Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
524/11.4TBCTX-A.L1-8
Relator: CATARINA ARÊLO MANSO
Descritores: NEGÓCIO SIMULADO
ACORDO SIMULATÓRIO
Nº do Documento: /RL
Data do Acordão: 12/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: - O negócio simulado é sempre nulo, nos termos do art. 240º, nº2 do CC, independentemente de se tratar de simulação absoluta ou relativa.
-  Havendo simulação relativa, os efeitos da nulidade do negócio simulado podem ser afastados por força da validade do negócio dissimulado, se este for formalmente válido, nos termos do art. 241º do mesmo código.
-  O art. 394.°, n.º 2, do Código Civil não impede os simuladores de provarem o acordo simulatório e o negócio dissimulado com base num princípio de prova escrita, contextualizada ou complementada por prova testemunhal ou por presunção judicial.

    (sumário elaborado pela relatora).

Decisão Texto Parcial:        Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO

I - A executada S... deduziu oposição à execução do B..., pedindo a nulidade dos dois contratos de mútuo por fraude à lei, subsidiariamente, a sua nulidade por simulação subjectiva, ou subsidiariamente por violação dos deveres especiais que incumbia ao exequente e que a levaram à celebração dos contratos, devem ser anulados, cumulativamente, sejam declarados nulos, por fraude à lei, simulação ou violação do artigo 253.º do Código Civil..
O exequente notificado contestou defendendo a improcedência da oposição.
Foi proferido despacho saneador e após à realização de audiência de julgamento e fixação da matéria de facto julgou a oposição à execução parcialmente procedente nos seguintes termos:
- Declarou a nulidade dos contrato de mútuos dados à execução e celebrados entre o exequente e a executada S... por simulação subjectiva, mantendo-se válido como contrato de mútuo entre o exequente e os co-executados J... e I..., e a extinção da execução quanto à executada S...
Não se conformando com a decisão interpôs recurso o exequente e concluiu:
1 - O Recorrente instaurou a competente acção executiva, titulada pelas duas escrituras de mútuo com hipoteca celebradas em 19 de Setembro de 2007, celebradas entre Recorrente e Recorrida, junta, aos autos; para ser ressarcido das quantias que se mostravam em dívida, vencida, desde 19 de Maio de 2010.
2- Em sede de oposição à execução a ora Recorrida veio arguir a nulidade do contrato que, livre e conscientemente, outorgou, com fundamento em fraude à lei ou, subsidiariamente, por simulação subjectiva ou, residualmente, por violação dos deveres especiais que sobre o Recorrente impendem.
3 - O tribunal - mal, na nossa opinião – entendeu julgar procedente o pedido de nulidade fundado cm simulação subjectiva, decisão da qual se recorre, pelos fundamentos a seguir indicados
4- A decisão teve em consideração prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento, quando o n.º 1 do artigo 394.° do Código Civil (doravante apenas CC) determina que é inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto qualquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autentico ou dos documentos particulares mencionados nos art.373 a 379 quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneos dele quer seja posteriores.
5- O nº2 do referido preceito normativo determina que a proibição do nº anterior aplica-se o acordo simulatório e ao negócio dissimulado, quando invocados pelos simuladores.
6- Pese embora venha sendo entendido tanto na doutrina como na jurisprudência, que não deve ser feita uma interpretação estritamente literal da referida proibição, se os factos a provar do acordo simulatório - resultem com alguma verosimilhança de prova escrita, ao que se então, admissível aquele tipo de prova, para a complementar.
- V. Acórdão do TRL de 24-4-2010, em www.dgsi.pt – é entendimento doutrinário dominante que a admissão de prova testemunhal para prova de facto, respeitantes ao acordo simulatório deverá decorrer de convicção previamente formulada pelo julgador em função de indícios, resultante de documentos, trazido aos, auto, pela, parte.
