Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | PEREIRA RODRIGUES | ||
Descritores: | GRAVAÇÃO DA PROVA NULIDADE CONFISSÃO PROVA | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 12/17/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I. A nulidade da gravação, porque se trata de uma nulidade processual e não da sentença, deve ser arguida perante o tribunal onde foi cometida, por meio de reclamação, a apresentar em requerimento próprio e no prazo de 10 dias (previsto nos artigos 205º/1, e 153º/1, do CPC) a contar do seu conhecimento. II. Quando arguida decorridos mais de 10 dias e apenas nas alegações de recurso para o tribunal superior, tem de considerar-se sanada, por suscitada fora do prazo e do tribunal competente. III. Quando a parte, em processo judicial, pretender aproveitar-se, como prova plena, de factos confessados pela parte contrária tem de aceitar também como verdadeiros os factos que no âmbito da mesma narração sejam conducentes a infirmar a eficácia dos factos confessados ou a modificar ou extinguir os seus efeitos. A menos que produza prova da sua inexactidão. IV. A prova para ser havida por eficaz tem de ser uma prova, senão plena ou abundante, pelo menos suficiente, não bastando uma prova meramente de “prima facie” ou de primeira aparência. V. A prova suficiente será aquela que conduza a um juízo de certeza sobre a realidade de um facto; não necessariamente de certeza lógica, absoluta ou material, inatingível na maior das situações de controvérsia, mas da certeza decorrente de um grau, de tal modo elevado, de probabilidade do facto que firme, sem hesitação, o convencimento do julgador na sua veracidade. (PR). | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA: I. OBJECTO DO RECURSO. No Tribunal Judicial da Comarca da Moita, A, instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma sumária, contra B, pedindo a sua condenação a pagar ao autor, a título de indemnização pelos danos decorrentes de acidente de viação, o montante global de € 8.253,30, acrescida dos juros. Para fundar a sua pretensão, alegou, em síntese, que, é dono do veículo ----QQ e o réu é dono do equídeo que provocou o acidente a seguir descrito e do terreno donde o equídeo proveio ou pelo menos explora-o em seu proveito, tendo o animal à sua guarda. No dia 23 de Dezembro de 2006, na Estrada Municipal 533, Km 1,300, conduzia o seu veículo, no sentido Pinhal Novo – Moita, quando, brusca e repentinamente, surgiu do lado direito um equídeo, de forma desordenada, sozinho e à solta, tendo saltado e/ou derrubado a vedação que circunda o terreno onde se encontrava, atravessando-se à frente do veículo conduzido pelo autor. Foi surpreendido pelo aparecimento daquele e não conseguiu evitar o embate. Em consequência teve danos patrimoniais e não patrimoniais cujo ressarcimento peticiona. Regularmente citada, o réu veio contestar excepcionando a ilegitimidade passiva por não ser o dono do animal que o autor diz ter atropelado e provocado o acidente. Não impugna a factualidade atinente ao modo como decorreu o acidente, apenas quanto à titularidade do cavalo, afirmando que é num terreno perto do local onde o autor diz ter ocorrido o acidente que guarda os veículos pesados de transporte de materiais de construção. Nesse terreno tem alguns animais e tinha um equídeo que vendeu em finais de Março de 2007. Pede, por isso, que seja absolvido da instância, ou, se assim não se entender, do pedido. Prosseguindo os autos os seus trâmites, foi proferido despacho saneador, especificada a matéria assente e elaborada a base instrutória e, por fim, procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, sendo depois proferida sentença, julgando a acção improcedente e absolvendo o réu do pedido. Inconformado com a decisão, veio o A. interpor recurso para este Tribunal da Relação, apresentando doutas alegações, com as seguintes CONCLUSÕES: 1- Para que esse Venerando Tribunal possa apreciar os argumentos invocados pelo recorrente, impõe-se que todos os meios probatórios que este indicar como fundamento da discordância, nos termos do artigo 685°-B do C.P.C., se encontrem passíveis de ser reanalisados, conforme previsto no artigo 712°, n° 2 do mesmo diploma legal. 2-As declarações da testemunha H encontram-se gravadas no único CD existente de registo da prova e vão das 11:14:48 às 11:30:07. 3-Na acta da sessão de Julgamento realizada em 29.09.2008, não existe qualquer referência ao início e o termo da gravação de cada depoimento, apenas se referindo: "Respondeu a todos os quesitos da base instrutória, encontrando-se o seu depoimento gravado em CD." 4- Constata-se, assim, que não foi dado cumprimento ao disposto no artigo 522°-B do C.P.C. 5- As declarações daquela testemunha não se encontram minimamente perceptíveis, por manifesta anomalia no microfone para o qual as prestou. 6- O Decreto-Lei n°39/05, de 15.02, não contempla qualquer normativo destinado a, no final da gravação, as partes e o Tribunal poderem aferir da efectiva gravação e da sua qualidade. 7- Quanto às anomalias que venham a ocorrer na gravação, dispõe-se o artigo 9° que "se, em qualquer momento se verificar que foi omitida qualquer parte da prova ou que esta se encontra imperceptível proceder-se-á á sua repetição sempre que for essencial ao apuramento da verdade." 8- As partes não podem ser prejudicadas por eventuais omissões praticadas pelos funcionários judiciais, ainda que involuntárias, nem lhes incumbe o ónus de controlar a qualidade das gravações realizadas. 9- Encontramo-nos perante uma irregularidade de deficiência técnica do equipamento sonoro, situação que a parte não tem possibilidade de sindicar, o que é manifestamente relevante para o momento e prazo da sua invocação, de acordo com as regras constantes nos artigos 205° do C.P.C. 10- Só há nulidade (secundária) quando a lei o disser ou quando a irregularidade cometida poder influir no exame (instrução ou discussão) ou na decisão da causa (no julgamento). 11- Sempre que não esteja em causa uma nulidade principal terá de se averiguar da verificação de qualquer nulidade secundária, cujo regime se encontra estabelecido no artigo 201° do C.P.C. 12- A regra do conhecimento das nulidades secundárias processa-se através da arguição pela parte interessada. 13- Quando o recorrente procedeu á audição dos depoimentos prestados em Julgamento constatou não ser perceptível o depoimento da testemunha arrolada pelo recorrido, por se encontrar deficientemente gravado. 14- A referida anomalia na gravação da prova tem relevância para a decisão da causa, por ser susceptível de influir no exame e decisão da causa e impede o recorrente de ver reapreciada a prova produzida, por via de recurso, o que é de todo insustentável. 