Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | EZAGÜY MARTINS | ||
Descritores: | CONTRATO DE FACTORING EMPREITADA CESSÃO | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/20/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA A DECISÃO | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I – Os “Adiantamentos ao empreiteiro” previstos no art.º 214º, n.º 1, do Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas, estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março, constituem uma antecipação de pagamentos contratuais, não tendo a natureza de mútuos. II – Na cessão da posição contratual opera-se a substituição do cedente pelo cessionário, como contraparte do cedido, na relação contratual básica, tal como esta existe à data da cessão. III - O contrato de factoring é um contrato misto atípico, em que o elemento dominante é a cessão por venda, dos créditos, nele ficando o aderente adstrito a oferecer todos os seus créditos ao factor. IV – A este são oponíveis as excepções fundadas na relação subjacente, com ressalva dos meios de defesa que provenham de facto posterior ao conhecimento da cessão. V - Entre tais excepções inclui-se assim…o pagamento – in casu antecipado – enquanto facto extintivo da obrigação. VI – Pode o devedor opor ao factor mesmo uma compensação parcial, sempre desde que tal meio de defesa seja anterior “à comunicação da cessão”. VII – É ainda oponível a compensação não efectivada através da competente declaração em momento anterior ao conhecimento da cessão, desde que até ao momento desse conhecimento estivessem já reunidos os requisitos daquela. VIII - A renúncia, que é a perda voluntária de um direito por manifestação unilateral de vontade, distingue-se da remissão, a qual tem como fonte um contrato, que pode ser oneroso e gratuito. IX - A renúncia não é admitida, em termos gerais, no domínio das obrigações, como forma de extinção dos créditos, embora já o seja como forma de extinção das garantias reais. X – A renúncia ou remissão gratuita, posto que reportáveis aos efectuados adiantamentos, implicariam uma verdadeira alta nos preços da empreitada, fora dos quadros de uma qualquer revisão, com violação, num tal – não desenhável – cenário, de normas imperativas, e a decorrente nulidade do negócio jurídico correspondente. XI – O “devedor” não pode, mediante mera declaração de compromisso quanto ao pagamento do que deve, ou do que deve sem “deduções”, constituir uma qualquer garantia autónoma de pagamento, tal como o conceito é entendido. XII - A garantia autónoma estabelece-se através de um contrato celebrado entre um terceiro garante – que assegura o pagamento – e o devedor, a favor do credor deste, sendo o garante estranho à relação estabelecida entre os sujeitos da obrigação garantida, tendo por fonte o chamado contrato-base. (Sumário do Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam na 2ª Secção (cível) deste Tribunal da Relação I – P... Factoring, S.A., intentou acção declarativa, com processo comum sob a forma ordinária, contra o Município..., pedindo a condenação do Réu a pagar-lhe a quantia de € 124.899,77, acrescida de juros de mora à taxa legal para as empresas comerciais que sobre o capital de € 111.897,14 se vencerem desde 26-10-2007, até integral pagamento. Alega, para tanto, que no exercício da sua actividade de “factoring”, e no âmbito de contrato de factoring celebrado com a Construtora B..., Lda., em 30-09-2003, adquiriu e tornou-se titular do crédito que esta sociedade detinha sobre o R. em virtude da realização de trabalhos a favor daquele Município, no valor total de 111.897,14, após dedução de uma entrega de € 9.139,60. Crédito que o R. reconheceu expressamente, assumindo o compromisso irrevogável de efectuar oportunamente o pagamento respectivo, sem quaisquer deduções ou compensações para além dos depósitos de garantia de 5% e CGD no valor de 0,5%, directamente à H... Factoring Portuguesa, empresa cessionária dos créditos. O Réu, apesar do vencimento da obrigação de pagamento, vem recusando aquele. Contestou o Réu, dizendo que o contrato de empreitada respectivo foi celebrado com o consórcio Construtora B..., Lda./C..., Lda., em 10-12-2004, e que, após algumas vicissitudes na obra foi autorizada a cessão da posição contratual da Construtora B..., Lda. a favor do outro membro do consórcio. Na sequência do que, em 28-02-2007, passou essa outra sociedade a líder do consórcio, com 99%. Não tendo o R., aquando da celebração do contrato de empreitada, conhecimento da existência do contrato de factoring. E decorrendo aquela sem que o R. fosse notificado da existência do contrato de factoring, até 23-03-2006. Ora, no âmbito do contrato de empreitada, e anteriormente ao seu conhecimento da invocada cessão, o R. fez vários pagamentos, incluído um adiantamento equivalente a 16% do valor referente à obra, directa e exclusivamente à Construtora B..., Lda. Estando pago o valor das facturas referidas na p.i. E inexistindo em qualquer caso confissão relevante, de banda do Réu, quanto a ser devedor do arrogado crédito da A. Remata com a improcedência da acção e a sua absolvição do pedido. O processo seguiu seus termos, operando-se, em audiência preliminar, o seu saneamento e condensação. Vindo, realizada que foi a audiência final, a ser proferida sentença que julgou a acção procedente, condenando o R. “a entregar à A. a quantia de 124.899,77 (…), e nos juros vencidos sobre o capital de 111.897,14€, desde 26 de Outubro de 2007, e nos juros vincendos até integral pagamento.”. Inconformado, recorreu o R., formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões: “1. Tendo contrato de factoring a natureza jurídica de uma cessão de créditos, os efeitos entre as partes (cedente e cessionário) estão dependentes do tipo de negócio que serve de base à cessão nos termos do disposto no artigo 578° n° 1. 