7 - Veja-se a esse propósito, Luís Carvalho Fernandes, in A Prova da Simulação pelos simuladores em O Direito, 124 (1992), pagina, 593 e seg. ao defender que (...) “Sempre que, com base em documentos trazidos aos auto, o julgador possa formular uma primeira convicção relativamente à simulação de certo negócio jurídico, é legitimo recorrer-se ao depoimento de testemunhas sobre actos constantes do e relativos a essa matéria com vista a confirmar ou a infirmar essa convicção; f) Como é legitimo, é a partir desse começo de prova, pela via de presunções judiciais, deduzir a existência de simulação com base em factos assentes no processo”, e ainda Ac. STJ de 22-05-2012, acessível em www.dgi.pt.(....) embora seja proibida a produção de prova testemunhal quando a simulação é invocada pelos simuladores, admite-se, em interpretação restritiva do art. 394 do CC, que possa ser produzida prova testemunhal desde que o acordo simulatório contenha um mínimo de prova, um começo de prova de natureza documental.
8 — No caso em apreço, a prova documental carreada pelas partes resume-se a duas escrituras públicas de mútuo com hipoteca e fiança e nenhuma das partes, onde se inclui a Recorrida, invocou ou destacou qualquer indício ou qualquer menção inscrita susceptível de constituir, com verosimilhança, facto indiciador da existência de acordo simulatório.
9 - O ónus da prova da existência de acordo simulatório, recaía sobre a recorrida, não tendo esta carreado para os autos qualquer documento que o pudesse atestar.
10 - O Juiz o que não poderia admitir e valorar a prova testemunhal produzida sem, previamente, retirar da prova documental produzida factos que pudessem, com alguma verosimilhança, indiciar a existência de acordo simulatório.
11 - O tribunal ao admitir e valorar a prova testemunhal produzida, violou o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 394 do Código Civil e por interpretação contrária à corrente jurisprudencial e doutrinária dominante, por não poder ser aceite a (actualidade considerada provada com recurso à prova testemunhal produzida nos autos recorridos.
12 - O tribunal fundou a sua convicção na apreciação da prova produzida nos autos, designadamente na prova documental e testemunhal, tendo aplicado mal o direito ao decidir pela verificação da simulação subjectiva.
13 - Foram dados como provados os factos descritos em 1 a 44 da fundamentação de facto da sentença recorrida e dos quais supra se reproduzem aqueles que consideramos essenciais para demonstrar o erro de apreciação em que lavrou o tribunal.
14 - E como não provados, os factos elencados em i. a xii. da fundamentação de facto da sentença recorrida.
15 - O CC define como negócio simulado. no n.º 1 do artigo 241", aquele em que, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de engana terceiros, há divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante.
16 - Por outro lado, o n.º 1 do artigo 241 do CC estipula que quando sob o negócio simulado exista um outro que as partes quiseram realizar, é aplicável a este regime que lhes corresponderia se fosse concluído sem dissimulação, não sendo a sua validade prejudicada pela nulidade do negócio simulado.
17 - Extrai-se, assim, a necessidade de verificação simultânea de três requisitos para que se verifique o negócio simulado:
i. A intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração
ii. O acordo simulatório (pactum simulatoris)
iii. O intuito de enganar terceiros
18 - O ónus da prova da verificação cumulativa dos três requisitos, porque constitutivos do respectivo direito, cabe a quem invoca a simulação, ou, no caso dos autos recorridos, à Recorrida, conforme estatuído no n." 1 do artigo 342." cio CC.
19 - Cabia, pois, à Recorrida, provar que declarou aquilo que não queria, para que se verificasse, sem quaisquer dúvidas, uma desconformidade intencional entre a declaração e a vontade o que não logrou.
20 - A Recorrida nunca refere que a declaração expressa nos mútuos celebrados com o Recorrente não correspondesse à sua vontade real.
21 – Refere, antes, que por em 31.7.196 ter assinado a escritura de mútuo que permitia a construção a casa, continuou a assinar todos os documentos referentes a essa casa e que lhe fossem solicitados pelo seu pai, conforme se afere do ponto 25 da factualidade provada.
