Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
108/05.6TBMTA.L1-1
Relator: AFONSO HENRIQUE
Descritores: EMPREITADA
CONTRATO DE EMPREITADA
PRETERIÇÃO DO TRIBUNAL ARBITRAL
OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA
EXCEPÇÃO DILATÓRIA
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/07/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - O facto das RR responderem, solidariamente, pelas obrigações a que se vincularam, não lhes retira a individualidade, enquanto pessoas colectivas próprias e sujeitos processuais autónomos.
II - Significa isto que, o termo parte a que se reporta a cláusula compromissória deve ser entendido em termos processuais e a solidariedade a que se refere o agravante deve ser apreciada em termos substantivos.
III - Não tendo o A. interpelado ambas as RR para nomear o respectivo árbitro, omitiu uma diligência essencial e previamente acordada, para constituir o Tribunal Arbitral, excepção dilatória que foi arguida, e que, também “beneficia” a empresa contactada para o efeito, desde logo, por estarmos na presença dum caso de litisconsórcio necessário, relativamente, às 1ª e 2ª RR.
IV - Nenhum contrato pode privar as partes da protecção geral, pois, pela celebração de um negócio jurídico não se renuncia à defesa que se teria independentemente dele.
V - Logo, numa empreitada pode haver responsabilidade contratual e responsabilidade extracontratual.
VI - Em coerência com esta posição doutrinal temos que concluir não se estar apenas na presença dum incumprimento contratual mas também face a uma conduta delituosa das 2ªR e 3ªR, comprovado que está ter a explosão da lareira com recuperador sido causada pela inobservância das normas técnicas adequadas à sua correcta instalação.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA (1ª SECÇÃO)

“A” e sua mulher “B” e “C”, todos residentes na Estrada ..., lote …, C... D..., M..., intentaram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra:

“D” – Arquitectura, Fiscalização e Direcção de Obras, Lda., com sede na Av. ..., nº…,…., em P... ..., “E” – Construções e Reparações, com sede na Travessa ..., nº …, M..., e “F” – Climatização e Energia, Lda., com sede no A... ..., M....

Peticionando que: A) - As Rés sejam condenadas, solidariamente, a pagar-lhes a quantia de €15.105.73 por danos patrimoniais e, a cada um deles (individualmente), a quantia de €1.000.00 por danos não patrimoniais; B) - peticionaram ainda que, a 1ª e a 2ª Rés, de modo solidário e no prazo de três meses a contar do trânsito em julgado da decisão, reparem à custa das próprias, os defeitos de construção da vivenda que deram de empreitada a ambas, e se o não fizerem no referido prazo, sejam condenadas a indemnizar o Autor, “A”, no montante necessário para ele poder pagar a outrem essas reparações, no valor de €12.000,00 actualizado à data da decisão da 1ª Instância de acordo com o aumento de índice de preços no sector da construção, acrescida de juros à taxa legal, desde a data dessa decisão e até integral pagamento.

Para fazer valer a sua pretensão os Autores alegam:

- Ter celebrado com as duas primeiras Rés um contrato de empreitada para a construção de uma moradia, onde hoje habitam, tendo estas Rés, por sua vez, celebrado um contrato de subempreitada com a 3ª Ré, para fornecimento e colocação, incluindo todos os trabalhos para o efeito necessários, de uma lareira preparada para a instalação de um recuperador de calor, na moradia em causa.
- A 3ª Ré, “F”, Lda., forneceu e instalou a referida lareira e um recuperador de calor, cuja execução foi deficiente, não tendo sido garantidas as necessárias condições de segurança em consequência do que a lareira veio explodir projectando pedaços da mesma e o recuperador de calor pelo ar, atingindo vários metros de distância, causando avultados prejuízos, tendo ficado destruídos ou danificados de modo a não poderem voltar a ser utilizados, vários bens.
- Descrevem que toda a casa se encheu de fumo havendo necessidade de chamar os bombeiros.
- Por força da explosão e da emissão de fumos, o estuque do tecto e as paredes da sala onde a lareira se encontrava, bem como das restantes divisões ficaram sujos e escurecidos precisando de ser pintados.
- Referem, para além destes, outros danos.
- Acrescentam que, a Ré “F” detém um contrato de seguro de responsabilidade civil que o Autor pretendeu accionar, mas a Seguradora não admitiu ressarcir os danos patrimoniais que advieram da explosão, alegando que, a situação em causa não está garantida pela apólice, a qual não cobre danos resultantes de erros ou omissões profissionais cometidas no decurso da actividade.
- Referem, finalmente, que, além do susto e incómodo por que passaram, tiveram compreensíveis desgosto dado que a casa era nova, o sonho de uma vida que se tornou num pesadelo, pelo que entendem existirem danos não patrimoniais a ressarcir, danos que pela sua gravidade merecem a tutela do direito.

No que respeita ao segundo pedido, formulado apenas contra, as 1ª e 2ª Rés, os Autores alegam que:

- Após a construção e recepção da vivenda pelo Autor “A”, vieram a constatar a existência de diversos defeitos de construção, não aparentes, que especificam, os quais foram denunciados aquelas Rés, antes de decorrido um ano sobre a verificação de cada um deles e menos de um ano relativamente à data da instauração desta acção, uma vez que tais defeitos tornaram-se aparentes no decurso do 1º semestre de 2004, tendo sido denunciados nesse mesmo ano e após a data da explosão da lareira, que ocorreu em 22 de Fevereiro de 2004.
- Acrescentam que, o gerente da 2ª Ré reconheceu a existência dos defeitos, mas, pese embora a promessa repetida de reparação esta nunca ocorreu.
- Explicam que, embora o contrato de empreitada celebrado preveja a intervenção do Tribunal Arbitral, interpelada a Ré para que, querendo, designasse árbitro, tal não ocorreu o que permite a instauração da acção perante a jurisdição comum.


Todas as Rés, regularmente citadas, apresentaram contestação:


a) - A Ré, “D”, Lda., veio pugnar pela sua absolvição do pedido invocando a caducidade do direito de, quanto a si, os Autores poderem opor os defeitos da obra, por decurso do prazo para o efeito, porquanto, a obra foi aceite em Agosto de 2002, altura em que foi considerada concluída e definitivamente aceite pelo respectivo dono, mediante a entrega das chaves, tendo a respectiva licença de utilização sido entregue pela Câmara em 19.09.2002.
- Acrescenta que, desde essa data, Agosto de 2002, e até ao momento em que foi citada para a presente acção, nunca pelos autores lhe foi comunicado qualquer defeito ou anomalia.
- Refere-se ainda ao facto do contrato de empreitada celebrado conter na sua cláusula 14ª uma convenção de recurso a Tribunal Arbitral para a resolução de qualquer litígio emergente da execução do contrato, não tendo sido efectuada a notificação prevista na referida cláusula, no que a si respeita.
- E, finalmente, que a notificação que os Autores alegam ter sido feita na sede da 2ª Ré, não lhe diz respeito.

Sem prescindir, procede à impugnação da matéria de facto alegada pelos Autores, referindo, no essencial, que:

- A moradia foi entregue e aceite pelo dono da obra sem que a lareira estivesse executada, por ter sido acordado por todos, que seria a empresa fornecedora do recuperador de calor a executá-la por se ter achado mais conveniente ser executada em simultâneo a instalação da lareira e do recuperador de calor, tendo a escolha da empresa ficado a cargo do dono da obra.
- Alega não ter celebrado qualquer contrato de empreitada com a Ré “F”, Lda., tendo essa empreitada sido acordada, entre o Autor “A” e a “F” e, só por essa razão, se compreender que o Autor tenha participado o sinistro à seguradora desta empresa, atitude que evidencia que foi a esta que atribuiu a responsabilidade do ocorrido.
- Impugna os danos e valores que os autores reclamam e pugna pela sua absolvição do pedido.

b) - A Ré “E”, Lda., defende-se alegando, tal como a 1ª Ré, ser alheia ao acordo efectuado entre os Autores e a 3ª Ré, para execução e instalação do recuperador de co1or, não tendo sido o seu pessoal a executar tal trabalho.
- Quanto aos defeitos da obra alegados pelos Autores, tal como a 1ª Ré entende que, está precludido o direito à acção, dado a denúncia ter ocorrido após, mais de um ano, da entrega da obra, acrescentado que, se assim não se entender apenas reconhece alguns deles, “pequenas rachadelas nas partes interior e exterior do quarto das crianças e fissura existente na parede junto à garagem”, defeitos que, está disposta a reparar, em prazo razoável.

c) - A Ré “F”, Lda, nega ter celebrado qualquer contrato de subempreitada com a 1ª Ré ou com os Autores, afirmando que, o contrato que celebrou foi com a 2ª Ré (“E”), e teve como objecto o fornecimento e colocação da lareira com recuperador de calor, sendo esta que lhe pagou.
- Afirma ter emitido a factura e recibo referente ao recuperador em nome do Autor, “A”, a pedido deste, para efeitos do IRS, mas não ter dele recebido qualquer importância.
- Não admite que, o ocorrido tenha a ver com a execução da obra, alegando que, os trabalhos foram executados observando todas as normas de execução e montagem, tendo o seu pessoal vasta experiência, dado que, já executaram centenas de outras lareiras com recuperadores, entendendo que, a explosão verificada ocorreu por ser dado uso indevido ao recuperador.
- Por outro lado, entende exagerados os danos e valores que os Autores referem, além de, não vislumbrar qualquer fundamento legal para os danos morais alegados.