2. De acordo com o disposto nesse artigo o contrato de Factoring em relação ao devedor não se pode dissociar do contrato de empreitada de obra pública que lhe está na base, o qual é regulado pelo disposto no Dec. Lei 59/99 de 2 de Março com as alterações introduzidas pelo Dec. Lei . 3. Nos termos do artigo 214º n° 5, o dono da obra pode facultar ao empreiteiro o adiantamento da parte do custo da obra necessário para aquisição de materiais bem como de equipamentos. 4. Estatui o artigo 215º n.º 2 que os adiantamentos concedidos deverão ser gradualmente reembolsados mediante dedução nos pagamentos segundo fórmula aí definida, e deverá ser efectuado o acerto do reembolso nos pagamentos seguintes por forma a chegar-se às últimas situações com todos os adiantamentos reembolsados. 5. De acordo com as referidas disposições legais, o Réu devedor fez um adiantamento em 23 de Maio de 2005 ao cedente no início do contrato de empreitada equivalente a 16% do seu valor, o qual vinha sendo reembolsado também nos termos das citadas disposições legais. 6. Em 23 de Março de 2006 a Autora-cessionária notificou o Réu devedor da existência de um contrato de factoring entre si e o empreiteiro pelo que a partir dessa data todos os pagamentos a que o empreiteiro tivesse direito lhe deviam ser remetidos. 7. A partir dessa data sempre que era enviada uma factura era remetida uma declaração ao Réu devedor no sentido de que o montante da factura seria pago ao cessionário e de que "assumimos o compromisso irrevogável de efectuarmos oportunamente o seu pagamento sem quaisquer deduções para além dos depósitos de garantia de 5% e CGD no valor de 0,5% directamente à H... Factoring Portuguesa S.A., empresa cessionária dos créditos. De acordo com as disposições do Dec. Lei 59/99 de 2 de Março, mais declaramos de modo irrevogável, não existirem situações que envolvam direito de retenção da nossa parte – nos termos do artigo 267º daquele diploma legal – que possam afectar o pagamento dos nossos créditos acima referidos. 8. Conforme consta das facturas referentes a essas declarações que se encontram junto aos autos, também era efectuado o reembolso do adiantamento dos 16% do valor da empreitada. 9. Em 21 de Novembro de 2006, por motivo de incumprimento do contrato de empreitada por parte do cedente foi autorizada a cessão de posição contratual do contrato a favor de outra empresa. 10. Pelo que foi descontado o remanescente do reembolso do adiantamento sendo efectuada uma nota de crédito ao devedor. 11. Conforme consta da matéria que ficou provada o adiantamento sobre o valor da obra e o seu reembolso é uma situação que se verificou e ocorreu anteriormente ao conhecimento e à notificação da existência do contrato de factoring. 12. Por outro lado e apesar do Réu devedor expressamente declarar efectuar o pagamento dos valores das duas facturas tal facto só por si não representa renúncia a quaisquer deduções ou compensações. 13. O devedor pode opor ao factor as excepções que produzam a extinção do crédito, tais como o pagamento ao aderente, a compensação, a novação, a remissão, a confusão, o direito de resolução, de redução ou impugnação do negócio, mas só desde que o facto constitutivo da excepção se tenha verificado antes do conhecimento da cessão (Menezes Cordeiro "Manual de Direito Bancário – 2ª edição, pág. 637) In Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/05/2004) 14. Ora, in casu, o devedor ficou com o direito de reembolso da importância entregue ao cedente como adiantamento e começou a receber essas importâncias nos termos do artigo 215° do Dec. Lei 59/99, criando-se desde logo, na sua esfera jurídica o direito a receber o seu reembolso em Junho de 2005, estando provado que nessa data o Réu devedor ainda não tinha conhecimento da cessão de créditos a favor da Autora cessionária. 15. Daí que não exista qualquer impedimento legal para que o Réu Município não possa opor à Autora a Nota de Crédito a seu favor (referida no ponto 10), respeitante à parte do adiantamento de 16% ainda por reembolsar nos termos do referido artigo 215º. 16. Deve ainda referir-se que no caso dos autos, e contrariamente ao que se refere na sentença ora recorrida não se aplica o artigo 405º face à característica do contrato subjacente à cessação de crédito, isto é, empreitada de obras públicas, não se verificando a possibilidade de fixar livremente as suas cláusulas.”. Requer seja “anulada a decisão proferida” proferindo-se “decisão absolvendo o Réu Município”. Contra-alegou a Recorrida, pugnando pela manutenção do julgado. II- Corridos os vistos legais, cumpre decidir. Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objecto daquele – vd. art.ºs 684º, n.º 3, 690º, n.º 3, 660º, n.º 2 e 713º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil - é questão proposta à resolução deste Tribunal, a de saber se à A., enquanto cessionária dos créditos detidos pela Construtora B..., Lda. sobre o R., no âmbito do celebrado contrato de empreitada, é oponível o arrogado crédito do R., relativo ao remanescente – não “reembolsado” – do pagamento antecipado de 16% do valor da empreitada. * Considerou-se assente, na 1ª instância, sem impugnação a propósito, e nada impondo diversamente, a factualidade seguinte: “1. A autora, H... FACTORING PORTUGUESA, S.A. dedica-se à actividade de “factoring”, tomando por cessão os créditos que os fornecedores de mercadorias detêm sobre as empresas suas clientes (alínea. A) dos Factos Assentes). 2. Em 30.09.2003 a autora celebrou com “Construtora B..., Lda.” um acordo que as partes designaram por “contrato de factoring” através do qual esta se obrigou a submeter à “aceitação” da H... a totalidade dos seus créditos sobre terceiros, nos termos constantes do documento de folhas 7 a 20, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (al. B) dos Factos Assentes). 3. O réu, MUNICÍPIO adjudicou ao consórcio, “Construtora B... Lda./C..., Lda.”, a construção da BIBLIOTECA MUNICIPAL, no valor de 1.445.187,01 €, acrescido de IVA, à taxa legal, tendo as partes celebrado, em 10 de Dezembro de 2004, o acordo que denominaram “contrato de empreitada n.