi indeferida a nulidade arguida pela G e foi organizada a Base Instrutória. Prosseguindo os autos os seus trâmites, procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, sendo depois proferida sentença, julgando a) a acção parcialmente procedente por provada e, em consequência, condenando a B e a F a pagarem, solidariamente, à Autora a quantia de € 160.410,78, acrescida de juros desde 8.2.1999 à taxa legal de 10% até 16.4.99, 7% desde 17.4.99 até 30.4.2003, 4% desde 1.5.2003 até integral pagamento, sendo os já vencidos de €79.612,09; b) No mais, julgando a acção improcedente por não provada, absolvendo as Rés do pedido; c) Julgando o pedido formulado pela C improcedente por não provado em virtude da verificação da prescrição do respectivo direito a ser indemnizada; d) Julgando improcedente por não provado o pedido de condenação da Autora como litigante de má fé. Inconformados com a decisão, vieram a A. (a Interveniente C aderiu ao recurso da A.) e a R. B interpor recurso para este Tribunal da Relação, apresentando doutas alegações, em cujas conclusões suscitam as seguintes questões: a) Quanto ao recurso da A e C: As relativas, 1. Aos danos resultantes de infiltração de poeira da A. durante o decurso da obra; 2. À quantificação dos danos decorrentes da inundação; 3. Aos danos morais; 4. À prescrição dos danos sofridos pela interveniente C. b) Quanto ao recurso da R B: A relativa, À responsabilidade da R B. Houve contra-alegações dos recorridos e ainda da Interveniente G. Admitidos os recursos na forma (apelação), com o efeito e no regime de subida devidos, subiram os autos a este Tribunal da Relação, sendo que nada obstando ao conhecimento dos mesmos, cumpre decidir. | II. FUNDAMENTOS DE FACTO. A 1.ª instância considerou provados os seguintes factos: 1- A Autora dedica-se ao comércio por grosso, importação e exportação de artigos de electrónica, brinquedos e utilidades para o lar (A); 2-O estabelecimento da Autora situa-se na intercepção da Avenida Alfredo … com a Rua Cons. ., n° … em … (B); 3- Antes de adquirir as instalações referidas em 2, a Autora solicitou, em 22 e 23 de Novembro de 1994, junto respectivamente da Câmara Municipal e da B que lhe fosse dado a conhecer qual o destino previsto para o local onde se situa o armazém (3°); 4-Apesar de nunca ter sido prestada qualquer resposta por escrito, a Autora foi informada, quer pela Câmara Municipal quer pela B, que as obras a realizar naquela zona não afectariam o armazém em causa (4°); 5-Foi nesta convicção que a Autora adquiriu em hasta pública o direito de trespasse e arrendamento do referido armazém (5°); 6-Dada a boa localização e a área do armazém (1.450 m2), a Autora não hesitou em ali instalar a sua sede social, uma sala de exposições ("Show room") e de atendimento de clientes, a par do armazenamento de mercadorias (6°); 7- A sociedade C dedica-se ao comércio por grosso, importação e exportação (AE); 8- A sociedade C desenvolve parte da sua actividade nas mesmas instalações que a Autora (1°); 9-Desde Fevereiro de 1997, a Autora e a sociedade C são geridas pela mesma pessoa (…) (78°); 10-Em 1996, a Ré lançou um concurso público com vista à adjudicação da obra denominada "Desnivelamento e remodelação da Av. Dr. – Nó 3 - Nó das Cooperativas " (I); 11- O projecto veio a inserir-se no seio de um conjunto de contrapartidas a prestar à Câmara Municipal que, por sua vez, fazia determinados investimentos no âmbito da Expo 98 (documento junto a fls. 219)(J); 12-A Ré recebia da Câmara Municipal um conjunto importante de terrenos e, em troca, pagava uma quantia que seria convertida em participações no capital de sociedades ligadas ao projecto da Expo 98, comprometendo-se ainda a realizar um conjunto de melhoramentos em infra-estruturas rodoviárias (documento junto a fls. 219) (K); 13-A execução das obras ficava sujeita aos projectos a acordar com a Câmara Municipal, a qual era ainda responsável pelas expropriações que se mostrassem necessárias (documento junto a fls. 219)(L); 14-O acordo firmado com a Câmara Municipal de Lisboa não previa a obra de desnivelamento e remodelação da Av. …, razão pela qual a Ré, atenta a urgência da obra, sugeriu à Câmara Municipal de Lisboa que a mesma fosse integrada em tal acordo, em substituição do troço terminal da Av. …, cuja execução não podia iniciar-se naquele momento (documento junto a fls. 225 (M); 15-A Câmara Municipal veio a dar o seu assentimento a tal "troca", passando a empreitada a constituir um aditamento ao acordo referido nos artigos precedentes (documento junto a fls. 227(N); 16-Foi a Câmara Municipal que forneceu os desenhos sobre os quais assentou o projecto elaborado pela D (72°); 17- O projecto da obra foi adjudicado à D a qual era assistida por uma outra sociedade, a E (documentos juntos a fls. 228 e 249,) (O); 18-A sociedade E encarregou-se do planeamento, projectos de traçado e terraplanagens, projectos de pavimentação e projectos de instalações de segurança (P); 19-Tendo ainda figurado uma outra sociedade associada, a I, como especialista em redes de água, esgotos e electricidade (Q); 20-Não cabia à D a verificação da correcção técnica dos projectos, na parte elaborada por cada uma das demais projectistas – E e I ( 77°); 21-Nos termos do acordado, os projectos das obras foram elaborados em estreita colaboração com a autarquia, que supervisionou e posteriormente aprovou os projectos a final (R); 22-Na sequência do concurso, a obra, no valor de 741.679.509$00 (mais IVA), veio a ser adjudicada à sociedade F, com quem veio a ser celebrado o acordo junto a fls. 267 (S); 23- A Ré celebrou com a sociedade G o acordo epigrafado de "Fiscalização de Empreitadas", constante de fls. 314 e ss. (Z); 24-A ré celebrou com a Companhia de Seguros H o contrato de seguro constante de fls. 347 e ss., cujo teor se dá por integralmente reproduzido (AA); 25-Em Março de 1997, no âmbito do programa de adaptação da rede viária envolvente do Parque Expo 98, iniciaram-se obras de adaptação das ruas referidas em 2 (7°); 26-À falta de qualquer informação oficial, a Autora foi informada por um "encarregado" do empreiteiro que as duas ruas iriam sofrer uma elevação de mais de um metro (8°); 27-A Autora, logo que começou a movimentação de terras, em 7.3.97, alertou a Câmara Municipal e a B, para a possibilidade de inundações (C); 28-A Autora solicitou a consulta do projecto da obra, mas sem sucesso (10°); 29-Ante a insistência da Autora perante a Câmara Municipal para que lhe fosse facultado o acesso ao projecto, foi-lhe dito que não havia qualquer projecto camarário mas que poderia consultá-lo nos serviços da ré (11°); 30-O empreiteiro não apresentou qualquer projecto à Autora (13°); 31-As obras