Termina pugnando pela sua absolvição do pedido.


Os Autores replicaram pugnando pela improcedência da excepção de caducidade e mantendo o que foi alegado na petição inicial.


Em sede de Saneamento (Despacho Saneador) foi conhecida a invocada violação de convenção e arbitragem (cláusula 14ª do denominado contrato de empreitada), tendo as Rés “D”, Lda. e “E”, Lda., sido absolvidas da instância na parte respeitante ao pedido relativo aos defeitos da obra (pedido B), prosseguindo a acção contra as três Rés no que concerne aos danos decorrentes da explosão da lareira (pedido A), decisão que foi objecto de recurso (Recurso esse que foi admitido como sendo de agravo, a subir a final e com efeito meramente devolutivo)


A decisão sobre a excepção de preterição do convencionado Tribunal Arbitral foi do seguinte teor:

“-…-
O réu “D” - Arquitectura e Fiscalização de obras, Lda., vem defender-se da pretensão dos autores alegando, haver celebrado com estes, juntamente com o co-réu “E” - Construções e Reparações, Lda., um acordo nos termos do qual qualquer litígio que emergisse da interpretação e execução do contrato de empreitada celebrado entre as partes seria dirimido por um Tribunal Arbitral a constituir por estas.
Mais alega o réu que nos termos do acordo celebrado a parte que pretendesse instaurar um litígio no dito Tribunal notificaria, por carta registada com aviso de recepção, as restantes partes, indicando com precisão o objecto do litígio e o nome e morada do árbitro por si designado.
O réu termina a sua contestação alegando que nunca foi notificado pelos autores da pretensão dos mesmos em constituir o Tribunal Arbitral.
Os autores, replicando, vêm dizer que, celebraram com os réus um único contrato de empreitada, contrato esse que constituía os réus em responsabilidade solidária pelo cumprimento das obrigações dele decorrentes.
Mais alegam os autores que não necessitavam de notificar ambos os réus para que o tribunal pudesse ser validamente constituído uma vez que a propositura da acção contra um deles bastava para se produzirem os efeitos da responsabilidade solidária.
Os autores consideram suficiente ter sido notificado apenas o réu “E”. Pelo que, não tendo este procedido à nomeação do árbitro que lhe cabia no prazo de oito dias alegam não ter sido cumprido o acordado e, em consequência, estar justificado o recurso aos tribunais judicias nos termos do estipulado no contrato.
Porque os autos contêm já todos os elementos para apreciar da excepcionada competência deste tribunal cumpre apreciar:

Com interesse para a decisão do incidente consideram-se provados os seguintes factos:
- Em 16 de Novembro de 2001 os autores e os réus “D” – Arquitectura e fiscalização de obras, Lda. e “E” – Construções e reparações, Lda., celebraram um escrito nos termos do qual os segundos se obrigavam a realizar a construção de uma moradia unifamiliar num lote de terreno (lote nº 4) sito na Urbanização Municipal do C... D..., na M..., mediante o preço, a pagar pelos segundos, de 26.560.00$00 (acrescido de IVA). Tal acordo contém uma cláusula nos termos da qual «a resolução de qualquer litígio emergente da interpretação e execução do presente contrato, considerando-se também abrangidas quaisquer questões relacionadas com a necessidade de o precisar, completar ou actualizar, será submetida à apreciação de Tribunal Arbitrai (...)» - corpo da cláusula 14ª do escrito junto com a P. I. sob doc.nº1;
Nos termos do referido acordo «a parte que pretenda instaurar o litígio no Tribunal Arbitral notificará, por carta registada com aviso de recepção, indicando com precisão o objecto do litígio e indicando o nome e morada do árbitro por si designado» - nº1 da mesma cláusula 14º.
A parte notificada deveria, por sua vez, proceder à nomeação de um árbitro no prazo de 8 dias a contar da notificação;
Caso o árbitro não fosse designado no prazo estipulado tal implicaria o «incumprimento da convenção de arbitragem, com possibilidade de recurso imediato aos meios judiciais» - nº 4 da cláusula 14º.
Em 19.11.2001 o réu “E” foi notificado da comunicação endereçada pelos autores no sentido de desencadear a constituição do Tribunal Arbitral.
O réu “E” nada disse aos autores no prazo acordado.
O réu “D” não foi notificado pelos autores com vista à constituição do Tribunal Arbitral.
Dispõe o nº1 do artigo lº da Lei nº 31/86 de 29 de Agosto (lei da arbitragem voluntária) que «Desde que por lei especial não esteja submetido exclusivamente a tribunal judicial ou a arbitragem necessária, qualquer litígio que não respeite a direitos indisponíveis pode ser cometido pelas partes, mediante convenção de arbitragem, à decisão de árbitros».
Mais refere o nº2 do mesmo artigo que «a convenção de arbitragem pode ter por objecto um litígio actual, ainda que se encontre afecto a tribunal judicial (compromisso arbitral), ou litígios eventualmente emergentes de uma determinada relação jurídica contratual ou extracontratual (cláusula compromissória)».
Refere ainda o nº4 do artigo 2º que «a convenção de arbitragem pode ser revogada, até à pronúncia da decisão arbitral, por escrito assinado pelas partes».
Como bem é referido no Ac. do STJ, de 18.01.2000, «a convenção arbitral é um negócio jurídico bilateral, no sentido de que há vontade concorrente de duas partes para a sua formação». Desta convenção «nasce um direito potestativo para as partes, que as vincula à constituição de um tribunal arbitral para o julgamento de litígios nela previstos». A convenção «não afecta directamente a relação jurídica material, sendo acessória dela, não é a solução para o litígio entre as partes, mas apenas o meio de elas o poderem solucionar».
No caso concreto verificamos ter sido incluída no acordo que as partes denominaram de «contrato de empreitada» uma cláusula (14º cláusula) nos termos da qual qualquer litígio emergente da interpretação, execução, actualização ou precisão do contrato seriam dirimidos em Tribunal Arbitral a constituir pelas partes.
Nos termos dessa cláusula, a parte que pretendesse instaurar um litígio no tribunal deveria notificar a restante parte, por carta registada com aviso de recepção, dessa sua vontade e do árbitro que indicava para fazer parte da formação do tribunal.
Por sua vez, a parte contrária tinha um prazo de oito dias para proceder à nomeação do árbitro que lhe cabia designar.
De acordo com a matéria de facto dada como provada (ponto 5. e 7.) verifica-se que apenas o réu “E” foi notificado da vontade dos autores de constituir o tribunal arbitral.
Posto isto, que dizer?
Da análise que fazemos da cláusula 14ª do escrito junto com a P. I. resulta claro serem três as partes contratantes na convenção de arbitragem: “A”, “E” e “D”.
Ora, com o estabelecimento da convenção de arbitragem as partes decidiram submeter os eventuais litígios que pudessem ocorrer no decurso da execução do negócio que haviam celebrado a um tribunal não estadual cujo processo de decisão se afasta das regras próprias do Código de Processo Civil.
Nomeadamente, e no que respeita à aferição da legitimidade das partes para estarem presentes em juízo arbitral, deixam de ter-se em linha de conta as regras próprias da legitimidade processual.
Daí que não faça sentido que a convenção de arbitragem seja interpretada de acordo com as regras atinentes à legitimidade processual das partes, designadamente aquelas que se referem à solidariedade passiva no âmbito das obrigações solidárias (artigos 517º do CC e 27º nº 2 do CPC).
Na verdade, dando o legislador às partes a liberdade de poderem optar pela resolução de litígios fora dos tribunais do Estado é pelo instrumento negocial celebrado entre as partes que deve ser definido o âmbito subjectivo e objectivo de jurisdição do tribunal arbitrai.
As relações jurídicas processuais estabelecem-se sempre entre partes (pessoas físicas ou jurídicas), sendo estas identificadas com o número de pessoas que têm interesse em demandar ou contradizer os termos de determinada acção.
No caso concreto verificamos claramente serem três as partes contratantes do compromisso arbitral (“A”, “E” e “D”) apesar de o escrito assinado por ambas as partes apenas se referir a dois outorgantes (o primeiro correspondendo ao “A” e o segundo a “E” e “D”).
Bem como, também chegamos à conclusão que decorria da convenção de arbitragem a obrigatoriedade de demandar conjuntamente ambas as partes.
Aliás, bem se compreende que fosse esse o desejo do réu uma vez que contribuindo ambas as empresas (“D” e “E”) para a realização do contrato haveria todo o interesse em demandá-las em conjunto.
Ora, se “A” pretendia demandar as partes contratantes no, por elas denominado, contrato de empreitada, teria de notificar ambas para que elegessem o árbitro que lhes cabia.
Daí que, sendo a notificação, por definição, um acto pessoal, não se pode considerar ter sido notificado o réu “D” na pessoa do réu “E”.
Não se considerando este último devidamente notificado chegamos à conclusão de que “A” não cumpriu à obrigação decorrente do nº 1 da cláusula 14ª do escrito celebrado entre as partes, não tendo sido validamente comunicada ao réu “D” a vontade de constituir o tribunal arbitral.
Violada que está a convenção de arbitragem em relação a um dos réus o caminho a seguir é o da exclusão de ambos da presente instância processual.
Repete-se o que já se referiu: os autores optaram claramente por demandar ambos os réus em conjunto, pelo que deve o tribunal arbitral dirimir o litígio com a presença de ambos no processo.

