Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
43/09.9TCFUN.L1-1
Relator: AFONSO HENRIQUE
Descritores: ACÇÃO DE DESPEJO
ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/14/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDÊNCIA
Sumário: I - A lei não fornece directamente um critério que permita caracterizar o que denomina por alteração substancial da estrutura externa, cabendo ao intérprete a sua concretização caso a caso, tendo em conta os limites normais dos poderes do arrendatário quanto a alterações na coisa, segundo um juízo de razoabilidade.
II - Obras que alteram substancialmente a estrutura externa de um prédio são, portanto, aquelas que implicam “a alteração da sua fisionomia, configuração, disposição ou equilíbrio arquitectónico”.
III - No que concerne à alteração substancial da disposição interna das divisões do prédio, dir-se-á que tal acontecerá quando as obras impliquem que o interior do prédio apresente uma outra fisionomia ou planificação, uma diferente forma de ocupação do espaço ou uma sua desfiguração.
V - O Tribunal a quo, no nosso entender, desvalorizou o facto de estarmos na presença dum contrato de arrendamento com um fim comercial/industrial.
VI - Quer a doutrina quer a jurisprudência quer ainda o próprio contrato firmado entre as partes enfatizam que as obras que tenham a ver com o fim do contrato são da responsabilidade do arrendatário.
VII - No caso vertente, as obras significativas realizadas pelo arrendatário visaram as casas de banho que eram “fora” dos quartos, fruto de construções antigas e que já não se compadecem com os serviços que a R., presta no ramo da hotelaria, industria cada vez mais exigente e concorrencial.
IX - Acresce que, as restantes obras (com a excepção das estruturais, as referidas casas de banho dentro dos quartos que considerámos serem de beneficiação e adequados ao fim do contrato) são todas passíveis de ser alteradas e da responsabilidade do inquilino.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

J. N… e mulher M. C…, casados na comunhão geral de bens, residentes na Rua …, nº…-A, …, intentaram a presente acção de despejo, sob a forma ordinária, contra:
“Residências C…, Lda.”, com sede na Rua …, …, ….
Pedindo que: 1. Seja decretada a resolução do contrato de arrendamento identificado no artigo 1º da petição inicial, bem como, a Ré condenada a despejar o locado de pessoas e das coisas que, de acordo com o contrato, não pertencem ao prédio e a restitui-lo aos Autores; 2. Seja a Ré condenada a efectuar as obras necessárias para eliminar as alterações discriminadas na petição inicial e repor o locado no estado interior e exterior em que ele se encontrava à data da celebração do contrato, dentro do prazo previsto no artigo 1087º do Código Civil; 3. Seja a Ré condenada a pagar aos Autores as rendas vincendas até ao trânsito em julgado da sentença e; 4. Seja a Ré condenada a pagar aos Autores quantia igual à da renda, a título de indemnização pela mora na restituição do locado, desde a data do trânsito em julgado da sentença, até à da efectiva restituição, nos termos do artigo 1045º nº 1 e 2 do Código Civil.
Para tanto e, em resumo, alegou que:
- Por escritura pública celebrada a … de Abril de 19…, no Quarto Cartório Notarial ……, intitulada de “Arrendamento”, F. T… e esposa, F. C…, aí designados como “primeiros outorgantes”, declararam dar de arrendamento à sociedade ora Ré, “todo o alto” (exceptuados o rés-do-chão e a cave) do prédio urbano situado na Rua …, nºs … e …, freguesia de …, …, pelo prazo de cinco anos, a contar de 1 de Outubro de 19…, sucessivamente renovável por períodos de um ano, mediante a renda mensal de quinze mil e quinhentos escudos, que, actualmente é de €1.004,06 a pagar no domicílio do senhorio e com destino a “pensão residencial (…)” ou, o que melhor convier à arrendatária dentro da utilidade turística e seja legalmente permitido.
- Mais declararam os “primeiros outorgantes” que, das “Instalações” pertencem ao prédio: a) a instalação eléctrica, para iluminação e para outros fins que está completa (lustres, “apliques”, com suas lâmpadas) e inclui todos os esquentadores; b) a instalação para águas quente e fria completas de torneiras e de tudo o mais que lhe é acessório normalmente; c) as instalações sanitárias de casa de banho, prateleiras e banquetas fixas; d) a instalação do “bar”, incluindo o balcão e tudo o mais que a constitui; não são compreendidos e pertencem à arrendatária, a secretária aparafusada ao balcão e os “maples” e demais móveis.
- Os “primeiros outorgantes” especificaram quanto às “Obras Já Efectuadas Pela Arrendatária”, que fica ratificada a autorização verbalmente concedida para as que foram executadas no sexto andar, e declarando que, findo o contrato (quando porventura se verifique a entrega da chave), a arrendatária fará a reposição, no estado anterior, daquele pavimento e levantará todos os materiais resultantes de tal reposição e ainda todas as peças de casa de banho que ela ali instalou”.
- Os “primeiros outorgantes” discriminaram quanto a “Obras a Efectuar”, que “ficam autorizadas as que a arrendatária se propôs realizar e que constam da construção de duas casas de banho, com a respectiva instalação completa e a terem lugar nos quartos ou compartimentos que actualmente têm os números vinte e dois e três; e mais ficam autorizadas as necessárias para transformar os quartos vinte e três e vinte e quatro num só compartimento para tanto demolindo a respectiva divisória. Estes trabalhos, as peças sanitárias e todas as instalações, ficarão integradas no prédio e não serão indemnizáveis”.
- E estipularam quanto a “Outras Obras”, que só com o consentimento escrito, do senhorio, poderão ser executadas, ficarão fazendo parte do prédio e não serão pagas à arrendatária, salvo sendo “escrito” que autorizar e condicionar tais obras, também conste a obrigação de pagar, e como, quando e quanto”.
- Nessa mesma escritura, J. C…, A. F… e L. M…, aí designados como “segundos outorgantes”, em representação da sociedade Ré, declararam aceitar para esta o arrendamento nos termos exarados.
- Em 28 de Setembro de 19…, a Câmara Municipal do …., havia atribuído ao prédio o alvará de licença de utilização para “hotel” nº …, em nome de F. T…, após vistoria realizada a 21 desse mês.
- Nos termos da Memória Descritiva, o hotel comporta vinte e três quartos e duas suites, num total de quarenta e nove camas; ocupa os andares superiores do edifício, distribuindo-se os quartos e respectivos serviços pelo rés-do-chão, 1º a 6º andares com as especificações constantes do artigo 12º da petição inicial.
- O espaço arrendado à Ré e que lhe foi entregue em Outubro seguinte (de 19…), foi todo o que consta da referida Memória Descritiva como afecto ao hotel, incluindo parte do rés-do-chão e os andares superiores, com a composição aí discriminada.
- À data da celebração do contrato de arrendamento, a parte arrendada do rés-do-chão e o 1º a 5º andares tinham a configuração e a disposição internas representadas nas respectivas plantas do “Aditamento ao Projecto do Edifício” apresentado na Câmara Municipal, a 24 de Junho de 19….
- E na mesma data, a cobertura e a configuração e aspecto exteriores do edifício, eram os representados, respectivamente na planta, no corte “…” e no alçado, constantes do mesmo Aditamento ao Projecto.
- Em escritura pública lavrada a 22 de Março de 19…, no Cartório Notarial …, intitulada de “Compra e venda”, F. T…, aí identificado como “primeiro outorgante”, por si e em representação da sua esposa, declarou vender aos Autores então representados por procurador, o prédio urbano referido no artigo 1º da petição inicial.
- Durante o mês de Abril de 2008, o Autor foi alertado por terceiros para que a Ré estava a movimentar materiais de construção no local arrendado.
- Por carta registada com aviso de recepção expedida a 6 de Maio de 2008, o Autor avisou a Ré de que pretendia examinar o locado no dia 11 desse mês.
- Em visitas efectuadas a 11 e 13 de Maio de 2008, com a assistência de um técnico, o Autor constatou a existência de uma série de alterações feitas pela Ré no locado e que enumera.
- Tais obras não foram autorizadas no contrato nem os senhorios prestaram consentimento escrito à sua realização, sendo certo que a Ré não pediu aos senhorios consentimento para a realização de tais obras nem lhes comunicou a sua realização.
- Incumpriu a Ré a obrigação legal de manter o espaço arrendado no estado em que o recebeu e a obrigação de não realizar obras não expressamente autorizadas ou consentidas por escrito pelos senhorios.
- E face às alterações introduzidas pelo NRAU, tanto basta para se constituir o direito do senhorio à resolução do arrendamento.
- E mesmo que assim se não entendesse, as obras realizadas pela Ré, alteraram substancialmente, tanto o aspecto exterior como a disposição interna do locado.
- Tais obras ainda introduziram modificações substanciais no locado, quer no seu aspecto arquitectónico exterior, por detrás e pela frente do edifício, quer no número, finalidade e organização do espaço das suas divisões interiores, de tal modo que quando, findo o arrendamento, os senhorios receberem o locado, encontrá-lo-ão muito diferente daquilo que podiam esperar, face às plantas do projecto final da construção do edifício aprovado pela Câmara e ao contrato.
- Verifica-se, assim, fundamento para a resolução do contrato de arrendamento em causa, tendo, consequentemente, os senhorios direito à desocupação do local e à sua entrega com as reparações que incumbam ao arrendatário, as quais são as necessárias para eliminar as obras agora em causa e devolver o locado ao estado interior e exterior em que ele se encontrava à data da celebração do contrato, reconstituição esta que deverá ser feita dentro do prazo de três meses, a contar do trânsito em julgado da sentença.
Citada a Ré para, querendo, contestar veio fazê-lo, invocando, em resumo, o seguinte:
- Aceita a matéria alegada nos artigos 1º a 12º, 16º e 18º da petição inicial, em tudo o que não seja contrariado pelo que referirá.
- Não é verdade que a Ré fez obras no locado que alteram a sua estrutura ou a sua estética, além de que, à data do arrendamento, o locado não correspondia, quanto à sua estrutura, elementos construtivos, aspectos exteriores do edifico, ao descrito no processo de licenciamento, nomeadamente ao constante da memória descritiva referida pelos Autores.
- Foram introduzidas no prédio modificações ao projecto licenciado pela Câmara Municipal do F…, alterações essas que nunca foram submetidas a licenciamento e o prédio é hoje o resultante dessas alterações.
- Essas modificações consistiram em alteração das divisórias, alteração dos elementos de revestimento do prédio e supressão de elementos construtivos, nomeadamente as portas nos corredores de acesso aos quartos, instalações sanitárias existentes nos corredores, entre outras, sendo que há mais de trinta anos, o imóvel locado é estruturalmente, seja interna, seja externamente, como actualmente se encontra.