º ...”, nos termos e condições constantes do documento de folhas 73 a 80, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (alínea. C) dos Factos Assentes). 4. A autora enviou ao réu a carta, fotocopiada a fls. 102, datada de 23 de Março de 2006, através da qual refere: “(…) Para efeitos de reconciliação de saldos entre as nossas duas instituições, somos a enviar cópias das cartas emitidas por V. Exas. e relativo à confirmação de pagamento de crédito cedido pelo Vosso Fornecedor Construtora B... Lda, à H..., S.A. (…)” (al. D) dos Factos Assentes). 5. O réu, Município enviou à autora a carta datada de 23.03.2006, fotocopiada a folhas 103, através da qual refere: “(…) fomos devidamente notificados da celebração de um contrato de factoring entre a Construtora B..., Lda., e a H... Factoring Portuguesa, S.A., ao abrigo do qual foram cedidos a essa Instituição os créditos representados pela(s) factura(s) a seguir indicada(s):
TOTAL 154.984,47€ Mais informamos que este(s) crédito(s), no valor global de CENTO E CINQUENTA E QUATRO MIL, NOVECENTOS E OITENTA E QUATRO EUROS; QUARENTA E SETE CÊNTIMOS € correspondem a fornecimentos efectuados e/ou serviços prestados, e que a(s) respectiva(s) factura(s) se encontram conferidas e boas para pagamento, pelo que assumimos o compromisso irrevogável de efectuarmos oportunamente o seu pagamento, sem quaisquer deduções ou compensações para além dos depósitos de garantia de 5%5 e C.G.D. no valor de 0.5%, directamente a H.... Factoring Portuguesa, S.A., empresa cessionária dos créditos, com morada na Rua ... Lisboa. De acordo com as disposições do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março, mais declaramos, de modo irrevogável, não existirem situações que envolvem direito de retenção da nossa parte – nos termos do art.º 267º daquele diploma legal – que possam afectar o pagamento dos Vossos créditos acima referidos. (…)” (Al. E) dos Factos Assentes). 6. A Caixa..., CRL emitiu em 14 de Maio de 2006, uma garantia bancária, no montante de 57.807,00, a favor do réu, nos termos constantes do documento de folhas 176, cujo teor aqui se dá por reproduzido (Al. F dos Factos Assentes). 7. O réu enviou à autora a carta datada de 7 de Julho de 2006, fotocopiada a fls. 21, através da qual refere: “(…) vimos informar que fomos notificados da celebração de um contrato de factoring entre a Construtora B..., Lda. e a H... Factoring Portuguesa, S.A., ao abrigo do qual foram cedidos a essa Instituição os créditos representados pela(s) factura(s) a seguir indicada(s):
M M Mais informamos que este(s) crédito(s) no valor global de SETENTA E UM MIL E NOVENTA E TRÊS EUROS, QUARENTA E UM CÊNTIMOS correspondem a fornecimentos efectuados e/ou serviços prestados, e que a(s) respectiva(s) factura(s) se encontra(m) conferidas e boas para pagamento, pelo que assumimos o compromisso irrevogável de efectuarmos oportunamente o seu pagamento, sem quaisquer deduções ou compensações para além dos depósitos de garantia de 5% e C.G.D. no valor de 0.5%, directamente a H.... Factoring Portuguesa, S.A., empresa cessionária dos créditos, com morada na Rua ... Lisboa. De acordo com as disposições do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março, mais declaramos, de modo irrevogável, não existirem situações que envolvem direito de retenção da nossa parte – nos termos do art.º 267º daquele diploma legal – que possam afectar o pagamento dos Vossos créditos acima referidos. (…)” (al. G) dos Factos Assentes). 8. O réu enviou à autora a carta datada de 10 de Agosto de 2006, fotocopiada a fls. 22, através da qual refere: “(…) vimos informar que fomos notificados da celebração de um contrato de factoring entre a Construtora B..., Lda. e a H... Factoring Portuguesa, S.A., ao abrigo do qual foram cedidos a essa Instituição os créditos representados pela(s) factura(s) a seguir indicada(s):
Mais informamos que este(s) crédito(s) no valor global de QUARENTA E NOVE MIL, NOVECENTOS E QUARENTA E TRÊS EUROS, TRINTA E TRÊS CÊNTIMOS correspondem a fornecimentos efectuados e/ou serviços prestados, e que a(s) respectiva(s) factura(s) se encontra(m) conferidas e boas para pagamento, pelo que assumimos o compromisso irrevogável de efectuarmos oportunamente o seu pagamento, sem quaisquer deduções ou compensações para além dos depósitos de garantia de 5% e C.G.D. no valor de 0.5%, directamente a H... Factoring Portuguesa, S.A., empresa cessionária dos créditos, com morada na Rua ... Lisboa. De acordo com as disposições do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março, mais declaramos, de modo irrevogável, não existirem situações que envolvem direito de retenção da nossa parte – nos termos do art.º 267º daquele diploma legal – que possam afectar o pagamento dos Vossos créditos acima referidos. (…)” (al. H) dos Factos Assentes). 9. Em virtude da realização de trabalhos a favor do Município, foram emitidas as facturas n.ºs 1173, em 07.07.2006, no valor de € 71.093,41, e n.º 1180, em 10.08.2006, no valor de € 49.943,33, no montante global de € 111.897,14, constantes de folhas 21 e 22, cujo teor aqui se dá por reproduzido (al. I) dos Factos Assentes). 10. A Construtora B..., Lda. emitiu a favor do réu a Nota de crédito n.º ..., datada de 28.02.2007, no montante de € 105.915,23 + IVA, referente à restituição antecipada do adiantamento efectuado por este, àquela, relativo ao acordo referido no ponto 3) dos factos provados (alínea J) dos Factos Assentes). 11. O réu, em 20.04-2007, fez uma entrega de € 9.139,60 por conta do valor da factura n.º 1137 pelo que na mesma data, a autora emitiu um Aviso de Divergência com o n.º 05013, pelo qual se considerava que ao valor daquela mesma factura n.º 1173, devia ser deduzida a importância entregue, pelo que a factura passava a ficar por € 61.953,81, conforme documento de fls. 40, cujo teor aqui se dá por reproduzido (al. K) dos Factos Assentes). 