22 - Dado como provado este facto, em nosso entender, fica comprovada a inexistência de simulação, seja em que modalidade for, na celebração dos mútuos com o Recorrente em 2007, que são os que estão causa nos autos recorridos.
23 - A simulação depende da consciência e intencionalidade na divergência entre a vontade declarada e a vontade real, no momento em que essa declaração ocorre.
24- Ficou provado que a Recorrida assumiu que desde 1996, assinaria tudo o que respeitasse ao imóvel, hipotecado ao Recorrente em 2007.
25 - Essa predisposição para assinar tudo o que respeitasse ao imóvel decorre, obviamente, da confiança que depositava no seu pai para ir gerindo todas as questões relacionadas com o referido bem, designadamente a obtenção de financiamentos, se necessário.
26 - A Recorrida era e é a proprietária do imóvel e, para todos os efeitos, tinha e tem interesse directo na obtenção dos financiamentos em causa.
27- Estamos perante uma vontade previamente determinada - manifestada nos factos alegados pela Recorrida nos autos - de assumir qualquer posição ou comportamento negocial desde que relacionado com o imóvel.
28- O que na verdade ocorreu foi a adesão do comportamento negocial da Recorrida à vontade previamente determinada.
29 - Impunha-se à Recorrida provar que a divergência entre a declaração e a vontade advinha de combinação entre as partes envolvidas - ela própria, os seus pais e o Banco - ou seja, o pacto simulatório.
30 - A tese sufragada na sentença recorrida assenta na existência de um negócio simulado com interposição fictícia de pessoa, sendo a Recorrida a pessoa interposta.
31 - Temos como intervenientes no putativo conluio, a Recorrida, os seus pais e o Recorrente, como negócio simulado, o contrato de mútuo celebrado entre Recorrente (mutuante), Recorrida (mutuária) e os pais da Recorrida (fiadores) e como negócio dissimulado, o contrato de mútuo entre Recorrente (mutuante) e pais da Recorrida (mutuários).
32 - Por definição, o pacto simulatório pressupõe a verificação de um conluio entre todos os declarantes e depende da participação activa, intencional e querida de todos os intervenientes.
33 - Nos autos recorridos, em momento algum foi provada a intervenção da mãe da Recorrida no alegado conluio. Na verdade, desconhece-se qual a sua real vontade, pelo que se assume que seja a que ficou consignada nas escrituras de mútuo com hipoteca celebradas, deduzir outra seria mera especulação sustentada apenas no vazio.
34 - também em momento alguns, ficou provado que o banco Recorrente estivesse em conluio com os intervenientes, pois é a própria Recorrida a alegar nunca ter falado, negociado ou conhecido, sequer, qualquer dos representantes do Recorrente.
35 – A prova da inexistência de concluiu entre os intervenientes é patente, pelo que falha um pressuposto essencial para a verificação do pactum simulatoris, ou seja, a prova inequívoca da intervenção concertada de todos os intervenientes
36 - Ironicamente, apesar de alegado pela Recorrida, não se logrou provar que o seu pai lhe tenha explicado que esta foi a forma encontrada para ultrapassar os limites impostos pela sua idade e prazo máximo de concessão dos mútuos, conforme descrito no ponto vii. da (factualidade não provada).
37 - Surpreendente considerou-se provada a existência de um conluio, para interposição fictícia de pessoa, quando o principal facto invocado em favor dessa tese foi dado por não provado.
38 - Não se pode admitir que, pela ausência de prova, se entenda concluir pela verificação de facto contrário.
39 - Da factualidade apurada e dada como provada, não se poderia concluir, com respeito por critérios de normalidade e razoabilidade, pela existência de qualquer acordo simulatório, ao contrário do decidido pelo tribunal.
40 - O terceiro requisito acima enunciado - intuito de enganar terceiros - não se mostrou provado nos autos recorridos uma vez que da factualidade dada como provada, não se consegue extrair qualquer facto que possa sustentar tal intenção enganadora em relação a terceiros.
41 - Os efeitos da putativa acção concertada entre a Recorrida, seus pais e Recorrente, apenas produziriam efeitos na esfera dos próprios.