Decidindo:

Nestes termos, julgo verificada a excepção dilatória de violação de convenção de arbitragem alegada pelo réu “D”, absolvo as rés “D” - Arquitectura e Fiscalização de Obras, Lda. e “E” – Construções e Reparações, Lda., da instância, relativamente aos pedidos deduzidos na alínea B) nos termos dos artigos 493º nºs1 e 2, 494º j), 495º, 238º nº 1 e) e 287º a) do CPC) seguindo a presente acção contra todos as rés relativamente ao pedido deduzido na alínea A).
-…-”.


Fixados os factos assentes e os a levar à base instrutória, houve reclamação quanto à fixação da matéria controvertida, que foi atendida.


Procedeu-se a Julgamento, o qual ocorreu em observância ao formalismo legal.


Foi respondida à matéria de facto, nos termos constantes do despacho de fls. 365 a 369, que não foi objecto de reclamação.


E foi proferida a competente sentença – parte decisória -:

“-…-
Por todo o exposto, decide-se julgar, parcialmente, procedente a acção, relativamente, à Ré “E” – Construções e Reparações, Lda. e, totalmente, improcedente quanto às Rés “D” – Arquitectura e Fiscalização de Obras, Lda. e “F” – Climatização e Energia, Lda. e, em consequência:

1º- Condenar a Ré “E”, Lda.:

a) – A pagar, solidariamente, aos Autores os valores que vierem a ser liquidados em execução de sentença, relativos ao móvel estante de sala de estar em mogno, porta dupla de entrada para a sala de estar, um tapete de Arraiolos, um radiador e um conjunto de dois sofás individuais e um outro de três lugares, valores esses acrescidos de juros moratórios a liquidar desde a data de citação da última das Rés a ser citada;
b) - A pagar, solidariamente, aos Autores a quantia €230,00 (duzentos e trinta euros) acrescida de juros moratórios a liquidar desde a data de citação da última das Rés a ser citada;
c) - A pagar, a cada um dos Autores, a quantia de €1.000,00 (mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros moratórios a liquidar desde a data desta decisão.

2º - Absolver a Ré “E”, Lda. de todo o restante pedido;

3.° - Absolver as Rés “D” – Arquitectura, Fiscalização e Direcção de Obras. Lda. e “F” - Climatização e Energia, Lda., de todo o pedido.

Custas pelos Autores e Ré “E”, Lda., na proporção de 75% para os primeiros e 25% para a segunda (artº 446º, nº 1, do CPC)
-…-”


Desta sentença também houve recurso, por parte dos AA., o qual foi admitido como sendo de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

E fundamentaram o respectivo recurso, formulando, as seguintes, CONCLUSÕES:

1 - Os ora apelantes, ali agravantes, mantêm interesse na apreciação do recurso de agravo interposto do despacho saneador que julgou procedente, quanto às Rés “D” - Arquitectura, Fiscalização e Direcção de Obras, Lda. e “E” - Construções e Reparações, Lda., a excepção da preterição de Tribunal Arbitral, relativamente ao pedido B) formulado na petição inicial.
2 - A 1ª Ré assumiu, solidariamente com a 2ª Ré, a obrigação de fornecer aos Autores, além do mais, uma lareira preparada para receber um recuperador de calor.
3 - Se essa lareira ficou ferida do vício que originou a explosão ocorrida os danos por ela causados, é a 1ª Ré responsável perante os Autores nos mesmos termos que a 2ª Ré, independentemente de não ter sido ela quem contratou a subempreitada com a 3ª Ré.
4 - A 3ª Ré, “F”, Lda., deve ser condenada, solidariamente com as demais, a título de responsabilidade civil extracontratual.
5 - No caso dos autos, a lareira ruiu, em virtude da explosão, devido a erros na sua execução, não se tratando aqui de reparar defeito, mas de a obra contratada ter ficado destruída, ter ruído, em virtude de ter explodido, por ter sido mal construída, pelo que os donos da obra não têm de se limitar a pedir a reparação (até porque nada há a reparar, pois, ficou destruído) - podendo pedir indemnização pelo valor do bem destruído.
6 - O recuperador de calor (não abrangido pelo contrato de empreitada, que se referia apenas a lareira apta a receber tal objecto) e os estragos no imóvel, não estão, manifestamente, abrangidos pela previsão dos artºs 1221º e 1223º, no sentido de apenas ser exigível a reparação dos defeitos, quer por não abrangidos pelo contrato de empreitada (nem o recuperador de calor, nem obviamente os danos), quer por que não se trata de defeitos a reparar.
7 - A indemnização por danos não patrimoniais em relação a cada um dos Autores deve ser fixada em € 1.000,00, com referência à data da citação da última das Rés a ser citada, e não a data da sentença, para efeitos de termo inicial de contagem de juros moratórios.
8 - A decisão recorrida violou, por errada interpretação ou inaplicação, os artºs 1223º, 1225º, nº 1, 433º, 456º, 493º, nº 2, 496º e 562º do CC.

Conclui pela procedência do recurso do modo antes sustentado.


Mantendo os recorrentes e apelantes interesse no agravo antes interposto há que recuperar as alegações desse primeiro recurso com, as seguintes, CONCLUSÕES:

- No contrato há duas partes outorgantes, não três.
- As segundas outorgantes são duas empresas que, solidariamente, assumiram os seus direitos e obrigações perante o primeiro outorgante, incluindo o compromisso arbitral.
- Como é de regra relativamente às obrigações solidárias, a interpelação de um dos devedores vincula os restantes.
- Aliás, contratualmente estão expressamente previstos dois árbitros, não três, o que bem inculca que as decisões quanto à constituição do Tribunal Arbitral, no que concerne às segundas outorgantes devem ser internamente resolvidas, sem relevância externa, pelo que, à contraparte basta interpelar qualquer das devedoras solidárias, cabendo à interpelada informar as suas co-obrigadas solidárias e a todas as obrigadas solidárias conformar-se com a aplicação das normas relativas ao regime legal, interno e externo, da solidariedade das obrigações.
- Entendem, assim, os agravantes que a correcta resposta à questão colocada corresponde ao SEGUNDO termo da alternativa colocada, e que, consequentemente, mal andou a decisão recorrida em julgar procedente a excepção invocada, devendo, pelo contrário, julgar-se a mesma improcedente.
- Se, porventura (o que se não concebe nem aceita como correcto) a decisão do Tribunal da Relação fosse no sentido de ser correcta a aplicação do PRIMEIRO termo da alternativa colocada então, ainda assim, mereceria censura a decisão recorrida, na medida em que absolveu da instância AMBAS as sociedades que outorgaram como segundas outorgantes, quer a que foi interpelada e não deduziu a excepção de preterição de Tribunal Arbitral, quer a que não foi interpelada e deduziu tal excepção.
- Caso se entenda necessária a interpelação de ambas as empresas, a excepção de preterição de Tribunal Arbitral apenas deve proceder quanto à sociedade não interpelada e que deduziu a excepção de preterição de Tribunal Arbitral, não quanto à que foi interpelada e que não deduziu tal excepção.
- Esta, por um lado, foi devidamente notificada e, se não nomeou árbitro e assim inviabilizou a constituição de Tribunal Arbitral, foi porque não quis e, pelo contrário, quis que o litígio fosse dirimido pelo Tribunal comum; por outro, ao não deduzir a excepção de preterição de Tribunal Arbitral, aceitou a jurisdição do Tribunal comum.
- Não faz, assim, sentido a absolvição da instância quanto ao pedido B) dos Autores.
- Ou bem que as obrigações assumidas pelas duas pessoas colectivas que outorgaram como segundas outorgantes são solidárias e não faz sentido a procedência da excepção, ou bem que, se entende que não são solidárias e então os Autores podem demandar cada uma das sociedades que outorgaram como segundas outorgantes, relativamente à sua responsabilidade individual.
- No primeiro caso (que é o que os agravantes entendem o correcto) deve, tout court, improceder a excepção; no segundo caso, então as obrigações de cada uma das sociedades que outorgaram como segundas outorgantes não são solidárias, antes conjunta e, nesse caso, a interpelação para constituição de Tribunal Arbitral efectuada a “E”, Lda. vincula esta sociedade (que, aliás, não alegou preterição de Tribunal Arbitral) e, nesse caso, deveria apenas ser absolvida da instância “D”, Lda., mas deveria a acção prosseguir, PARA APRECIAÇÃO DE AMBOS OS PEDIDOS, contra “E”, Lda., que foi notificada para a constituição de Tribunal Arbitral e não indicou árbitro nem alegou a excepção de preterição de Tribunal arbitral.