12. A Câmara Municipal recebeu da entidade fiscalizadora a carta, datada de 13.10.2006, fotocopiada a fls. 81, dela constando que: “(…) Serve o presente para informar a V. Exa. Que depois de devidamente verificado durante duas semanas, os trabalhos na biblioteca estão parados, e chegou-se à seguinte conclusão: - O consórcio constituído pelas Firmas Construtora B..., Lda./C..., Lda. deviam ser convocados urgentemente para uma reunião para esclarecimento desta paragem dos trabalhos. (…)” (al. L) dos Factos Assentes). 13. Por carta de 3.11,2006, a Construtora B..., Lda., solicitou “a cessão da posição contratual” a favor de outro consórcio, a empresa C..., Lda., em virtude de não ser possível cumprir atempadamente o acordo referido no ponto 2) dos factos provados, por insustentabilidade económica da empresa, conforme documento de fls. 82 e 83, cujo teor aqui se dá por reproduzido (al. M) dos Factos Assentes). 14. Em 21 de Novembro de 2006, na sua reunião ordinária, a Câmara Municipal deliberou, por unanimidade, aprovar a autorização da cessão da posição contratual, no âmbito do acordo referido no ponto 3) dos factos provados, a favor de “C... Lda.”, conforme documento de fls. 85 (alínea N) dos Factos Assentes). 15. Por carta de 24 de Novembro de 2006, a Câmara Municipal comunicou aos membros do consórcio referido no ponto 3) dos factos provados, de que fora autorizada a cessão, pelo que deveria ser efectuada a alteração da respectiva garantia bancária, bem como o aditamento ao “contrato de empreitada”, conforme documentos de fls. 90 e 91, cujo teor aqui se dá por reproduzido (al. O) dos Factos Provados). 16. Em 28 de Fevereiro de 2007 foi celebrado um aditamento ao acordo designado “Aditamento ao contrato de Consórcio Externo”, nos termos constantes do documento de fls. 92 a 94, cujo teor aqui se dá por reproduzido (al. P) dos Factos Provados). 17. No âmbito do acordo referido em C) todos os pagamentos e entregas de dinheiro efectuadas desde Dezembro de 2004 até Março de 2006, foram efectuados directa e exclusivamente à empresa B..., Lda. sem que o Município tivesse conhecimento da existência do acordo referido no ponto 2) dos factos provados (“resposta” ao art.º 1º da B.I.). 18. No início da empreitada foi efectuado um adiantamento equivalente a 16% do valor referente à obra, valor esse que foi recebido pela Construtora (“resposta” ao art.º 2º). 19. (…) tendo o réu, em 23 de Maio de 2005, efectuado uma entrega à empresa Construtora B..., Lda., de um cheque no valor de € 242.791,42, conforme documento de folhas 96 e 97 (“resposta” ao art.º 3º). 20. (…) desconhecendo, nessa altura, o acordo referido no ponto 2) dos factos provados (“resposta” ao art.º 4º). 21. Por conta das facturas aludidas no ponto 9) dos factos provados, em 12.04.2007, através do cheque n.º ..., foi entregue o valor de € 9.139,60 da Caixa Geral de Depósitos, deduzindo-se o desconto de 0,5 para a Caixa Geral de Aposentações, bem como o valor da Nota de Crédito n.º ..., referida no ponto 10) dos factos provados, conforme documentos de fls. 147 a 152 (“resposta” ao art.º 5º). * Por acordo e por documentos, mais se julga provada a matéria de antecipada excepção à excepção de confissão/reconhecimento de dívida – extraível dos art.ºs 31º a 33º da contestação, não impugnados, nessa parte, pela A., na sua réplica, vd. art.ºs 6º e 7º. Sendo pois de aditar dois números à matéria de facto, com a seguinte redacção: 5-A. A factura n.º ... foi paga à A. com “Dedução relativa ao adiantamento de 16%”, conforme documento de folhas 128 a 130, que aqui se dá por reproduzido. 5-B. A factura n.º ... foi paga à A. com “Dedução relativa ao adiantamento de 16%”, conforme documento de folhas 143 a 146, que aqui se dá por reproduzido. Vejamos: 1. Não sofre crise tratar-se, o celebrado entre o aqui Réu e o consórcio, “Construtora B..., Lda./C..., Lda.”, em 10-12-2004, de um contrato administrativo de empreitada de obras públicas, sujeito ao Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas, estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março. Cfr. art.ºs 1º, n.ºs 1 e 2 – definição de obras públicas e suas formas de execução – 2º, n.ºs 3 e 5 – âmbito de aplicação objectiva, com definição de empreitada de obras públicas, e sujeição ao seu regime das empreitadas que sejam financiadas directamente, em mais de 50%, por qualquer das entidades referidas no “artigo seguinte” – e 3º, n.º 1, alínea d) – âmbito de aplicação subjectiva (autarquias locais) – do referido Decreto-Lei. E isto, assim, certo a propósito estar afastada a aplicabilidade do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo art.º 1º do Decreto-Lei nº 18/2008, de 29 de Janeiro, ex vi do disposto no art.º artigo 16.º do mesmo Decreto-Lei (aplicação no tempo). No âmbito do aludido Regime Jurídico dispõe o art.º artigo 214º, sob a epígrafe “Adiantamentos ao empreiteiro”, que: “1 - O dono da obra pode fazer ao empreiteiro adiantamentos pelos materiais postos ao pé da obra e aprovados. 2 - Se no contrato se não estatuir outra coisa, o adiantamento não excederá dois terços do valor dos materiais, no estado em que se encontrarem, valor que será determinado pela série de preços simples do projecto, se nele existirem, ou, no caso contrário, comprovado pela fiscalização. 3 - Nos mesmos termos poderá o dono da obra conceder ao empreiteiro adiantamentos com base no equipamento posto na obra e cuja utilização ou aplicação haja sido prevista no plano de trabalhos. 4 - Nos casos do nº 3, o valor do equipamento será o aprovado pela fiscalização e o adiantamento não excederá 50% desse valor. 5 - Poderá, ainda, mediante pedido fundamentado e prestação de garantia bancária ou seguro caução, ser facultado ao empreiteiro o adiantamento da parte do custo da obra necessário para aquisição de materiais sujeitos a flutuação de preço, bem como de equipamento cuja utilização ou aplicação haja sido prevista no plano de trabalhos aprovado. 6 - O valor global dos adiantamentos feitos com base nos n.os 3 e 5 não poderá exceder 50% da parte do preço da obra ainda por receber. 