42 – Se é pacífico que o terceiro que se pretende enganar é parte alheia ao conluio, já não é pacífico identificar quem, na mente dos simuladores, era o visado pelo engano. Veja-se o Ac. TRL de 07-05-2009, disponível em wwwdgsi.pt quando se refere que a exigência de “ enganar terceiros”, é necessário que o engano seja relevante, ou seja, que produza efeitos o nível dos interesses englobados na esfera jurídica de terceiro.
43 - O tribunal absteve-se de abordar essa questão, pois não existe nos autos qualquer facto índice da pretensa simulação.
44 - Inexistindo factualidade indiciária ou provada nesse sentido, não se verifica o pressuposto da intencionalidade enganadora, necessário, obrigatório e previsto na lei. para que se possa concluir pela nulidade do negócio simulado.
45 - Deste modo, por não se mostrarem provados nos autos recorridos, factos suficientes para a verificação dos pressupostos essenciais e caracterizadores do negócio simulado, tal como previsto nos artigos 240.° e 241.° do C'C, não poderá ser admitida a decisão do tribunal declarar nulos os contratos celebrados com a Recorrida, por simulação subjectiva.
Nestes termos, deve ser concedido provimento ao Recurso apresentado
Factos
1. A ora Oponente e Executada, é filha dos outros dois co-executados no presente processo, J... e I...
2. Em 03-03-1995, J... e I..., em representação da filha menor com 16 anos de idade, a ora Executada, outorgaram escritura pública de compra e venda adquirir um terreno para futura construção da sua casa.
3. Por escritura pública intitulada de mútuo com hipoteca, outorgada em 31-07-1996 a Caixa ... para construção de um edifício para habitação emprestou a quantia de capital de Esc. 38.700.000$00 (€ 193.034,79) à executada, naquele acto representada por procurador, constituindo-se J... e I... fiadores, também representados no acto por procurador.
4. Por escritura pública intitulada de ampliação de empréstimo com hipoteca e fiança, outorgada em 17-01-1997, a Caixa ... para ampliação do mútuo que tinha sido concedido para a construção da casa de habitação emprestou a quantia de capital de Esc. 11.000.000$00 (€ 54.867,77) à executada, constituindo-se fiadores J... e I....
5. Por escritura pública intitulada de mútuo com hipoteca e fiança, outorgada em 05-04-2001 a Caixa ... para financiar construção a realizar emprestou a quantia de capital de Esc. 10.000.000$00 (€ 49.879,79) à executada, constituindo-se fiadores J... e I....
6. Por escritura pública intitulada de mútuo com hipoteca e fiança, outorgada em 04-04-2003 o Banco ..., para liquidação de empréstimo contraído na Caixa ... para aquisição da sua habitação própria emprestou a quantia de capital de € 204.701,30 à executada, constituindo-se fiadores J... e I....
7. Por escrituras públicas intituladas de mútuo com hipoteca e fiança, outorgadas em 19-09-2007 o Banco ..., emprestou a quantia de capital de quantia de € 186.437,29 e de € 309.585,87 à executada, constituindo-se fiadores J... e I....
8. O empréstimo concedido foi para liquidação de empréstimo contraído no Banco ...
9. A Executada, não negociou os contratos de mútuo com qualquer das entidades que a financiaram.
10. A Executada, não conhecia as pessoas que, do outro lado, se apresentaram a representar as instituições de crédito financiadoras.
11. Após a construção da casa, em meados do ano de 1997, a ora Executada mudou-se com os seus pais para a referida casa, tendo habitado a mesma de meados de 1997 a meados de 1998, data em que iniciou a sua formação académica na Universidade de Évora, onde se licenciou em Medicina Veterinária.
12. Curso que terminou no ano de 2004.
13. Durante esse período, 1998-2004, a ora Executada deslocava-se a casa dos seus pais de 15 em 15 dias.
14. As escrituras de 04-04-2003 e 19-09-2007, de transferência de empréstimos foram negociadas pelo executado J... e por questões de diminuição dos encargos financeiros.