- Os Autores têm conhecimento da existente configuração externa e interna do imóvel há, pelo menos, mais de cinco anos, e bem sabem que o constante da memória descritiva que agora invocam não corresponde ao edificado e existente à data da aquisição do imóvel, tendo aceite esse facto quando o adquiriram.
- A Ré não executou nenhumas obras em bloco nem procedeu à demolição de paredes ou outros elementos construtivos aí existentes.
- As intervenções operadas pela Ré limitaram-se à substituição de materiais já existentes e que por se terem degradado tiveram de ser substituídos, ao nível do sistema eléctrico, canalização, da alimentação energética e no âmbito da recepção, à colocação de acessibilidades para deficientes e cuja adaptação foi feita com materiais amovíveis, à colocação de sistema de prevenção de incêndios e sistema de segurança que obriga à existência de saídas de emergência, à acomodação de botijas de gás com maior segurança.
- Não fora as intervenções levadas a cabo pela Ré e o imóvel locado não estaria apto ao fim do arrendamento e o estabelecimento teria de ser encerrado.
- Essas intervenções aumentaram o valor do edifício e o património dos Autores resultou enriquecido.
- O Autor marido conhece bem o prédio desde há muitos anos, pois deslocou-se ao mesmo e antes de interpor a acção contactou com o sócio gerente da Ré para que este o adquirisse o que só não sucedeu face ao preço exorbitante pedido.
- Não é possível determinar-se hoje quais os elementos primitivos da construção existente, seja quanto aos revestimentos, seja quanto à definição da estrutura.
- E as benfeitorias efectuadas pela Ré foram impostas pela degradação dos elementos construtivos existentes, por imposição legal e por imposição de mercado de modo a manter o imóvel apto ao fim a que se destina.
Conclui pedindo que, a acção seja julgada improcedente e que a Ré seja absolvida do pedido.
Replicaram os Autores, nos termos de fls.115 a 118 dos autos, cujos termos se dão por reproduzidos e aí pondo em causa as alegadas excepções da caducidade do direito à resolução do contrato, da aceitação, pelos Autores, das obras de alteração efectuadas e do carácter obrigatório dessas obras.
Foi proferido Despacho Saneador no qual, se relegou para a decisão final o conhecimento das invocadas excepções e prosseguindo os autos foram seleccionados os factos assentes e a Base Instrutória/BI.
Instruído o processo, designadamente, com o relatório pericial, realizou-se a Audiência de Julgamento com observância do legal formalismo, após o que foi dada resposta à matéria de facto controvertida, sem que tenha havido reclamação.
E foi exarada a competente sentença – parte decisória:
“-…-
Nestes termos e com tais fundamentos, decido:
- Julgar improcedentes por não provadas as excepções da caducidade, da aceitação das obras pelos Autores e da obrigatoriedade das obras realizadas pela Ré no locado;
- Julgar procedente por provada a presente acção e, em consequência:
1º- Decreto a resolução do contrato de arrendamento identificado no artigo 1º da petição inicial;
- Condeno a Ré a despejar o locado de pessoas e das coisas que, de acordo com o contrato, não pertencem ao prédio e a restituí-lo aos Autores;
- Condeno a Ré a efectuar as obras necessárias para eliminar as alterações realizadas e acima consideradas ilícitas e a repor o locado no estado interior e exterior em que ele se encontrava à data da celebração do contrato, sem prejuízo da manutenção das restantes obras, dentro do prazo de três meses;
- Condenar a Ré a pagar aos Autores as rendas vincendas até ao trânsito em julgado da sentença e;
- Condenar a Ré a pagar aos Autores quantia igual à da renda, a título de indemnização pela mora na restituição do locado, desde a data do trânsito em julgado da sentença, até à da efectiva restituição.
Custas pela Ré.
-…-”
Desta sentença veio a R. recorrer, recurso esse que foi devidamente admitido como sendo de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito suspensivo.
E fundamentou o respectivo recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
- A douta sentença recorrida não teve em consideração, nomeadamente o contexto sócio-económico em que se insere a questão em causa nos autos.
- O Tribunal a quo não ponderou com o grau de exigência adequado e com a reflexão necessária, a valoração dos factos com vista à aplicação da lei, tendo em consideração a circunstância de estarem em causa, no caso sub judice, direitos fundamentais.
- A gravação da audiência de julgamento, incluindo depoimentos das testemunhas, instâncias das partes e do Tribunal, regista longas passagens totalmente imperceptíveis, por deficiência de registo, o que impossibilita o pleno exercício do direito de impugnação da matéria de facto, questão que se suscitou, em devido tempo, no Tribunal a quo.
- Em qualquer caso, por força de versões divergentes das plantas dos projectos da Câmara Municipal ……, juntas de fls. 59 a 85 e de fls. 251 a 270, divergências reconhecidas pela própria testemunha, A. S…, (CD 18-01-2011) justificam a alteração da resposta ao quesito 1°, que deverá passar a ser a de NP.
- Pela mesma razão e pelos mesmos fundamentos (o referido registo documental e testemunhal) devem ser igualmente alteradas as respostas aos quesitos 2° e 3°, e do mesmo modo considerados NP.
- A resposta ao quesito 4°, pelas mesmas razões documentais, e pela manifesta insuficiência do depoimento da única testemunha ouvida àquele ponto da BI, o filho do AA., J. R…, (CD 10-05-2011) deve também ser alterada e considerada NP.
- Também o artigo 91° da BI, face à resposta dada ao quesito 100° e ao depoimento da testemunha, A. S…, (CD 18-01-2011), que referiu ter as obras em causa 10, 15, ou mesmo 20 anos, deve ter a sua resposta alterada, nunca podendo ser a de não provado, mas antes “que os AA. conheciam as alterações registadas no imóvel mercê das visitas que a ele fizeram na década de noventa”.
- A resposta ao quesito 92° deve ser alterada com fundamento nos depoimentos da testemunha M. S… (CD 12-07-2011) e E.F… (CD 12-07-2011 e cassete nº 1., lado B) cujos depoimentos foram em parte transcritos, devendo ter a seguinte resposta: “Algumas das intervenções da Ré limitaram-se à substituição de materiais que se haviam degradado, ao nível do sistema eléctrico, da canalização da alimentação energética e em parte da recepção”.
Do mesmo modo, a resposta ao artigo 93° da BI deve ser alterada por via do depoimento da testemunha, A. S…, quer por resultar da lei, necessariamente resposta diferente – DL n°123/97, de 22 de Maio, devendo passar a ser a seguinte: “A Ré construiu na entrada (recepção) uma rampa para acesso de deficientes, por tal ser exigido por lei”.
- A resposta ao quesito 98°, por coerência à resposta ao quesito 100°, deveria referir que: “Na década de noventa os AA. tomaram conhecimento do estado do prédio, só não tendo acedido a alguns dos quartos por estarem ocupados com hóspedes”.
- Por sua vez, e por elementar coerência e com base nos elementos de prova já referidos, a resposta ao artigo 101° da B.I. deverá passar a ser a seguinte: “O A. visitou várias vezes e inteirou-se da situação do locado, nessas visitas, na década de 90, só não tendo acedido a alguns quartos que estavam ocupados por hóspedes”.
- Salvo melhor opinião, o Tribunal não deveria ter atribuído ao depoimento da testemunha, J.R…, filho dos AA., e da testemunha, A.S…, pago para se deslocar ao prédio como perito, a credibilidade que lhes deu, com repercussão na fixação da matéria de facto.
- A matéria de facto, como se demonstrou, não está suficientemente fundamentada, questão que o Tribunal ad quem não pode ignorar, por ser manifesta a falta de análise crítica das provas, e ainda pelo facto das respostas dadas à maior parte dos artigos da BI não terem, nem em documentos, nem em depoimentos, qualquer referência que os sustente, questão que esta instância deve conhecer, com as legais consequências de anulação do julgado.
- A amplitude do fim do arrendamento, para além de pensão residencial, a de qualquer outra actividade de utilidade turística permitida por lei, confere ao arrendatário uma ampla faculdade de realização de obras de adaptação do locado a qualquer dos fins contratualmente previstos, que implica, por força do princípio de quem pode o mais pode o menos, a total irrelevância das obras realizadas peia Ré.
- A maior parte das obras em causa constituíram reparações e consertos, que ficaram a cargo da Ré, e que se tornaram crescentemente necessárias por deterioração decorrente de quase 50 anos de uso, no âmbito do arrendamento e por força da antiguidade do imóvel.
- A circunstância de haver duas versões divergentes das plantas dos projectos, na Câmara Municipal do F…, implica que não se pode saber ao certo, o que foi efectivamente construído, sendo comum a construção divergir, como é sabido, do aprovado, o que impede de saber, com um mínimo de rigor, que alterações forma efectuadas no imóvel e a sua localização temporal.
- Demonstrado, porém, que a maior parte das obras em causa tiveram lugar há mais de 10, 15 ou 20 anos, e provado que o A. visitou várias vezes o prédio na década de noventa, é óbvio que ocorre, relativamente às obras alegadas, caducidade, enquanto fundamento de resolução do contrato, ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo.
- Não tem sentido o raciocínio desenvolvido na sentença recorrida, com base em Acórdão da Relação de Lisboa, de que iniciado o facto que serve de fundamento antes da entrega em vigor da Lei n°6/2006, de 27 de Fevereiro, e prosseguindo o mesmo na vigência desta, aplica-se o NRAU, no tocante à valoração do fundamento em causa.
- Na verdade, tal raciocínio só tem sentido, quando estão em causa factos continuados, o que não é o caso, pois cada obra constitui um facto que se esgota num curto período de tempo, tendo a posição do Tribunal a quo apenas o mérito de reconhecer a existência de obras anteriores a 2006.
- Acresce que não existe diferença relevante entre o artigo 64° do RAU e o NRAU, no tocante a obras não consentidas, como fundamento de resolução do contrato, já que importa que o incumprimento, pela sua gravidade e consequências, torne inexigível a manutenção do arrendamento, daí decorrendo que, mesmo na vigência do NRAU, as obras têm de assumir natureza substantiva e alterarem a estrutura interna e externa do locado.
- Acresce que, atento o referido (art°1083° do CCivil), os AA. teriam, não só de alegar e provar os factos (obras com o relevo referido), como teriam de alegar e provar os factos demonstrativos de que, se as mesmas obras consubstanciarem incumprimento, tal assume gravidade e consequências que torne inexigível a manutenção do arrendamento por parte do senhorio, e a verdade é que os AA. não provaram essa factualidade, pela simples razão de que nem a alegaram.
- Aliás, o NRAU desvalorizou as obras não consentidas como fundamento de resolução do contrato, ao retirá-las do catálogo dos fundamentos de resolução expressamente previstos, valorizando antes a omissão de obras por parte do senhorio como fundamento de resolução do contrato pelo arrendatário (n°4, do art°1083° do CCivil).