7 - O dono da obra não pode fazer adiantamentos fora dos casos previstos neste artigo.”. E, no art.º 215º, sob a epígrafe “Reembolso dos adiantamentos”: 1 - O reembolso dos adiantamentos previstos no nº 1 do artigo anterior far-se-á à medida que os materiais forem sendo aplicados e por dedução nos respectivos pagamentos contratuais. 2 - Seja qual for a situação da obra em relação ao plano de trabalhos aprovado, os adiantamentos concedidos nos termos dos n.ºs 3 e 5 do artigo anterior deverão ser gradualmente reembolsados, mediante dedução nos pagamentos previstos no plano de pagamentos, sendo as quantias a deduzir calculadas com base nas fórmulas: (…)”. Provado estando que o Réu no início da empreitada efectuou “um adiantamento equivalente a 16% do valor referente à obra, valor esse que foi recebido pela Construtora” (“resposta” ao art.º 2º). E ter aquele, nessa conformidade, “em 23 de Maio de 2005, efectuado uma entrega à empresa Construtora B..., Lda., de um cheque no valor de € 242.791,42, conforme documento de folhas 96 e 97” (“resposta” ao art.º 3º). Sendo que, está assente, a Caixa ..., CRL emitiu em 14 de Maio de 2006, uma garantia bancária, no montante de 57.807,00, a favor do réu, tendo como objecto o “Pagamento antecipado 1.445.187.01 (…) referente à empreitada “Biblioteca Municipal...”, e sendo “Finalidade da garantia: Garantir o reembolso total e parcial do valor do pagamento antecipado que esta garantia cobre, no caso do adjudicatário durante a sua vigência, não efectuar trabalho e/ou fornecer materiais correspondentes ao valor recebido.”. Sendo prestada “nos termos e para os efeitos do disposto no Artigo 214º do Decreto-Lei n.º 59/99 de 2 de Março, e será libertada de acordo com o estabelecido nos Artigos 215-216 do citado diploma”, cfr. citado documento de folhas 176. Como aliás também na garantia bancária reproduzida a folhas 99 – documento junto pela Ré e não impugnado pela A. – emitida em 6 de Maio de 2005, pela L..., no montante de € 173 422,44, o objecto é o “Pagamento antecipado, de 12% sobre € 1.445.187.01, valor de adjudicação da empreitada designada por “Biblioteca Municipal...”. Tendo igualmente por “Finalidade (…): Garantir o reembolso total e parcial do valor do pagamento antecipado que esta garantia cobre, no caso do adjudicatário durante a sua vigência, não efectuar trabalho e/ou fornecer materiais correspondentes ao valor recebido”. Tratando-se pois, os assim em causa, de “adiantamentos” nos quadros do art.º 214º, n.º 5. do RJEOP. A sentença recorrida estruturou toda a sua fundamentação de direito no pressuposto de corresponder o montante dos aludidos “adiantamentos” a um “crédito” do Réu sobre a empreiteira Construtora B..., Lda. Considerando, nessa conformidade, que “o réu nas cartas referidas em 5, 7 e 8 da matéria de facto, assumiu expressamente perante o "factor", ora autora, o pagamento das referidas facturas, de forma "irrevogável", e renunciou a quaisquer deduções ou compensações. Ora, esta renúncia é permitida ao credor-réu, cfr. arts. 405º, e 81º "a contrario sensu" e art. 809º “a contrario sensu" do C. Civil, dado que não estamos perante uma renúncia antecipada, e por isso, livremente disponível pelo credor-réu. A renúncia acontece depois do réu ser interpelado pela autora a confirmar o pagamento das facturas.”. E concluindo que “Por essa razão, não pode agora o réu município opor à autora a nota de crédito a seu favor (referida no ponto 10) dos factos provados) respeitante à parte do adiantamento de 16%, ainda em dívida, que o réu município outrora havia entregue à construtora "Construtora B..., Lda.". Diga-se que uma tal “construção” converge com a (aparência da) abordagem à questão de direito feita pelo Réu na sua contestação e reiterada em sede de alegações de recurso, enquanto aquele sustenta que “o facto (de) o Réu ter assumido a posição que consta das referidas cartas dos pontos 7 e 8 dos factos provados, não nos parece afastar a possibilidade de opor a esse crédito a compensação com o crédito de que o ora recorrente “devedor era titular contra o cedente”, vd. págs. 12 das alegações. Mas sendo certo que o nomen juris utilizado pelas partes não vincula o tribunal, nada impede que se proceda ao que se entende ser o correcto enquadramento jurídico da questão. Ora no domínio do diploma matriz em matéria de empreitadas de obras públicas anterior ao Decreto-Lei n.º 59/99 de 2 de Março, a saber, o Decreto-Lei n.º 235/86, de 18 de Agosto, e perante os lugares paralelos dos art.ºs 191º e 192º - em que se estabelecia de modo idêntico nesta matéria de adiantamentos e reembolso – decidiu já o Supremo Tribunal Administrativo, no seu Acórdão de 01-04-98[1] que “I - Os adiantamentos previstos no art. 191, do Decreto-Lei n.º 235/86, de 18 de Agosto, efectuados pelo dono da obra a favor do empreiteiro, no âmbito de contratos de empreitadas de obras públicas, são reembolsados à medida que os materiais forem aplicados, por dedução nos respectivos pagamentos contratuais. II - Tais adiantamentos constituem uma antecipação de pagamentos contratuais, não tendo a natureza de mútuos.”. No mesmo sentido indo o Parecer da PGR, de 11 de Novembro de 1982 – Parecer n.º 1281982 – quando refere que “Nas empreitadas e fornecimentos de obras públicas, os adiantamentos concedidos pelo dono da obra ao empreiteiro para aquisição de equipamento não incorporável na obra, devem ser tidos em conta na revisão de preços nos termos…”. Assim também se nos afigurando acolhido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09-10-1997,[2] em cujo sumário ler-se pode: “II – O Banco que nos termos do art.º 188º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 48 871, de 19 de Fevereiro de 1969,[3] presta a garantia, fica vinculado a respeitar o destino das quantias adiantadas pelo dono da obra ao empreiteiro como parte do custo da obra necessário à aquisição de materiais sujeitos a flutuações de preço, bem como de equipamento cuja aplicação haja sido prevista no plano de trabalhos aprovado…”. E, na verdade, a própria literalidade do art.