Conclui pelo provimento deste recurso.

#

- Foram colhidos os necessários vistos

#
APRECIANDO E DECIDINDO

Thema decidendum:

- Em função das conclusões, temos que:

A) - No agravo os AA. e recorrentes levantam estas questões:

1 - Ao contrário do decidido, sendo a responsabilidade das 1ª R e 2ª R de natureza solidária, basta a interpelação duma delas para obstar à declarada preterição do Tribunal Arbitral e;

2 - Se assim não for entendido, tal preterição apenas pode ser considerada em relação à 1ª R, por não notificada para esse efeito, e não (como se decidiu), em relação aquelas duas RR.


B) - Na apelação os mesmos recorrentes suscitam estas questões:

1 – Face à referida natureza solidária da responsabilidade assumida pelas 1ª e 2ª RR (“D”, Lda. e “E”, Lda.), também a 1ª R devia ser condenada nos pedidos deduzidos pelos AA, independentemente de ter intervido no contrato de subempreitada (subscrito, unicamente, entre a 1ª e 3ª RR).

2 – A 3ª R (“F”, Lda.) deve ser, igualmente, condenada a título de responsabilidade extracontratual (explosão causada pela deficiente instalação da lareira e recuperador)

3 – Como a lareira ruiu devido a explosão deve o dono da obra ser indemnizado nos termos do artº 1225º CC.

4 - Os juros relativos à indemnização atribuída a cada um dos AA., devem ser calculados desde o momento da citação da última das Rés a ser citada, e não a data da sentença (como foi decidido).

#
Os Factos

- Está provado com interesse para a decisão da causa:

1 - Em16 de Novembro de 2001, o Autor, “A”, e as empresas “D” - Arquitectura e Fiscalização de Obras, Lda. e “E” - Construções e Reparações, Lda., subscreveram um escrito, nos termos do qual, os segundos se obrigavam a realizar a construção de uma moradia unifamiliar num lote de terreno (lote nº …) sito na Urbanização Municipal do C... D..., na M..., mediante o preço, a pagar pelo primeiro, de 26.500.000$00 (acrescido de IVA) - cfr. docs. de fls. 16 a 19 que aqui se dá por integralmente reproduzido (Alínea A) dos Factos Assentes);
2 - O imóvel encontra-se registado a favor dos Autores, na Conservatória do Registo Predial da M..., sob o nº ... (certidão de fls. 24 a 27);
3 - A Ré “E” - Construções e Reparação, Lda. celebrou com a Ré “F” - Climatização e Energia, Lda., um acordo, nos termos do qual, esta última se obrigava a fornecer e instalar na moradia mencionada no ponto 1 uma lareira preparada para vir a receber um recuperador de calor, mediante o pagamento de determinado preço a pagar por si (resposta ao quesito 1º);
4 - A Ré “F” forneceu e instalou uma lareira com recuperador de calor na sala da moradia referida no ponto 1, através de pessoal por si contratado e sob a sua direcção (Alínea B) dos Factos Assentes);
5 - Em 22 de Fevereiro de 2004, a lareira referida explodiu, projectando pedaços da mesma e o recuperador de calor (Alínea C) dos Factos Assentes);
6 - Em consequência da explosão ficaram destruídos ou danificados os seguintes objectos:
a) A lareira que explodiu;
b) O recuperador de calor;
o) Móvel estante de sala de estar em mogno;
d) Porta dupla de entrada para a sala de estar;
e) Pintura do tecto e paredes da sala onde estava instalada a lareira (Alínea B) dos factos assentes)
7 - A lareira referida no ponto 2 foi instalada sem que fossem observadas as normas técnicas adequadas ao efeito (resposta ao quesito 3º);
8 - O que provocou a explosão da mesma e a projecção do recuperador de calor (resposta ao quesito 4º);
9 - Da explosão da lareira resultaram destruídos ou danificados os seguintes objectos:
a) - Um tapete de Arraiolos;
b) - Um radiador; e
c) - Um conjunto de dois sofás individuais e um outro de três lugares (resposta ao quesito5º);
10 - Dos objectos referidos no ponto 8 (lareira e recuperador) a lareira tinha o valor de €1.088.02 e o recuperador de calor o valor de €1.657,72 (resposta ao quesito 6º);
11 - A intervenção dos bombeiros originou a destruição de um caixilho em alumínio termolacado verde e a sujidade do revestimento do solo onde ficou depositado o recuperador de calor, tudo no valor de €230 (resposta ao quesito 7º);
12 - Os acontecimentos referidos no ponto 3 causaram, em cada um dos autores, desgosto e incómodo (resposta ao quesito 8º);
13 - Em virtude da explosão da lareira ficaram danificados alguns mosaicos e peças de rodapé da sala de estar e sala de jantar, sendo necessária a sua substituição (resposta ao quesito 9º);
14 - Em resultado da explosão da lareira e incêndio subsequente o estuque do tecto e paredes da sala, bem como os demais tectos e paredes interiores da casa ficaram sujos e enegrecidos, sendo necessário a substituição do estuque do tecto da sala onde estava a lareira e pintura dos tectos e paredes interiores de todas as divisões do rés-do-chão e primeiro andar (resposta ao quesito 10º);
15 - O custo das obras, mão-de-obra e material necessários aos trabalhos referidos nos pontos 12 e 13 bem como retirada e transporte para o vazadouro do entulho que resultar destes trabalhos, importa em €6.2500,00 (resposta ao quesito 11º).

#

1 - DO AGRAVO (1-Ao contrário do decidido, sendo a responsabilidade das 1ª R e 2ª R de natureza solidária, basta a interpelação duma delas para obstar à declarada preterição do Tribunal Arbitral e; 2 - Se assim não for entendido, tal preterição apenas pode ser considerada em relação à 1ª R, por não notificada para esse efeito, e não - como se decidiu -, em relação aquelas duas RR).

Com interesse para a boa decisão deste recurso, apurou-se que:

- Em 19.11.2001 a R., “E”, Lda., foi notificado da comunicação endereçada pelos autores no sentido de desencadear a constituição do Tribunal Arbitral.
- A referida “E” nada disse aos autores no prazo acordado.
- O R, “D”, Lda., não foi notificado pelos autores com vista à constituição do Tribunal Arbitral.

Quid juris?

O artº 209º nº2 da Constituição da República Portuguesa / CRP (antes correspondia ao artº212º, da revisão de 1982) prevê a existência de Tribunais Arbitrais.

A Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto, (Lei de Bases da Arbitragem Voluntária / LAV), materializou o quadro normativo de afirmação desta nova realidade jurisdicional.

E dispõe o seu artº1º:

- Desde que por lei especial não esteja submetido exclusivamente a tribunal judicial ou a arbitragem necessária, qualquer litígio que não respeite a direitos indisponíveis pode ser cometido pelas partes, mediante convenção de arbitragem, à decisão de árbitros.

Por sua vez, estabelece o nº2 do mesmo preceito legal:

- A convenção de arbitragem pode ter por objecto um litígio actual, ainda que se encontre afecto a tribunal judicial (compromisso arbitral), ou litígios eventuais emergentes de uma determinada relação jurídica contratual ou extracontratual.

É a chamada cláusula compromissória.

A convenção arbitral é um negócio jurídico bilateral, na medida em que resulta da convergência da vontade das partes – vide, Acordão do STJ, de 18.01.2000, no processo nº 99A1015, em www.stj.pt -.

Os Tribunais Arbitrais são instituições de natureza privada que, por participarem no exercício da função jurisdicional, vêem as suas decisões ter força de caso julgado e força executiva – artº 26º da citada Lei 31/86 -.

Segundo Francisco Cortez e numa feliz síntese: a arbitragem voluntária é contratual na sua origem, privada na sua natureza, jurisdicional na sua função e pública no seu resultado - in “A Arbitragem Voluntária em Portugal”, Revista “O Direito”, pag.555.

Da convenção de arbitragem, como enfatiza Raul Ventura, nasce um direito potestativo para cada uma das partes contribuir para a constituição do respectivo Tribunal Arbitral a fim de dirimir os litígios decorrentes do contrato em crise - in, “Convenção de Arbitragem”, in, Revista da Ordem dos Advogados, nº 46, pag.301 -

A competência do tribunal afere-se pelo pedido do autor (quid disputatum).