- Acresce que todas as obras realizadas pela Ré, ou assumiram a natureza de consertos e reparações que lhe cabia realizar, ou tiveram lugar por necessidade imperiosa de assegurar a realização do fim contratual, ou decorreram de exigências legais e administrativas imperativas.
- Isto mesmo aconteceu com a necessidade de dotar todos os quartos de casa de banho privativa, de assegurar adequada instalação à lavandaria e engomadoria e instalação eléctrica própria, de harmonia com os regulamentos de segurança dessas instalações, e demais trabalhos respeitantes ao projecto de prevenção e segurança de incêndios apresentado à Câmara Municipal do F…, por exigência legal.
- Trata-se, aliás, de obras que, em princípio, caberia ao A. fazê-las, em conformidade com o disposto no art°1031° do CCivil, o que, no entender da constituiria abuso de direito reclamá-las do senhorio, face à renda fixada.
- Acontece que, no contrato de arrendamento nada foi convencionado relativamente a quem caberia a realização de obras necessárias ao prosseguimento do fim contratual ou impostas por lei, decorrendo do art°1111° do CCivil, na sua actual redacção, que tal compete ao arrendatário, razão pela qual todas as obras em causa foram licitamente efectuadas pela Ré.
- O nivelamento da cobertura exterior deveu-se a razões de segurança no trabalho com decorre da resposta ao art°97° da B.I., em conformidade com toda a legislação de segurança e de prevenção de acidentes de trabalho, expressamente mencionada nas presentes alegações.
- Igualmente a rampa de acesso à recepção e à adequação dos degraus, bem como a eliminação do degrau que separava o piso de entrada do elevador, decorre do acesso necessário a garantir aos deficientes, por força do DL nº 123/97, de 22 de Maio, e DL nº 163/06, de 8 de Agosto.
- Igualmente o compartimento exterior para alojamento das garrafas de gás industrial decorre de exigências legais e, em qualquer caso, trata-se de obra implantada na via pública e não no locado.
- A cobertura em material plástico do terraço, tem natureza amovível e visa proporcionar maior conforto aos hóspedes e maior qualidade ao serviço prestado pela Ré.
- Em qualquer caso, os AA. nunca terão qualquer prejuízo, o que afasta qualquer gravidade ou consequências que ponha em causa a manutenção do arrendamento, pois, resulta do contrato que no termo deste receberão o locado no estado e condições em que se encontrava à data da sua celebração, cabendo à Ré repor o que tiver de ser reposto e reparar o que tiver de ser reparado, a seu exclusivo encargo.
- Os AA. adquiriram em especiais circunstâncias favoráveis, por muito baixo valor o imóvel em causa, e também por estar arrendado, e visam agora, por via da presente acção, tentar o expediente de conseguirem a mais valia, que seria a restituição do prédio devoluto.
- Trata-se de um propósito e de uma actuação em manifesto abuso de direito, totalmente desproporcionada relativamente aos fundamentos invocados, pondo em causa a subsistência de uma pequena empresa e de muitos postos de trabalho, razão pela qual, e pelos demais motivos invocados, este Venerando Tribunal não poderá deixar de revogar a douta sentença recorrida, considerando procedente o presente recurso.
- No máximo, e sem conceder, poderá haver lugar à fixação de indemnização a pagar aos AA., com respeito pelo princípio da proporcionalidade e com a ponderação adequada dos interesses em jogo, que tem a ver com a subsistência do estabelecimento da Ré e dos postos de trabalho que assegura.
- A douta sentença recorrida violou, entre outras disposições legais, o artº64° do RAU, os art°s.1083º e 1111º do CCivl, com a redacção dada pelo NRAU.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, revogada a douta sentença recorrida.
Contra-alegaram os recorridos/AA, dizendo, em resumo, que:
- Os documentos juntos pela recorrente/R. podiam ter sido, anteriormente, juntos aos autos e correspondem a projectos de obras a realizar no locado apresentados pela R. à CMF (Câmara Municipal .…, sem autorização dos proprietários/AA..
- Ao contrário do alegado pela recorrente os factos dados como assentes correspondem à prova carreada para os autos, a qual foi devidamente valorada pelo Tribunal recorrido.
- Também a convicção do Tribunal a quo está devidamente fundamentada e no que respeita ao depoimento de parte e prova testemunhal prestados na Audiência de Discussão e Julgamento, o seu registo é audível, se bem, com alguns silêncios próprios das vicissitudes do julgamento desta causa.
- Finalmente e quanto ao direito aplicável, ao recorridos subscrevem a fundamentação de Direito expandida na sentença objecto de recurso.
E concluem pela improcedência do recurso e manutenção do decidido em sede de 1ª Instância.

- Foram colhidos os vistos dos Exmos. Adjuntos.


APRECIANDO E DECIDINDO
Thema decidendum
Em função das conclusões do recurso, temos que:
- A recorrente/R. impugna parcialmente os factos dados como assentes e pugna pela revogação da sentença recorrida e consequente manutenção do contrato de arrendamento declarado resolvido pelo Tribunal a quo.
- Apuraram-se os seguintes FACTOS:
1º. Em escritura pública celebrada a 13 de Abril de 19.., no Quarto Cartório da Secretaria Notarial ..…, intitulada de “Arrendamento”, F.T.. e esposa, F.C…, aí designados como “primeiros outorgantes”, declararam dar de arrendamento à sociedade ora Ré, “todo o alto” (exceptuados o rés-do-chão e a cave) do prédio urbano situado na Rua…, nºs … e …, freguesia de …, concelho do ….
2º. Pelo prazo de cinco anos, a contar de 1 de Outubro de 19…, sucessivamente renovável por períodos de um ano.
3º. Mediante a renda mensal de quinze mil e quinhentos escudos, que actualmente é de €1.004,06, a pagar no domicílio do senhorio.
4º. E com destino a “pensão residencial (...) ou o que melhor convier à arrendatária dentro da utilidade turística, e seja legalmente permitido”.
5º. Mais declararam os “primeiros outorgantes”, que das “INSTALAÇÕES” pertencem ao prédio:
a) A instalação eléctrica, para iluminação e para outros fins, que está completa (lustres, “apliques”, com suas lâmpadas) e inclui todos os esquentadores; b) A instalação para águas, quente e fria, completas de torneiras e de tudo o mais que lhe é acessório normalmente; c) As instalações sanitárias de casas de banho, e ainda outras fora destas; d) A instalação do “bar”, incluindo balcão, prateleiras e banquetas fixas; e) E a instalação da “recepção” com o balcão e tudo o mais que a constitui (não são compreendidos, e pertencem à arrendatária, a secretária aparafusada ao balcão, e os maples” e demais móveis)”.
6º. Os “primeiros outorgantes” especificaram quanto às “OBRAS JÁ EFECTUADAS PELA ARRENDATÁRIA”, que “fica ratificada a autorização verbalmente concedida para as que foram executadas no sexto andar e declarado que, findo o contrato (quando porventura se verifique a entrega da chave) a arrendatária fará a reposição, no estado anterior, daquele pavimento e levantará todos os materiais resultantes de tal reposição e ainda todas as peças de casa de banho que ela ali instalou”.
7º. Os “primeiros outorgantes” discriminaram quanto a “OBRAS A EFECTUAR”, que ficam autorizadas as que a arrendatária se propôs realizar e que constam da construção de duas casas de banho, com a respectiva instalação completa, e a terem lugar nos quartos ou compartimentos que actualmente têm os números vinte e dois e três; e mais ficam autorizadas as necessárias para transformar os quartos ou compartimentos números vinte e três e vinte e quatro num só compartimento – para tanto demolindo a respectiva divisória. Estes trabalhos, as peças sanitárias e todas as instalações, ficarão integrados no prédio e não serão indemnizáveis”.
8º. E estipularam quanto a “OUTRAS OBRAS”, que só com consentimento, escrito, do senhorio, poderão ser executadas, ficarão fazendo parte do prédio e não serão pagas à arrendatária, salvo se no escrito que autorizar e condicionar tais obras, também conste a obrigação de pagar, e como, quando e quanto”.
9º. Nessa mesma escritura, J. C…, A. F…, e L. M…, aí designados como “segundos outorgantes”, em representação da sociedade ora Ré, declararam aceitar para esta o arrendamento, nos termos exarados.
10º. A 28 de Setembro de 19…, a Câmara Municipal ..… havia atribuído ao prédio o alvará de licença de utilização para “hotel” nº …, em nome de F. T…, após vistoria realizada a 21 desse mês.
11º. O licenciamento dessa utilização fora solicitado pelo F. T…, através de requerimento apresentado à Câmara Municipal .…, a 24 de Junho de 19…, acompanhado de projecto de adaptação da construção à finalidade de unidade hoteleira e de memória descritiva deste.
12º. Nos termos dessa “Memória Descritiva”, o “hotel comporta vinte e três quartos e duas suites, num total de quarenta e nove camas; ocupa os andares superiores do edifício, distribuindo-se os quartos e respectivos serviços pelos pisos seguintes: RÉS-DO-CHÃO - Situa-se em parte deste piso, a entrada e recepção, e acessos aos andares. 1º, 2º e 3º ANDARES - Seis quartos com duas camas, W.C. e banho privativos em cada piso, cozinha para pequenos almoços. 4º ANDAR - Quatro quartos de duas camas, W.C. e banho privativos; dois quartos de uma cama, sendo um destinado à empregada da noite, copa para pequenos-almoços e roupeiro. 5º ANDAR – Duas “suites”, com quartos de duas camas, kitchenete e sala. 6º ANDAR – Neste último piso, situa-se um conjunto de dependências, destinadas a economato”.
13º. Em escritura pública lavrada a 22 de Março de 19…, no Cartório Notarial da …, intitulada de “Compra e Venda”, F. T…, aí identificado como “primeiro outorgante”, por si e em representação da sua esposa, declarou vender aos ora Autores, então representados por procurador, aí identificado como “segundo outorgante”, que nessa qualidade declarou aceitar, o prédio urbano referido no artigo 1º.
14º. Por carta registada e com aviso de recepção expedida a 6 de Maio de 2008, o Autor avisou a Ré de que pretendia examinar o locado no dia 11 desse mês.
15º. Foram introduzidas no prédio modificações ao projecto licenciado pela Câmara Municipal .…, alterações essas que nunca foram submetidas a licenciamento.
16º. Essas modificações consistiram em alteração das divisórias; alteração dos elementos de revestimento do prédio e supressão de elementos construtivos, nomeadamente, as portas nos corredores de acesso aos quartos e referidas nos artigos 31º e seguintes da p.i., instalações sanitárias existentes nos corredores, entre outras.