º 214º do RJEOP – sendo que como refere Oliveira Ascensão,[4] “A letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação” – só com muito esforço comportará a assimilação dos previstos “adiantamentos”, “da parte do custo da obra…”, a coisa diversa de antecipações de pagamento do preço da empreitada. Sendo que os termos do “Reembolso dos adiantamentos”, “mediante dedução nos pagamentos previstos no plano de pagamentos” apenas se casa com esta perspectiva. Com efeito trata-se afinal da imputação desses “adiantamentos” no preço da empreitada, de acordo com regras especiais, que parcelam a dita imputação, diferindo-a no tempo, em sintonia com o plano de pagamentos acordado. E se tais adiantamentos podem funcionar, na prática, como “financiamento” ao empreiteiro, ponto é que, diversamente do que ocorre no mútuo – cfr. art.º 1142º do Código Civil – aquele não fica obrigado a “restituir” idêntica quantia ao ente público/dono da obra. Como também este último não pode optar entre um (inexistente) direito à restituição do “mutuado” e a, então, “compensação” com o crédito do empreiteiro relativo ao preço da empreitada. O destino dos adiantamentos, repete-se, é, por força de lei imperativa, a sua imputação faseada “nos respectivos pagamentos contratuais”, a que o art.º 215º do RJEOP se refere com menor propriedade técnica, como “dedução”. Por outro lado, a operada cessão da posição contratual da "Construtora B..., Lda." a favor de “C..., Lda.” não implicou, diversamente do que também pretende a Recorrente, a obrigação de “restituição” pela cedente da “importância referente ao adiantamento por conta do valor da empreitada (…) uma vez que não tinha direito a receber tal importância em virtude de não ter concluído o serviço que estava obrigado a efectuar.”, vd. folhas 11 das alegações. Trata-se, como do parágrafo seguinte das mesmas alegações logo se alcança, de uma “justificação” para a emissão pela cedente da “nota de crédito” referida em 10 da matéria de facto. Que não tem a virtualidade de derrogar o conteúdo e efeitos daquela espécie contratual regulada nos art.ºs 424º a 427º, do Código Civil. A qual, como referem P. Lima e A. Varela,[5] “implica a existência de dois contratos: o contrato-base e o contrato-instrumento da cessão, que é o realizado para transmissão de uma das posições derivadas do contrato-base. E envolve três sujeitos: o contraente que transmite a sua posição (cedente); o terceiro que adquire a posição transmitida (cessionário); e a contraparte do cedente no contrato originário, que passa a ser contraparte do cessionário (contraente cedido ou, simplesmente, o cedido). A relação contratual que tinha como um dos titulares o cedente é a mesma de que passa a ser sujeito, após o novo negócio, o cessionário.”. Opera-se pois, por via da cessão, “a substituição do cedente pelo cessionário, como contraparte do cedido, na relação contratual básica, tal como esta existe à data da cessão.”.[6] Deste modo, transmitido o complexo de direitos e obrigações correspondente à posição jurídica da cedente no contrato de empreitada respectivo, para a cessionária “C..., Lda.”, ficando esta assim obrigada a dar continuidade à execução da empreitada – sem notícia de que o não haja feito – sempre teria que subsistir a entrega antecipada por conta do preço de tal empreitada, efectuada pelo aqui Réu. Não se colocando a questão da restituição dos pagamentos antecipados, que apenas se poderia equacionar quando o empreiteiro “não cumpra o acordado, ou seja, caso não sejam executadas (total ou parcialmente) as prestações a respeito das quais foi realizado o adiantamento.”.[7] E, por isso, carecendo de justificativo a emergência de um crédito autónomo do cedido sobre o empreiteiro, relativo ao valor do adiantamento ainda não imputado no plano de pagamentos acordado. O significado de tal nota de crédito será assim o da quantificação da parte dos adiantamentos feitos por conta do preço, ainda não imputada de acordo com o plano de pagamentos. Assinale-se, finalizando este ponto, que, como visto, as próprias garantias prestadas, e aceites como boas pelas partes envolvidas, se referem ao “Pagamento antecipado” (…) referente à empreitada “Biblioteca Municipal...”. 2. Do que se vem de equacionar e definir logo resulta não estar em causa, por parte da Ré, qualquer efectiva compensação do crédito arrogado pela A. com um seu pretenso contra-crédito sobre esta. Cfr. art.º 847º, do Código Civil. Antes se tratando da imputação do “remanescente” do adiantamento feito por conta do preço da empreitada nas parcelas de tal preço a que correspondem as duas facturas em questão. De resto, assim contempla o Recorrente quando remata o corpo das suas alegações referindo que o “cessionário (…) adquire o crédito a que o cedente teria direito e não mais do que esse crédito”. Como também, nas suas conclusões, quando refere que “o devedor pode opor ao factor as excepções que produzam a extinção do crédito, tais como o pagamento ao aderente (…)“. Isto, sem prejuízo de, quando se tratasse de efectiva compensação de crédito cedido à A. com um contracrédito do R., aquela poder ser oposta à A./factor/cessionária, dentro do condicionalismo a seguir referido. E com efeito: O acordo celebrado entre a A. e a Construtora B..., Lda., em 30-09-2003, que as partes designaram de contrato de factoring, estabelece a transferência dos créditos de “natureza comercial” daquela Construtora – assim cedente, aderente ao factor – para a A. – factor (cessionário) – “resultantes de fornecimentos ou da prestação de serviços e decorrentes da actividade comercial do ADERENTE”, vd. folhas 7 a 13. Convergindo pois com a definição da actividade de “factoring ou cessão financeira” no art.º 2º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 171/95, de 18 de Julho, como a que “consiste na aquisição de créditos a curto prazo,[8] derivados da venda de produtos ou da prestação de serviços, nos mercados interno e externo.”. A propósito do contrato de factoring ensinando Menezes Cordeiro[9] que mau grado a sua nominação legal é um contrato misto atípico, em que “o elemento dominante é a cessão por venda, dos créditos”, nele ficando “o aderente adstrito a oferecer todos os seus créditos ao factor (…). E, como assinala Pedro Romano Martinez,[10] “Sendo o factoring …um negócio jurídico que, estruturalmente, se baseia na cessão de créditos (…), aplicam-se-lhe os art.ºs 577º e ss. do C.C.”. Do que resulta a sucessão do factor na titularidade dos créditos cedidos, causa vendendi, cfr. art.ºs 1º e 8º do citado Decreto-Lei n.º 171/95. Mas também a oponibilidade ao factor das excepções fundadas na relação subjacente, com ressalva dos meios de defesa que provenham de facto posterior ao conhecimento da cessão, cfr. art.ºs 585º e 583º, n.º 2, do Código Civil. Entre aquelas se incluindo assim…o pagamento – in casu antecipado – enquanto facto extintivo da obrigação, cfr. art.ºs 342º, n.º 2 do Código Civil e 487º, n.º 2, do Código de Processo Civil.[11] Como também refere Luís Manuel Teles de Menezes leitão,[12] “A transmissão abrange ainda as excepções que o devedor possuía contra o cedente (…). Efectivamente a cessão do crédito não pode colocar o devedor em pior situação do que aquela que se encontrava antes de ela se ter realizado, pelo que é lógico que ele conserve todas as excepções que possuía contra o cedente e as possa invocar perante o cessionário mesmo que este as ignorasse.” Deste modo, “se o devedor pode opor ao cedente excepções que impedissem o nascimento do crédito (…) produzissem a sua extinção (v.g. resolução do contrato, cumprimento, prescrição, compensação ou outra causa de extinção), ou paralisassem o seu exercício (…) continua naturalmente a poder invocá-las perante o cessionário.”. Exceptuando-se, porém, “as que resultem de facto posterior à cessão ou, no caso do cumprimento e outros negócios relativos ao crédito, do seu conhecimento pelo devedor”, vd. cit. art.º 583º, n.º 2. Referindo Menezes Cordeiro[13] – o que assim apenas marginalmente se assinala – a possibilidade de o devedor opor ao factor mesmo uma compensação parcial, sempre desde que tal meio de defesa seja anterior “à comunicação da cessão”. Explicitando, quanto à oponibilidade da compensação ao factor/cessionário, que “o terceiro devedor pode compensar o seu débito com créditos que tenha contra o aderente, desde que constituídos antes da notificação da cessão. A compensação já não opera com créditos posteriores à notificação…”. Também P. Lima e A. Varela[14] – que a sentença recorrida, quanto a este ponto, apenas citou parcialmente, ex adverso – se referem à oponibilidade da compensação, por parte do devedor, com a ressalva de que aquela “não procederá, se ela só se tornar invocável após o conhecimento da cessão por parte do cessionário.”. Deste modo contemplando, tal como Menezes Cordeiro, a oponibilidade da compensação não efectivada através da competente declaração – vd. art.º 848º, n.º 1, do Código Civil – em momento anterior ao conhecimento da cessão, desde que até ao momento desse conhecimento estivessem já reunidos os requisitos daquela – enumerados no art.º 847º do Código Civil – como assim seria o caso. Provado estando que até Março de 2006 o Réu não teve conhecimento da contratada cessão financeira. Sendo a entrega do “adiantamento” efectuada em data anterior, a saber, 23 de Maio de 2005. E, logo, sendo oponível ao factor/cessionário, a ora A. 3. E, tal como propugna o Recorrente, também não é de acolher o entendimento vertido na sentença recorrida, no sentido de que ao fazer as declarações constantes das missivas referidas em 7 e 8 da matéria de facto, relativas às facturas n.ºs 1173, de 07-07-2006, e 1180, de 10-08-2006, o Réu renunciou a quaisquer “deduções”, ainda que, desta feita, entendidas estas como “imputações” na correspondente parcela do preço, do adiantamento “remanescente” (por ainda não “descontado”). É que idêntica declaração foi feita relativamente às anteriores facturas n.ºs 1119, de 09-02-2006 e 1130, de 09-03-2006. Que foram submetidas à aceitação da A. – conforme dizeres nas mesmas apostos: “Este crédito (factura) foi cedido e deverá ser pago sempre e só a H... S.A.” – e a esta pagas pelo R. com expressa “Dedução relativa ao adiantamento de 16%”. Ora, nos termos do art.º 236º, n.º 1, do Código Civil: “A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.”. Como assinala Menezes Cordeiro,[15] “em cada caso se construirá (…) normativamente, a figura do destinatário normal. Repare-se que, por esta via, podem ser recuperadas regras não explícitas na nossa lei tais como a duma “interpretação de boa fé” (…) ou como a necessidade de atender à globalidade do contrato, à totalidade do comportamento das partes – anterior ou posterior ao contrato –, à particularização das expressões gerais, ao princípio da conservação dos actos, o favor negotii – e, à primazia do fim do contrato. O declaratário normal, figura normativamente fixada, atenderá a todos estes vectores.”. Estando assente que quanto a facturas anteriores àquelas cujo pagamento é reclamado na acção – também respeitantes a parcelas do preço da mesma empreitada, e por igual pagas à aqui A. – a declaração que ora se pretende erigir em renúncia ao “direito”…de imputação, coexistiu com a efectiva dedução de 16% do “adiantamento”, meridiano se revela que para qualquer empresa de factoring, na posição da A., a emissão de tal declaração do R., relativamente a facturas posteriores, não poderia ter um alcance diverso do que havia tido anteriormente. Não tendo assim outro significado que não seja o do reconhecimento da correspondência dessas facturas com as parcelas do preço contempladas no plano de pagamentos, mas naturalmente sem prejuízo de se considerar a calendarizada imputação do efectuado adiantamento por conta do preço/pagamento antecipado. Dir-se-á mesmo que, na circunstância, nem poderia a aqui A. desconhecer a vontade real do R. De acordo com a qual, deste modo, vale a declaração emitida, cfr. n.