No caso vertente, não está em causa a competência do Tribunal Arbitral quanto ao alegado incumprimento contratual, mas saber se as RR:

a) – Tinham de ser ambas (empresas responsáveis pela empreitada) interpeladas para indicar o respectivo juiz - árbitro? e/ou;
b) - Tendo sido apenas uma das empresas / RR interpelada para esse efeito, não deve a interpelada “beneficiar” da alegada preterição de Tribunal Arbitral?

O clausulado a este propósito (doc.nº1 a fls.19/cláusula 14ª) é o que se segue:

- A resolução de qualquer litígio emergente da interpretação e execução do presente contrato, considerando-se também abrangidas quaisquer questões relacionadas com a necessidade de o precisar, completar ou actualizar, será submetida à apreciação de Tribunal Arbitral;
1 - A parte que pretenda instaurar o litígio no Tribunal Arbitral notificará, por carta registada com aviso de recepção, indicando com precisão o objecto do litígio e indicando o nome e morada do árbitro por si designado;
2 - A parte notificada deveria, por sua vez, proceder à nomeação de um árbitro no prazo de 8 dias a contar da notificação;
3 – Aos dois árbitros designados pelas partes caberá a escolha dum terceiro, após o que se encontra constituído o Tribunal Arbitral, a funcionar nos termos previstos na lei respectiva.
4 – A não designação pela parte faltosa do árbitro, nos termos e prazo previsto nº nº2, implicará o incumprimento da convenção de arbitragem, com possibilidade de recurso imediato aos meios judiciais.

Como se constata e, ao contrário do alegado pelo agravante, a cláusula supra enunciada prevê que cada uma das partes seja notificada para em prazo (8 dias) proceder à indicação do respectivo árbitro.

Acontece que, in casu, a parte contratante correspondente aos que figuram como empreiteiros no contrato é formada por duas empresas que, entre si, tinham o direito de indicar um perito, o qual, juntamente com o perito nomeado pelo A. cabia cooptar o terceiro perito.

O facto das RR, “D”, Lda. e “E”, Lda. responderem, solidariamente, pelas obrigações a que se vincularam não lhes retira a individualidade, enquanto pessoas colectivas próprias e sujeitos processuais autónomos.

Daí, o(s) pedido(s) na acção serem deduzidos contra cada uma daquelas empresas.

E, assim, foram compreendidos por estas que, na qualidade de RR. os contestaram separadamente.

Significa isto que, o termo parte a que se reporta a cláusula 14 deve ser entendido em termos processuais e a solidariedade a que se refere o agravante deve ser apreciada em termos substantivos.

Não tendo o A. interpelado também a R., “D”, Lda., para nomear o respectivo árbitro, omitiu uma diligência essencial e previamente acordada, para constituir o Tribunal Arbitral que deveria dirimir os problemas surgidos na execução da empreitada, aferindo da existência, ou não, de responsabilidade contratual por parte das 1ª e 2ª RR.

A preterição do Tribunal Arbitral resultante de convenção constitui excepção dilatória, cujo conhecimento não é oficioso, mas que foi arguida pela R, F.Coentro – artºs. 494º, n.º 1, j) e 495º do CPC e Lopes dos Reis, in, “Questões de arbitragem Ad-Hoc II”, Revista da Ordem dos Advogados, n.º 59, pág. 292 -.

Não tendo sido constituído o Tribunal Arbitral, por culpa do A., a detectada excepção também “beneficia” a empresa contactada para o efeito, desde logo, por estarmos na presença dum caso de litisconsórcio necessário, relativamente, às 1ª e 2ª RR.

Tudo visto, não deve ser dado provimento ao agravo.

#

B) – DA APELAÇÃO (1.Face à referida natureza solidária da responsabilidade assumida pelas 1ª e 2ª RR - “D”, Lda. e “E”, Lda., respectivamente -, também a 1ª R devia ser condenada nos pedidos deduzidos pelos AA, independentemente de ter intervido no contrato de subempreitada - subscrito, unicamente, entre a 1ª e 3ª RR -; 2.A 3ª R - “F”, Lda. - deve ser, igualmente, condenada a título de responsabilidade extracontratual - explosão causada pela deficiente instalação da lareira e recuperador -; 3.Como a lareira ruiu devido a explosão deve o dono da obra ser indemnizado nos termos do artº 1225º CC; 4. Os juros relativos à indemnização atribuída a cada um dos AA., devem ser calculados desde o momento da citação da última das Rés a ser citada, e não a data da sentença - como foi decidido -)


1 - (Também a 1ªR (“D”) devia ser condenada nos pedidos deduzidos por aqueles, independentemente, de ter intervido no contrato de subempreitada firmado apenas entre a 2ª R / “E” e 3ª R /”F”)

Argumentam os recorrentes / AA:

“-…-
A 1ª Ré celebrou com os Autores, solidariamente, com a 2ª Ré, um contrato de empreitada.
-…-
A 1ª Ré assumiu, solidariamente com a 2ª Ré, a obrigação de fornecer aos Autores, além do mais, uma lareira preparada para receber um recuperador de calor.
Se essa lareira ficou ferida de vício que originou a explosão ocorrida os danos por ela causados é a 1ª Ré responsável perante os Autores nos mesmos termos que a 2ª Ré, independentemente de não ter sido ela quem contratou a subempreitada com a 3ª Ré. A fonte da obrigação de indemnizar das 1ª e 2ª Rés é o contrato de empreitada, em nada relevando, em relação aos Autores e direitos por si invocados o contrato de subempreitada. Por isso, e bem, a sentença recorrida considera que o subempreiteiro, a 3ª Ré, não responde perante o dono da obra. Mas, manifestamente que respondem, perante os donos da obra, ambos os empreiteiros, independentemente do facto - que é irrelevante para efeitos de determinação da responsabilidade dos empreiteiros perante os donos da obra - de apenas um desses empreiteiros ter celebrado o contrato de subempreitada.
-…-”.

Sobre esta questão escreveu-se na sentença recorrida:

“-…-
Como já atrás se referiu o subempreiteiro não responde perante o dono da obra, mas sim perante o empreiteiro que para si figura como dono da obra, pois foi com este que contratou a execução da obra e não com o dono da mesma.
-…-
Pese embora o acordo celebrado entre a 2ª e 3ª Rés se limitasse, pelo menos num primeiro momento, ao fornecimento e colocação da lareira, preparada para receber o recuperador de calor, a verdade é que acabou por ter incorporado esse recuperador, o que a nosso ver ainda se insere no âmbito da dita subempreitada, porquanto, o que verdadeiramente interessa é que a lareira estivesse preparada correctamente para esse efeito, e não estava, e por isso se deu a explosão
Assim, inexistindo relação directa entre o dono da obra e o subempreiteiro, o dono da obra não pode reclamar junto deste, mas sim junto do empreiteiro, o qual por sua vez poderá exigir daquele (do subempreiteiro) a reparação dos defeitos da obra que lhe sejam imputados (neste sentido o Ac. do STJ, de 28.04, pº09B0212 in www.dgsi.pt), pelo que, é a Ré “E” que terá de responder pelos defeitos da obra e consequentes danos que daí decorreram, devendo a Ré “F”, Lda. ser absolvida do pedido.
-…-”.

Quid juris?

Os contratos em análise estão devidamente caracterizados na sentença objecto de recurso: empreitada e subempreitada.

E está assente que:

- Em16 de Novembro de 2001, o Autor, “A”, e as empresas “D” - Arquitectura e Fiscalização de Obras, Lda. e “E” - Construções e Reparações, Lda., subscreveram um escrito, nos termos do qual, os segundos se obrigavam a realizar a construção de uma moradia unifamiliar num lote de terreno (lote nº 4) sito na Urbanização Municipal do C... D..., na M..., mediante o preço, a pagar pelo primeiro, de 26.500.000$00 (acrescido de IVA) - cfr. docs. de fls. 16 a 19 que aqui se dá por integralmente reproduzido (Alínea A) dos Factos Assentes);
- O imóvel encontra-se registado a favor dos Autores, na Conservatória do Registo Predial da M..., sob o nº ... (certidão de fls. 24 a 27);
- A Ré “E” - Construções e Reparação, Lda. celebrou com a Ré “F” - Climatização e Energia, Lda., um acordo, nos termos do qual, esta última se obrigava a fornecer e instalar na moradia mencionada no ponto 1 uma lareira preparada para vir a receber um recuperador de calor, mediante o pagamento de determinado preço a pagar por si (resposta ao quesito 1º);
- A Ré “F” forneceu e instalou uma lareira com recuperador de calor na sala da moradia referida no ponto 1, através de pessoal por si contratado e sob a sua direcção (Alínea B) dos Factos Assentes).

A empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação á outra a realizar certa obra, mediante um preço – artº1207º do Código Civil/CC -.

Por sua vez, quanto à subempreitada dispõe o artº 1213º do CC:

1 - Subempreitada é o contrato pelo qual um terceiro se obriga para com o empreiteiro a realizar a obra a que estava vinculado, ou uma parte dela;
2 – È aplicável à subempreitada, assim como ao concurso de auxiliares de execução da empreitada, o disposto no artº264º com as necessárias adaptações.