15. Durante o período que a ora Executada viveu em Évora, e nas deslocações que teve a casa dos seus pais (a casa que originou o presente financiamento e hipoteca), os seus pais, nos almoços/jantares/serões de família, iam alertando a executada, na presença dos seus irmãos, de que se alguma coisa lhes acontecesse (morte), que aquela casa não era só dela, mas sim, dela e dos irmãos.
16. Os seus pais, a partir de determinada altura, em várias reuniões familiares, demonstraram essa preocupação à executada e seus irmãos, uma vez que se a ora Executada tivesse um filho, casasse ou falecesse, nem os seus pais (executados), nem os seus irmãos receberiam o que quer que fosse da casa dos seus pais.
17. No dia 29 de Janeiro de 2007, a ora Executada foi mãe.
18. No seguimento do nascimento da filha da Executada, o pai desta (executada) tentou junto de vários bancos a transferência da propriedade para seu nome.
19. Contudo, os elevados encargos fiscais e financeiros, impediram-no de tal.
20. O motivo da casa e empréstimo associado ter ficado em nome da executada, se prendeu com o facto de os co-executados, aquando da aquisição do terreno e da contratação do primeiro mútuo terem mais de 40 anos.
21. Facto que os impedia de beneficiar de um empréstimo com um prazo de duração de 30 anos.
22. Uma vez que a idade máxima para liquidar o empréstimo seria os 70 anos.
23. A Executada, até 2004, nunca obteve quaisquer tipos de rendimentos, uma vez que se encontrava a estudar.
24. A Executada, entre 2004 e 2010, nunca auferiu anualmente, mais do que € 15.000,00 por ano.
25. A Executada por em 31-07-1996 ter assinado a escritura de mútuo que permitiu a construção da casa, continuou a assinar todos os documentos referentes a essa casa e que lhe fossem solicitados pelo seu pai.
26. O que originou que no dia 5-03-2010, uma vez mais, junto do BCP, para garantir um financiamento concedido individualmente ao seu executado J..., hipotecou a casa no montante de € 151.428,54.
27. O empréstimo que estava em causa foi concedido ao seu pai, individualmente, para pagamento de uma dívida que este tinha contraído.
28. Única pessoa que sempre pagou as prestações associadas ao crédito à habitação, e à Exequente, foi o co-executado pai da executada.
29. Nunca, após a existência de mora no cumprimento da obrigação resultante do mútuo, o Exequente contactou a Executada para regularizar a situação.
30. O Exequente, após a existência de mora, entrou em contacto telefónico com o pai da Executada.
31. Com quem, durante meses reuniu, de forma a encontrar uma solução para o cumprimento das obrigações vencidas.
32. Nunca a Executada foi contactada telefonicamente pelo Banco, para estar presente em qualquer dessa reuniões.
33. No entanto, em meados de Setembro de 2010, o BCP notificou, por escrito, a ora Executada, da existência de mora no cumprimento do crédito.
34. Nessa mesma data, a ora Executada, comunicou ao Banco, Exequente, só então se ter apercebido da real situação e remetendo o exequente para o real devedor, o seu pai.
35. Após o dia 24 de Setembro de 2010, o único contacto que a Executada teve do Banco Exequente foi no passado dia 23 de Maio de 2011, onde era citada da execução movida pelo mesmo.
36. A Exequente consta inscrita como proprietária do prédio urbano da freguesia e concelho da Azambuja, descrito na Conservatória do Registo Predial da Azambuja, sob o número 1944 e inscrito na matriz sob o artigo 4371, desde 1995.
37. O exequente teve como garantias reais e pessoais, a constituição de duas hipotecas sobre o imóvel em apreço a favor do Banco, e a fiança prestada pelos co-executados, J... e I....
38. O conteúdo das escrituras públicas foi lido e explicado a todos os outorgantes.
39. Os contratos de mútuo estavam associados à conta de depósito à ordem da titularidade dos executados, a partir da qual era efectuado o pagamento das prestações mensais.