º 2, cit. art.º 236º. 4. Do que se deixa dito também logo decorre o inaceitável, salvo o devido respeito, da, na sentença recorrida, concluída remissão de dívida, por parte do R. Certo, elaborar aquela sobre pressupostos, não verificados, quais sejam, por um lado, o de corresponder o adiantamento feito pela Construtora aderente a um direito de crédito autónomo do R. sobre aquela, distinto do cumprimento antecipado. E, por outro, tratar-se assim, e substancialmente, de pretendida compensação de créditos, que não de mera imputação do adiantamento feito, em sede de pagamentos, de acordo com o plano respectivo. Para além de, como visto, e desde logo, não terem as declarações emitidas pelo R. o sentido que, agora, lhes pretende atribuir a A., qual seja o de haver uma “renúncia” que, por supostamente “assumida por escrito pelo réu através das suas cartas (…) depois da solicitação da autora na boa cobrança das facturas…”, tornou “perfeito o negócio de remissão das obrigações…celebrado entre o município e a autora, renunciando aquele a toda e qualquer dedução …”. Isto sem que se deixe de frisar distinguir-se a renúncia, que é a perda voluntária de um direito por manifestação unilateral de vontade, da remissão, a qual tem como fonte um contrato, que pode ser oneroso e gratuito, vd. art.º 863º, n.º 1, do Código Civil. Para além de a renúncia não ser admitida, em termos gerais, no domínio das obrigações, como forma de extinção dos créditos,[16] embora já o seja como forma de extinção das garantias reais, cfr. art.ºs 664º, 677º, 730º, alínea d), 752º e 761º. 5. Refira-se ainda que a renúncia ou remissão gratuita implicariam, posto que reportáveis aos efectuados adiantamentos, uma verdadeira alta nos preços da empreitada, fora dos quadros de uma qualquer revisão. Ora, nos termos do art.º 199º, n.º 1, do RJEOP (Decreto-Lei n.º 59/99) “O preço das empreitadas de obras públicas será obrigatoriamente revisto, nos termos das cláusulas insertas nos contratos, os quais, todavia, terão de subordinar-se aos princípios fundamentais previstos na lei especial aplicável.”. Lei especial essa expressamente considerada nos próprio contrato de empreitada – vd. cláusula 4ª, n.º 1 – a saber, o Decreto-Lei n.º 6/2004, de seis de Janeiro. Resultando assim violadas, num tal – não desenhável – cenário de remissão, normas imperativas, com a decorrente nulidade do negócio jurídico correspondente (de remissão), cfr. art.º 280º, n.º 1, do Código Civil. 6. Finalmente, e como igualmente resulta de quanto se vem de expender, não se julga sustentável, in casu, a tese de que a declaração aposta nas duas facturas em causa constitui uma garantia autónoma, suplementar, do crédito transferido. Desde logo não foi esse o sentido atribuído à declaração pelo R., e percebido pela aqui A. Depois, não se vê como o “devedor” possa, mediante mera declaração de compromisso quanto ao pagamento do que deve, ou do que deve sem “deduções”, constituir uma qualquer garantia autónoma de pagamento, tal como o conceito é entendido. Repare-se que a garantia autónoma se estabelece através de um contrato celebrado entre um terceiro garante – que assegura o pagamento – e o devedor, a favor do credor deste. Sendo o garante estranho à relação estabelecida entre os sujeitos da obrigação garantida, tendo por fonte o chamado contrato-base.[17] O que nada seria aqui o caso. * Dest’arte, não vindo questionada a remanescência dos 16% dos adiantamentos imputados nas fracções do preço da empreitada a que reportam as facturas n.ºs 1173, de 07-07-2006, e 1180, de 10-08-2006, nem a conformidade de tal imputação com o plano de pagamentos acordado, nada obsta à mesma. Posto o que, considerada ainda a entrega por conta de tais facturas de € 9.139,60, e a dedução do desconto de 0,5 para a Caixa Geral de Aposentações, resultam aquelas integralmente pagas. * Procedendo, nesta conformidade, as conclusões do Recorrente. III- Nestes termos, acordam em julgar a apelação procedente, e revogam a sentença recorrida, julgando a acção improcedente e absolvendo o Réu do pedido. Custas pela Recorrida, que decaiu totalmente, em ambas as instâncias, cfr. art.º 446º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil. Lisboa, 2009-10-29 (Ezagüy Martins) (Maria José Mouro) (Neto Neves) [1] Processo n.º 20647, relatado por Jorge de Sousa, in www.dgsi.pt/jsta.nsf. [2] Proc. n.º 97B374, relatado por Almeida e Silva, in www.dgsi.pt/jstj.nsf. [3] Diploma regulador, anteriormente ao Decreto-Lei n.º 235/86, de 18 de Agosto, do regime de empreitadas de obras públicas. [4] In “Introdução ao Estudo do Direito”, Ed. dos Serviços Sociais da Universidade de Lisboa, Ano Lectivo de 1970/1971, pág. 346. [5] In “Código Civil, Anotado”, Vol. I. 3ª Ed., Coimbra Editora, 1982, pág. 376, sendo nosso o sublinhado. [6] Cfr. A. Varela, in “Das Obrigações em Geral”, Vol. II, Reimpressão da 7ª ed., Almedina, 2001, pág. 404. [7] Mónica Jardim, in “A garantia autónoma”, Almedina, 2002, pág.72. [8] Não se cuidando aqui de problematizar o conceito de créditos de curto prazo. [9] In “Manual de Direito Bancário”, 2ª Ed. 2001, Almedina, pág. 633. [10] In “Contratos Comerciais - Apontamentos”, Principia, 2001, págs. 65 e 69. [11] Vd. também P. Lima e A. Varela In op. cit. pág. 569, anotação 1 ao citado art.º 585º. [12] In “Direito das Obrigações”, Vol. II, 4ª ed., Almedina, 2006, pág. 26, sendo nosso o itálico. Também assim, João Calvão da Silva, in “Direito bancário”, Almedina, 2001, págs. 432, 433. [13] In “Manual de Direito Bancário”, 2ª Ed. 2001, Almedina, pág. 637. [14] In op. cit.,pág. 569, anotação 2 ao art.º 585º. [15] In “Tratado de Direito Civil Português”, I Parte Geral, Tomo I, 1999, Almedina, págs. 483, 484. [16] Cfr. P. Lima e A. Varela, in “Código Civil, Anotado”, Vol. II, 4ª Ed., Coimbra Editora, 1997, pág. 150. [17] Cfr. a propósito, Mónica Jardim, in op. cit., págs. 46 e seguintes, e 101 e seguintes. |