15- O recorrente vem arguir a mencionada nulidade nas presentes alegações e, consequentemente, dentro do prazo legal. 16- A testemunha em apreço foi a única testemunha ouvida das arroladas pelo réu, não se conseguindo perceber o que diz relativamente à suposta venda do equídeo do recorrido. 17- Tal questão tem a maior importância, uma vez que esse facto foi considerado pelo tribunal recorrido para levantar a dúvida se o animal que provocou o acidente em Dezembro de 2006 teria sido o do recorrido. 18- Não podendo tal depoimento ser reapreciado por este Venerando Tribunal, deve o mesmo ser considerado nulo e sem qualquer efeito, ordenando-se a sua repetição. 19- Para o efeito, devem ser anulados os actos realizados posteriormente, nomeadamente, a sentença recorrida, o que desde já se invoca e se requer, ao abrigo do artigo 201° do C.P.C. 20- O recorrente não concorda com a decisão impugnada, por entender que dos autos existem elementos suficientes para que a presente acção pudesse ser julgada procedente, por provada. 21- Na fase de saneamento, não foram tomados em consideração determinados factos alegados pelas partes nos seus articulados com relevância para a decisão da causa. 22- Por força do artigo 511°, n°1 do C.P.C, o juiz ao fixar a base instrutória selecciona a matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito que devem ser consideradas. 23- Devem ser considerados todos os factos relevantes para a boa decisão da causa, devendo indicar-se quais os que já se encontram assentes (por acordo ou confissão) e os que devem ser submetidos a julgamento para se poder aferir do mérito da acção. 24- No presente processo foram esquecidos na Base Instrutória e nos Factos dados como assentes, factos relevantes que influenciavam, significativamente, a decisão que viesse a ser proferida, 25- Designadamente, factos invocados pelas partes nos seus articulados e que o tribunal recorrido deveria ter dado como assentes, por se encontrarem admitidos por acordo ou assentes por confissão. 26- Tais factos constam nos artigos 10°, 11°, 12°, 13°, 14° da contestação e, caso tivessem sido considerados levariam a que o tribunal viesse a dar como provados os dois factos controvertidos e, consequentemente, julgar procedente a presente acção. 27- Entende-se, assim, que o tribunal recorrido violou o disposto no artigos 490°, n°2 e 511°, n°1 do C.P.C., bem como os artigos 352° e 355° do C.C. 28- A selecção de facto realizada no saneamento é puramente instrumental ou provisória, estando sujeita às alterações que vierem a justificar-se, não gerando caso julgado, nem negativo, nem positivo. 29- Impõe-se ampliar a matéria dada por assente, através do aditamento de factos invocados na contestação e constitutivos de confissão do recorrido quanto aos mesmos, designadamente, os constantes nos já referidos artigos 10°,11°, 12°, 13° e 14°: 30- FF- O R. vive no Pinhal Novo e trabalha no ramo da construção Civil através do fornecimento de materiais de construção. 31-GG- O R. fornece tijolos, cimento e areia, transportando-os em veículos pesados, nomeadamente, para as obras da C - empresa de construção. 32- HH- É num terreno propriedade daquela empresa, situado perto do local onde o A. teve o acidente, que o R. estaciona os veículos pesados necessários ao transporte dos materiais para as obras 33- II- Tal terreno funciona como estaleiro. 34- JJ- É nesse terreno que o R. aloja cães de guarda e alguns patos e um equídeo. 35- KK- Tal equídeo foi comprado pelo R. em 2003. 36- Dos factos alegados ressaltam ainda factos que o douto tribunal recorrido não considerou, individualmente, na Base Instrutória, a fim de sobre os mesmos ser produzida a competente prova, designadamente. 37- A questão de saber se o recorrido procedeu, em Março de 2007, à venda do equídeo que diz ser proprietário e que foi invocado como facto impeditivo do direito invocado pelo recorrente. 38- A prova dos quesitos constitutivos da Base Instrutória tinha que passar pela prova de outros factos, nomeadamente, que a referida venda invocada pelo réu não se tinha concretizado. 39- Perante a fundamentação apresentada pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto, ficou sem se saber quais as dúvidas que surgiram relativamente à propriedade do equídeo causador do acidente e o local de onde o mesmo saiu. 40- Sendo necessário ampliar a matéria de facto controvertida, através da introdução na Base Instrutória do seguinte quesito: 1° O equídeo propriedade do recorrido foi por este vendido, em Março de 2007, a um indivíduo de raça cigana? 41- Por força do artigo 653°, n°3 do C.P.C., o tribunal declara os factos que julga provados e os que julga não provados, analisa criticamente as provas e especifica os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção. 42- Da leitura da motivação de facto apresentada pelo tribunal "a quo", conclui-se ser a mesma insuficiente quanto à posição que assume perante a prova produzida, em particular, quanto à prova testemunhal. 43- O tribunal recorrido não se pronuncia sobre o tributo dos depoimentos para a formação da sua convicção, nem quanto à forma como foram prestados e a credibilidade que lhe foi atribuída. 44- Da motivação quanto á resposta dada aos quesitos, o tribunal recorrido limitou-se a referir que as testemunhas ouvidas não presenciaram o acidente nem sabiam identificar o equídeo no qual o recorrente embateu e que tal obstava a se poder concluir pela existência de uma relação entre o equídeo causador do acidente e o recorrido. 45- O tribunal não demonstrou qual das testemunhas lhe merecia maior credibilidade, já que as duas primeiras testemunhas referiram que deixaram de ver o equídeo no terreno da C logo após o acidente, indiciando que seria esse o animal causador do acidente, e a terceira testemunha referiu que o mesmo ali se encontrou até Março de 2007. 46- Do Auto de Inspecção não se fez constar o que foi possível detectar na zona em que tal diligência foi realizada. 47- Não faz qualquer sentido a realização da diligência e, muito menos, o auto que dela foi redigido, por se afigurar insuficiente, tanto a justificação da sua concretização, como o resultado da mesma. 48- Daquele Auto deveria constar o local onde o tribunal compareceu para a mencionada diligência, bem como a existência, ou não, de terrenos delimitados por vedações, o tipo de vedações ali existentes, o local onde o terreno da empresa referida nos autos se situava naquela estrada, a verificação, ou não, de outros terrenos nos quais se constatasse a presença de animais, especialmente, de equídeos. 