40. Os extractos bancários, com indicação dos valores em dívida por conta dos contratos de mútuo, são remetidos para o primeiro titular da conta de depósitos onde as prestações são debitadas.
41. A executada apresentava um rendimento global no ano de 2006 de € 16.007,02.
42. Como garantia do cumprimento das obrigações emergentes dos mútuos celebrados foi constituída uma hipoteca em 1º grau, devidamente registadas a favor do Banco exequente e que incidiram sobre o prédio misto sito no Casal do Vale Bom, Quinta do Vale Bom, descrito na Conservatória do Registo Predial de Azambuja sob o n.º 1944, Freguesia e Concelho de Azambuja, inscrito na matriz sob o artigo 4371.
43. A hipoteca constituída como garantia do mútuo celebrado garante não apenas o capital mutuado (€186.437,29), mas também juros contratuais à taxa de 4,89% acrescida de 4% (cl. penal) em caso de mora e demais despesas.
44. A hipoteca constituída como garantia do mútuo celebrado garante não apenas o capital mutuado (€309.585,87), mas também juros contratuais à taxa de 4,89% acrescida de 4% (cl. penal) em caso de mora e demais despesas.
Não houve contra alegações
Corridos os vistos legais, nada obsta ao conhecimento
II – Apreciando
Nos presentes autos foram dados à execução dois contratos de Mútuo com Hipoteca e Fiança. Não aceita o apelante a decisão impugnada que julgou nulos por simulação subjectiva os contratos de mutuo dados à execução. Os mútuos em causa foram celebrados em 19.9.2007 e cumpridos até Maio de 2010 e assinados pela executada.
1.1- Importa apreciar se a prova da simulação pode ser feita testemunhalmente
Esta questão é muito debatida na doutrina e jurisprudência. Aliás, não está em causa a escritura, mas a declaração em si. As escrituras não provam a veracidade das declarações, mas apenas aquelas que foram feitas perante a autoridade competente. O recorrente defende que o valor jurídico probatório da escritura pública, como documentos autênticos, só pode questionar-se se arguida e provada a falsidade do documento. A escritura pública de mutuo com hipoteca e fiança é um documento autêntico cuja força probatória material e modo de elisão se encontram regulados nos art. 371º e 372º C. Civil.
Como consta no Ac STJ de 2.3.2011- A apreciação do valor probatório da inserção em documento autêntico - in casu escritura pública de mutuo com hipoteca compra e venda - de declaração de que o preço da venda já foi recebido envolve, ainda que interpenetradamente, três figuras jurídicas:
A primeira reporta-se à prova do cumprimento;
A segunda ao valor probatório dos documentos autênticos;
A terceira ao valor probatório da confissão.
2. Quanto à primeira, há a considerar que a força probatória da quitação coincide com a do documento que consubstancia ou em que se insere.
3. No que diz respeito à segunda, deve entender-se que, nos casos em que o recebimento não tenha sido objecto de percepção pela autoridade ou oficial público respectivo, não se alcança a prova plena, antes sendo caso de prova de livre apreciação pelo Tribunal.
4 . Quanto à terceira, as dúvidas sobre se tal declaração, sem mais, deve ser considerada como confessória, há que acrescentar que o artigo 358.º n.º2 do Código Civil deve ser interpretado no sentido de que a confissão extrajudicial só conduz à prova plena se esta resulta do CPC do documento em que se insere e for feita à parte contrária ou a quem a represente.
5. Em qualquer dos casos, tratando-se de interpretação do contexto do documento, é admissível, além das outras, a prova testemunhal.
Dispõe o art. 240, nº 1, do Código Civil (diploma a que se reportam as mais disposições legais referidas sem menção de origem), que se por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado.
Da leitura deste preceito legal resulta que a simulação consiste intencional entre a vontade real e a declaração negocial, procedente de acordo entre o declarante e o declaratário, determinada pelo intuito de enganar terceiros.
1 - Veja-se , na doutrina, entre outros, Manuel de Andrade , in Teoria Geral da Relação Jurídica, volume II , página 168 e segs. e Mota Pinto, in Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição, página 471 e segs..