17º. O espaço arrendado à Ré e que lhe foi entregue em 1 de Outubro de 19…, foi o que consta da Memória Descritiva a que alude a M) dos factos assentes como afecto ao hotel, incluindo rés-do-chão e os andares superiores, com a composição discriminada naquela alínea, com excepção da cozinha para pequenos almoços nos 1º, 2º e 3º andares e da copa para pequenos almoços no 4º andar.
18º. À data da celebração do contrato, a parte arrendada do rés-do-chão e o 1º, 2º, 3º, 4º e 5º tinham a configuração e a disposição internas representadas nas respectivas plantas do referido “Aditamento ao Projecto do Edifício”, apresentado na Câmara Municipal a 24 de Junho de 19…, sendo que a parte arrendada do rés-do-chão é a delimitada a cor-de-rosa na planta de fls.2, com excepção da cozinha para pequenos almoços nos 1º, 2º e 3º andares e da copa para pequenos almoços no 4º andar.
19º. E na mesma data, a cobertura e a configuração e aspecto exteriores do edifício eram os representados, respectivamente na planta, no corte “EE” e no alçado constantes do mesmo Aditamento ao Projecto.
20º. Durante o mês de Abril de 2008, o Autor foi alertado por terceiros para que a Ré estava a movimentar materiais de construção no local arrendado.
21º. Em visitas efectuadas em 13 de Maio de 2008 e em data não apurada desse mesmo mês, com a assistência de um técnico, o Autor constatou a existência de várias obras feitas pela Ré no locado.
22º. No rés-do-chão, a Ré construiu, junto à entrada, um compartimento com 4 portas, em alumínio verde, fixo ao pavimento e à parede do edifício, com cerca de 1,90m de largura, por 1,39m de altura para servir e que serve de abrigo a garrafas de gás industrial.
23º. Quem entra no locado vê necessariamente esse compartimento de alumínio.
24º. O dito compartimento está mal integrado.
25º. O pavimento da parte arrendada do rés-do-chão desenvolvia-se originalmente em dois níveis, o hall de entrada com um degrau de acesso à zona onde se localiza a recepção, existindo ainda um desnível desta para o patamar da escadaria e do elevador, correspondente a, pelo menos, dois degraus.
26º. A Ré desnivelou o pavimento do hall de entrada em relação ao da recepção, subindo este cerca de 70 cm.
27º. Para ligar os pavimentos desses dois desníveis, a Ré construiu uma escada com 4 degraus e uma rampa para cadeira de rodas.
28º. A Ré nivelou o pavimento da recepção em relação ao patamar da escadaria e do elevador, fazendo desaparecer os dois degraus que ligavam um ao outro.
29º. O balcão era desmontável, com forma recta e situado no alinhamento da parede norte do patamar do elevador, pertencendo ao prédio.
30º. A Ré demoliu esse balcão da recepção.
31º. A Ré construiu um novo balcão da recepção, que agora tem estrutura em “L” e é revestido superior e lateralmente a Lioz Polido, sendo desmontável e que está mais avançado em relação ao antigo cerca de um metro em relação à porta da entrada.
32º. O balcão ficou desalinhado da parede norte do patamar do elevador.
33º. Nas plantas de fls.3 a 6 existia uma porta em cada um dos dois lados dos patamares de chegada da escadaria e do elevador nos 1º a 4º andares.
34º. Essas portas não existem nos patamares de chegada da escadaria dos 1º a 4º andares.
35º. De acordo com a planta de fls.3, a extremidade noroeste, ou canto posterior esquerdo (na perspectiva de quem olha para o prédio a partir da Rua …), do 1º andar, era constituída por um compartimento destinado a arrumo de roupas de serviço, com acesso directo pelo corredor de circulação comum, seguido por detrás, da casa de banho privativa do quarto de dormir nº 2, que tinha acesso exclusivo através deste.
36º. A parede divisória entre esses dois compartimentos foi demolida, transformando-se num só.
37º. Os revestimentos cerâmicos e peças sanitárias foram retirados da referida casa de banho.
38º. O vão da porta de ligação dessa casa de banho ao primitivo quarto nº 2 foi fechado.
39º. A Ré revestiu com mosaicos e azulejos cerâmicos o pavimento e paredes desse espaço único.
40º. A Ré instalou nesse espaço algumas canalizações de águas e de esgotos.
41º. O dito espaço, desde, pelo menos, há 35 anos é a lavandaria da residencial.
42º. No ângulo posterior desse espaço, existe um pequeno compartimento, que antes servia de casa de banho, onde a Ré instalou um quadro eléctrico.
43º. No 1º andar, o espaço arrendado à Ré terminava a norte na fachada tardoz ou posterior da parte alta do edifício, sendo aí o seu limite uma varanda, que era privativa do quarto de dormir nº 2 e com acesso exclusivo através deste.
44º. Para além dessa fachada e varanda, existia apenas a cobertura da parte posterior do rés-do-chão do edifício, que não era plana, mas sim constituída por três empenas, cada qual com duas águas.
45º. Essa cobertura não tinha qualquer porta ou abertura de acesso através do 1º andar do edifício, sendo que era possível o acesso à dita cobertura através da varanda do quarto nº 2, passando sobre a sua guarda.
46º. A Ré, para permitir o acesso à cobertura do rés-do-chão, criou um degrau metálico para passar sobre o murete da guarda da varanda do quarto nº 2.
47º. O acesso do quarto nº 2 ao espaço daquela varanda foi encerrado pela Ré com material resistente que se encontra revestido e pintado.
48º. A Ré nivelou, na sua totalidade, a cobertura da parte posterior do rés-do-chão, com painéis em madeira assentes sobre estrutura metálica e forrados com tela asfáltica, sendo que, anteriormente e em data não concretamente apurada, sobre parte da dita cobertura tinham sido colocadas tábuas de madeira, pelo então sócio da Ré, A. F….
49º. E construiu, no enfiamento da nova lavandaria, um novo compartimento, com paredes e tecto de estrutura metálica, ligada à fachada posterior do edifício, com cerca de 8,45m2, que ocupa toda a antiga varanda do quarto nº 2 e prolonga-se sobre a cobertura do rés-do-chão.
50º. A Ré destinou esse novo compartimento a prolongamento da lavandaria, onde instalou equipamentos para lavagem de roupa.
51º. Nesse prolongamento da lavandaria, a Ré construiu um abrigo para secagem de roupas, construído com armação e chapas metálicas, fixas ao muro exterior oeste de vedação do prédio.
52º. Do lado oposto, ou lado direito da cobertura do rés-do-chão, a Ré montou, com estrutura de ferro e nylon e cobertura com chapas de plástico, um abrigo coberto para plantas e flores.
53º. A Ré utiliza o espaço intermédio dessa cobertura como estendal de roupa.
54º. O quarto de dormir nº 2 era o segundo, no sentido dos ponteiros do relógio, a partir do lado oeste do edifício (lado esquerdo de quem está de frente para o prédio, na Rua …), para quem chegava ao patamar da escadaria e elevador do 1º andar.
55º. Esse quarto tinha uma casa de banho privativa contígua para oeste, que a Ré demoliu.
56º. A Ré construiu uma nova casa de banho, com paredes executadas em placas de gesso (tipo pladur) e uma porta de correr, no interior desse quarto, junto à sua extremidade norte ou tardoz, com revestimentos cerâmicos, instalação de canalizações de águas e de esgotos e das peças sanitárias.
57º. Em consequência das obras realizadas o espaço do quarto nº 2 ficou mais reduzido.
58º. A Ré desactivou esse quarto de dormir nº 2 e instalou no espaço dele uma engomadoria de roupas, com equipamentos próprios dessa função.
59º. No 2º andar, o quarto de dormir nº 8 é o segundo, no sentido dos ponteiros do relógio, a partir do lado oeste do edifício, para quem chega ao patamar da escadaria e do elevador.
60º. Esse quarto tinha casa de banho privativa contígua para oeste, acessível através do hall que dá para a varanda, sendo que a primitiva casa de banho ainda se mantém.
61º. A Ré fechou a porta de acesso a essa casa de banho.
62º. A Ré construiu uma nova casa de banho, com paredes executadas em placas de gesso (tipo pladur) e uma porta, no interior do quarto nº 8, junto à porta de entrada, do lado esquerdo, com revestimentos cerâmicos, instalação de canalizações de águas e esgotos e das peças sanitárias.
63º. Em consequência dessa alteração, o espaço do quarto nº 8 ficou mais reduzido.
64º. À entrada do referido quarto, do lado esquerdo, existia um roupeiro embutido entre paredes.
65º. Para construir a referida nova casa de banho, a Ré destruiu esse roupeiro.
66º. No 3º andar, o quarto de dormir nº 14 é o segundo, no sentido dos ponteiros do relógio, a partir do lado oeste do prédio, para quem chega ao patamar da escadaria e do elevador.
67º. Esse quarto tinha uma casa de banho privativa contígua para oeste, acessível através do hall que dá para a varanda.
68º. A Ré encerrou a porta de acesso a essa casa de banho.
69º. A Ré construiu uma nova casa de banho, com paredes executadas em placas de gesso (tipo pladur) e uma porta, no interior do quarto nº 14, junto à respectiva porta de entrada, no lado esquerdo, com revestimentos cerâmicos, instalação de canalizações de águas e esgotos e das peças sanitárias.
70º. Em consequência, o espaço do quarto nº 14 ficou mais reduzido.
71º. À entrada do referido quarto, do lado esquerdo, existia um roupeiro embutido entre paredes.
72º. Para construir a nova casa de banho, a Ré demoliu esse roupeiro.
73º. No 4º andar, o quarto nº 24 é o primeiro no sentido dos ponteiros do relógio, a partir do lado oeste do edifício, para quem chega ao patamar da escadaria e do elevador.
74º. À entrada desse quarto nº 24, no lado direito, existia um roupeiro embutido entre paredes.
75º. A Ré demoliu esse roupeiro.
76º. A Ré construiu no lugar desse roupeiro uma casa de banho, com paredes executadas em placas de gesso (tipo pladur) e uma porta, revestimentos cerâmicos, instalação de canalizações de água e esgotos e peças sanitárias.
77º. Em consequência dessa alteração, o espaço do quarto nº 24 ficou mais reduzido.
78º. No 4º andar e em frente do quarto nº 24 existia uma casa de banho social.
79º. A Ré retirou as peças sanitárias dessa casa de banho social.
80º. E transformou essa casa de banho num compartimento de arrumos.
81º. Imediatamente a leste desse compartimento, situa-se o quarto de dormir nº 20.
82º. Esse quarto de nº 20 tinha uma casa de banho privativa, posterior à referida antiga casa de banho social contígua para oeste àquele quarto, acessível através do hall que dá para a varanda deste.
83º. A Ré fechou a porta de acesso a essa casa de banho privativa do quarto nº 20.