49- O tribunal recorrido não cumpriu o poder que lhe assiste de investigar a verdade material, violando manifestamente o disposto no artigo 615° do C.P.C. 50- O tribunal recorrido não pretendeu apurar, de forma efectiva, a verdade dos factos, preferindo optar por uma alegada impossibilidade de chegar á mesma, contrariando o exigido nos artigos 264°, 265°, 659° e 660°, n°2 do C.P.C. 51- Da prova documental resulta a localização do local do acidente, a propriedade do terreno indicado pelo recorrente como tendo sido o local de onde o equídeo saiu, a forma como o acidente se verificou e os danos que dele resultaram, nomeadamente, da Participação do Acidente, da Certidão emitida pela Conservatória do Registo Predial da Moita e certidões camarárias juntas aos autos. 53- As testemunhas ouvidas souberam precisar que o local do acidente foi, precisamente, onde o recorrente indicou. 54- Vejam-se as declarações prestadas por M, ouvida na 1.ª Sessão de Julgamento, realizada em 29.09.2008, encontrando-se as respectivas declarações gravadas no único CD, com início às 10:51:37 e termo às 11:02:40 e F ouvida na 1.ª Sessão de Julgamento, realizada em 29.09.2008, encontrando-se as respectivas declarações gravadas no único CD, com início às 11:02:46 e termo às 11: 14:43. 55-Não se compreende porque razão não considerou o tribunal recorrido que o local do acidente se situava junto do terreno propriedade da empresa C e, consequentemente, do local onde o equídeo do recorrido costumava ser visto a pastar até à data do acidente. 56- Tais elementos resultam da prova produzida nos autos e eram de primordial relevância para o tribunal recorrido dar como provado o quesito 2°, ou seja, que o equídeo causador do acidente tinha saído daquele terreno. 57- Se dúvidas existissem quanto a estes elementos, caberia ao tribunal aproveitar a diligência realizada (inspecção judicial) para aferir a localização de tal terreno, contando com a colaboração das partes, conforme estatuído nos artigos 612°, n°1, 613°, parte final e 615° do C.P.C., o que não aconteceu. 58- Violou, por isso, o Poder de Direcção do Processo e o Princípio do Inquisitório, plasmados no artigo 265° do C.P.C. 59- Perante a prova produzida deveria ter sido o quesito 1° dado como provado. 60- As testemunhas ouvidas declararam ter visto um equídeo no terreno em causa, referindo tratar-se de uma égua e indicando a mesma cor. 61- O recorrido no seu articulado confessou ter uma égua no referido terreno. 62- Não existindo quaisquer elementos no sentido de que naquele local existissem outras "quintas" com equídeos semelhantes aos dos autos, nunca tendo o recorrido afirmado existirem outras possibilidades quanto ao aparecimento de um animal no local, dia e hora do acidente, não se compreende como pôde o tribunal recorrido ficar na dúvida quanto à prova do quesito 1°. 63- Não se consegue infirmar, em concreto, qual a apreciação que a sentença recorrida fez da prova produzida, desconhecendo-se se o tribunal ficou convencido quanto à localização do local do acidente (no sentido de ficar junto ao terreno supra mencionado) e quanto à venda do equídeo. 64- Tal questão era importante para aferir sobre a bondade da decisão. 65- O tribunal não pode deixar de esclarecer todas as dúvidas que lhe surjam quando tem em seu poder os meios necessários para esse efeito. 66- O Juiz do Tribunal recorrido podia e devia indagar todas as questões supra mencionadas, caso não esclarecesse os motivos que levaram a permanecer em dúvida quanto aos factos controvertidos, de acordo com o artigo 264°, n°3 do C.P.C. 67- Aquelas questões correspondem a factos instrumentais relevantes que devem ser considerados na decisão final. 68- A sentença judicial tem de valorar e interpretar os factos apurados no julgamento á luz dos interesses e finalidades que o legislador quis defender, presentes nas normas jurídicas aplicáveis a cada hipótese, eivado desse sentido crítico, mandando proceder ás diligências que julgue necessárias. 69- A matéria de facto dada como provada é insuficiente, bem como a motivação que sustentou a resposta aos dois quesitos. 70- O mesmo se diga quanto à apreciação que o douto tribunal recorrido fez da prova produzida, considerando-se, até, que quanto a diversos elementos probatórios a posição assumida pelo tribunal recorrido é errada e manifestamente medíocre para justificar a bondade da decisão. 71- Os resultados das respostas aos quesitos formulados não foram baseados na aceitabilidade possível de todas as hipóteses em jogo, nem foi avaliado ou referido o grau de confirmação das mesmas. 72- O que contraria a base do principio da livre convicção do juiz, oriundo de um exercício claro, racionalizado e exposto claramente perante as partes. 73- A fundamentação apresentada na decisão impugnada não foi explicada minimamente ás partes, maxime, ao recorrente, para que pudessem controlar, como é seu direito, o modo como o tribunal recorrido tratou e apreciou os meios de prova que se esforçaram em apresentar. 74- A motivação da decisão da matéria de facto revela-se manifestamente insuficiente para cumprir as exigências legais do artigo 653°, n°2 do C.P.C. 75- Torna-se necessário proceder à renovação da prova no que à inspecção ao local diz respeito, bem como á inquirição da testemunha H, a fim de serem respondidos os quesitos em causa, sem prejuízo de se chamar à atenção para a fundamentação da sua apreciação dever ser concreta e elucidativa quanto à posição assumida pelo tribunal, 72- Tudo com base no artigo 712°, n°4 do C.P.C., tendo em consideração a ampliação da matéria de facto supra mencionada. Termos em que e nos melhores de Direito, deve o presente recurso ser admitido e, em consequência, ser alterada a decisão aqui posta em crise, com base no artigo 712°, n°4 do C.P.C., ordenando-se a repetição da inquirição H e a realização da inspecção judicial, a fim de passarem a constar do processo todos os elementos necessários à boa decisão da causa, assim se fazendo a Costumada JUSTIÇA! A R. contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida e concluindo que: 1- O depoimento prestado pela testemunha H encontra-se devidamente gravado, tal como toda a restante prova testemunhal. Se esse depoimento não se encontra em condições de ser ouvido, o que o recorrido impugna, tal facto não constitui nulidade insanável nos termos da lei processual aplicável, deveria ter sido oportuna e eficazmente apresentado perante o Tribunal da causa, senão no próprio momento da sua produção, pelo menos no 1° acto em que o interessado pudesse intervir, mas não como fundamento autónomo deste recurso. 2- Ora esse momento era, sem sombra de dúvida, o momento das alegações orais dos mandatários ou, e ainda se concede, a altura em que as partes ouvida a leitura da decisão quanto á matéria de facto tiveram a palavra para exprimir quaisquer reclamações. 