Significa isto que, tal como acontece na representação voluntária (em que, por exemplo, o procurador só pode ser substituído por outrem se o representado o permitir / artº264º do CC) nada impedia contratualmente que as empresas responsáveis pela execução da obra dividissem entre si as tarefas a executar e se socorressem de outra empresa para melhor realizar a obra final.

E foi o que aconteceu pois, nada foi alegado no sentido dessa comprovada actuação não ter tido o acordo (tácito) do dono da obra.

Contudo e pelos fundamentos que explanaremos nos itens seguintes, apenas corroboramos a posição do Tribunal recorrido quanto à responsabilidade contratual (e já não no que se refere à responsabilidade aquiliana), a qual, como se demonstrou devia ter sido conhecida pelo acordado Tribunal Arbitral.

Pelo exposto e quanto à responsabilidade contratual das RR, nada há a censurar na sentença recorrida: Responsabilização apenas da R, “E”, uma vez que, só esta subscreveu o contrato de subempreitada com a R, “F”.


2 - (A 3ª R/”F”, Lda. deve ser, igualmente, condenada a título de responsabilidade extracontratual - explosão causada pela deficiente instalação da lareira e recuperador - )

A este propósito alegam os recorrentes:

“-…-
A “F”, Lda., não responde perante os Autores, mas apenas perante o empreiteiro, relativamente à defeituosa execução da lareira com recuperador de calor.
Mas esta consideração limita-se à responsabilidade contratual e não abrange a responsabilidade extracontratual. A responsabilidade contratual - de que se aceita que a “F”, Lda. não responda perante os Autores - respeita apenas ao contratado: execução e colocação de uma lareira apta a receber um recuperador de calor. Mas os danos causados pela explosão da lareira são também da responsabilidade da 3ª Ré - dir-se-ia que principalmente da responsabilidade da 3ª Ré -, por se não tratarem de danos decorrentes da responsabilidade contratual, antes de responsabilidade extra-contratual.
-…-
No caso, os Autores reclamam o ressarcimento dos seus prejuízos das 1ª e 2ª Rés a título de responsabilidade civil contratual, e ao abrigo do disposto nos artºs 1223º e 1225º nº1, do CC, e da 3ª Ré ao abrigo do disposto nos artºs 483º, 436º, 493º, nº 2, e 496º do CC.
-…-”

E na sentença recorrida escreveu-se o que se segue:

“-…-
Ora, entendemos que, não era esse o caminho que deviam ter seguido, no que respeita à lareira, recuperador e estragos ocorridos no próprio imóvel - substituição do estuque e pintura do tecto e paredes da sala onde estava instalada a lareira, bem como a limpeza e pintura dos demais tectos e paredes de todas as divisões do rés-do-chão e 1º andar que ficaram enegrecidos, bem como a substituição de alguns mosaicos e peças de rodapé da sala de estar e sala de jantar - porquanto os caminhos jurídicos que atrás se elencaram não são de exercício arbitrário, mas antes deverão ser exercidos sucessivamente e pela ordem a que a eles nos referimos. Entende-se, seguindo de perto o Ac. da Relação de Coimbra, de 09 de Outubro de 2001 in CJ, tomo IV que, quando no artº 1223º é estatuído que “o exercício dos direitos conferidos nos artºs antecedentes não exclui o direito a ser indemnizado nos termos gerais”, o legislador não quis estatuir uma forma indemnizatória alternativa ao que é disposto nos artºs 1221º e 1222º, mas sim, salvaguardar que o dono da obra possa ser indemnizado de outro tipo de prejuízos decorrentes do cumprimento defeituoso, mas que não possam ser compensados com a eliminação dos defeitos ou com a redução do preço, como é o caso, por exemplo, não só dos danos não patrimoniais, como de danos patrimoniais da espécie de alguns que os Autores tiverem, como sejam móveis, tapete e sofás. No mesmo sentido citando Vaz Serra, pronunciam-se Pires de Lima e Antunes Varela in Código Civil Anotado, Vol. II, 3ª ed., pág. 823. (ainda no mesmo sentido o Ac. do STJ, de 05.03.2009, pº0980262, in www.dgsi.pt). Atendendo ao exposto e porque os Autores nunca exigiram a qualquer uma das Rés a reparação dos estragos e a colocação e uma nova lareira, de modo a alcançar a reconstituição natural, ou não ocorrendo essa reconstituição, a redução do preço ou a resolução do contrato, tendo decidido ignorar o caminho que lhes era imposto pelo estatuído nos artºs1221º e 1222º, não pode a sua pretensão ter sucesso, no que respeita aos estragos que a Ré “E”, Lda. podia reparar e que atrás já se enumeraram. Na vertente de danos patrimoniais, em sede indemnizatória a que os Autores recorreram (artº1223º) apenas terão direito a ser ressarcidos do móvel estante de sala de estar em mogno, porta dupla de entrada para a sala de estar, um tapete de Arraiolos, um radiador e um conjunto de dois sofás individuais e um outro de três lugares, em valor que vier a ser liquidado em execução de sentença, acrescido da quantia de €230,00, correspondente ao valor de um caixilho de alumínio termololacado verde e despesas de limpeza.
Atendendo ao exposto e porque os Autores nunca exigiram a qualquer uma das Rés a reparação dos estragos e a colocação e uma nova lareira, de modo a alcançar a reconstituição natural, ou não ocorrendo essa reconstituição, a redução do preço ou a resolução do contrato, tendo decidido ignorar o caminho que lhes era imposto pelo estatuído nos artºs1221º e 1222º do CC, não pode a sua pretensão ter sucesso, no que respeita aos estragos que a Ré “E”, Lda. podia reparar e que atrás já se enumeraram. Na vertente de danos patrimoniais, em sede indemnizatória a que os Autores recorreram (artº1223º do CC) apenas terão direito a ser ressarcidos do móvel estante de sala de estar em mogno, porta dupla de entrada para a sala de estar, um tapete de Arraiolos, um radiador e um conjunto de dois sofás individuais e um outro de três lugares, em valor que vier a ser liquidado em execução de sentença, acrescido da quantia de €230,00, correspondente ao valor de um caixilho de alumínio termololacado verde e despesas de limpeza.
-…-.”

Quid juris?

Como se frisou supra - item 1 - concordamos com o raciocínio jurídico expresso na sentença recorrida quando, no que se reporta à responsabilidade contratual dos contratantes imputa esta ao empreiteiro, por ser este quem responde perante o dono da obra.

Mesmo, como é o caso, existindo subempreitada (colocação duma lareira com recuperador de calor) daqui não resulta qualquer vínculo directo entre o dono da obra e o subempreiteiro.

O dono da obra não é devedor ou credor do subempreiteiro, razão porque este só pode exigir o preço do empreiteiro – vide, por exemplo, o acórdão do STJ, de 27-5-2010 / pº69/06-4TBMDB.P1.S1 da 6ª secção) publicitado em www.dgsi.pt -.

Mas quer isto dizer que não possa haver, in casu, concurso entre as chamadas obligatio ex contactu e a obligatio ex delicto?

É neste ponto que discordamos da sentença recorrida e respondemos afirmativamente.

Temos consciência de que não é matéria doutrinalmente pacífica, havendo vários autores estrangeiros e portugueses - Professor Mota Pinto in, Cessão da Posição Contratual Coimbra 1982, pags.407 a 409 - que defendem a prevalência da responsabilidade contratual, nomeadamente, nos contratos de compra e venda e de empreitada.

Para contornar as dificuldades práticas que daí surgem fazem incluir nesse tipo de responsabilidade os intitulados danos indirectos.

Contudo e como referem os críticos, como nós, daquela posição doutrinal, “nenhum contrato pode privar as partes da protecção geral, pois, pela celebração de um negócio jurídico não se renuncia à defesa que se teria independentemente dele. Dizer que as partes quiseram regulamentar a responsabilidade civil é uma ficção, porque nem a declaração de vontade é o elemento de autocriação da responsabilidade, nem é de presumir que, com o contrato, se tenha querido afastar a responsabilidade delitual, principalmente quando os contraentes teriam dificuldade em prever a possibilidade de dano”neste sentido, Pedro Romano Martinez, in, Cumprimento Defeituoso/em especial na Compra e venda e na Empreitada, Colecção Teses, Almedina, ano 2000, pags.251 e 252 -.

Recordemos, para melhor análise, os factos a valorar neste item:

- A Ré “E” - Construções e Reparação, Lda. celebrou com a Ré “F” - Climatização e Energia, Lda., um acordo, nos termos do qual, esta última se obrigava a fornecer e instalar na moradia mencionada no ponto 1 uma lareira preparada para vir a receber um recuperador de calor, mediante o pagamento de determinado preço a pagar por si (resposta ao quesito 1º);
- A Ré “F” forneceu e instalou uma lareira com recuperador de calor na sala da moradia referida no ponto 1, através de pessoal por si contratado e sob a sua direcção (Alínea B) dos Factos Assentes);
- Em 22 de Fevereiro de 2004, a lareira referida explodiu, projectando pedaços da mesma e o recuperador de calor (Alínea C) dos Factos Assentes);
- Em consequência da explosão ficaram destruídos ou danificados os seguintes objectos:
a) A lareira que explodiu;
b) O recuperador de calor;
o) Móvel estante de sala de estar em mogno;
d) Porta dupla de entrada para a sala de estar;
e) Pintura do tecto e paredes da sala onde estava instalada a lareira (Alínea B) dos factos assentes)
- A lareira referida no ponto 2 foi instalada sem que fossem observadas as normas técnicas adequadas ao efeito (resposta ao quesito 3º);
- O que provocou a explosão da mesma e a projecção do recuperador de calor (resposta ao quesito 4º);

Em coerência com a posição doutrinal que abraçamos temos que concluir que não estamos apenas na presença dum incumprimento contratual mas também face a uma conduta delituosa das RR (“E” e “F”).

Esta é que montou na obra, a lareira com recuperador mas fê-lo a mando daquela e como, lapidarmente, é dito no acórdão do STJ, de 25-3-2010: “o empreiteiro mantêm sobre o imóvel onde decorrem as obras poderes de direcção e controle que caracterizam um dever de guarda e vigilância, mesmo naqueles casos em que deu a obra de subempreitada. Por outras palavras, havendo subempreitada, o empreiteiro não tem apenas o direito de fiscalização, tal como, nos termos do artº1209º do CC, tem o dono da obra, ou seja, o direito de verificar se ela corresponde ao acordado com este último. Para além disso e ao contrário do dono da obra, a quem a autonomia do empreiteiro não permite uma fiscalização técnica, incumbe-lhe fazer, face ao trabalho do seu subempreiteiro, este tipo de fiscalização. A autonomia do subempreiteiro não pode prevalecer sobre o cumprimento do dever do empreiteiro de realizar a obra segundo os seus critérios técnicos e funcionais” in, www.dgsi.pt (pº nº428/99.P1.S1 da 7ª secção) -.

Tendo-se provado que a lareira em causa foi instalada sem que fossem observadas as normas técnicas adequadas ao efeito, e que, foi por essa razão que houve a explosão da mesma e do recuperador que a integrava, dúvidas não há quanto verificação da mencionada responsabilidade extracontratual prevista no artº483º do CC.

Dispõe aquele normativo legal:

1 – Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
2 – Só existe obrigação de indemnizar independentemente da culpa nos casos especificados na lei.

A conduta das RR, “E” e “F”, configura uma actuação negligente e violadora dos legítimos interesses do dono da obra.

Estão, por isso, co-obrigadas a indemnizar os AA pelos danos resultantes da explosão causada por imperícia na instalação da lareira com recuperador de calor – artº497º do CC e artºs562º, 563º e 564º também do CC -

Danos que estão identificados e quantificados, desta maneira - factos provados (da explosão da lareira resultaram destruídos ou danificados os seguintes objectos) - :
a) - Um tapete de Arraiolos;
b) - Um radiador; e
c) - Um conjunto de dois sofás individuais e um outro de três lugares (resposta ao quesito5º);
- Dos objectos referidos no ponto 8 (lareira e recuperador) a lareira tinha o valor de €1.088.02 e o recuperador de calor o valor de €1.657,72 (resposta ao quesito 6º);
- A intervenção dos bombeiros originou a destruição de um caixilho em alumínio termolacado verde e a sujidade do revestimento do solo onde ficou depositado o recuperador de calor, tudo no valor de €230 (resposta ao quesito 7º);
- Os acontecimentos referidos no ponto 3 causaram, em cada um dos autores, desgosto e incómodo (resposta ao quesito 8º);
- Em virtude da explosão da lareira ficaram danificados alguns mosaicos e peças de rodapé da sala de estar e sala de jantar, sendo necessária a sua substituição (resposta ao quesito 9º);
- Em resultado da explosão da lareira e incêndio subsequente o estuque do tecto e paredes da sala, bem como os demais tectos e paredes interiores da casa ficaram sujos e enegrecidos, sendo necessário a substituição do estuque do tecto da sala onde estava a lareira e pintura dos tectos e paredes interiores de todas as divisões do rés-do-chão e primeiro andar (resposta ao quesito 10º);
- O custo das obras, mão-de-obra e material necessários aos trabalhos referidos nos pontos 12 e 13 bem como retirada e transporte para o vazadouro do entulho que resultar destes trabalhos, importa em €6.2500,00 (resposta ao quesito 11º).

Ora, estando aceite a indemnização arbitrada a título dos invocados danos não patrimoniais - excepto quanto à sub-questão dos juros devidos, a qual será tratada adiante/item4 -, conclui-se pela necessidade daquelas RR (“E” e “F”) serem condenadas a pagar aos AA., a título de danos patrimoniais, a quantia de €6.500,00.


3 – (Como a lareira ruiu devido a explosão deve o dono da obra ser indemnizado nos termos do artº 1225º CC)

Quanto a este tema alegam os mesmos recorrentes / AA.:

“-…-
A sentença recorrida decidiu que, em relação à lareira, ao recuperador de calor e os estragos ocorridos no próprio imóvel, em resultado da explosão, não deveria a acção proceder, por não assistir aos Autores o direito de pedir e obter indemnização, antes lhe assistindo apenas o de exigir a reparação pelos responsáveis, nos termos dos artºs 1221º e 1223º do CC. Esta decisão é errada, mas por diferentes fundamentos quanto, por um lado, a lareira e, por outro, o recuperador de calor e os estragos no imóvel. Quanto à lareira, aparentemente poderia proceder o entendimento da decisão recorrida. Mas só aparentemente, atento o disposto no - ignorado pela decisão recorrida – artº1225º, nº1 do CC.
Dispõe esta norma, nos segmentos aplicáveis à situação dos autos:
“ (…) se a empreitada tiver por objecto a construção (...) de edifícios (...) e, no decurso de cinco anos a contar da entrega (...), a obra, por vício (...) da construção (...) ou por erros na execução dos trabalhos, ruir total ou parcialmente (…), o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra (.. .).”
No caso dos autos, a lareira ruiu, em virtude da explosão, devido a erros na sua execução. Não se trata aqui de reparar defeito. Trata-se de a obra contratada ter ficado destruída, ter ruído, em virtude de ter explodido, por ter sido mal construída.
-…-
Como óbvio é que, os prejuízos causados nas paredes, tectos, solos e revestimentos da casa não resultaram de defeitos na execução dessas paredes, tectos, solos ou revestimentos – e, portanto, não há reparação de defeitos a reclamar. Esses prejuízos resultaram da explosão da lareira. São, portanto, danos consequentes a essa explosão, indemnizáveis nos mesmos termos que os danos ocorridos nas peças de mobiliário. Devem, portanto, as três Rés ser, solidariamente, condenadas a indemnizar os Autores, além do decidido na primeira instância, também nos €6.250,00 de prejuízos apurados em 12, 13 e 14 dos factos provados (numeração da sentença recorrida).
-…-”

Neste particular escreveu-se na sentença recorrida:

“-…-
Assim, inexistindo relação directa entre o dono da obra e o subempreiteiro, o dono da obra não pode reclamar junto deste, mas sim junto do empreiteiro, o qual por sua vez poderá exigir daquele (do subempreiteiro) a reparação dos defeitos da obra que lhe sejam imputados (neste sentido o Ac. do STJ, de 28.04, pº09B0212 in www.dgsi.pt), pelo que, é a Ré “E” que terá de responder pelos defeitos da obra e consequentes danos que daí decorreram, devendo a Ré “F”, Lda. ser absolvida do pedido.
-…-
Ora, entendemos que, não era esse o caminho que deviam ter seguido, no que respeita à lareira, recuperador e estragos ocorridos no próprio imóvel - substituição do estuque e pintura do tecto e paredes da sala onde estava instalada a lareira, bem como a limpeza e pintura dos demais tectos e paredes de todas as divisões do rés-do-chão e 1º andar que ficaram enegrecidos, bem como a substituição de alguns mosaicos e peças de rodapé da sala de estar e sala de jantar - porquanto os caminhos jurídicos que atrás se elencaram não são de exercício arbitrário, mas antes deverão ser exercidos sucessivamente e pela ordem a que a eles nos referimos. Entende-se, seguindo de perto o Ac. da Relação de Coimbra, de 09 de Outubro de 2001 in CJ, tomo IV que, quando no artº 1223º é estatuído que “o exercício dos direitos conferidos nos artºs antecedentes não exclui o direito a ser indemnizado nos termos gerais”, o legislador não quis estatuir uma forma indemnizatória alternativa ao que é disposto nos artºs 1221º e 1222º, mas sim, salvaguardar que o dono da obra possa ser indemnizado de outro tipo de prejuízos decorrentes do cumprimento defeituoso, mas que não possam ser compensados com a eliminação dos defeitos ou com a redução do preço, como é o caso, por exemplo, não só dos danos não patrimoniais, como de danos patrimoniais da espécie de alguns que os Autores tiverem, como sejam móveis, tapete e sofás. No mesmo sentido citando Vaz Serra, pronunciam-se Pires de Lima e Antunes Varela in Código Civil Anotado, Vol. II, 3ª ed., pág. 823. (ainda no mesmo sentido o Ac. do STJ, de 05.03.2009, pº0980262, in www.dgsi.pt). Atendendo ao exposto e porque os Autores nunca exigiram a qualquer uma das Rés a reparação dos estragos e a colocação e uma nova lareira, de modo a alcançar a reconstituição natural, ou não ocorrendo essa reconstituição, a redução do preço ou a resolução do contrato, tendo decidido ignorar o caminho que lhes era imposto pelo estatuído nos artºs1221º e 1222º, não pode a sua pretensão ter sucesso, no que respeita aos estragos que a Ré “E”, Lda. podia reparar e que atrás já se enumeraram. Na vertente de danos patrimoniais, em sede indemnizatória a que os Autores recorreram (artº1223º) apenas terão direito a ser ressarcidos do móvel estante de sala de estar em mogno, porta dupla de entrada para a sala de estar, um tapete de Arraiolos, um radiador e um conjunto de dois sofás individuais e um outro de três lugares, em valor que vier a ser liquidado em execução de sentença, acrescido da quantia de €230,00, correspondente ao valor de um caixilho de alumínio termololacado verde e despesas de limpeza.
-…-”