84º- A Ré construiu uma nova casa de banho no interior desse quarto, junto à porta de entrada, no lado esquerdo, com paredes executadas em placas de gesso (tipo pladur) e uma porta, com revestimentos cerâmicos, instalação de canalizações de águas e esgotos e das peças sanitárias.
85º. Em consequência dessa alteração, o espaço do quarto nº 20 ficou mais reduzido.
86º. À entrada desse quarto nº 20, no lado esquerdo, existia um roupeiro embutido entre paredes.
87º. Para construir a referida nova casa de banho, a Ré demoliu o dito roupeiro.
88º. No 5º andar, o quarto nº 25 é o primeiro, a partir do lado oeste do edifício, para quem chega ao patamar da escadaria do elevador.
89º. Esse quarto tinha uma casa de banho privativa, contígua à sua extremidade noroeste e confinante com a varanda.
90º. A Ré encerrou a porta de acesso a essa casa de banho.
91º. A Ré construiu uma nova casa de banho no interior do quarto nº 25, frente à porta da entrada, com paredes em placas de gesso e uma porta, revestimentos cerâmicos e instalação de canalizações de águas e de esgotos e peças sanitárias.
92º. Em frente à porta de entrada desse quarto nº 25º, existia um roupeiro embutido entre paredes.
93º. Para construir a nova casa de banho a Ré demoliu esse roupeiro.
94º. No terraço da frente do 5º andar, virado para a Rua …, a Ré construiu uma cobertura metálica forrada a placas de acrílico alveolado, fixada sobre os muretes laterais e apoiada em prumos intermédios chumbados no pavimento.
95º. Os senhorios não prestaram consentimento escrito à realização das obras descritas nos artigos anteriores.
96º. A Ré não pediu aos senhorios consentimento para a realização de tais obras, nem sequer lhes comunicou a respectiva realização.
97º. No subcompartimento existente na lavandaria foram colocados, pela Ré, um quadro eléctrico e umas prateleiras.
98º. A destruição dos roupeiros embutidos nas paredes desses quartos obriga, agora, à colocação de roupeiros móveis com a consequente redução do espaço disponível.
99º. Antes da outorga da escritura que titulou o contrato de arrendamento, foi celebrado e vigorou com os primitivos proprietários do imóvel locado, contrato de arrendamento verbal, sendo que a entrega do prédio ocorreu antes da data referida na escritura junta pelos Autores.
100º. Para nivelamento do hall e da recepção foram utilizadas pedras e cimento, sobre o que foi colocado Lioz Polido.
101º. O balcão da recepção, anteriormente existente, era feito em madeira e forrado a napa ou cabedal e que a sua substituição ocorreu em data que não ficou apurada.
102º. As empregadas da residencial, muitas vezes, caíam nas tábuas que então foram colocadas sobre parte da cobertura do rés-do-chão, pelo anterior sócio da Ré, no reservatório da água da sanita da casa de banho que existia na lavandaria corria água quente e, algumas das canalizações e material eléctrico, estavam degradados.
103º. O Réu marido conhece o prédio.
104º- Os Autores estiveram emigrados na V…, onde se encontravam à data da compra do prédio.
105º. O Autor visitou o prédio, algumas vezes, na década de 90.
106º. Mas nunca então foi-lhe dada oportunidade de fazer uma vistoria completa e exaustiva ao locado, pois havia sempre compartimentos onde o actual sócio-gerente da Ré não o deixava entrar alegando que estavam ocupados.
107º. E o Autor desistiu de efectuar essas visitas face ao desconforto e incomodidade sempre manifestados pelo referido sócio gerente da Ré.
108º. Numa dessas visitas, o sócio gerente da Ré retirou ao Autor a câmara fotográfica com que este pretendia registar as partes do locado a que, então, teve acesso.

A) - Da Questão de Facto
Segundo a recorrente/R.:
“-…-
-(...)Pelo que fica dito, improcede o recurso quanto à matéria de facto e consequentemente, julgam-se definitivamente fixados os factos assentes.

B) - Da Questão de Direito
Refere a recorrente/R. neste particular que:
“-…-
- Não tem sentido o raciocínio desenvolvido na sentença recorrida, com base em Acórdão da Relação de Lisboa, de que iniciado o facto que serve de fundamento antes da entrega em vigor da Lei n°6/2006, de 27 de Fevereiro, e prosseguindo o mesmo na vigência desta, aplica-se o NRAU, no tocante à valoração do fundamento em causa.
- Na verdade, tal raciocínio só tem sentido, quando estão em causa factos continuados, o que não é o caso, pois cada obra constitui um facto que se esgota num curto período de tempo, tendo a posição do Tribunal a quo apenas o mérito de reconhecer a existência de obras anteriores a 2006.
- Acresce que não existe diferença relevante entre o artigo 64° do RAU e o NRAU, no tocante a obras não consentidas, como fundamento de resolução do contrato, já que importa que o incumprimento, pela sua gravidade e consequências, torne inexigível a manutenção do arrendamento, daí decorrendo que, mesmo na vigência do NRAU, as obras têm de assumir natureza substantiva e alterarem a estrutura interna e externa do locado.
- Acresce que, atento o referido (art°1083° do CCivil), os AA. teriam, não só de alegar e provar os factos (obras com o relevo referido), como teriam de alegar e provar os factos demonstrativos de que, se as mesmas obras consubstanciarem incumprimento, tal assume gravidade e consequências que torne inexigível a manutenção do arrendamento por parte do senhorio, e a verdade é que os AA. não provaram essa factualidade, pela simples razão de que nem a alegaram.
- Aliás, o NRAU desvalorizou as obras não consentidas como fundamento de resolução do contrato, ao retirá-las do catálogo dos fundamentos de resolução expressamente previstos, valorizando antes a omissão de obras por parte do senhorio como fundamento de resolução do contrato pelo arrendatário (n°4, do art°1083° do CCivil).
- Acresce que todas as obras realizadas pela Ré, ou assumiram a natureza de consertos e reparações que lhe cabia realizar, ou tiveram lugar por necessidade imperiosa de assegurar a realização do fim contratual, ou decorreram de exigências legais e administrativas imperativas.
- Isto mesmo aconteceu com a necessidade de dotar todos os quartos de casa de banho privativa, de assegurar adequada instalação à lavandaria e engomadoria e instalação eléctrica própria, de harmonia com os regulamentos de segurança dessas instalações, e demais trabalhos respeitantes ao projecto de prevenção e segurança de incêndios apresentado à Câmara Municipal .…, por exigência legal.
- Trata-se, aliás, de obras que, em princípio, caberia ao A. fazê-las, em conformidade com o disposto no art°1031° do CC, o que, no entender da constituiria abuso de direito reclamá-las do senhorio, face à renda fixada.
- Acontece que, no contrato de arrendamento nada foi convencionado relativamente a quem caberia a realização de obras necessárias ao prosseguimento do fim contratual ou impostas por lei, decorrendo do art°1111° do CC, na sua actual redacção, que tal compete ao arrendatário, razão pela qual todas as obras em causa foram licitamente efectuadas pela Ré.
- O nivelamento da cobertura exterior deveu-se a razões de segurança no trabalho com decorre da resposta ao art°97° da B.I., em conformidade com toda a legislação de segurança e de prevenção de acidentes de trabalho, expressamente mencionada nas presentes alegações.
- Igualmente a rampa de acesso à recepção e à adequação dos degraus, bem como a eliminação do degrau que separava o piso de entrada do elevador, decorre do acesso necessário a garantir aos deficientes, por força do DL nº 123/97, de 22 de Maio, e DL nº 163/06, de 8 de Agosto.
- Igualmente o compartimento exterior para alojamento das garrafas de gás industrial decorre de exigências legais e, em qualquer caso, trata-se de obra implantada na via pública e não no locado.
- A cobertura em material plástico do terraço, tem natureza amovível e visa proporcionar maior conforto aos hóspedes e maior qualidade ao serviço prestado pela Ré.
- Em qualquer caso, os AA. nunca terão qualquer prejuízo, o que afasta qualquer gravidade ou consequências que ponha em causa a manutenção do arrendamento, pois, resulta do contrato que no termo deste receberão o locado no estado e condições em que se encontrava à data da sua celebração, cabendo à Ré repor o que tiver de ser reposto e reparar o que tiver de ser reparado, a seu exclusivo encargo.
- Os AA. adquiriram em especiais circunstâncias favoráveis, por muito baixo valor o imóvel em causa, e também por estar arrendado, e visam agora, por via da presente acção, tentar o expediente de conseguirem a mais valia, que seria a restituição do prédio devoluto.
- Trata-se de um propósito e de uma actuação em manifesto abuso de direito, totalmente desproporcionada relativamente aos fundamentos invocados, pondo em causa a subsistência de uma pequena empresa e de muitos postos de trabalho, razão pela qual, e pelos demais motivos invocados, este Venerando Tribunal não poderá deixar de revogar a douta sentença recorrida, considerando procedente o presente recurso.
- No máximo, e sem conceder, poderá haver lugar à fixação de indemnização a pagar aos AA., com respeito pelo princípio da proporcionalidade e com a ponderação adequada dos interesses em jogo, que tem a ver com a subsistência do estabelecimento da Ré e dos postos de trabalho que assegura.
- A douta sentença recorrida violou, entre outras disposições legais, o artº64° do RAU, os art°s.1083º e 1111º do CC, com a redacção dada pelo NRAU.
-…-”
Escreveu-se na sentença recorrida e directamente relacionado com este recurso:
“-…-
A questão a decidir nesta acção prende-se com saber se as obras levadas a cabo pela Ré no locado constituem fundamento para a resolução do contrato de arrendamento em causa.
Previamente, porém, haverá que indagar qual o regime legal aplicável, ao caso dos autos, atenta a sucessão de leis no tempo no que ao contrato de arrendamento respeita, bem como conhecer das excepções invocadas pela Ré, a saber: a caducidade do direito de intentar a presente acção e a aceitação por parte dos Autores das obras realizadas pela Ré.
Quanto ao invocado carácter obrigatório das obras realizadas pela Ré, será conhecida esta questão quando se apreciar se aquelas obras constituem fundamento para a resolução do contrato, na medida em que constituem, directamente, facto impeditivo daquela resolução.
Analisando a questão da sucessão de leis no tempo, há, em primeiro lugar, que ter em conta que o contrato a que se reportam os autos foi celebrado por escritura pública de 13 de Abril de 19…, tendo, contudo, o espaço arrendado sido entregue à Ré em 1 de Outubro de 19….
Sendo assim, há que atentar no que diz o artigo 59º nº 1 do NRAU, segundo qual “o NRAU aplica-se aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo do previsto nas norma transitórias”.