implicaram grandes movimentos de terras, na sua fase inicial, e deram inclusivamente lugar à construção de um viaduto, no cruzamento da Rua … com a Av. …, onde se situa o armazém da Autora (15°); 32-O armazém da Autora, sito no local indicado em 2, passou a ficar rodeado de montes de terra e poente e a sul (16°); 33-Tal facto deveu-se ao nível do pavimento sofrer uma elevação do lado da Rua … e do lado da Rua … (17°); 34-Nas Ruas referidas em 33 o pavimento subiu, em média, 1,5 m em relação à entrada do armazém (18°); 35-Em consequência da referida elevação, o armazém acabou situado num fosso, quando antes se situava ao nível do pavimento (20°); 36-O máximo que a Autora conseguiu, após muita insistência junto da CML e da Ré, foi a construção pelo empreiteiro de uma rampa improvisada para garantir o acesso ao seu armazém (26°); 37-A proximidade da rua e a altura da mesma levaram a que a referida rampa tivesse uma grande inclinação, com seis metros de comprimento e 40° de inclinação (27°); 38-Com tais características, tornou-se impossível o acesso dos grandes veículos, como sejam dos camiões TIR que carregaram e descarregavam no armazém da Autora (28°); 39-As cargas e descargas passaram a ser mais demoradas e a requerer mais intervenção de mão-de-obra (30°); 40-O referido em 38 e 39 conduziu a uma acumulação de contentores nas Alfândegas e ao cancelamento de uma encomenda (32°); 41-A rampa favorecia ainda mais a escorrência das águas pluviais (33°); 42-E aumentava a possibilidade da acumulação de lamas (34°); 43-A Autora enviou à Câmara Municipal o documento junto a fls. 92, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (E); 44-A Autora levou a situação ao conhecimento do empreiteiro, por várias vezes, e com maior insistência no fim do Verão de 1997 (35°); 45-Alertando para a aproximação das grandes chuvas que iriam deslocar as terras não consolidadas que rodeavam o armazém (36°); 46-Antes do referido em 50 não foi construído qualquer escoamento de águas, designadamente não foi executado o sumidouro complementado com aplicação de barreira "New Jersey" cuja aplicação foi solicitada nos termos do fax referido em 48 (40°); 47-No decurso das obras, pessoal afecto aos trabalhos retirou a grelha exterior que existia à entrada do armazém e se destinava ao escoamento de águas das chuvas (41°); 48-A Ré enviou à sociedade Construtora do Tâmega, que o recebeu, o fax datado de 12.9.97, constante de fls. 291, onde nomeadamente se lê "(...) solicita-se que desde já seja construído um sumidouro - vala com 7 metros de comprimento, afastada do portão a uma distância de mais ou menos nove metros, com uma largura de 0.40/0.50 protegido por grelha, para recepção das águas das chuvas e sua condução à caixa de esgoto mais próxima. Lateralmente, em especial do lado da Portela, a rampa deverá ser protegida de forma a que as águas da Rua … sejam conduzidas ao sumidouro - vala. / Deverá ser também verificado o funcionamento dos sumidouros existentes junto à porta do armazém. / Solicita-se também que seja entretanto apresentado o orçamento respeitante a estes trabalhos." (T); 49-A sociedade F respondeu no mesmo dia, declinando qualquer responsabilidade pela situação, mas comprometendo-se a apresentar um orçamento, explicando ainda que não tinha carpinteiros em obra (documento de fls. 293)(U); 50-Nos dias 18 e 19 de Outubro caíram fortes chuvadas (42°); 51-A abertura do portão provocou a inundação do armazém por uma grande avalanche de lama, água e pedras (43°); 52-No dia 18 de Outubro de 1997, a água atingiu pelo menos 40 cm de altura no interior do armazém (47°); 53-Com a enxurrada do dia 18 de Outubro de 1997, as instalações da Autora ao nível do rés-do-chão ficaram inoperacionais durante, pelo menos, quinze dias (49°); 54- Parte da mercadoria do rés-do-chão ficou totalmente inutilizada (50°); 55-Além de ter o seu próprio stock no armazém, a Autora detinha ainda no armazém 40% das existências da C (58°); 56- As mercadorias existentes no piso do rés-do-chão , destruídas pela inundação e contacto directo com a água, cifram-se em 58.799.596$00 (59°); 57-O valor do salvado foi de 8.960.000500, tendo o mesmo ficado entregue à Autora (60°); 58-As mercadorias pertencentes à A foram globalmente desvalorizadas em 236.721$00, não estando tais mercadorias abrangidas no montante referido em 56 (62°); 59- 40% das mercadorias referidas em 56) pertenciam à C (63°); 60-A Autora gastou 839.000$00 na reparação de equipamento de elevação e transporte (65°); 61-Os danos causados no mobiliário e afins foram de 430.000$00 (66°); 62-Os custos internos de inventariação e avaliação da mercadoria sinistrada são computados em 750.000$00 (68°); 63-Tendo a ré e a Câmara Municipal sido informadas do sucedido (51°); 64-Durante o período referido em 53, a Autora apenas pôde proceder à limpeza do armazém e separação da mercadoria danificada (52°); 65- No dia 2.11.97 choveu, novamente, uma forte bátega de água (46°); 66-No dia 1 e 2 de Novembro voltaram a cair precipitações sem que qualquer inundação ocorresse, uma vez que as águas foram detidas pela barreira "New Jersey" colocada em 21.10.97 (X); 67-A Autora e a C empregam em 1998, respectivamente, 2 e 8 pessoas, que não integram os órgãos sociais, que auferem no conjunto 1.551.683$00 e 6.953.937$00, respectivamente (71°); 68- A autora alertou a C e a Câmara Municipal, por várias vezes, e com maior insistência no fim do Verão de 1997, para a aproximação das grandes chuvas que iriam deslocar as terras não consolidadas que rodeavam o armazém (D); 69-A Ré comunicou o sinistro à Companhia de Seguros H em 20.10.97 ( documento de fls. 397) (AB); 70-Em 28.11.1997 e após indicação da CML, a Ré cancelou a encomenda do projecto de acesso ao armazém pelo lado da Av. … que havia feito à D (75°); 71-Após os acontecimentos, a Ré remeteu a Autora, repetidamente, para o empreiteiro e para a Companhia de H (F); 72-A autora mandou proceder a uma peritagem à Sofiriscos, cujo relatório consta a fls. 24 e ss (H); 73-Só em 7.4.98 veio a Companhia de Seguros H declinar a sua responsabilidade, alegando previsibilidade do dano (documento junto a fls. 412) (AC); 74-Desde o início de 1997, até hoje, a Autora desdobrou-se em contactos com a Ré, a CM, a Seguradora H e a empresa Euroriscos (encarregue pela H de realizar peritagem às causas e consequências do acidente) dando conta da situação em que se encontrava (56°); 75- A Autora não recebeu até hoje qualquer indemnização (G); 76-A D celebrou com a Companhia de Seguros J um seguro de responsabilidade civil, cuja apólice tem o n° …, com início em 21.2.96 e termo até um ano após a recepção provisória da obra, com um limite de indemnização por sinistro e período de seguro de 40.000.000$00, conforme documentos juntos a fls. 709 a 723, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (AD); 77- Durante um ano após a recepção provisória da obra, nem a D, nem qualquer outra pessoa ou entidade, apresentou qualquer reclamação à Companhia de Seguros J (76°). | III. FUNDAMENTOS DE DIREITO. Quanto ao recurso da A. e da interveniente C: 1. A questão relativa aos danos resultantes de infiltração de poeira da A. durante o decurso da obra. Em relação a esta e outras questões requer a recorrente a reapreciação da prova, pelo que, antes de mais, importa dizer o seguinte: O Tribunal da Relação pode alterar a matéria de facto dada como provada na 1.ª Instância nos casos excepcionais previstos no n.º 1 do art. 712º do Código de Processo Civil, designadamente se tiver ocorrido gravação dos depoimentos prestados e tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690-A, a decisão com base neles proferida. Para tanto dispõe o n.º 1 do art. 690-A do CPC que “quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Quais os pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou de gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”. Ora, no caso vertente, a A. alega que com o início das obras, em Março de 1997, a Autora apressou-se a expor à CM e à Ré as consequências negativas e irreversíveis que tais obras poderiam provocar nas instalações da Autora e onde solicitava a prevenção dos danos, nomeadamente porque se começava a fazer sentir a infiltração de poeira no armazém e, em consequência, nas mercadorias nele armazenadas. Acrescenta que essas poeiras conduziram à depreciação e à inutilização total das mercadorias referidas, nomeadamente as existentes no 1.º andar e que não foram correctamente apreciadas e julgadas pelo Tribunal a quo, pelo que, para além de outros, afirma impugnar a decisão daquele Tribunal neste concreto ponto. Sucede, porém, que a apelante não deu integral cumprimento aos normativos citados na impugnação que efectuou sobre a decisão de tal matéria, nomeadamente não indicando quais os pontos de facto que considera incorrectamente julgados nem concretiza o que pretende em concreto ver provado e que devesse ter sido dado como assente pelo tribunal recorrido e que, obviamente, se teria de reportar a matéria constante da Base Instrutória. Contudo, só se poderia estar a reportar à matéria do artigo 55º da BI, que é o único que se refere a poeiras e a danos por elas causados, ainda que num contexto diferente do invocado pela apelante e do referido no depoimento das testemunhas. Naquele artigo perguntava-se o seguinte: “Quando a lama secou, espalhou-se pelo armazém uma fina camada de poeira barrenta, que se entranhou nas mercadorias, mesmo nas guardadas no piso superior do armazém, provocando a sua total inutilização ou forte depreciação?” Ora, a matéria deste quesito foi considerada não provada pela 1.ª instância e não merece qualquer reparo a decisão nesta parte, na medida em que o depoimento das testemunhas não a confirma minimamente. Antes de mais não se referem as testemunhas à poeira que terá sido originada, atenta a formulação do quesito, pelo secar da lama, mas antes à poeira que se fazia no exterior do armazém. Quase todas se referindo à existência de muito pó no ar proveniente dos trabalhos realizados fora do armazém e que se infiltrava depois no interior deste, mas produzindo um depoimento muito vago e além disso descontextualizado da formulação do quesito. Por outro lado, quase nada concretizando em relação a estragos produzidos nas mercadorias e se algo parece ser dito nesse sentido não é convincente, tanto mais que algumas das testemunhas parecem referir-se mais a danos produzidos nas mercadorias pela água, pela inundação verificada. Mas sendo assim estão em causa outros danos, designadamente os aludidos no artigo 50º da BI, que em parte até resultaram efectivamente provados. Deste modo a resposta ao quesito acima referido não podia deixar de ser negativa e assim sendo, não podia o tribunal recorrido proferir condenação com fundamento em danos causados pelo pó nas mercadorias existentes no 1.º andar do armazém. 2. Relativamente à quantificação dos danos decorrentes da inundação. Alega a apelante que o Tribunal a quo considerou como provado o quesito 59°, isto é, que "as mercadorias existentes no piso do rés-do-chão, destruídas pela inundação e em contacto directo com a água, cifram-se em 58.799.596$00 (€ 293.291,15), dando ainda como provado, que o valor do salvado foi de 8.960.000$00 (€ 44.692,29), pelo que as RR deveriam ser condenadas, pelos danos às mercadorias existentes no rés-do-chão, em 248.598,86 (€ 293.291,15 - € 44.692,29). No entanto, e sem fundamentar, vem o Tribunal a quo condenar as RR apenas em € 160.410,78, ou seja, com uma discrepância de € 88.188,08 para o valor dado como provado, o que não se aceita. Acrescenta que, por outro lado, não foi considerado o valor reclamado pela Autora e que consta da relação dos prejuízos apresentado por esta e anexo ao documento feito apensar na última sessão de audiência de julgamento, relativo aos designados encargos financeiros de 20% de mercadorias da época, as quais de acordo com o testemunho de José não foram consideradas porque "dado o período que, se a seguradora iria indemnizar a mercadoria uns meses depois, repunha a mercadoria e não havia um encargo tão elevado….encargos financeiros de 20% ....que totalizavam 12 milhões", referindo-se ainda a escudos, pelo que à moeda actual, em € 59.855,75. Só que, esqueceu o tribunal a quo, que não houve qualquer indemnização "uns meses depois", nem tão pouco uns anos depois, o que é certo é que, passados dez anos sobre a inauguração da Expo98, onze sobre o início das obras e o início dos danos à A., esta ainda não foi ressarcida, pelo que, a sentença proferida deveria ter condenado a R. e a empreiteira também neste valor, o que se espera que venha agora a acontecer com a alteração da sentença de que se recorre. Ora, resulta claro da sentença, aliás de acordo com a matéria de facto havida por provada, que o valor de € 160 410,80 (que corresponde a Esc. 32.159.478$60), valor pelo qual as RR foram condenadas, foi encontrado do seguinte modo: Ao valor dos danos da mercadoria, de Esc. 58.799.596$00, foi subtraído o valor do salvado, de Esc. 8.960.000$00, resultando o valor de Esc. 49.839.596$00. Deste valor foi tomada em consideração apenas a percentagem de 60%, por se considerar que os restantes 40% eram danos da Interveniente C, pelo que o prejuízo da A seria apenas de Esc. 29.903.757$60. A este valor acresciam os montantes de Esc. 236.721$00 de desvalorização da mercadoria; 879.000$00 de reparação de equipamento; 750.000$00 de custos de inventariação e de 430.000$00 de danos causados no mobiliário, perfazendo o total Esc. 32.159.478$00, ou seja, € 160.410,80. O valor a que a apelante alega ter direito, de € 248.598,86, pelos danos causados às mercadorias existentes no rés-do-chão do armazém, seria de aceitar se não devesse haver lugar à dedução de 40%, referente ao valor da mercadoria da interveniente C, mas o tribunal recorrido entendeu, em face da prova que considerou relevante, que havia lugar a tal dedução. É certo que a apelante alega que a efectiva percentagem de mercadorias existentes do res-do-chão e pertencentes à C não se consegue dar como provado através do depoimento da testemunha José. Sucede que o tribunal recorrido para dar como provada esta matéria socorreu-se ainda do depoimento da testemunha Francisco e do Relatório da Peritagem da ….. Ora, é necessário não olvidar que vigora no nosso ordenamento jurídico o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre (art. 655º do C. P. C.), segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada. De acordo com este princípio, que se contrapõe ao princípio de prova legal, as provas são valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização, nem preocupação do julgador quanto à natureza de qualquer delas[1]. Acresce que o princípio da livre apreciação das provas só cede perante situações de prova legal, que fundamentalmente se verificam nos casos de prova por confissão, por documentos autênticos, por certos documentos particulares e por presunções legais[2]. Acresce que a livre apreciação da prova - que não se confunde com uma qualquer arbitrária análise dos elementos probatórios, mas antes uma conscienciosa ponderação desses elementos e das circunstâncias que os envolveram - pressupõe ainda a observância dos princípios da imediação, oralidade e concentração, por dever ter lugar em contacto mais directo possível com as pessoas e coisas que servem de fontes de informação e por a produção dos meios de prova pessoal se dever fazer oralmente e de forma continuada no tempo. De modo que se faculte ao julgador, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões colhidas e com a convicção que através delas se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas da experiência que forem aplicáveis[3]. Atentos tais princípios tem de se aceitar que o sistema de registo de prova com a gravação sonora dos meios probatórios oralmente produzidos, apesar da sua utilidade, pode, todavia, revelar-se insuficiente para aferir de todos os elementos susceptíveis de condicionar ou influenciar a convicção do Juiz perante quem são prestados, por comportar o risco de se atribuir equivalência formal a depoimentos substancialmente diferentes, de se desvalorizarem alguns deles, só na aparência imprecisos, ou de se dar excessiva relevância a outros, pretensamente seguros, mas sem qualquer credibilidade. Isto porque a convicção do tribunal terá de ser formada, para além dos dados objectivos transmitidos pelos documentos e outras provas constituídas, pela análise conjugada das declarações e depoimentos e com atenção às razões de ciência possuídas e às demais circunstâncias, em que os declarantes ou depoentes se pronunciem. O que é imprescindível para a valoração da prova produzida e para a avaliação e apreciação segundo as regras da experiência comum e lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. E o certo é que tais aspectos apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro Tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador. Assim, carecendo o Tribunal da Relação destes elementos coadjuvantes e necessários para uma adequada apreciação da matéria de facto, não poderá sem elementos seguros, proferir segunda decisão sobre a matéria de facto. Na verdade, estando em causa o pedido de alteração de uma decisão anterior, que foi fundada na livre convicção de quem a proferiu, o que aconteceu com a vantagem indiscutível de ter acompanhado e dirigido a produção de prova, numa relação de imediação que a gravação sonora não transmite, uma tal alteração só deverá ocorrer se houver elementos objectivos que a imponham sem hesitação. Não bastando que a apreciação da prova disponível, ou a que é oferecida para exame, possibilite, ou até sugira, respostas diferentes, como decorre das alíneas b) e c), do n.° 1 do art. 712°, do C.P.Civil, em que apenas se faculta a modificação da decisão da matéria de facto proferida em 1.ª instância em face da existência de elementos que, por si só, imponham decisão diversa da proferida. E este critério de aferição tem de ser seguido mesmo quando o julgamento tiver por base, fundamentalmente, prova testemunhal e tiver havido gravação dos depoimentos produzidos em audiência, pois que é inquestionável que o sistema de gravação sonora dos meios de prova produzidos oralmente não fixa todos os elementos relevantes para a respectiva valoração em termos probatórios, todos os elementos susceptíveis de condicionar e alicerçar a convicção do julgador. O que significa que não deverá ser toda e qualquer divergência respeitante à valoração da prova produzida, ou ao critério das respostas dadas à matéria de facto que justifica uma alteração dessas respostas. Como, a dado passo, se refere no douto Acórdão do S.T.J. de 10.03.2005, “a plenitude do 2° grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto sofre naturalmente a limitação que a inexistência de imediação necessariamente acarreta, não sendo, por isso, de esperar do tribunal superior mais que a sindicância de erro manifesto na livre apreciação das provas (...)»[4]. No caso, lendo-se o despacho que julgou a matéria de facto, verifica-se que a decisão sobre a matéria em questão resultou de documento junto ou apenso aos autos e do depoimento das testemunhas, depoimento que se afigurou credível ao tribunal, pelo conhecimento pessoal e directo sobre os factos a que o mesmo foi prestado. O que significa que o tribunal recorrido na resposta produzida e na parte colhida do depoimento das testemunhas não se baseou apenas na mera expressão oral daquelas mas em outros meios de prova, que terão concorrido para a formação da convicção do julgador no sentido em que foi proferida a decisão. Como, de resto, se faz constar na fundamentação às respostas produzidas. E como acima se deixou consignado, o tribunal de 1.ª instância estava em melhor condição para poder ajuizar do valor da prova produzida. Deste modo, não se vê razão para não se considerar assente a matéria em discussão. Ainda por aplicação dos princípios acima aludidos não parece, com o devido respeito, que mereça ser considerado o valor que a apelante diz constar da relação dos prejuízos apresentado por esta e anexo ao documento feito apensar na última sessão de audiência de julgamento, relativo aos designados encargos financeiros de 20% de mercadorias da época. Com efeito, esta matéria não foi levada à Base Instrutória, nem parece sequer ter sido alegada, sendo certo que sobre a mesma também não foi aditado qualquer quesito na audiência, não se vendo, por isso, como é que o tribunal a devia tomar em consideração. E muito menos se descortina poder ser agora objecto de ponderação para eventual alteração da sentença. Não procede, pois, a alegação da recorrente também nesta parte. 3. Quanto aos danos morais: A Autora, ora recorrente, na sua petição inicial, pediu a condenação das RR em danos morais, quantificando o valor a atribuir a esses danos em € 99.759,58 (20.000.000$00), danos alegadamente resultantes do "desprestígio dos seus gerentes e incerteza quanto ao futuro", "o bom nome comercial e bancário granjeado ao longo dos anos" e a antevisão de que, a indemnização pelos danos sofridos não seria resolvida em tempo útil para evitar prejuízos ainda maiores. O tribunal a quo, perante a prova, considerou não haver fundamento para condenação das RR por danos morais. Recorrendo, diz a Autora que, para além do arrastar do processo, os depoimentos prestados foram incisivos e devastadores, ficando mais do que demonstrado que a imagem, o bom nome, a presença no circuito comercial da recorrente ficaram afectados e posteriormente completamente destruídos, não se percebendo como, a não ser por falta de apreciação dos mesmos, o tribunal a quo não condenou as recorridas por estes danos. Desde logo, continua, pelo facto de se ter considerado como provado que "o armazém da autora passou a ficar rodeado de montes de terra a poente e a sul" e que ".. o pavimento subiu em media, 5 m em relação à entrada do armazém", "...ficou situado num fosso", "... tornou-se impossível o acesso dos grandes veículos, como sejam dos camiões TIR. que carregavam e descarregavam no armazém da autora" "durante pelo menos quinze dias a autora apenas pôde proceder à limpeza do armazém e separação da mercadoria danificada", prova que, deveria ter sido suficiente para que o tribunal a quo valorasse a existência dos danos não patrimoniais. Acrescenta que não foram devidamente apreciados e valorados, os testemunhos que passou a citar, que demonstraram as graves dificuldades por que a recorrente passou com a execução da obra, os atrasos que as mesmas lhe provocaram e que não a deixaram cumprir com os compromissos assumidos perante clientes, fornecedores, alfândegas, transportadoras, enfim, perante todos os que desta pediam e precisavam de resposta comercial. Ora, antes de mais, a recorrente, transcreve na sua alegação depoimentos para justificar a condenação por danos não patrimoniais, mas não diz o que em concreto pretende ver provado, obviamente do que tenha sido alegada na acção e que tenha sido quesitado, obtendo resposta negativa. A prova dos danos morais tem de decorrer de factos, que os depoimentos das testemunhas sejam susceptíveis de provar, e não dos próprios depoimentos, sendo que no caso se não descortina a que factos controvertidos na acção se reporta a recorrente, pelo que a invocação de tais depoimentos não pode ser considerada por reporte às regras acima descritas. Em todo o caso, importa saber se os factos considerados provados podem fundamentar a condenação por danos morais. No que respeita à indemnização por danos morais há que considerar o seguinte: Quando há obrigação de indemnizar ela é extensível aos danos não patrimoniais, como elucida o n.º 1 do art. 496º do CC, ao dizer que «na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito», sendo que o n.º 3 do mesmo preceito, reportando-se à mesma indemnização, acrescenta que «o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso as circunstâncias referidas no art. 494º ...», ou seja, ou grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso. Acresce que entre os direitos tutelados pela lei se contam, como não poderia deixar de ser, os direitos relativos à vida, à integridade física e moral, à saúde, à honra, ao bom nome e reputação, etc., de cuja ofensa protege, responsabilizando o ofensor pelo ressarcimento dos danos causados, designadamente pelos danos morais relevantes. É o que decorre da mesma lei civil - entre outros, art.s 70º e 484º e ss. do CC. Como refere Galvão Telles, os danos não patrimoniais, também chamados danos morais, são aqueles “prejuízos que não atingem em si o património, não o fazendo diminuir nem frustrando o seu acréscimo. O património não é afectado; nem passa a valer menos nem deixa de valer mais. Há a ofensa de bens de carácter imaterial — desprovidos de conteúdo económico, insusceptíveis verdadeiramente de avaliação em dinheiro. São bens como a vida, a integridade física, a saúde, a correcção estética, a liberdade, a honra, a reputação. A ofensa objectiva desses bens tem, em regra, um reflexo subjectivo na vítima, traduzido na dor ou sofrimento, de natureza física ou de natureza moral”[5]. No mesmo sentido alvitra Menezes Cordeiro que há dano moral quando a situação vantajosa prejudicada tenha simplesmente natureza espiritual[6]. Deste modo, no dizer de Vaz Serra, "a compensação dos danos não patrimoniais não é uma verdadeira indemnização, visto que não é um equivalente do dano, um valor que reponha a coisa no estado anterior à lesão, tratando-se então de atribuir ao lesado uma satisfação ou compensação do dano, que não é susceptível de equivalente"[7]. Sendo os danos morais de tal natureza não parece que uma sociedade comercial se encontre em condição de os poder invocar, mesmo que em causa esteja a lesão do seu bom nome e reputação, pela razão de que a afectação daqueles valores (do bom nome e da reputação) não se traduz em qualquer dano daquela natureza. Traduzir-se-á antes em prejuízo de ordem material, afectando a sua esfera patrimonial, para os quais a lei (art. 484º do CC) prevê a responsabilização do causador destes danos. Como a dado passo se exara no douto acórdão do STA de 20.06.1996, “o bom nome de uma sociedade comercial, … no caso de ser afectado, como sucedeu na presente situação, não provoca sofrimento moral. Pode é, efectivamente, repercutir-se na esfera patrimonial dessa pessoa colectiva, integrando, por isso, dano de ordem patrimonial. É precisamente esta a situação prevista no artigo 484.