Quid juris?

Pensamos pelas razões já aduzidas anteriormente, e que aqui reiteramos, também não se aplicar ao caso o disposto no artº 1225º do CC, desde logo, porque, como se sustentou, os factos relativos à explosão da lareira e respectivo recuperador são imputáveis, em co-autoria, às RR (“E” e “F”), a título de responsabilidade por factos ilícitos.


4 - (Os juros relativos à indemnização atribuída a cada um dos AA., devem ser calculados desde o momento da citação da última das Rés a ser citada, e não a data da sentença - como foi decidido -)

Alegam os recorrentes sobre esta matéria, o seguinte:

“-…-
No que concerne aos danos não patrimoniais, a lei admite a sua indemnização desde que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito (artº 496º) que a gravidade do dano, cuja apreciação tem de ter em conta os contornos do caso concreto, mede-se por um padrão objectivo e não de acordo com factores subjectivos. Exige-se que o dano, para ter relevância jurídica e merecer a tutela do direito, se mostre suficientemente diferenciado do que são os normais sofrimentos e contrariedades do dia-a-dia. No caso concreto, o que está em causa são o desgosto e o incómodo que o ocorrido trouxe à vida dos Autores, o que de acordo com padrões médios de experiência de vida é notório ter sobeja gravidade para merecer a tutela do direito. Basta ter em conta que os Autores viram a casa que haviam mandado construir recentemente, que habitavam, danificada de um momento para o outro, alterando, naturalmente, o seu sossego e forma de vida doméstico, passando a ter que coabitar com destruição ocorrida, para além do choque e susto que naturalmente viveram no preciso momento em que a explosão se deu. No ressarcimento de danos não patrimoniais não há uma indemnização verdadeira e própria, mas antes uma reparação, uma atribuição de uma soma em dinheiro que se julga adequada para compensar e reparar dores e sofrimentos, desgostos e incómodos, através do proporcionar de certo número de alegrias e satisfações que os minorem ou façam esquecer. O montante de indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado, em qualquer caso - haja dolo ou mera culpa -, segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado e do titular do direito de indemnização – artº 494°, “ex vi” do artigo 496°, n°3, ambos do CC -, aos padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência, e outros. No caso concreto, temos por equitativa e equilibrada a quantia peticionada por cada um dos lesados, mas numa perspectiva actualista, ou seja, seja, à data desta sentença.
-…-
Pelos danos não patrimoniais sofridos pelos Autores devem ser condenada também a 1ª Ré, a título de responsabilidade contratual, por ser, solidariamente com a 2ª Ré contratante com os Autores do contrato de empreitada, e também a 3ª Ré, esta a título de responsabilidade extracontratual (…)
E, para além disso, é incompreensível a limitação que na sentença se efectuou, ao fixar o quantum indemnizatório numa perspectiva actualista, ou seja, à data desta sentença.
Carece absolutamente de justificação, de fundamentação, porque é equitativa e equilibrada a quantia de €1000,00 para ressarcir os danos não patrimoniais de cada um dos Autores, se entendida à data desta sentença (31/12/2009) e não, como a lei preferentemente indica (art. 562º CC), à data do evento, sendo devido juros desde a data da citação da última Ré a ser citada (9/2/2005), conforme limitação do pedido - está-se aqui a falar de uma diferença de juros a 4 % ao ano durante 4 anos, 10 meses e 22 dias (1786 dias), ou seja, €195,73 a cada Autor -.
-…-
É, manifestamente, equitativo e equilibrado o montante de €1.000,00, com referência a 9/2/2005, para indemnizar os danos não patrimoniais sofridos por cada um dos Autores.
-…-”

E na sentença recorrida escreveu-se o que se segue:

“-…-
No que concerne aos danos não patrimoniais, a lei admite a sua indemnização desde que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito (artº 496º) que a gravidade do dano, cuja apreciação tem de ter em conta os contornos do caso concreto, mede-se por um padrão objectivo e não de acordo com factores subjectivos. Exige-se que o dano, para ter relevância jurídica e merecer a tutela do direito, se mostre suficientemente diferenciado do que são os normais sofrimentos e contrariedades do dia-a-dia. No caso concreto, o que está em causa são o desgosto e o incómodo que o ocorrido trouxe à vida dos Autores, o que de acordo com padrões médios de experiência de vida é notório ter sobeja gravidade para merecer a tutela do direito. Basta ter em conta que os Autores viram a casa que haviam mandado construir recentemente, que habitavam, danificada de um momento para o outro, alterando, naturalmente, o seu sossego e forma de vida doméstico, passando a ter que coabitar com destruição ocorrida, para além do choque e susto que naturalmente viveram no preciso momento em que a explosão se deu. No ressarcimento de danos não patrimoniais não há uma indemnização verdadeira e própria, mas antes uma reparação, uma atribuição de uma soma em dinheiro que se julga adequada para compensar e reparar dores e sofrimentos, desgostos e incómodos, através do proporcionar de certo número de alegrias e satisfações que os minorem ou façam esquecer. O montante de indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado, em qualquer caso - haja dolo ou mera culpa -, segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado e do titular do direito de indemnização – artº 494°, “ex vi” do artigo 496°, n°3 -, aos padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência, e outros.
No caso concreto, temos por equitativa e equilibrada a quantia peticionada por cada um dos lesados, mas numa perspectiva actualista, ou seja, seja, à data desta sentença.
-…-”

Quid juris?

Tendo o Tribunal a quo considerado equitativa e equilibrada a quantia peticionada por cada um dos lesados (€ 1.000,00) não é curial invocar a jurisprudência estabelecida pelo acórdão uniformizador nº4/2002 do STJ, de 9-5-2002 (DR, IA, de 27-6-2002) no sentido dos juros serem devidos a partir da decisão actualizadora, e não, da citação, precisamente, por ausência de qualquer cálculo actualizado da indemnização.

Pelo que fica dito, conclui-se serem devidos sobre as quantias indemnizatórias, juros de mora, à taxa legal, desde a citação – como foi pedido – até integral pagamento – artºs 805º e 559º do CC -.


DECISÃO

- Assim e pelos fundamentos expostos, os Juízes desta Relação (1ª secção) acordam em:

1 – Não dar provimento ao agravo, mantendo o decidido no que se refere à preterição do Tribunal Arbitral (responsabilidade contratual);

2 - Julgar procedente a apelação (embora com fundamentos jurídicos diferentes) e consequentemente;

a) – Revogam, parcialmente, a sentença recorrida, condenando as RR, “E”, Lda. e “F”, Lda., solidariamente, a pagarem aos AA;
b) – A título de danos patrimoniais a quantia de € 6.500,00;
c) – A título de danos não patrimoniais a já estipulada quantia de € 1.000,00;
d) – Quantias estas, a que acrescem juros moratórios, à taxa legal, e que, são devidos desde a citação e até integral pagamento.

Custas:

a) - Do agravo pelos AA e;
b) - Da apelação pelas RR, “E”, Lda., e “F”, Lda. e pelos AA. na proporção do respectivo decaimento, ou seja, 2/3 pelas referidas RR. e 1/3 pelos AA (absolvição da R, “D”, Lda.)

Lisboa, 7 de Dezembro de 2010

Relator: Afonso Henrique Cabral Ferreira
1º Adjunto: Rui Torres Vouga
2º Adjunto: Maria do Rosário Barbosa