Por outro lado e conforme preceitua o artigo 26º do NRAU, aplicável ao caso dos autos por força do disposto no seu artigo 28º, os contratos não habitacionais celebrados antes de 5 de Outubro de 1995, data da entrada em vigor do DL 275/95, passam a estar submetidos ao NRAU com as especificidades aí previstas.
E porque face ao disposto no artigo 12º nº 2 do CC, no que respeita à validade, os negócios jurídicos válidos face à lei vigente, no momento da sua conclusão, não verão essa validade e a correspondente eficácia afectada pela entrada em vigor de uma lei nova que passe a exigir outros requisitos de substância ou de forma, que não preenchem por não serem necessários na data da sua conclusão, da mesma foram, considerando o mesmo preceito legal e no que aos fundamentos da resolução do contrato de arrendamento diz respeito, há a distinguir:
Os fundamentos resolutivos ocorridos e completados no domínio de vigência da lei anterior, continuarão a ser regidos por ela; os fundamentos resolutivos, iniciados durante a vigência da lei anterior e que se prolonguem pela vigência da lei nova, sem que o senhorio tenha até então suscitado a resolução deverão ser submetidos ao disposto no artigo 1083º do CC, com a redacção introduzida pelo NRAU, apesar de o facto resolutivo vir de trás - neste sentido e, entre outros, vide o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 23.06.2009, pesquisa em www.dgsi.pt.
Ora, face à factualidade provada e da qual não decorre, efectivamente, a data exacta em que todas as obras terão sido realizadas, sabendo-se, tão só, que algumas delas ocorreram no ano de 2008, já após a entrada em vigor do NRAU, pois, conforme resultou provado, só durante o mês de Abril de 2008, o Autor foi alertado por terceiros para que a Ré estava a movimentar materiais de construção no local arrendado, entendemos que, ao caso dos autos, é aplicável, o regime do NRAU, aprovado pela Lei nº 6/2006 de 27 de Fevereiro.
Vejamos, agora, se, conforme invocado pela Ré, caducou o direito dos Autores intentarem a presente acção, na medida em que estes terão tomado conhecimento das obras realizadas há mais de cinco anos, com referência à data da propositura da acção.
Sobre a caducidade do direito de resolução rege o disposto no artigo 1085º do CC com a redacção introduzida pelo NRAU. Estabelece o nº1 do referido preceito legal que, “a resolução deve ser efectivada dentro do prazo de um ano a contar do conhecimento do facto que lhe serve de fundamento, sob pena de caducidade”.
Por seu turno, refere o nº 2 do mesmo artigo que, quando se trate de facto continuado ou duradouro, o prazo não se completa antes de decorrido um ano da sua cessação.
Com interesse para a decisão, há que ter em conta a seguinte factualidade:
Durante o mês de Abril de 2008, o Autor foi alertado por terceiros para que a Ré estava a movimentar materiais de construção no local arrendado;
Por carta registada e com aviso de recepção, expedida a 6 de Maio de 2008, o Autor avisou a Ré de que pretendia examinar o locado no dia 11 desse mês;
Em visitas efectuadas em 13 de Maio de 2008 e em data não apurada desse mesmo mês, com a assistência de um técnico, o Autor constatou a existência de várias obras feitas pela Ré no locado;
Os Autores estiveram emigrados na V…, onde se encontravam à data da compra do prédio;
O Autor visitou o prédio, algumas vezes, na década de 90, mas nunca, então, foi-lhe dada oportunidade de fazer uma vistoria completa e exaustiva ao locado, pois havia sempre compartimentos onde o actual sócio-gerente da Ré não o deixava entrar alegando que estavam ocupados e;
O Autor desistiu de efectuar essas visitas face ao desconforto e incomodidade sempre manifestados pelo referido sócio gerente da Ré, sendo que numa dessas visitas, o sócio gerente da Ré retirou ao Autor a câmara fotográfica com que este pretendia registar as partes do locado a que, então, teve acesso.
Ora, da análise da factualidade provada resulta à evidência que os Autores apenas tiveram conhecimento das obras levadas a cabo pela Ré, no arrendado, em Maio de 2008.
Tendo a presente acção sido proposta em 23 de Janeiro de 2009, logo se conclui que não caducou o direito dos Autores à resolução do contrato de arrendamento, razão pela qual terá de ser julgada improcedente a invocada excepção da caducidade.
Invocou, ainda, a Ré que os Autores, tinham conhecimento do estado em que se encontrava o locado e que expressaram a sua aceitação quanto às obras aí realizadas pela Ré. Ora, consubstanciando a alegada aceitação um facto extintivo do direito de resolução dos Autores, cabia à Ré, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, fazer a prova de tal facto (art.342º nº 2 do CC). Contudo, da análise da factualidade provada logo constatamos que a Ré não logrou fazer essa prova.
Consequentemente, não pode proceder a invocada excepção da aceitação das obras realizadas pela Ré, por parte dos Autores.
Aqui chegados, vejamos, então, se se verificam os fundamentos para a resolução do contrato de arrendamento por parte dos Autores. Refira-se, previamente, que, nos termos do artigo 405º do CC, preceito que consagra o princípio da liberdade contratual, “dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver”. Por outro lado, estabelece o nº 1 do artigo 406º do mesmo código que “o contrato deve ser pontualmente cumprido e só pode modificar-se e extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos por lei”.
Dos factos provados decorre que (…)
Ora, pretendendo os Autores que seja decretada a resolução do contrato de arrendamento celebrado com a Ré há que ter em conta o disposto no artigo 1083º do CC que refere no seu nº 1 que “qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte.” Mas mais, estabelece o nº 2 do mesmo preceito legal, que “é fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, designadamente quanto à resolução pelo senhorio:
a) A violação reiterada e grave de regras de higiene, de sossego de boa vizinhança ou de normas constantes do regulamento do condomínio;
b) A utilização do prédio contrária à lei, aos bons costumes ou à ordem pública;
c) O uso do prédio para fim diverso daquele a que se destina;
d) O não uso do locado por mais de um ano, salvo nos casos previstos no nº 2 do artigo 1072º;
e) A cessão total ou parcial temporária ou permanente e onerosa ou gratuita, quando ilícita, inválida e ineficaz perante o senhorio.
Nos termos do nº 3 do mesmo artigo, é inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora superior a três meses no pagamento da renda, encargos ou despesas, ou de oposição pelo arrendatário à realização de obra ordenada por autoridade pública, sem prejuízo do disposto nos números 3 e 4 do artigo seguinte. Por fim, estipula o nº 4 do referido artigo que “é fundamento de resolução pelo arrendatário, designadamente, a não realização pelo senhorio de obras que a este caibam, quando tal omissão comprometa a habitabilidade do locado”. Contrariamente ao artigo 64º do RAU, que continha uma enumeração taxativa dos casos em que o senhorio podia resolver o contrato de arrendamento, agora o artigo 1083º, apresenta-nos um conjunto de situações exemplificativas que conferem ao senhorio o direito de resolver o contrato, bastando, agora, para além dos casos a que alude, que se verifique um incumprimento pela parte do locatário que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento.
Ainda a propósito deste artigo e com interesse veja-se o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 09.12.2008, mesma pesquisa, nos termos do qual “as situações enunciadas no nº 2 do artigo 1083º do CC não constituem fundamento de resolução mas meras presunções ilidíveis, sempre sujeitas ao juízo valorativo da cláusula geral de inexigibilidade constante do seu proémio”,
Por seu turno, o artigo 1038º do CC enumera as obrigações do locatário, enquanto que o artigo 1031º do mesmo diploma legal enuncia as obrigações do locador. Para além das obrigações referidas no artigo 1038º acresce, ainda, de acordo com o previsto no nº 1 do artigo 1043º do CC que “na falta de convenção, o locatário é obrigado a manter e restituir a coisa no estado em que a recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato”.
E sendo assim, como é, cabe indagar, agora, se as obras realizadas pela Ré se incluem no âmbito do referido artigo 1043º ou se, caso contrário e conforme alegam os Autores, consubstanciam um incumprimento do contrato que, pela sua gravidade e consequências torna inexigível a sua manutenção, o que nos leva, necessariamente, a perguntar se à Ré era lícito realizar as obras que, efectivamente, realizou.
Para tal, atente-se ao que dispõe o artigo 1074º do CC.
Nos termos do nº 1 do referido artigo, “cabe ao senhorio executar todas as obras de conservação, ordinárias ou extraordinárias, requeridas pelas leis vigentes ou pelo fim do contrato, salvo estipulação em contrário”.
Sobre este nº 1 pode ler-se no “Novo Regime do Arrendamento Urbano” de José António de França Pitão, 2ª Edição Actualizada, pag.549 que, “o nº 1 do preceito estabelece que quaisquer obras de conservação, sejam ordinárias ou extraordinárias, ficam a cargo do senhorio, quando resultem da lei vigente ou sejam determinadas pelo fim do contrato, excepto se as partes tiverem convencionado de forma diferente. (…) Relativamente ao que deve entender-se por obras de conservação ordinárias, podemos socorrer-nos, a título exemplificativo, do que vinha disposto no nº 2 do artigo 11º do RAU”.
Por seu turno, refere o nº 2 do mesmo artigo que o arrendatário apenas pode executar quaisquer obras quando o contrato o faculte ou quando seja autorizado, por escrito, pelo senhorio.
A propósito deste normativo lê-se a pags.550 da mesma obra que “o nº 2 do preceito estabelece que o arrendatário apenas pode efectuar obras (quaisquer que sejam) quando o contrato o faculte ou que sejam autorizadas por escrito pelo senhorio. Tal significa que, muito embora as obras sejam, por princípio, da responsabilidade do senhorio, o arrendatário pode efectuar algumas delas, precisamente as que estejam contratualmente previstas. Contudo, há casos em que o arrendatário pode realizar obras, independentemente do consentimento do senhorio, quando pela sua urgência, não se compadecerem com as delongas de procedimento judicial (art.1036º nº 1 do CC). Tal significa que, independentemente da autorização do senhorio, o arrendatário pode efectuar essas obras por sua conta, tendo direito a ser delas compensado com a obrigação de pagamento da renda. Para o efeito o arrendatário comunica essa intenção aquando do aviso da execução da obra (então o arrendatário sempre terá de avisar o locador que vai realizar as obras, acrescentamos nós) e junta os comprovativos das despesas até à data do vencimento da renda seguinte”.