3- Não o tendo feito o A., levantando a questão da irregularidade do acto daquela específica gravação, a nulidade, a existir, ficou sanada não podendo mais tarde vir A ser suscitada sob pena de se atentar quanto aos princípios jurídicos de certeza e segurança. 4- O A., e ora recorrente, podia ter requerido nos momentos referidos supra a declaração de nulidade da gravação em causa, caso esta fosse de facto impossível de ser reproduzida, pela simples razão que a gravação integral da audiência estava já ao seu dispor e se o não fez foi porque não o quis ou não se lembrou, não pode é agora, passado esse momento, querer ressuscitar uma questão já sanada pelo decurso do momento próprio para arguir aquela nulidade. 5- O A. podia ter, logo após o fim da audição das testemunhas, requerido que lhe fosse facultada a audição do CD com a prova gravada mas tal nem sequer lhe ocorreu, ao fazê-lo apenas agora veio manifestamente fora de prazo. 6- A decisão impugnada está correcta no entender do recorrido já que a mesma faz uma certeira aplicação do Direito aos factos dados como provados os quais tão pouco foram alvo de qualquer reclamação pelas partes; 7- Outros elementos não havia nos autos susceptíveis de conduzir a outra decisão de facto ou de Direito e com aquela se conformou o A. aquando da respectiva leitura. 8- Do despacho saneador não foi apresentada pelo A. qualquer reclamação fosse quanto aos factos assentes fosse quantos aos controvertidos, que tivesse merecido qualquer despacho de indeferimento por parte do Tribunal recorrido, desta forma e por razões de forma e da substancia não assiste razão ao recorrente quando pretende, em sede do presente recurso suscitar questões que na hora oportuna lhe não mereceram qualquer reparo. 9- Assim não deverá haver lugar não só a qualquer repetição do julgamento com base na alegada nulidade, que não existe, de depoimento de testemunha Hélder Teixeira, como não deverá ser agora aditado mais qualquer facto seja aos factos assentes na especificação seja aos controvertidos. 10- A motivação de facto apresentada pelo Tribunal a quo não é insuficiente tendo em atenção não só a prova produzida de modo geral como em particular a prova testemunhal. O Tribunal fundamentou conveniente e suficientemente as suas decisões nada mais se lhe impondo. 11- O Tribunal recorrido entendeu por bem levar a cabo a diligencia probatória de inspecção ao local, as partes não se lhe opuseram e até colaboraram activamente na mesma que foi realizada em condições atmosféricas medonhas, o Tribunal investigou com essa diligência a verdade material com os meios de que dispunha e se mais se não concluiu tal não pode ser atribuído ao Tribunal mas ao ora recorrente, que tendo interesse nada fez para conseguir provar as próprias alegações. 12- A matéria de facto não é insuficiente nem a motivação que sustentou a resposta aos dois quesitos reveste essa característica, o princípio da livre apreciação da prova é válido e a apreciação que o julgador faz dos factos não pode ser sindicada nos moldes pretendidos pelo recorrente ao qual não assiste de todo razão. Termos em que e nos melhores de Direito aplicável deve ser negada provimento ao recurso apresentado pelo recorrente, devendo, em consequência ser mantida a sentença proferida nos seus precisos termos e com todas as legais consequências. Admitido o recurso na forma, com o efeito e no regime de subida devidos, subiram os autos a este Tribunal da Relação, sendo que nada obstando ao conhecimento do mesmo, cumpre decidir. As questões, essenciais, a resolver são as respeitantes: a) À invocada nulidade, por pretensa deficiência da gravação do depoimento da testemunha Hélder Teixeira; b) À necessidade de ampliação da matéria de facto, com aditamento de factos confessados, nova inquirição da testemunha Hélder Teixeira e a realização da inspecção judicial; c) Às respostas aos quesitos, fundamentação e valoração da prova testemunhal. | II. FUNDAMENTOS DE FACTO. A 1.ª instância considerou provados os seguintes factos: A. O Autor tem inscrita a seu favor a propriedade do veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula …-QQ, marca Opel. (doc. de fls. 19 dos autos) B. No dia 23 de Dezembro de 2006, pelas 00h15m, na Estrada Municipal 533, ao km 1,300, o Autor conduzia o veículo automóvel descrito em A., pela sua mão de trânsito, no sentido Pinhal Novo – Moita, no qual se fazia acompanhar pelos amigos …... C. Naquela ocasião, brusca e repentinamente, surgiu do lado direito, atendendo ao sentido de marcha do veículo, um equídeo. D. Sozinho e à solta. E. Sem nada ou ninguém a segurá-lo ou a assinalar a sua presença. F. Tendo saltado ou derrubado a vedação que circunda o terreno onde se encontrava. G. Derrubando ou saindo por um local onde a vedação e arbustos se encontram partidos. H. Atravessando-se à frente do veículo conduzido pelo Autor na referida via e pela faixa de rodagem no momento em que este por ali circulava. I. O autor ainda tentou guinar para a esquerda a fim de evitar o embate, sem resultado. J. Veio a embater no animal que acabou por ser impelido para cima da viatura, passando por cima do tejadilho e vindo a cair morto na berma da faixa esquerda de rodagem. K. Enquanto o Autor, com a viatura desgovernada, efectuou uma trajectória igual no sentido da berma, da faixa esquerda de rodagem. L. Vindo a imobilizar a viatura cerca de seis a sete metros mais à frente. M. O embate com o animal deu-se numa recta. N. À noite. O. A iluminação na altura do acidente era pouca e fraca, por falta de lâmpadas nos candeeiros. P. Não se encontrava na estrada qualquer sinal vertical a assinalar a presença de animais. Q. Do embate resultaram ferimentos no Autor, tendo fracturado o nariz e sofrido diversos hematomas pelo corpo, com particular incidência no rosto, que lhe causaram fortes dores e se prolongaram por seis dias. R. Foi socorrido no Hospital do Barreiro, para onde foi transportado. S. Em despesas hospitalares gastou € 116,90. T. Não teve dias de incapacidade para o trabalho por se encontrar de férias. U. Do embate resultaram também danos no veículo automóvel do Autor. V. O qual ficou danificado em todo o lado esquerdo, parte da frente, capot, pára-brisas, espelho retrovisor, bem como as partes da frente de ambos os lados e mala traseira. W. Danos que segundo orçamento apresentado pela “…., S.A.”, ascendem a € 6.753,30. X. Em consequência dos danos descritos o Autor necessitou de assistência médica e hospitalar. Y. Tendo ficado com marcas visíveis no rosto e corpo. Z. O Autor refugiou-se em casa para evitar comentários públicos sobre o sucedido e sobre o seu aspecto. AA. Sentindo algum embaraço com a situação vivida. BB. Para além de que sentiu durante bastantes dias dores no corpo, o que lhe dificultou a mobilidade mesmo dentro da sua casa. CC. Mantendo ainda presente na sua memória a imagem do embate na égua, bem como do peso desta na sua viatura. DD. Circunstância que por ser inesperada e da forma como ocorreu levou o Autor a configurar, na altura, a eventual perda de vida. EE. Ainda hoje recorda com um sentimento de nervosismo os momentos por que passou. | III. FUNDAMENTOS DE DIREITO. a) Quanto à invocada nulidade, por pretensa deficiência da gravação do depoimento da testemunha H. Alega o recorrente, na parte que interessa, que quando procedeu à audição dos depoimentos prestados em julgamento constatou não ser perceptível o depoimento da testemunha arrolada pelo recorrido, por se encontrar deficientemente gravado. Acrescenta que a referida anomalia na gravação da prova tem relevância para a decisão da causa, por ser susceptível de influir no exame e decisão da causa e impede o recorrente de ver reapreciada a prova produzida, por via de recurso, o que é de todo insustentável. Salienta ainda o recorrente que vem arguir a mencionada nulidade nas presentes alegações e, consequentemente, dentro do prazo legal. Ora, importa desde já deixar claro que o recorrente vem invocar uma nulidade fora de prazo e do tribunal competente para dela conhecer, como de seguida se vai demonstrar. Como se sabe, com o objectivo de assegurar o duplo grau de jurisdição no que concerne à decisão sobre a matéria de facto, torna-se necessário obter o integral registo da audiência, pois que só desse modo é possível que o processo contenha todos os elementos de prova que serviram de base àquela decisão. Daí que o DL 39/95, de 15/02, estipule um conjunto de formalidades, indispensáveis à concretização daquele desiderato. Uma regra a observar é a de que a gravação deve ser efectuada de modo a que facilmente se apure a autoria dos depoimentos gravados ou das intervenções e o momento em que os mesmos se iniciaram e cessaram (artigo 6°). Outra regra é a de que a gravação deve ser integral, de modo que se, em qualquer momento, se verificar que foi omitida qualquer parte da prova ou que esta se encontra imperceptível, proceder-se-á à sua repetição, sempre que for essencial ao apuramento da verdade (artigo 9°). Por isso, a audiência será interrompida pelo tempo indispensável sempre que ocorra qualquer circunstância que impossibilite temporariamente a continuidade da gravação (artigo 8°). Por outro lado, estabelece o art. 522º, n.º 2 do CPC que quando haja gravação da audiência deve ser assinalado na acta o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento. Ora, no caso vertente o recorrente vem invocar a nulidade da gravação, pedindo a anulação do julgamento para efeito e a repetição da inquirição da testemunha aludida. Sucede, porém, que o apelante, não suscitou a questão da nulidade ou irregularidade da gravação da audiência dentro do prazo devido nem junto da instância competente para dela conhecer. Com efeito, quando o apelante solicitou ao tribunal a quo cópia do registo das gravações e estas lhe foram entregues, o que se verificou em 20.02.2009, como se apura do termo de entrega de fls.171, podia, desde logo, verificar o estado das gravações. Certo é que, tendo apresentado requerimento a interpor recurso da sentença em 23.02.2009, apenas nas presentes alegações de recurso juntas ao processo em 07.07.2009, arguiu a nulidade da gravação, por pretensa deficiência de audição do depoimento da testemunha Hélder Teixeira. Assim, a verificar-se imperceptibilidade da gravação, estar-se-ia em face de omissão de formalidades que a lei prescreve, constituindo tal omissão uma nulidade já que a irregularidade cometida era susceptível de influir no exame ou na decisão da causa (art. 201° CPC). Trata-se, todavia, de uma nulidade secundária que não é de conhecimento oficioso e que deve considerar-se sanada se não for arguida em prazo e apenas perante o tribunal da 1.ª instância, onde, em caso de existir, teria ocorrido. Acontece que o apelante, como interessado na observância da formalidade, primeiro não a arguiu perante a 1.ª instância, em segundo lugar não a arguiu dentro do prazo, pois só o veio a fazer com a apresentação das alegações de recurso, e em sede destas. E a arguição da nulidade apenas por via das alegações de recurso está efectuada fora de prazo (10 dias) e não perante o tribunal junto do qual foi cometida e que era o competente para a suprir. O apelante carecia, pois, de arguir a nulidade ou irregularidade da gravação dentro do prazo, uma vez que não se trata de nulidade arguível a todo o tempo (art.s 204º, 205º/1 e 153º/1 do CPC). E carecia de o fazer junto do tribunal de 1.ª instância onde a nulidade, a verificar-se, fora cometida, até para facultar àquele tribunal o exame da gravação e o eventual suprimento da nulidade. É de salientar que a discussão sobre o estado da gravação só faz verdadeiramente sentido se tiver lugar em incidente provocado perante o tribunal onde ela teve lugar, pois que, como acima se viu, se se verificar que foi omitida qualquer parte da prova na gravação ou que esta se encontra imperceptível, proceder-se-á à sua repetição, se tal for essencial ao apuramento da verdade. De resto, por regra, as nulidades do processo (não as da sentença) devem ser arguidas perante o tribunal onde foram cometidas, como decorre designadamente do art. 205º do CPC, excepto na hipótese prevista no n.º 3 deste preceito, que no caso não parece verificar-se. Acresce que num caso como o dos autos em que a apelante alega deficiências na gravação e a apelada as contesta, o tribunal de 1.ª instância é que está em condições de ajuizar da situação, pois que foi perante ele que os depoimentos foram prestados. O tribunal de 2.ª instância em face da gravação pode conferir o que dela soa, ouvindo, mas não pode é apurar o que dela não ficou a constar. Não se ignora que nos doutos Acórdãos do STJ de 26.6.2003 e 29 de Maio de 2007 Acessíveis em http://www.dgsi.pt/jstj. , defendeu-se o entendimento de que a deficiência ou irregularidade da gravação, constatada pela parte no momento do oferecimento das alegações de recurso, poderia ser arguida nessas alegações e, consequentemente, perante o Tribunal da Relação. Respeita-se este entendimento, mas, a ser assim, pergunta-se como é que a Relação resolve o problema se as partes divergirem quanto ao facto de a gravação conter, ou não, falta de depoimentos? Com o devido respeito, parece que apenas a 1.ª instância pode estar nas condições de avaliar devidamente a questão e de a dirimir acertadamente. Note-se que entendimento de acordo com aquele que aqui se perfilha quanto à nulidade da gravação já foi seguido noutras decisões, designadamente no douto aresto do STJ de 14.12.2005, no qual se exarou que “tratando-se de uma nulidade processual, devia a mesma ser arguida perante o tribunal onde foi cometida, por meio de reclamação, a apresentar em requerimento próprio, no prazo de 10 dias previsto nos artigos 205.º, n.º 1, e 153.º, n.º 1, do mesmo Código, abrindo-se, assim, um incidente autónomo, e não na alegação de recurso” Acessível em http://www.dgsi.pt/jstj. Em todo o caso, mesmo a entender-se que a nulidade da gravação fora no caso vertente arguida em tempo e perante o tribunal competente, sempre seria de julgar improcedente. Isto porque não pode ser qualquer irregularidade ou deficiência da gravação que a vai inquinar de nulidade, com a necessidade da sua repetição e de anulação do julgamento, pois que, como decorre da lei e da boa razão, terá de estar em causa uma deficiência cuja sanação seja essencial ao apuramento da verdade. Sucede que no caso em apreço não se mostra que as alegadas deficiências da gravação – e deficiências sempre haverá na gravação de uma audiência, que não é uma gravação em estúdio nem feita por pessoa tecnicamente habilitada para o efeito – tenham prejudicado o apuramento da verdade sobre a matéria de facto. Aliás, o apelante não identifica quais os segmentos da gravação que considera inaudíveis, não invoca quais os pontos concretos da matéria de facto que desejava ver confirmados ou infirmados com a remoção da invocada insuficiência da gravação. É que se as alegadas partes inaudíveis não tiverem qualquer interesse para influenciar a decisão da causa, não podem justificar se repita a gravação, com todas as inconveniências daí decorrentes. Competia, por isso, ao apelante, em qualquer das situações da arguição da nulidade da gravação, convencer da utilidade da sua repetição - para não se incorrer na prática de actos inúteis - apontando os depoimentos prejudicados com as partes pretensamente inaudíveis, até porque, a haver lugar a repetição da gravação, esta deveria incidir apenas sobre as partes afectadas, sem necessidade de se repetir integralmente a gravação, sob pena de se cair numa segunda gravação, quiçá para colmatar falhas ou emendar depoimentos da primeira. Do que exposto se deixa só se pode concluir pelo indeferimento da invocada nulidade da gravação. | b) À necessidade de ampliação da matéria de facto, com aditamento de factos confessados, nova inquirição da testemunha H e a realização da inspecção judicial: Invoca o recorrente que impõe-se ampliar a matéria dada por assente, através do aditamento de factos invocados na contestação e constitutivos de confissão do recorrido quanto aos mesmos, designadamente, os constantes nos artigos 10°,11°, 12°, 13° e 14°, ou seja, que: - O R. vive no Pinhal Novo e trabalha no ramo da construção Civil através do fornecimento de materiais de construção. - O R. fornece tijolos, cimento e areia, transportando-os em veículos pesados, nomeadamente, para as obras da C - empresa de construção. - É num terreno propriedade daquela empresa, situado perto do local onde o A. teve o acidente, que o R. estaciona os veículos pesados necessários ao transporte dos materiais para as obras. - Tal terreno funciona como estaleiro. - É nesse terreno que o R. aloja cães de guarda e alguns patos e um equídeo. - Tal equídeo foi comprado pelo R. em 2003. Ora, estes factos foram, na realidade, alegados pelo réu nos aludidos artigos da contestação. O recorrente pretende aceitá-los e havê-los como provados, em virtude de o réu os ter confessado e, assim, vê-los aditados ao elenco factual. Assiste-lhe tal direito. Porém, é necessário chamar à colação tudo o que o réu alegou nos citados artigos e que foi o seguinte: “10º - O R. vive no Pinhal Novo e trabalha no ramo da construção Civil através do fornecimento de materiais de construção. 11º - Fornece tijolos, cimento e areia, transportando-os em veículos pesados, nomeadamente, para as obras da C - empresa de construção. 12º - É num terreno, que se situa perto do local onde o A. teve o acidente, que o R. estaciona os veículos pesados necessários ao transporte dos materiais para as obras e guarda os referidos materiais. 13º -Todavia, não explora o réu esse terreno, não o cultiva nem procede à criação de animais e não é daí, nem de quaisquer animais que tira o seu sustento. O terreno funciona como estaleiro. 14º - Para além dos cães de guarda e alguns patos, o réu alojava nesse terreno da C um equídeo, que comprara em 2003 e que vendeu a um indivíduo de raça cigana em finais de Março de 2007, sensivelmente por altura da Páscoa”. Ora, estabelece o artigo 360.º do CC (indivisibilidade da confissão) que “se a declaração confessória, judicial ou extrajudicial, for acompanhada da narração de outros factos ou circunstâncias tendentes a infirmar a eficácia do facto confessado ou a modificar ou extinguir os seus efeitos, a parte que dela quiser aproveitar-se como prova plena tem de aceitar também como verdadeiros os outros factos ou circunstâncias, salvo se provar a sua inexactidão”. Anotam A Varela e P de Lima sobre este artigo que: “Se a declaração confessória é especialmente valorizada pelas grandes probabilidades que tem de ser verdadeira ou exacta uma afirmação contrária aos interesses da própria parte, não faria sentido, nem seria justo, que este crédito de sinceridade concedido ao declarante não acompanhasse a parte restante da sua declaração. Não seria justo, noutros termos, que a parte contrária pudesse sacar em seu proveito a presunção de seriedade do confitente que a lei estabelece, e a repudiasse ao mesmo tempo na parte em que a declaração contraria os seus interesses. Outra é a situação, se a parte contrária ao confitente, aceitando embora a presunção de veracidade que cobre a confissão, chama a si o encargo que ela não é exacta na parte favorável aos interesses do declarante” In Código Civil anotado, vol. I, pg. 235.. Em face da posição do recorrente e do preceituado no normativo em análise, tem, pois, de haver-se como provados os factos alegados pelo réu nos artigos 10º a 14º da contestação em toda a sua amplitude, designadamente na parte desfavorável ao autor, ora recorrente, ou seja, que o réu vendeu o equídeo que possuía a um indivíduo de raça cigana em finais de Março de 2007, sensivelmente por altura da Páscoa. Este segmento de prova só não seria de considerar caso o recorrente tivesse realizado prova de que tal venda não teve lugar. Como o recorrente até parece admitir, quando diz na sua douta alegação que “a prova dos quesitos constitutivos da Base Instrutória tinha que passar pela prova de outros factos, nomeadamente, que a referida venda invocada pelo réu não se tinha concretizado”. Só que parece esquecer que, dentro daquele contexto de confissão, o ónus da prova de tal matéria competia ao recorrente e não ao réu. Daí que não lhe assista razão quando diz que é necessário ampliar a matéria de facto controvertida, através da introdução na Base Instrutória do seguinte quesito: “o equídeo propriedade do recorrido foi por este vendido em Março de 2007 a um indivíduo de raça cigana?”. É que o quesito, assim formulado, coloca o ónus da prova de tal facticidade no réu e tal ónus já não lhe cabe, por ter de se considerar já assente a matéria em questão, por força do aproveitamento dos factos aceites por confissão. Ao recorrente é que cabia provar o contrário e teve ocasião de o realizar no momento próprio, não o logrando ter feito, como abaixo melhor se demonstrará. E a prova do contrário decorreria desde logo da prova da matéria do quesito 1.º, pois que se o equídeo causador do acidente tivesse sido o do réu, devido ao seu decesso no sinistro, não poderia posteriormente estar vivo e ser objecto de transacção. Note-se que não tem qualquer oportunidade nem fundamento para vir agora o recorrente alegar que se torna necessário proceder à renovação da prova no que à inspecção ao local diz respeito, bem como à inquirição da testemunha H, a fim de serem respondidos os quesitos em causa. Seria conceder uma segunda oportunidade de realização da prova que a lei não faculta. c) Quanto às respostas aos quesitos, fundamentação e valoração da prova testemunhal: Em todo o caso, o recorrente defende que em face da prova testemunhal produzida a resposta aos quesitos deveria ser afirmativa. Isto por, em seu dizer, não se compreender por que razão não considerou o tribunal recorrido que o local do acidente se situava junto do terreno propriedade da empresa C e, consequentemente, do local onde o equídeo do recorrido costumava ser visto a pastar até à data do acidente. Tais elementos, continua, resultam da prova produzida nos autos e eram de primordial relevância para o tribunal recorrido dar como provado o quesito 2°, ou seja, que o equídeo causador do acidente tinha saído daquele terreno. Note-se que os únicos quesitos formulados eram os seguintes: 1.º O réu é dono do equídeo no qual o veículo embateu? 2.º E explora o terreno de onde o animal saiu? Ora, mesmo que pelos depoimentos das testemunhas fosse de concluir que o local do acidente se situava junto do terreno que o réu explorava e, consequentemente, do local onde o equídeo do recorrido costumava ser visto a pastar até à data do acidente, não era de concluir, sem mais, que o animal tivesse saído desse terreno. Não se pode esquecer que nenhuma das testemunhas presenciou o acidente. E o próprio autor, ora recorrente, quando participou o sinistro à companhia de seguros, descreveu o acidente do seguinte modo: “Circulava na Estrada no sentido Pinhal Novo – Moita quando de repente surge um cavalo vindo não sei de onde, não conseguindo evitar o embate com o animal. Segundo me parece veio de um estaleiro, onde a cerca estava partida.”(fls. 30). Quer dizer: nem o próprio recorrente ficou com a certeza da proveniência do equídeo naquele local da estrada, ainda que avance com uma conjectura sobre o sucedido. Nem se vê que fosse susceptível através da inspecção judicial efectuada ao local colher qualquer elemento de prova nesse sentido, sabendo-se que o acidente se verificou em 23.12.2006 e a inspecção judicial teve lugar em 7.10.2008. Aliás, consta do auto de inspecção de fls. 145, que nem sequer foi possível realizar esta inspecção, por a participação do acidente não possibilitar localizar o sítio provável do embate. Pelos vistos nem as próprias partes terão prestado colaboração útil para o efeito, pelo que se não descortina por que é que o recorrente insiste agora numa nova inspecção ao local que, ao que parece, nem ele sabe identificar. O tribunal recorrido, não violou, por isso, o poder de direcção do processo e o princípio do inquisitório, plasmados no artigo 265° do C.P.C., ao contrário do que alega o recorrente. Mas será que perante a prova produzida deveria o quesito 1° ter sido dado como provado? O recorrente alega que este quesito devia ter sido dado como provado, porque, na sua invocação, as testemunhas ouvidas declararam ter visto um equídeo no terreno em causa, referindo tratar-se de uma égua e indicando a mesma cor, sendo que o recorrido, no seu articulado, confessou ter uma égua no referido terreno. Acrescenta que não existindo quaisquer elementos no sentido de que naquele local existissem outras "quintas" com equídeos semelhantes aos dos autos, nunca tendo o recorrido afirmado existirem outras possibilidades quanto ao aparecimento de um animal no local, dia e hora do acidente, não se compreende como pôde o tribunal recorrido ficar na dúvida quanto à prova do quesito 1°. Ora, não tem razão o recorrente. Na fundamentação da decisão da matéria de facto, o tribunal recorrido, apresentou uma súmula do que as testemunhas inquiridas disseram em audiência e que foi o seguinte: “A testemunha M, afirmou que não viu o acidente mas vive a cerca de vinte metros do local onde o autor lhe disse que este ocorreu e sabe que numa quinta à sua frente, onde há patos e galinhas, também havia uma égua que depois do acidente deixou de ver. Não pode, contudo, afirmar que foi nesta égua que o veículo do autor embateu porque não viu o animal, nem sabe se o réu explora aquele terreno porque nunca o viu. A testemunha F, afirmou que não presenciou o acidente mas passa regularmente por aquela estrada e viu muitas vezes o réu entrar e sair com carros de uma quinta onde também, antes do acidente, via um cavalo a pastar que depois deixou de ver. Não sabe, no entanto, precisar se foi no cavalo que costumava ver naquela quinta que o veículo do autor embateu porque o acidente ocorreu à noite e não se deslocou ao local. A testemunha H, vizinho e amigo do réu, afirmou conhecer a quinta próxima da estrada que vai da Moita para o Pinhal Novo onde o réu guarda os materiais de construção que vende e os carros. Sabe que o réu tinha nesse terreno uma égua que vendeu na altura da Páscoa no ano 2007 porque o acompanhou aquando da venda”. Ora, o recorrente não mostra, nem alega, que as testemunhas tenham dito mais ou diferente do que em síntese o tribunal recorrido consignou no despacho da fundamentação, o que, temos de convir, era manifestamente insuficiente para se responder afirmativamente ao quesito 1.º. Daí que se considere bem respondido o quesito e a fundamentação que se aduziu em relação às respostas produzidas: “Assim, porque da conjugação dos elementos probatórios constantes dos autos e da prova testemunhal produzida não resulta de modo concludente a existência de uma relação entre o equídeo causador do acidente e o réu, sendo que meros indícios e suposições não são suficientes para demonstrar os factos, permanece o tribunal quanto a estes factos na incerteza, razão porque estes resultaram não provados”. Diz o recorrente que perante a fundamentação apresentada pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto, ficou sem se saber quais as dúvidas que surgiram relativamente à propriedade do equídeo causador do acidente e o local de onde o mesmo saiu. Sucede que as dúvidas são manifestas, incontornáveis e facilmente adivinháveis. Isto porque ninguém presenciou o acidente nem ninguém conseguiu identificar o animal causador do embate como sendo aquele que era pertença do réu, nem até se conseguiu localizar com precisão o local onde o acidente ocorreu, sendo que o conhecimento que as testemunhas mostraram sobre os factos foi inconclusivo. A prova para ser havida por eficaz tem de ser uma prova, senão plena ou abundante, pelo menos suficiente, não bastando uma prova meramente de “prima facie” ou de primeira aparência. Com efeito, como dizia A dos Reis, “a prova suficiente conduz a um juízo de certeza; não de certeza lógica, absoluta, material, na maior parte dos casos, mas de certeza bastante para as necessidades práticas da vida, de certeza chamada histórico-empírica. Quer dizer, o que se forma sobre a base da prova suficiente é, normalmente, um juízo de probabilidade, mas de probabilidade elevada a grau tão elevado, que é quanto basta para as exigências razoáveis da segurança social. A prova prima facie não assenta sobre quaisquer averiguações ou investigações concretas; exprime um juízo de mera probabilidade ou conjectura, que tem por base a lição da experiência e os sucessos normais da vida. (…) O nosso direito não admite a prova prima facie.” In CPC anotado, vol III, pg. 246. No caso em análise a prova produzida não pode considerar-se como suficiente para que os quesitos pudessem ter uma resposta afirmativa, dado que, em função de tal prova, a probabilidade de o equídeo do réu ter sido o causador do acidente não é uma probabilidade de tal modo considerável que seja susceptível de produzir a plena convicção do julgador em tal sentido. Tem de se admitir a eventualidade de não ter sido. Note-se que mesmo que o depoimento das duas primeiras testemunhas, arroladas pelo autor, merecessem toda a credibilidade e o da terceira testemunha, arrolada pelo réu, fosse de haver por incredível, sempre a resposta aos quesitos teria de ser negativa, por o depoimento daquelas não ser suficiente à sustentação de uma resposta afirmativa. E não parece argumento válido o que o recorrente invoca de que o juiz do tribunal recorrido podia e devia indagar todas as questões, caso não esclarecesse os motivos que levaram a permanecer em dúvida quanto aos factos controvertidos. Com efeito, a indagação estava essencialmente circunscrita à matéria vertida nos dois quesitos acima transcritos e era de grande simplicidade, sendo até estranho que o autor não tenha trazido aos autos prova bastante sobre a identidade do dono do animal. É que o tribunal ficou limitado pela prova que foi apresentada, não se vendo que, no uso da faculdade prevista no art. 265º/3 do CPC, devesse ordenar oficiosamente outras diligências, que, de resto, nem se apontam. Daí que se considerem infundadas as críticas que o recorrente lança mão na sua douta alegação quanto às respostas produzidas aos quesitos e respectiva fundamentação, pois que se consideram as respostas acertadas e suficientemente fundamentadas. Aliás nem se consegue entender que, em face de matéria de tamanha simplicidade, em que a prova testemunhal claudicou sem apelo nem agravo, tivesse o julgador de expender motivação da amplitude que o recorrente teoriza na sua douta alegação. E o recorrente carece inteiramente de razão quando alega que a fundamentação apresentada na decisão impugnada não foi explicada minimamente às partes, maxime, ao recorrente, para que pudessem controlar, como é seu direito, o modo como o tribunal recorrido tratou e apreciou os meios de prova que se esforçaram em apresentar. Nem ainda quando invoca que a motivação da decisão da matéria de facto revela-se manifestamente insuficiente para cumprir as exigências legais do artigo 653°, n°2 do C.P.C. A fundamentação sobre as respostas negativas aos quesitos foi dada de forma clara e convincente, como acima se viu, pela chamada à colação do depoimento das testemunhas inquiridas, depoimento bastante elucidativo quanto à inexistência de elementos suficientes à prova dos factos neles vertidos e pela análise que se fez desses depoimentos, o que as partes não podiam deixar de bem entender enquanto normais declaratárias. De resto quando se expendem extensas alegações a pretender discutir o que é acessório na decisão só se prejudica aquilo que seria importante convencer e que no caso passava por demonstrar que a prova produzida devia conduzir a uma resposta positiva sobre os quesitos, com a consequência, da procedência da acção. Como assim não acontece, o recurso só pode sucumbir. Em síntese, quanto ao direito mais relevante: I. A nulidade da gravação, porque se trata de uma nulidade processual e não da sentença, deve ser arguida perante o tribunal onde foi cometida, por meio de reclamação, a apresentar em requerimento próprio e no prazo de 10 dias (previsto nos artigos 205º/1, e 153º/1, do CPC) a contar do seu conhecimento. II. Quando arguida decorridos mais de 10 dias e apenas nas alegações de recurso para o tribunal superior, tem de considerar-se sanada, por suscitada fora do prazo e do tribunal competente. III. Quando a parte, em processo judicial, pretender aproveitar-se, como prova plena, de factos confessados pela parte contrária tem de aceitar também como verdadeiros os factos que no âmbito da mesma narração sejam conducentes a infirmar a eficácia dos factos confessados ou a modificar ou extinguir os seus efeitos. A menos que produza prova da sua inexactidão. IV. A prova para ser havida por eficaz tem de ser uma prova, senão plena ou abundante, pelo menos suficiente, não bastando uma prova meramente de “prima facie” ou de primeira aparência. V. A prova suficiente será aquela que conduza a um juízo de certeza sobre a realidade de um facto; não necessariamente de certeza lógica, absoluta ou material, inatingível na maior das situações de controvérsia, mas da certeza decorrente de um grau, de tal modo elevado, de probabilidade do facto que firme, sem hesitação, o convencimento do julgador na sua veracidade. Improcedem, por isso e no essencial, as conclusões do recurso, sendo de manter a decisão recorrida. IV. DECISÃO: Em conformidade com os fundamentos expostos, nega-se provimento à apelação e confirma-se a decisão recorrida. Custas nas instâncias pelo apelante. Lisboa, 17 de Dezembro de 2009. FERNANDO PEREIRA RODRIGUES MARIA MANUELA GOMES OLINDO SANTOS GERALDES |