° do Código Civil, sob a epígrafe «ofensa do crédito ou do bom nome», segundo o qual «quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados»[8]. As sociedades comerciais, operando no universo do mercantil com o objectivo do ganho, na prossecução desse desiderato carecem de salvaguardar o bom nome, a reputação e a imagem comercial, na justa medida de que tais valores são indispensáveis para alcance daqueles proveitos de natureza patrimonial, pelos quais se movem. Porém, a lesão do bom nome comercial de uma sociedade não se traduz num prejuízo de natureza moral, consistindo sim num dano patrimonial, que se manifestará, exempli gratia, pelo afastamento da clientela e pelo, resultante, insucesso de negócios e perda de réditos. Deste modo, o que as sociedades comerciais sofrem, com a ofensa ao seu bom nome, são "danos patrimoniais indirectos que, embora atinjam valores ou interesses não patrimoniais (o bom nome... a reputação...) todavia se reflectem no seu património (diminuindo, por exemplo, a sua clientela)"[9]. É neste sentido que também se pronuncia o douto acórdão do STJ de 5.10.2003, onde a dado passo se exara que “toda a ofensa ao bom nome comercial, acaba por se projectar num dano patrimonial, revelado pelo afastamento da clientela e na consequente frustração de vendas, a partir da repercussão negativa no mercado, que lhe foge, por causa da má fama que se propaga”[10]. E ainda o douto acórdão, do mesmo tribunal, de 09.06.2005, onde se defendeu idêntico entendimento, que se passa a citar: “para as sociedades comerciais, a ofensa do bom nome, reputação e imagem comercial apenas pode produzir um dano patrimonial indirecto, isto é, o reflexo negativo que, na respectiva potencialidade de lucro, opera aquela ofensa, não sendo, por isso, susceptível de indemnização por danos não patrimoniais”[11]. Não parece oferecer dúvida razoável a teoria perfilhada nos bem fundamentados arestos acabados de nomear no que concerne à ofensa do bom nome e reputação das sociedades comerciais, parecendo até que ela é extensiva a todas as pessoas colectivas, mesmo daquelas que não tenham por finalidade o lucro. É que, a nosso ver, os danos morais apenas são susceptíveis de ter como sujeitos as pessoas singulares, porque são danos que afectam, essencialmente, a parte psíquica do indivíduo, em toda e qualquer uma das variadas funções mentais, desde as sensitivas às intelectuais. As pessoas colectivas porque são detentoras de uma certa e determinada imagem da forma como se organizam, funcionam e prestam serviços ou fornecem bens, que constituem o seu objecto, têm direito a defender o seu bom nome no universo das suas relações comerciais ou sociais, como um direito ao bom conceito da empresa no seu mercado ou seu meio, podendo, por isso, ser lesadas na sua boa imagem, no seu crédito e reputação. E nessa medida podem sofrer danos, que, existindo, serão de natureza patrimonial. Todavia, porque não são possuidoras das faculdades próprias das pessoas singulares, inerentes às faculdades sensoriais, afectivas e intelectuais, não podem sofrer danos que se projectem no âmbito destas faculdades, isto é, que se possam caracterizar como morais. Note-se que os eventuais danos morais padecidos pelas pessoas singulares, ligadas a determinada pessoa colectiva, ainda que por motivos que a esta respeitam, não são bastantes para se imputarem tais danos à própria pessoa colectiva, nem se podem confundir com os danos que a esta pudessem respeitar, por se estar em presença de personalidades jurídicas distintas. Deste modo se entende, que no caso em apreço, inexiste fundamento legal para petição de condenação por danos morais. Em todo o caso, os factos, que as recorrentes invocam para tal condenação, não a poderiam justificar. Com efeito, as circunstâncias de o armazém da recorrente ter ficado rodeado de montes de terra a poente e a sul, de o pavimento exterior ter subido em média, 5 m em relação à entrada do armazém, que ficou situado num fosso, tornando impossível o acesso dos grandes veículos, e de, durante pelo menos quinze dias, a recorrente apenas ter podido proceder à limpeza do armazém e separação da mercadoria danificada, traduzindo embora a existência de graves transtornos, não contendem, todavia, com o bom nome e reputação da recorrente, mas quiçá com a verificação de prejuízos de ordem material, ressarcíveis por título diferente. E outros factos que a recorrente invoca, como decorrentes do depoimento das testemunhas, que demonstrariam as graves dificuldades por que a recorrente passou com a execução da obra, os atrasos que as mesmas lhe provocaram e que não a deixaram cumprir com os compromissos assumidos perante clientes, fornecedores, alfândegas, transportadoras, não poderiam ser tomados em consideração, por não se mostrarem alegados, com excepção de ter deixado de poder receber clientes (quesito 22.º - não provado), sendo certo que sempre estaríamos no domínio dos danos patrimoniais. Note-se ainda que a morosidade da acção não pode justificar uma condenação por danos morais, ainda que imputável fosse às RR, o que não está demonstrado. O que poderia, em teoria, justificar, seria uma condenação por litigância de má fé ou por exercício abusivo do direito de defesa, o que em causa não está. Diga-se, no entanto, a propósito da morosidade da acção, que a mora sempre será ressarcida, na medida do legalmente admitido, com os respectivos juros. Conclui-se, assim, que as recorrentes não têm direito a qualquer indemnização por pretensos danos morais. 4. Quanto à prescrição dos danos sofridos pela interveniente C: Os danos sofridos pela Interveniente C foram reclamados pela Autora invocando esta a existência de um contrato de depósito, mas o tribunal recorrido considerando não se ter provado tal contrato, julgou prescrito o crédito daquela interveniente por terem decorrido mais de três anos entre a data da inundação – 18.10.1997 – e a data em que a C requereu a sua intervenção – 22.10.2000 - aderindo aos articulados apresentados pela Autora e especificando que as suas mercadorias sofreram danos no valor de 83.165.330$00. As recorrentes dissentem deste entendimento, alegando que a Interveniente apenas cerca de um mês depois da inundação teve conhecimento dos seus prejuízos e que, em todo o caso, tal contrato de depósito existiu, conferindo direito à Autora para reclamar os prejuízos da Interveniente C, mas, se assim se não entender, sempre se deve considerar que a Autora actuou como gestora de negócios, não se verificando, consequentemente, a prescrição aludida. Ora, tal como se entendeu na 1.ª instância também se entende que os factos considerados provados não mostram a existência de qualquer contrato de depósito celebrado entre as recorrentes. Por outro lado, também se entende que o prazo de prescrição se deve contar da data em que se verificou a inundação. Todavia, concorda-se com as recorrentes na parte respeitante à invocada gestão de negócios, na medida em que os factos assentes conduzem a concluir que a A ao reclamar indemnização pelos danos sofridos pela Interveniente C actuou, na verdade, como gestora de negócios (arts. 464º e ss. do CC), gestão que é de considerar aprovada e ratificada pela intervenção da C no processo, pela qual aderiu aos articulados da A. E esta conclusão não é invalidada pelo facto de a A, para justificar a sua actuação, ter invocado a qualidade de depositária das mercadorias danificadas com a inundação e de não se ter provado que existisse qualquer contrato de depósito, uma vez que, não provado tal contrato, sempre se provou que aquela, ao reclamar a indemnização, em nome e a favor da C, assumiu conduta integradora de uma gestão de negócios representativa, posteriormente aprovada e ratificada pela Interveniente C. Quanto basta para se concluir que a indemnização devida à Recorrente C, pelos danos produzidos nas mercadorias, foi tempestivamente peticionada, sendo de julgar improcedente a excepção da prescrição arguida na acção e de condenar em conformidade quem dever ser julgado responsável pelo pagamento da mesma indemnização. Nesta parte merecem, pois, procedência os recursos das apelantes. b) Quanto ao recurso da R B: Alega esta que a possibilidade de a R. B ser considerada responsável pelo dano da A dependeria da prova dos requisitos da responsabilidade civil aquiliana, em especial nexo de causalidade e culpa, sendo que não consta da matéria de facto dada por provada qualquer facto que demonstre ou indicie que a R. B tenha omitido qualquer conduta. Acrescenta que só existe obrigação de indemnização independente de culpa nos casos previstos na lei -Artigo 483.° n.° 2 - o mesmo sucedendo com os casos de inversão de ónus da prova -Artigo 487.° n.° 1, in fine e a que a empreitada não envolve responsabilidade pelo risco. O dono de obra não responde pelos actos culposos do empreiteiro e não tem, em geral, um dever absoluto de fiscalizar a obra; a deficiência de fiscalização não é oponível pelo empreiteiro ao dono da obra, salvo em caso de aceitação expressa. Ora, a resposta a esta questão, em face da matéria de facto considerada por assente, foi dada de forma acertada e categórica na sentença recorrida, que na análise da questão apreço, como de resto das questões instrumentais consideradas, invocou com rigor a lei aplicável, interpretando-a de acordo com o melhor entendimento da doutrina e da jurisprudência, e efectuou uma ponderação judiciosa da facticidade assente, para concluir, convincentemente, pela procedência da acção contra a recorrente Parque Expo 98 e, consequente, condenação desta no pedido. Mostrando-se a sentença sindicada correctamente estruturada e devidamente fundamentada, este Tribunal considera dever seguir nesta parte a fundamentação doutamente deduzida pelo Mmo juiz recorrido, sem necessidade de reproduzir todos raciocínios ou explanar mais convincentes argumentos, pelo que, nos termos do art. 713º, n.º 5 do C. P. C., se remete, pois, para os fundamentos da decisão impugnada, que, no essencial, se acolhem. A sentença recorrida vale por si, pela douta fundamentação produzida em relação à questão central equacionada devidamente e do mesmo modo resolvida, fundamentação que a Apelante pretende colocar em crise, mas que, com o devido respeito, não convence. Porém, de forma abreviada e por respeito pela alegação produzida pela recorrente, que em todo o caso representa notável esforço argumentativo, se anotam as seguintes considerações: Como se sabe, em sede de responsabilidade civil extracontratual[12], a obrigação de indemnizar tanto pode derivar da prática de um facto culposo violador de um direito subjectivo[13] ou de um diverso interesse alheio legalmente protegido (art. 483º do CC), como de situações de responsabilidade objectiva ou pelo risco (ex.: arts. 500º e ss.), como até de comportamentos lícitos danosos (ex.: arts. 339º/2, 1322º/1, 1347º/3, 1348º/2 , 1349/3 e 1561º/1 do CC ). Porém, por regra, a obrigação indemnizar, em sede de responsabilidade civil por facto ilícito, tem como suposição que o facto seja imputável ao lesante a título de culpa e que exista um nexo de causalidade entre o facto (ilícito) e um resultado (danoso) (art.s 483º e 563º do CC). Deste modo, o primeiro requisito para que o facto ilícito seja gerador de responsabilidade civil é, pois, que o agente tenha assumido uma conduta culposa, que seja merecedora de reprovação ou censura em face do direito constituído. Como sucederá, em termos gerais, se o agente, na situação concreta, podia e devia, ter agido de modo a não cometer o ilícito e não o fez. O nosso Código Civil, no tocante à culpa - quer no âmbito da responsabilidade extraobrigacional (art. 487º, n.º 2), quer no da responsabilidade obrigacional (art. 799º, n.º 2) - manda apreciá-la em abstracto, isto é, segundo “a diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso”. Assim, existirá culpa sempre que o agente não proceda como procederia, no caso concreto, uma pessoa normalmente diligente. Um segundo requisito para que o facto ilícito seja gerador de responsabilidade civil é que exista um nexo causal entre o facto praticado pelo agente e o dano, segundo o qual ele fica obrigado a indemnizar todos os danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (art. 563º). No caso em apreço, parece decorrer dos factos que na execução da empreitada dos autos não se actuou com a diligência devida na realização dos trabalhos levados a cabo e, por isso, se causaram estragos no armazém da recorrente A. Com outro cuidado, com aquele que teria utilizado o homem normalmente diligente os danos causados teriam sido evitados. Não se perca de vista que tais danos resultaram essencialmente de inundação de águas da chuva, que eram previsíveis e evitáveis se tivessem sido tomadas as providências que mais tarde vieram a ser tomadas. O ónus de prova dos factos integrantes da culpa no quadro da responsabilidade civil extracontratual, se não houver presunção legal de culpa, cabe a quem com base nela faz valer o seu direito (artigos 342º, n.º 1 e 487º, n.º 1, do Código Civil). A responsabilização das sociedades como é o caso da recorrente, porque se trata de entidade meramente jurídica, assume a especificidade decorrente dessa característica. As sociedades respondem civilmente pelos actos ou omissões dos seus representantes, agentes ou mandatários nos mesmos termos em que os comitentes respondem pelos actos ou omissões dos seus comissários (artigo 6º, n.º 5, do Código das Sociedades Comerciais). Assim, a responsabilidade civil extracontratual das sociedades é moldada na responsabilidade civil do comitente no confronto com a responsabilidade civil do comissário. Resulta do referido regime, por um lado, que o que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar desde que sobre este recaia a obrigação de indemnizar (artigo 500º, n.º 1, do Código Civil). E, por outro, que a responsabilidade do comitente só existe se o facto danoso foi praticado pelo comissário no exercício da função que lhe foi confiada, ainda que intencionalmente ou contra as instruções do primeiro (artigo 500º, n.º 2, do Código Civil). Assim, são pressupostos da responsabilização das sociedades comerciais a prática pelos titulares dos seus órgãos, agentes ou representantes de um facto ilícito e culposo ou outro que implique a obrigação de indemnizar. No caso vertente mostram os factos que a sociedade empreiteira, a F, mandatada pela dona da obra, a recorrente B, para executar os trabalhos com vista a prevenir a inundação do armazém da A não o fez, violando, até, uma obrigação específica dos empreiteiros, a de executar os trabalhos necessários com vista a evitar danos nos prédios vizinhos (art. 24º/2/b, do DL 405/93, de 10/12). Deste modo, mesmo que a conduta da recorrente B não fosse de considerar culposa, sempre a mesma teria de ser responsabilizada pelos danos materiais causados no armazém da A, decorrentes da negligência da pessoa incumbida de os evitar mediante a realização dos necessários trabalhos, tanto mais que essa pessoa até detinha a qualidade de empreiteira da obra, que originou o condicionalismo adequado à ocorrência da inundação causadora dos danos. Acresce que no âmbito da responsabilidade civil extraobrigacional outras situações existem em que o agente é responsável pelos danos que produza, independentemente da culpa, como acima se deixou exemplificado. E algumas dessas situações são precisamente as previstas no art.s 1348º e 1349º do CC. Reportam-se estes normativos ao direito de realização de obras - escavações, reparações, construções e outros actos análogos - junto a prédio alheio e até ao uso esporádico deste prédio para o mesmo efeito, desde que não se prive o prédio alheio do apoio necessário para evitar desmoronamentos ou deslocações de terra, sendo, por isso, o dono do prédio obrigado a consentir nesses actos. Este, porém, tem direito a ser indemnizado pelos prejuízos sofridos, mesmo que tenham sido tomadas as precauções julgadas necessárias. Por outras palavras: o proprietário autor da lesão responde, independentemente de ter agido, ou não, com culpa, pelos danos causados pelas suas obras nos prédios vizinhos. Do que se conclui que, com o devido respeito, não assiste qualquer razão à recorrente B quando alega que não ocorre um dos pressupostos do direito de indemnização com base na responsabilidade civil, por os danos sofridos no armazém não lhe serem imputáveis a título de culpa. Como diz o Prof. Oliveira Ascensão “os deveres de vizinhança são independentes de culpa, e até de acto ilícito, por parte dos seus sujeitos”[14]. Note-se que o facto de no caso dos autos estar em causa a realização de uma obra em bem do domínio público, a alteração do pavimento de uma via pública, não lhe retira a característica de obra em imóvel junto a prédio alheio. Nenhuma razão existe para tratamento diferenciado. Daí que se conclua, como na sentença, pela responsabilidade da recorrente B pelos danos causados nas mercadorias existentes no armazém. E esta responsabilidade é solidária com a da empreiteira e, não havendo elementos bastantes para diferenciar as culpas, presumem-se estas iguais (art. 497º/2). Tal como se defendeu na sentença, entende-se que não se provaram factos para se concluir pela responsabilidade da G, pelo que também nesta parte a sentença censura não merece. Por último, também se não descortina, em face dos factos, que a recorrente A tivesse concorrido com a sua conduta para a produção dos danos. Não parece que lhe coubesse realizar no exterior do armazém quaisquer trabalhos para impedir a inundação e desconhece-se se podia, ou não, ter movimentado as mercadorias do rés-do-chão para o 1.º andar. Nenhuma culpa na produção dos danos lhe pode, pois, ser assacada. Improcedem, por isso, as conclusões do recurso da recorrente B, e procedem parcialmente as dos recursos das recorrentes A e C, sendo de alterar a decisão recorrida. | IV. DECISÃO: Em conformidade com os fundamentos expostos, nega-se provimento à apelação da B e concede-se parcial provimento à apelação das recorrentes A e C e altera-se a decisão recorrida no sentido de condenar ainda as RR. B e F a pagar à Interveniente C, pelos danos por esta sofridos, a quantia de € 88.188.06 (oitenta e oito mil, cento e oitenta e oito euros e seis cêntimos), com juros de mora nos termos fixados na sentença. Na parte restante confirma-se a douta sentença. Custas de acordo com o decaimento. Lisboa, 20 de Novembro de 2008. Fernando Pereira Rodrigues Maria Manuela Gomes Olindo Santos Geraldes ________________________________ [1] Cf. Antunes Varela, Manual de Processo Civil-2.ª Edição, Revista e Actualizada, pág. 471. [2] Cf. Acórdão da Relação de Évora de 20.09.90, sumariado no BMJ, 399/603. [3] Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, 155. [4] Acessível em http://www.dgsi.pt/jstj. [5] In Direito das Obrigações, 7.ª edição, pg. 378. [6] In Direito das Obrigações, 1980, 2.º, pg. 285. [7] In RLJ Ano 113º, pg. 104. [8] In BMJ, 458/145. Em anotação a este aresto escreve-se o seguinte: “Em sentido contrário à pronúncia do acórdão, sobre a insusceptibilidade de as sociedades comerciais poderem sofrer danos não patrimoniais, decidiu o acórdão da Relação de Coimbra de 10 de Maio de 1978, publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano III, 1978, tomo III, págs. 927 e segs., onde a este propósito se refere: «Por outro lado, é fora de dúvida que as pessoas colectivas podem sofrer danos não patrimoniais. Se não podem ter dores físicas ou morais, podem ser atingidas na sua reputação, por exemplo (De cupis il Damno, 32)». Não se encontrou na jurisprudência deste Supremo Tribunal, nem do Supremo Tribunal de Justiça, qualquer outra pronúncia expressa sobre o problema focado. E não obstante o interesse da questão, na pesquisa efectuada entre os nossos principais civilistas não se apurou que este tema concreto tenha sido objecto de tratamento na doutrina portuguesa.(M. A. D.)”. [9] Vd. Antunes Varela, "Das Obrigações em Geral", vol. I, 6ª edição, Coimbra, 1989, pg. 571, nota (1). [10] Acessível em http://www.dgsi.pt/jstj. [11] Acessível em http://www.dgsi.pt/jstj. [12] Também designada responsabilidade aquiliana ou delitual, Vd. M J. Almeida Costa, Ob. Cit., pg. 104. [13] os direitos subjectivos compreendem, essencialmente, os direitos absolutos ou erga omnes (como os direitos reais) e os direitos de personalidade. [14] in Direito Civil REAIS, 5ª ed., pg. 256. |