Vejamos: No âmbito da citada liberdade contratual, aquando da celebração do contrato de arrendamento, os “primeiros outorgantes” especificaram quanto às “OBRAS JÁ EFECTUADAS PELA ARRENDATÁRIA”, que “fica ratificada a autorização verbalmente concedida para as que foram executadas no sexto andar e declarado que, findo o contrato (quando porventura se verifique a entrega da chave) a arrendatária fará a reposição, no estado anterior, daquele pavimento e levantará todos os materiais resultantes de tal reposição e ainda todas as peças de casa de banho que ela ali instalou”. Sabemos, também, porque provado, que os “primeiros outorgantes” discriminaram quanto a “OBRAS A EFECTUAR”, que “ficam autorizadas as que a arrendatária se propôs realizar e que constam da construção de duas casas de banho, com a respectiva instalação completa, e a terem lugar nos quartos ou compartimentos que actualmente têm os números vinte e dois três; e mais ficam autorizadas as necessárias para transformar os quartos ou compartimentos números vinte e três e vinte e quatro num só compartimento – para tanto demolindo a respectiva divisória. Estes trabalhos, as peças sanitárias e todas as instalações, ficarão integrados no prédio e não serão indemnizáveis”. E estipularam as partes, quanto a “OUTRAS OBRAS”, que “só com consentimento, escrito, do senhorio, poderão ser executadas, ficarão fazendo parte do prédio e não serão pagas à arrendatária, salvo se no escrito que autorizar e condicionar tais obras, também conste a obrigação de pagar, e como, quando e quanto”. Ora, da factualidade provada decorre que os senhorios, ora Autores, não prestaram consentimento escrito à realização das obras descritas nos artigos anteriores, além de que a Ré não pediu aos senhorios consentimento para a sua realização e nem sequer lhes comunicou a respectiva realização. Acresce, também, que as obras realizadas pela Ré não foram autorizadas no contrato de arrendamento. Assim sendo e porque as obras realizadas pela Ré também não se podem enquadrar no disposto no nº 1 do artigo 1036º do CC, podemos concluir que a Ré não cumpriu a sua obrigação de manter o espaço que lhe foi arrendado no estado em que o recebeu, obrigação que lhe é imposta pelo citado nº 1 do artigo 1043º, bem como a obrigação contratual de não realizar obras não autorizadas ou consentidas, por escrito, pelo senhorio. E sendo assim, entendemos que tais violações, atenta a sua gravidade e consequências, resultantes dos escassos poderes agora conferidos ao arrendatário para efectuar obras no locado, funções reservadas ao senhorio, tornam, manifestamente, inexigível aos Autores a manutenção do arrendamento. E mesmo que assim se não entendesse, a verdade é que a maioria das obras realizadas pela Ré foram muito para além de pequenas deteriorações resultantes da prudente utilização de prédio e destinadas a assegurar um maior conforto ou comodidade ao arrendatário e, neste caso, específico, aos utentes da residencial. Na verdade, para além de ter alterado o aspecto exterior do locado, a Ré também alterou a sua disposição interna, nomeadamente com o encerramento de casas de banho em determinados quartos e construção de novas casas de banho nos mesmos quartos, bem como destruição de roupeiros embutidos nas paredes o que em nada contribuiu para uma maior funcionalidade dos mesmos, na medida em que agora obriga à colocação de roupeiros o que reduz o espaço disponível.
Senão vejamos:
Da factualidade provada decorre que (…)
Ora, face à factualidade enunciada, dúvidas não existem de que as mencionadas obras, que sabemos não terem sido autorizadas nem consentidas pelos Autores, conforme exigência do contrato de arrendamento, introduzem alterações e modificações quer, na frente, quer na parte detrás do edifício, além de que alteram o interior das divisões, quer no que respeita à sua funcionalidade, quer no que toca à organização dos espaços dos quartos de dormir, reduzindo, indubitavelmente, a comodidade que os mesmos deveriam oferecer aos clientes da residencial.
E ao assim actuar, dúvidas não existem de que a Ré chamou a si os poderes conferidos apenas ao proprietário, sem o consentimento ou autorização deste, dando uma nova configuração ao interior e ao exterior do locado, a qual os Autores não são obrigados a aceitar, nem deverão, devido à evidente redução de espaços e consequente reduzida funcionalidade e comodidade que deveriam oferecer. E nem se diga, conforme alegado pela Ré que a sua intervenção se limitou à substituição de materiais já existentes e que por se terem degradado tiveram de ser substituídos, ao nível do sistema eléctrico, da canalização, da alimentação energética e no âmbito da recepção. E reafirma-se que, relativamente às obras que acima se enunciou, não se verifica a alegada obra de “mera conservação do locado”. Ademais, não se provou o alegado pela Ré no sentido de que, caso não fizesse as obras acima referidas, tal determinaria o encerramento da residencial pelas entidades que lhe concederam o alvará. Por outro lado, também não resultou provado que, não fora as ditas modificações operadas pela Ré no locado, o estabelecimento teria de ser encerrado, sendo certo, ainda, que não logrou a Ré provar que as ditas intervenções aumentaram o valor do edifício, resultando enriquecido o património dos Autores.
Poder-se-á, ainda, acrescentar que, destinando-se o locado à actividade hoteleira e turística haveria que observar o disposto no artigo 1111º do CC que refere que “as regras relativas à responsabilidade pela realização das obras de conservação ordinária ou extraordinária, requeridas por lei ou pelo fim do contrato, são livremente estabelecidas pelas partes”.
As partes nada estabeleceram sobre essa matéria.
“Se as partes nada convencionarem, cabe ao senhorio executar as obras de conservação, considerando-se o arrendatário autorizado a realizar as obras exigidas pela lei ou requeridas pelo fim do contrato”.
Sobre este normativo veja-se a obra acima citada, pag.756 onde se refere que “Na falta de acordo ou estipulação entre as partes, caberá ao senhorio a responsabilidade da execução das obras de conservação (v.g. canalizações, instalação eléctrica e esgotos) e ao arrendatário a realização das obras exigidas por lei ou requeridas pelo fim do contrato (…)”.
Compreende-se este regime de obras da responsabilidade do arrendatário. É que neste tipo especial de arrendamento, as obras no prédio arrendado podem revestir, quando ligadas à exploração da actividade negocial que é executada no imóvel, um carácter de urgência especial, que não se compadece com o regime normal da realização de obras no prédio arrendado, nem podem ficar dependentes de prévia e expressa autorização do senhorio.
Ora, salvo o devido respeito, e no que concerne às obras que acima se enunciou, não resulta que sejam exigidas pelas leis relativas à actividade em questão, nem que eram exigidas pelo fim do contrato. Por outro lado, a citada alteração da disposição interna das divisões, bem como as restantes obras acima referidas não implicaram um aproveitamento do espaço nem se mostram adequadas e proporcionadas aos fins visados com o contrato, além de que não aumentaram o conforto do utente da residencial, nem se demonstrou que eram necessárias por razões de higiene, segurança e bem estar. Consequentemente e porque as obras acima referidas, na medida em que determinaram uma substancial alteração da estrutura externa e interna do locado, realizadas com recurso a materiais inamovíveis fixos e definitivos como o pavimento do hall de entrada e os materiais embutidos nas paredes relativos a canalizações e electrificação das casas de banho construídas pela Ré, também fixos e cuja extracção não é possível, sem causar danos no prédio, têm de ser qualificadas como ilícitas e determinantes da resolução do contrato de arrendamento que agora nos ocupa. E porque, nos termos do nº 1 do artigo 1081º do CC, a cessação do contrato torna imediatamente exigível, a desocupação do locado e a sua entrega, salvo se outro for o momento legalmente fixado ou acordado pelas partes (o que não sucede no caso dos autos), com as reparações que incumbam ao arrendatário e que se traduzem naquelas necessárias a restituir o locado ao seu estado anterior, reportado à data da celebração do contrato, o que deverá ocorrer, conforme preceitua o artigo 1087º do CC, no prazo de três meses a contar do trânsito em julgado desta decisão, terá de proceder este pedido dos Autores e na parte relativa àquelas obras que se considerou ilícitas. Por outro lado, se a coisa locada não for restituída, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado (art.1045º do CC).
Deverá, ainda a Ré pagar aos Autores as rendas vincendas até ao trânsito em julgado desta sentença.
-…-”
- Quid juris?
Sindicando os fundamentos de Direito da sentença recorrida, importa, desde já, referir que a excepção de caducidade foi correctamente decidida. Isto porque, como se disse, aquando do tratamento da questão de facto não se apuraram as datas exactas em que as obras foram levadas a cabo pela R. e provou-se que os AA. só tiveram conhecimento das mesmas em 2008. Para efeitos de caducidade e da lei aplicável há que ter em atenção a data em que os AA. tiveram conhecimento dos factos em causas (obras no locado). Logo, o regime legal a ter em conta é o do chamado NRAU e o prazo para a propositura da acção não excedeu um ano como bem se explicou na sentença posta em crise e para onde se remete em termos de fundamentação.
Passemos então ao problema central que é este: - As obras realizadas pela R. ao longo de vários anos no locado são, ou não, causa de resolução do contrato de arrendamento que vinculam as partes?
Dispõe o artº1083º do CC:
1 - Qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte.
2 - É fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, designadamente quanto à resolução pelo senhorio: a) A violação reiterada e grave de regras de higiene, de sossego de boa vizinhança ou de normas constantes do regulamento do condomínio; b) A utilização do prédio contrária à lei, aos bons costumes ou à ordem pública; c) O uso do prédio para fim diverso daquele a que se destina; d) O não uso do locado por mais de um ano, salvo nos casos previstos no nº 2 do artigo 1072º; e) A cessão total ou parcial temporária ou permanente e onerosa ou gratuita, quando ilícita, inválida e ineficaz perante o senhorio.
3 - É inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora superior a três meses no pagamento da renda, encargos ou despesas, ou de oposição pelo arrendatário à realização de obra ordenada por autoridade pública, sem prejuízo do disposto nos números 3 e 4 do artigo seguinte.
4 - É fundamento de resolução pelo arrendatário, designadamente, a não realização pelo senhorio de obras que a este caibam, quando tal omissão comprometa a habitabilidade do locado”.
Na esteira do que já antes era previsto no artº64º d) do RAU o senhorio tem o direito de resolução do contrato de arrendamento se o arrendatário:
- Fizer no prédio, sem consentimento escrito do senhorio de obras que alterem substancialmente a sua estrutura externa ou a disposição interna das usas divisões, ou praticar actos que nele causem deteriorações consideráveis, igualmente não consentidas e que não possam justificar-se nos termos do artigo 1043º do Código Civil (…).
Esta sanção prende-se com a obrigação, que recai sobre o arrendatário, de fazer do prédio uma utilização prudente, como decorre do consignado nos artºs.1038º d) e 1043º, nº 1, ambos do Código Civil - vide, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, II, 2ª edição, pág. 505, e Aragão Seia, Arrendamento Urbano, 6ª edição, pág. 413. E está em contraponto com o facto de tais obras consubstanciarem um direito de disposição e de transformação que é próprio do direito de propriedade – vide, Rui Vieira Miller, Arrendamento Urbano, pág. 133. A lei não fornece directamente um critério que permita caracterizar o que denomina por alteração substancial da estrutura externa, cabendo ao intérprete a sua concretização caso a caso, tendo em conta os limites normais dos poderes do arrendatário quanto a alterações na coisa, segundo um juízo de razoabilidade. Obras que alteram substancialmente a estrutura externa de um prédio são, portanto, aquelas que implicam “a alteração da sua fisionomia, configuração, disposição ou equilíbrio arquitectónico” - a nível doutrinal, H. Mesquita, RLJ, Ano 126º, p.279; Aragão Seia, Arrendamento Urbano, edição de 1995, pág. 289; Pais de Sousa, Anotações ao Regime de Arrendamento Urbano, 4ª edição, 182/183 e; a nível jurisprudencial, por exemplo, Acordão do STJ, de 14.1.97, BMJ, 463º-571 e Acórdão da RE, de 18.3.93, BMJ, 425º-639. No que concerne à alteração substancial da disposição interna das divisões do prédio, dir-se-á que tal acontecerá quando as obras impliquem que o interior do prédio apresente uma outra fisionomia ou planificação, uma diferente forma de ocupação do espaço ou uma sua desfiguração. Alteram a disposição interna das divisões de um prédio, aquelas obras que, de modo permanente, modificam a planificação interna do prédio, ou seja, o número ou configuração do seu interior – vide, Aragão Seia, ob. cit., 290. A formulação de um juízo seguro sobre o alcance de alterações substanciais, como refere Pais de Sousa, deve assentar num critério de razoabilidade, havendo a considerar, “por um lado, a boa-fé do inquilino e o objectivo por ele tido em vista e, por outro, a situação do senhorio que não pode sacrificar a estrutura do local às comodidades do arrendatário, sobretudo quando isso possa implicar uma diminuição do valor locativo” – in, “Anotações ao RAU”, 6.ª edição, pág. 207.
Também há que trazer à colação os conceitos de obras de conservação ordinária, obras de conservação extraordinária e obras de beneficiação e que estavam consagrados no artº11º do mesmo RAU.
Obras de conservação ordinária: a) - A reparação e limpeza geral do prédio e suas dependências. b) - As obras impostas pela administração pública. c) - Em geral, as obras destinadas a manter o prédio nas condições requeridas pelo fim do contrato e existentes à data da sua celebração.
Obras de conservação extraordinária: As ocasionadas por defeito de construção do prédio ou por caso fortuito ou de força maior e, em geral, as que não sendo imputáveis a acções ou omissões ilícitas perpetradas pelo senhorio, ultrapassem, no ano em que se tornem necessárias, dois terços do rendimento líquido desse mesmo ano.
São obras de beneficiação:Todas as que não estejam abrangidas nos dois números anteriores.
O locador é obrigado a efectuar todas as reparações necessárias a assegurar ao locatário o gozo da coisa locada. Se as não fizer, após aviso do locatário, falta culposamente ao cumprimento duma obrigação - artº798º do CC e a nível jurisprudencial, veja-se o Acórdão do STJ, de 11-2-92, in, BMJ nº414, pags.444 e 445 -. É verdade que contratualmente a R. devia pedir aos AA. o consentimento para realizar as obras que realizou.
Mas será esse errado modus operandi fundamento para a resolução do contrato por parte dos AA. como foi reconhecido pelo Tribunal recorrido a par das alterações levados a efeito no prédio arrendado?Começando por este último aspecto e tendo presente o quadro legal acima descrito, pensamos que não.
Senão vejamos.
O Tribunal a quo, no nosso entender, desvalorizou o facto de estarmos na presença dum contrato de arrendamento com um fim comercial/industrial. Quer a doutrina quer a jurisprudência quer ainda o próprio contrato firmado entre as partes enfatizam que as obras que tenham a ver com o fim do contrato são da responsabilidade do arrendatário. Por outro lado, também não podemos olvidar que o arrendamento em análise se iniciou em 1964/65 o que leva a que, como todos reconhecem, as rendas sejam baixas e se considere mesmo abuso de direito o arrendatário solicitar obras cujo valor não seja compatível com o da renda paga ao senhorio. No caso vertente, as obras significativas realizadas pelo arrendatário visaram as casas de banho que eram “fora” dos quartos, fruto de construções antigas e que já não se compadecem com os serviços que a R., presta no ramo da hotelaria, industria cada vez mais exigente e concorrencial. Como foi dito por quem trabalhou para a R. durante largos anos, para as agências de turismo só eram disponibilizados os quartos com casa de banho, sendo hoje em dia inimaginável (devido à natural privacidade dos hóspedes) quartos de hotel ou pensão com casa de banho no exterior.
As outras obras dadas como assentes são as que se seguem:
- No rés-do-chão, a Ré construiu, junto à entrada, um compartimento com 4 portas, em alumínio verde, fixo ao pavimento e à parede do edifício, com cerca de 1,90m de largura, por 1,39m de altura para servir e que serve de abrigo a garrafas de gás industrial.
- A Ré desnivelou o pavimento do hall de entrada em relação ao da recepção, subindo este cerca de 70 cm.
- Para ligar os pavimentos desses dois desníveis, a Ré construiu uma escada com 4 degraus e uma rampa para cadeira de rodas.
- A Ré nivelou o pavimento da recepção em relação ao patamar da escadaria e do elevador, fazendo desaparecer os dois degraus que ligavam um ao outro.
- O balcão era desmontável, com forma recta e situado no alinhamento da parede norte do patamar do elevador, pertencendo ao prédio.
- A Ré demoliu esse balcão da recepção.
- A Ré construiu um novo balcão da recepção, que agora tem estrutura em “L” e é revestido superior e lateralmente a Lioz Polido, sendo desmontável e que está mais avançado em relação ao antigo cerca de um metro em relação à porta da entrada.
- O balcão ficou desalinhado da parede norte do patamar do elevador.
- Nas plantas de fls.3 a 6 existia uma porta em cada um dos dois lados dos patamares de chegada da escadaria e do elevador nos 1º a 4º andares.
- Essas portas não existem nos patamares de chegada da escadaria dos 1º a 4º andares.
- De acordo com a planta de fls.3, a extremidade noroeste, ou canto posterior esquerdo (na perspectiva de quem olha para o prédio a partir da Rua …), do 1º andar, era constituída por um compartimento destinado a arrumo de roupas de serviço, com acesso directo pelo corredor de circulação comum, seguido por detrás, da casa de banho privativa do quarto de dormir nº 2, que tinha acesso exclusivo através deste.
- A parede divisória entre esses dois compartimentos foi demolida, transformando-se num só.
- Os revestimentos cerâmicos e peças sanitárias foram retirados da referida casa de banho.
- O vão da porta de ligação dessa casa de banho ao primitivo quarto nº 2 foi fechado.
- A Ré revestiu com mosaicos e azulejos cerâmicos o pavimento e paredes desse espaço único.
- A Ré instalou nesse espaço algumas canalizações de águas e de esgotos.
- O dito espaço, desde, pelo menos, há 35 anos é a lavandaria da residencial.
- No ângulo posterior desse espaço, existe um pequeno compartimento, que antes servia de casa de banho, onde a Ré instalou um quadro eléctrico.
- No 1º andar, o espaço arrendado à Ré terminava a norte na fachada tardoz ou posterior da parte alta do edifício, sendo aí o seu limite uma varanda, que era privativa do quarto de dormir nº 2 e com acesso exclusivo através deste.
- Para além dessa fachada e varanda, existia apenas a cobertura da parte posterior do rés-do-chão do edifício, que não era plana, mas sim constituída por três empenas, cada qual com duas águas.
- Essa cobertura não tinha qualquer porta ou abertura de acesso através do 1º andar do edifício, sendo que era possível o acesso à dita cobertura através da varanda do quarto nº 2, passando sobre a sua guarda.
- A Ré, para permitir o acesso à cobertura do rés-do-chão, criou um degrau metálico para passar sobre o murete da guarda da varanda do quarto nº 2.
- O acesso do quarto nº 2 ao espaço daquela varanda foi encerrado pela Ré com material resistente que se encontra revestido e pintado.
- A Ré nivelou, na sua totalidade, a cobertura da parte posterior do rés-do-chão, com painéis em madeira assentes sobre estrutura metálica e forrados com tela asfáltica, sendo que, anteriormente e em data não concretamente apurada, sobre parte da dita cobertura tinham sido colocadas tábuas de madeira, pelo então sócio da Ré, A. F….
- E construiu, no enfiamento da nova lavandaria, um novo compartimento, com paredes e tecto de estrutura metálica, ligada à fachada posterior do edifício, com cerca de 8,45m2, que ocupa toda a antiga varanda do quarto nº 2 e prolonga-se sobre a cobertura do rés-do-chão.
- A Ré destinou esse novo compartimento a prolongamento da lavandaria, onde instalou equipamentos para lavagem de roupa.
- Nesse prolongamento da lavandaria, a Ré construiu um abrigo para secagem de roupas, construído com armação e chapas metálicas, fixas ao muro exterior oeste de vedação do prédio.
- Do lado oposto, ou lado direito da cobertura do rés-do-chão, a Ré montou, com estrutura de ferro e nylon e cobertura com chapas de plástico, um abrigo coberto para plantas e flores.
53º. A Ré utiliza o espaço intermédio dessa cobertura como estendal de roupa.
Todas as obras em causa têm a ver com o objecto do contrato e adequam-se a esse mesmo fim, o mesmo acontecendo com o destino dado aos compartimentos que antes eram destinados às ditas casas de banho “de fora” (transformadas em roupeiros, engomadeira ou casa de banho para trabalhadores).
Voltamos a lembrar que se está perante um arrendamento de 1964/1965 e um arrendamento cuja finalidade é exploração comercial/industrial duma pensão, portanto, receber hóspedes.
Estamos cientes de que se provou que o compartimento para recolha do gás é inestético, mas há que convir que esse facto também não é suficiente para pôr em crise o contrato em apreço.
Já a rampa para deficientes é uma exigência legal.
Acresce que, as restantes obras (com a excepção das estruturais, as referidas casas de banho dentro dos quartos que considerámos serem de beneficiação e adequados ao fim do contrato) são todas passíveis de ser alteradas e da responsabilidade do inquilino.
Tudo visto, deve o recurso ser atendido.

DECISÃO
- Assim e pelos fundamentos expostos, os Juízes desta Relação acordam em julgar procedente o recurso e consequentemente:
1. Revogam a decisão recorrida;
2. E absolvem a R. dos pedidos.
- Custas pelos AA.

Lisboa, 14.5.2013
Relator: Afonso Henrique Cabral Ferreira
1º Adjunto: Rui Torres Vouga
2º Adjunto: Maria do Rosário Barbosa