Em relação à questão da admissibilidade da prova testemunhal, julga-se ser predominante, na doutrina e na jurisprudência, o entendimento, em que assentou a decisão recorrida, de que o art. 394.°, n.º 2, do Código Civil não impede os simuladores de provarem o acordo simulatório e o negócio dissimulado com base num princípio de prova escrita contextualizada ou complementada por prova testemunhal ou por presunção judicial.
Para além dos acórdãos citados podem ver-se os do STJ de 02-03-2011 (relator Alves Velho) e de 22-05-2012 (relator Fonseca Ramos), também disponíveis em www.dgsi.pt. E na doutrina pode ver-se, por todos, Carvalho Fernandes, em Teoria Geral do Direito Civil – II. 4.ª edição, a fls. 314.
Depois, a questão da admissibilidade da prova testemunhal sempre foi equacionada em relação a convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documentos, ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado, tal como previsto no art. 394.º do C. Civil. E é nessa perspectiva que a prova testemunhal tem sido julgada admissível pela jurisprudência e doutrina citadas. Nada justificando a limitação dessa prova à questão da autenticidade dos documentos.
Por fim, julga-se que os documentos referidos na decisão recorrida provam que as partes quiseram realizar empréstimos, e que foi com esse objectivo que outorgaram as escrituras de mutuo com hipoteca e fiança. Ou seja, sabiam que a declaração emitida era diversa da sua vontade real, queriam, ainda assim, emiti-la nestes termos. Exige-se ainda que, por um lado que, esta divergência entre a vontade e a declaração resulte de acordo entre declarante e declaratário – pactum simulationis – e, por outro lado, seja feita com o intuito de enganar terceiros. Ac. STJ, 30.5.95, CJSTJ, ano III, tomo II, pag. 118. Daqui resulta que o intuito de enganar ou iludir – animus decipiendi – é elemento constitutivo da simulação, não se exigindo, contudo, o intuito de prejudicar – animus nocendo – ou seja, de causar um dano ilícito. A simulação é a principal modalidade de divergência entre a vontade real e a vontade declarada. Por simulação entende-se o acordo (ou conluio) entre o declarante e o declaratário, no sentido de celebrarem um negócio que não corresponde à sua vontade real e no intuito de enganarem terceiros.
O art. 240, nº1, do C.C., exige três requisitos para que haja simulação:
- divergência entre a vontade real e a vontade declarada;
- acordo simulatório;
- intuito de enganar terceiros (animus decipiendi).
Com a intenção de enganar terceiros pode ou não cumular-se a de prejudicar outrem (animus nocendi).
Quando, além da intenção de enganar, haja a de prejudicar, a simulação diz-se fraudulenta. A lei portuguesa supõe a classificação entre simulação absoluta e relativa no art. 241º, sob a epígrafe “simulação relativa”. Trata-se de uma nulidade atípica (neste sentido, Menezes Cordeiro, “Tratado de Direito Civil” cit., pág. 845). A atipicidade deriva do facto dos simuladores não poderem invocar a simulação contra terceiro de boa fé (art. 243º, nº1).
O art. 241º do Código Civil estatui: 1. Quando sob o negócio simulado exista um outro que as partes quiseram realizar, é aplicável a este o regime que lhe corresponderia se fosse concluído sem dissimulação, não sendo a sua validade prejudicada pela nulidade do negócio simulado.
2. Se, porém, o negócio dissimulado for de natureza formal, só é válido se tiver sido observada a forma exigida por lei.
Por seu lado, tratando-se de negócio formal, o art. 238º do mesmo código estipula que a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.
Além disso, na interpretação daquela declaração há que atender a todas as circunstâncias do caso concreto, todos os elementos que um declaratário medianamente instruído, diligente e sagaz, na posição do declaratário efectivo, teria tomado em conta. Não se provou que o exequente tivesse acordado o quer que fosse com os executados, ou que lhe tivessem dado conhecimento das suas pretensões. No caso vertente, a executada, ora oponente, defendeu que o pai acordou com a apelante para enganar o apelado, o empréstimo era dele, assim sendo quer aproveitar, em benefício próprio, de uma simulação de negócio que protagonizou, representa, sem sombra de dúvida o chamado venire contra factum proprium que a doutrina e jurisprudência acolhem dentro da proibição contida no artigo 334º do Código Civil
Ao reclamar a nulidade dos negócios que celebrou com o exequente, como que usando de um direito potestativo que estaria sempre ao seu alcance para ser usado quando, e se, lhe fosse conveniente, traindo a confiança que legitimamente depositou na sua seriedade, abusa claramente do direito, nos termos consignados no arte 334º do CC. E esta disposição foi maltratada pelo pretendido uso do Instituto da Simulação que é manifestamente abusivo. Com efeito, a lógica económico-social do Instituto da Simulação pressupõe que a invocação da nulidade dos negócios simulados, pertence aos terceiros que possam ter sido enganados ou lesados com esses negócios - É pacífico que o legislador, ao determinar a nulidade dos negócios simulados, não estaria a querer com isso proteger os próprios simuladores, mas sim eventuais terceiros que fossem vítimas do logro.
Nada se provou relativamente ao conhecimento do exequente, terceiro aquando da celebração das escrituras de mutuo com hipoteca e fiança. As relações dos pais com a apelante pertencem ao foro familiar e a simulação invocada visa terceiros de boa fé. Na altura a apelante tinha 28 anos era casada, não provou ter acordado com o banco ou com quer que fosse, não podia concluir-se pelo conhecimento. Fazendo apelo aos factos apurados – declaração negocial expressa aos demais factos provados – no sentido de que a executada ora oponente celebrou as escrituras para garantir os empréstimo nas circunstancias que os factos relatam. Mas há outro argumento decisivo. O nº 1 do art. 238º citado prescreve que tratando-se de negócio formal, a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.
Daqui resulta que nunca poderia ser interpretada a declaração negocial estando esta sujeita a forma especial – escritura pública, nos termos do art. 80º, nº 2 al. g) do Cód. do Notariado – nenhuma correspondência havia no texto que, mesmo que imperfeitamente, correspondesse à pretendida vontade real.
Também, sendo o mútuo pretendido um negócio formal – art. 1143º do Cód. Civil -, nunca a declaração poderia valer como mútuo, por igualmente nenhuma correspondência ter no texto declarado com a pretensa vontade de celebrar o empréstimo em nome dos pais. Aliás, só eles conhecem as razões de tal conduta
Fica-nos a declaração empréstimo com a intenção de garantir um mútuo celebrado. O pedido de declaração de nulidade de determinado negócio jurídico envolve necessariamente a declaração de todos os efeitos dessa declaração, que não podem ser limitados aos que interessam à parte que invoca a nulidade. É o que resulta do preceituado no já referido art. 289.º do C. Civil, nos termos do qual a declaração de nulidade do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente. E também do art. 290º, do qual resulta que as obrigações recíprocas de restituição que incumbem às partes por força da nulidade do negócio devem ser cumpridas simultaneamente.

Concluindo
- O negócio simulado é sempre nulo, nos termos do art. 240º, nº 2 do CC, independentemente de se tratar de simulação absoluta ou relativa.
- Havendo simulação relativa, os efeitos da nulidade do negócio simulado podem ser afastados por força da validade do negócio dissimulado, se este for formalmente válido, nos termos do art. 241º do mesmo código.
- Predominante, na doutrina e na jurisprudência, há o entendimento de que o art. 394.°, n.º 2, do Código Civil não impede os simuladores de provarem o acordo simulatório e o negócio dissimulado com base num princípio de prova escrita, contextualizada ou complementada por prova testemunhal ou por presunção judicial.

III- Decisão: em face do exposto, julga-se procedente a apelação revogando a decisão impugnada, devendo prosseguir a execução.
Custas pela apelada

Lisboa, 15/12/2016

Maria Catarina Manso

Maria Alexandrina Branquinho

António Valente
Decisão Texto Integral: