Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | CARLOS M. G. DE MELO MARINHO | ||
| Descritores: | REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS VALOR DA CAUSA APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 09/18/2014 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
| Sumário: | 1.O art. 8.º da Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro consagrou, em matéria de custas judiciais, um regime de aplicação da lei no tempo que admite a aplicabilidade da lei nova aos processos pendentes, ressalva vantagens adquiridas e pagamentos feitos, declara-a aplicável apenas a actos ulteriores, afirma-a vocacionada para incidir sobre contextos que não beneficiavam de melhorias e estabelece que o valor da causa é cristalizado na data da instauração da processo; 2.O valor tributário da acção não se altera com a sucessão de regimes; a dimensão de aferição pecuniária da causa para efeitos de custas é a correspondente à noção de base tributável vertida no art. 11.º do Regulamento das Custas Processuais. 3.Da tabela I contida na versão de 2009 do apontado Regulamento resultava que o limite relevante para o efeito de liquidação de custas nas acções previstas no Código de Processo Civil era de 600.000,01 Eur, pelo que tem que se concluir que o apontado regime de definição da aplicação da lei no tempo imobilizou em tal valor o montante relevante para a finalidade de liquidação de custas; 4.Para solucionar o problema da determinação da regra aplicável, há que conjugar o disposto nos n.ºs 3 e 7 no art. 8.º citado que, com grande clareza, atendem ao tempo da constituição da obrigação de pagamento: o que já foi pago não é alterado; os novos actos praticados têm novo regime «tributário», designadamente quanto a taxas de justiça, encargos, multas ou outras penalidades; é no momento da condenação que se define a obrigação do pagamento de custas.(sumário do Relator) | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA * I. RELATÓRIO Em autos de acção declarativa com processo ordinário em que é Autora P…, LDA. e é Ré B… S.A., ambas as sociedades com os sinais identificativos constantes dos autos, a requereu que: «I - Seja declarado que a Tabela I do RCP a aplicar na conta de custas devidas a final, na presente acção e nos respectivos recursos, é a que se encontrava em vigor, na data em que a presente acção foi instaurada, ou seja, a que estava em vigor, em 29 de Julho de 2009, tal como se afigura ser determinado pelo disposto no n.º 6 do art. 8.0 da Lei n," 712012 de 13 de Fevereiro. II - Caso se interprete a norma do n.º 2 do art. 8.º da Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, no sentido de que as Tabelas anexas ao RCP, com as alterações que lhes foram introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 52/2011 e pela Lei n.º 7/2012, são aplicáveis, para efeito de cálculo e aplicação da taxa de justiça da conta de custas devidas a final, então deverá ser recusada a aplicação da referida norma por a mesma ser inconstitucional, dado que contraria os princípios constitucionais da protecção da confiança e da proibição de aplicação retroactiva de taxas de valor superior àquelas que se encontravam legalmente estabelecidas para o serviço de justiça, no momento em que foi requerida a respectiva prestação e durante a maior parte do período em que o mesmo foi efectivamente prestado, na presente acção. III - Mas caso ainda assim não se entenda, por mera cautela de patrocínio e sem prejuízo da arguida inconstitucionalidade, requer que, atento o disposto no n.º 7 do art. 6.º do RCP, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 7/2012, seja dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça para além dos 275.000,00€, dado que a tramitação da presente acção e dos respectivos recursos não revestiu complexidade fora do normal de qualquer outra acção com processo comum em forma ordinária, cujo valor fosse igualou inferior a 275.000,00€, e que a conduta das partes, designadamente a da Autora, foi sempre de total e cabal cumprimento dos deveres processuais que sobre as mesmas impendiam.» O Ministério Público respondeu a esta pedido referindo, a final, que: «muito embora a causa tenha um pedido de elevado valor, o julgamento da mesma não envolveu uma especial complexidade distinta das demais acções, pelo que nada temos a opôr ao requerido pela A. no que respeita á dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.» O Tribunal «a quo» apreciou o apontado requerimento concluindo com a seguinte parte decisória: «Face ao que dispõe o artº 8° nº 2 da Lei 7/2012, de 13/02, entendemos não haver fundamento para declarar que se aplica à conta de custas destes autos a tabela de custas que vigorava à data da instauração da acção. Em segundo lugar, não se nos afigura que haja fundamento para desaplicar, por inconstitucionalidade, a referida norma do art° 8° nº 2 da Lei 7/2012. Finalmente, não poderá este tribunal de 1ª instância dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça que foram decididas pela Relação e pelo STJ; sendo ainda certo que não pode dizer-se que o processo foi de tramitação simples: basta analisar as actas de julgamento de fIs 664 a 671, de fIs 672 a 675, de fIs 719 a 725, de fIs 773 a 775, 789 a 791 e de fIs 798 e 798, além de outros incidentes relativos a documentos e de articulado superveniente. Pelo exposto, indefere-se ao requerido.» É desta decisão que vem o presente recurso interposto por P…, LDA, que alegou e formulou as seguintes conclusões: 1.ª – O art. 11-º do RCP dispõe que “A base tributável para efeitos de taxa de justiça corresponde ao valor da causa, com os acertos constantes da tabela I, e fixa-se de acordo com as regras previstas na lei do processo respectivo.”. 2.ª – Daí decorre que a base tributável para efeitos de taxa de justiça e que corresponde ao valor da causa, de acordo com as regras previstas na lei do processo respectivo, é fixada em função dos acertos constantes da tabela I a que o referido art. 11.º também manda atender. 3.ª – Ora, de acordo com acertos constantes da tabela I do RCP, em vigor em 29-09-2009, a base tributável do valor da causa, para efeitos de taxa de justiça, tinha, como limite máximo, o valor de 600.000,01 €. 4.ª – O que significa que o valor da presente acção, para efeitos de custas, se fixou em 600.000,01 €, por aplicação das regras do RCP que vigoravam, em 29-07-2009. 5.ª – Uma vez que o valor processual da presente acção que excede os 600.000,01 € não constituía base tributável para efeitos de taxa de justiça, na data de entrada em juízo do presente processo. 6.ª - E, tendo em conta que, na Tabela I, respectivamente, de 2009 e de 2012, os valores da acção e da taxa de justiça obedecem a critérios de escalonamento diferentes, afigura-se mais coerente tributar o valor de 600.000,01 €, de acordo com a Tabela I do RCP em vigor, em 29-07- 2009. 7.ª – Dado que os valores da taxa de justiça que constam da Tabela I do RCP em vigor, em 29-07-2009, foram estabelecidos, tendo em consideração que o valor de 600.000,01 € representava então o valor máximo de qualquer acção, para efeitos de custas. 8.ª – O despacho recorrido, ao ter indeferido a pretensão da A. para declarar que se aplica à conta de custas destes autos a tabela de custas que vigorava à data da instauração da acção, violou a norma do n.º 6 do art. 8.º da Lei n.o 7/2012, de 13 de Fevereiro, dado que esta norma impõe que o valor da causa, para efeitos de custas, seja sempre fixado de acordo com as regras que vigoravam na data da entrada do processo. 9.ª – E, nos termos do disposto no art. 11.° do RCP e dos acertos da respectiva tabela I, que vigorava em 2009, a base tributável para efeitos de taxa de justiça com os acertos constantes da tabela I fixou-se em 600.000,01 €, sendo, portanto, este o valor da presente acção, para efeitos de custas. 10.ª – Por outro lado, ao ter estribado tal indeferimento no que dispõe o n.º 2 do art. 8.° da Lei n." 7/2012, o despacho recorrido cometeu, salvo melhor opinião, erro na interpretação e aplicação da referida norma, 11.ª – Pois, ao interpretar essa norma que manda aplicar o RCP, na versão da Lei n.º 7/2012, aos processos pendentes e sem prejuízo do disposto nos números seguintes, entendeu que o sentido normativo de tal norma implica que o valor tributário da presente acção se deve determinar à luz das regras do RCP de 2012 e da respectiva Tabela I, (…) cuja base tributável, para efeitos de custas, incide sobre qualquer valor processual da acção que exceda os 275.000,00€. 12.ª – Além disso, nas Tabelas I, respectivamente, de 2009 e de 2012, existe uma total disparidade na taxa de justiça da acção e dos respectivos recursos, pois, na acção, passa do total de 120 Ucs (e 60 Ucs por cada parte) para o total de 1.508 Ucs (e 754 Ucs por cada parte) e, em cada recurso, do total de 40 Ucs (e 20 Ucs por cada recorrente) para o total de 754 Ucs (e 377 Ucs por cada recorrente). 13.ª – E a aplicação dos valores de taxa de justiça da Tabela I de 2012, na conta final de custas da presente acção, viola, de forma desproprocionada e injustificada, o princípio constitucional da protecção da confiança. 14.ª - Dado que nem a Autora, nem qualquer cidadão ou empresa poderia prever e contar que, em 2012, o legislador viesse submeter os processos pendentes às alterações que o mesmo viesse estabelecer em matéria de custas processuais, designadamente para aplicar, nas respectivas contas finais de custas, taxas de justiça de valores desmesuradamente superiores àqueles a que se encontravam sujeitos, quando deram entrada em juízo. 15.ª - Pois antes de ter sido aprovada e publicada a Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, e em todas as alterações que o legislador foi introduzindo, primeiro, no Código de Custas Judiciais e, depois, no RCP, sempre ressalvou que essas alterações apenas se aplicavam aos processos iniciados, a partir da entrada em vigor dessas alterações. 16.ª – Daí decorre que a A. não poderia razoavelmente contar que a acção cível que instaurou, em 29-07-2009, viesse a ficar sujeita, na respectiva conta final de custas e a partir de 29-03-2012, a valores de taxa de justiça que passaram, na acção, de 120 Ucs para 1.508 Ucs e, em cada recurso, de 40 Ucs para 754 Ucs. 17.ª – E aplicação dos novos valores de taxa de justiça à presente acção também não pode considerar-se ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes sobre os interesses particulares afetados. 18.ª – Pois o interesse do Estado em aumentar a receita, por via do aumento dos valores das custas processuais, não é um interesse que deva prevalecer e aniquilar o direito fundamental de acesso aos tribunais, consagrado no art. 20.º da Constituição, impondo ao cidadão custos que são manifestamente excessivos e objectivamente desproporcionados, uma vez tributam apenas e sem qualquer limite o valor processual da causa e não atendem ao serviço efectivamente prestado. 19.ª – Por isso, o despacho recorrido, ao ter considerado e decidido que não há fundamento para desaplicar, por inconstitucionalidade, a referida norma do artº 8° n° 2 da Lei 7/2012, apesar de a ter interpretado e aplicado no sentido de que o comando normativo nela contido determina a aplicação dos valores da taxa de justiça da Tabela I do RCP de 2012 ao valor processual de 6.416.316,97 € da presente acção, para efeitos de cálculo e de aplicação da taxa de justiça na conta de custas devidas a final, aplicou norma que viola o princípio da proteção da confiança, ínsito na ideia de Estado de Direito democrático consagrada e preconizada no artigo 2.º da Constituição. 20.ª – Por último, o despacho recorrido, ao ter indeferido a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, para além dos 275.000,00 €, violou, por erro de interpretação e aplicação, a norma do n.º 7 do art. 6.° do RCP de 2012. 21.ª – Em primeiro lugar, porque o disposto no n.º 7 do art. 6.° do RCP de 2012, manda atender, designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, o que quer dizer que a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça não está legalmente condicionada e restringida a processos que tenham tido tramitação simples, como parece resultar do entendimento que é feito no despacho recorrido. 22.ª – Em segundo lugar, afigura-se que a competência, para dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça para além dos 275.000,00€, cabe ao juiz da 1.ª instância, atendendo ao disposto no n.º 1 do art. 29.º do RCP de 2012 que determina a elaboração da conta de custas pela secretaria do tribunal que funcionou em 1.ª instância, conjugado com o estabelecido no n.º 1 do art. 30.º do mesmo RCP, nos termos do qual “A conta é elaborada de harmonia com o julgado em última instância, abrangendo as custas da acção, dos incidentes, dos procedimentos e dos recursos.”. 23.ª – E o exercício de tal competência também não implica a alteração da decisão sobre custas, respectivamente, do Tribunal da Relação e do Supremo Tribunal de Justiça, como parece depreender-se do despacho recorrido, quando refere que não poderá este tribunal de Iª instância dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça que foram decididas pela Relação e pelo STJ, dado que os referidos tribunais superiores limitaram-se a condenar em custas, sem afastar ou impôr que, na conta final de custas, possa haver ou não dispensa do pagamento de remanescente de taxa de justiça. 24.ª – Acresce que, através da análise das actas de julgamento de fls 664 a 671, de fls 672 a 675, de fls 719 a 725, de fls 773 a 775, 789 a 791 e de fls 798 e 798, além de outros incidentes relativos a documentos e de articulado superveniente, verifica-se que não foi a Autora que lhes deu causa, mas sim que foi o Banco Réu que juntou vários documentos, no decurso das várias sessões de julgamento e que veio a deduzir articulado superveniente que lhe foi indeferido. 25.ª – Por isso, não parece justo e razoável invocar-se a actividade processual do Banco Réu resultante das actas de julgamento e que o CPC revogado previa, como normal, na tramitação corrente de uma acção cível declarativa, para denegar a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça à Autora que é a parte condenada nas custas da acção e dos recursos. 26.ª – Por fim, também não se considera conforme com sentido da norma do n.º 7 do art. 6.º do RCP de 2012 que o despacho recorrido tenha negado, pura e simplesmente, a dispensa do pagamento do remanescente, sem sequer ter admitido e ponderado a dispensa de uma parte do remanescente da taxa de justiça para além dos 275.000,00€, adequando o quantitativo de dispensa de taxa de justiça ao maior ou menor grau de complexidade da causa e à conduta processual das partes que, em concreto, lhes fosse proporcional e conforme. 27.ª – Dado que a ausência de um limite máximo ao regime de tributação crescente em função do valor da ação, pois que ignora a complexidade dos autos para o efeito de evitar ou corrigir valores de tributação desproporcionados às ações de elevado valor, viola o direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, da Constituição, como se considerou no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 421/2013, proferido, em 15 de Julho de 2013, e publicado a pág. 31096 e segs. do Diário da República, II série, de 16 de Outubro de 2013.» Terminou pedindo que fosse proferida decisão que: «1) declare que o valor da causa, para efeitos de conta final de custas, é o de 600.000,01 €; 2) e bem assim que a taxa de justiça a aplicar a este valor, quer na acção, quer em cada um dos recursos, deverá ser determinada, de acordo a Tabela I do RCP que vigorava, em 29-07-2009, ou, caso assim não se entenda, que a Tabela I do RCP de 2012 deverá incidir apenas sobre o referido valor de 600.000,01 €. 3) Caso se interprete a norma do n.º 2 do art. 8.° da Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, no sentido de que o comando normativo nela contido determina a aplicação dos valores da taxa de justiça da Tabela I do RCP de 2012 ao valor processual de 6.416.316,97€ da presente acção, para efeitos de cálculo e de aplicação da taxa de justiça na conta de custas devidas a final, então deverá a referida norma ser desaplicada, dado que viola o princípio da proteção da confiança, ínsito na ideia de Estado de Direito democrático consagrada e preconizada no artigo 2.° da Constituição. 4) Por último e por mera cautela de patrocínio, caso se entenda que a Tabela I do RCP de 2012 é aplicável à totalidade do valor processual da acção de 6.413.316,97€, o que não se admite, mas apenas se coloca como hipótese de raciocínio, deverá ser determinado que o tribunal recorrido pondere e decida a dispensa, total ou parcial, do remanescente da taxa de justiça para além dos 275.000,00€, tendo em atenção designadamente a complexidade da causa e a conduta processual das partes, especificando os concretos aspectos que, nessa ponderação e decisão, vier a considerar, para o efeito, e adequando, se for caso disso, o quantitativo de dispensa de taxa de justiça aos aspectos que vier a considerar relevantes.» O Ministério Público respondeu a estas alegações apresentando as seguintes conclusões: «1ª- Dos nºs 1 e 3 do artº 8º da Lei nº 7/2012, de 13 de Fevereiro, que procedeu à alteração do Regulamento das Custas Processuais aprovado pelo Dec-Lei n° 34/2008, de 26 de Fevereiro, resulta como regra geral, que o novo regime do Regulamento das Custas Processuais e respectivos procedimentos é aplicável a todos os processos, quer novos quer pendentes, sem prejuízo do disposto nos números seguintes; 2ª- De acordo com o nº 3 do citado preceito legal todos os pagamentos que as partes sejam obrigadas a pagar após a entrada em vigor do novo regime das custas processuais, são calculadas nos termos da nova versão, deixando de aplicar-se as regras de cálculo vigentes à data da instauração da acção; 3ª- Muito embora a acção tenha sido proposta em data anterior à entrada em vigor do RCP na sua versão actual, quer a sentença quer os Acórdãos condenatórios em custas, foram proferidos em datas posteriores á entrada em vigor da Lei nº 7/2012, de 13 de Fevereiro, pelo que se aplica aos autos o regime fixado no RCP na versão introduzida pela Lei nº 7/2012 e respetivas tabelas. 4ª- Face ao que dispõe o referido normativo legal aplicável ao caso presente, conforme o exposto supra, verifica-se que o cálculo das custas em dívida pela Apelante terá de ser efectuado com base no valor total da acção que no caso presente é de € 6.413.316,97 e não qualquer outro valor. 5ª- Tendo em consideração que a condenação em custas remanescente da taxa de justiça, não podia ser proferida pelo Tribunal da 1ª instância, porque tal facto consubstanciaria alteração do que foi decidido pelos referidos Tribunais, hierarquicamente superiores ao Tribunal da 1ª instância, o que está vedado por lei (arts. 8° e 19° da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais).» Solicitou, a final, que fosse mantido o despacho recorrido. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. São as seguintes as questões a avaliar: 1. O despacho recorrido, ao indeferir a pretensão da Recorrente de declaração da aplicabilidade à conta de custas dos autos da tabela de custas que vigorava à data da instauração da acção, violou o disposto no n.º 6 do art. 8.º da Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, dado que esta norma impõe que o valor da causa, para efeitos de custas, seja sempre fixado de acordo com as regras que vigoravam na data da entrada do processo? 2. A aplicação dos valores de taxa de justiça da Tabela I de 2012 na conta final de custas da presente acção viola, de forma desproprocionada e injustificada, o princípio constitucional da protecção da confiança? 3. Verificam-se, no caso em apreço, circunstâncias que justificavam a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça ao abrigo do disposto no n.º 7 do art. 6.º do RCP de 2012? 4. A ausência de um limite máximo imposto ao regime de tributação crescente em função do valor da acção viola o direito de acesso aos tribunais consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa conjugado com o princípio da proporcionalidade decorrente dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, da aludida Constituição? * II. FUNDAMENTAÇÃOFundamentação de facto Resultam dos elementos documentais incorporados nos presentes autos os seguintes factos: 1. A acção no seio da qual foi proferido o despacho impugnado teve o seu início em 2009; 2. O valor processual de tal acção é de 6.413.316,97 Eur. 3. Com data de 01.04.2012, foi proferida nos autos de acção declarativa dos quais foi extraído o presente apenso a sentença reproduzida de fls. 56 a 73; 4. Com data de 18.04.2013, foi proferido pelo Tribunal de Relação de Lisboa, por referência aos autos de acção declarativa dos quais foi extraído o presente apenso, o acórdão reproduzido de fls. 74 a 106; 5. Com data de 29.10.2013, foi proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, por referência aos autos de acção declarativa dos quais foi extraído o presente apenso, o acórdão reproduzido de fls. 107 a 129; * Fundamentação de Direito1. O despacho recorrido, ao indeferir a pretensão da Recorrente de declaração da aplicabilidade à conta de custas dos autos da tabela de custas que vigorava à data da instauração da acção, violou o disposto no n.º 6 do art. 8.º da Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, dado que esta norma impõe que o valor da causa, para efeitos de custas, seja sempre fixado de acordo com as regras que vigoravam na data da entrada do processo? É impugnado um despacho do Tribunal «a quo» que, a coberto da palavra «entendemos» e da expressão «não se nos afigura», nada explica, nada justifica, logo nada fundamenta, fazendo uma genérica remissão para o regime do n.º 2 do art. 8.º da lei acima indicada. Porém, não tendo sido arguida a sua nulidade, nada há a acrescentar quanto à rarefacção justificativa. Porém, como consequência deste quadro de omissão, não há razões do aludido Tribunal a ponderar, sendo irrelevantes e inócuas as afirmações produzidas, que não apelam à razão e ao convencimento como é exigido pelo próprio comando constitucional vertido no n.º 1 do art. 205.º da Constituição da República Portuguesa. Na questão acima enunciada temos que o filão da ponderação a realizar foi situado pela recorrente no âmbito do estabelecido no n.º 6 do art. 8.º da Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro. Não só este número mas os demais relevantes do apontado artigo merecem transcrição já que estão no eixo da avaliação a realizar na presente sede. Dispõem tais preceitos: «Artigo 8.º Aplicação no tempo 1 - O Regulamento das Custas Processuais, na redacção que lhe é dada pela presente lei, é aplicável a todos os processos iniciados após a sua entrada em vigor e, sem prejuízo do disposto nos números seguintes, aos processos pendentes nessa data. 2 - Relativamente aos processos pendentes, sem prejuízo do disposto nos números seguintes, a redacção que é dada ao Regulamento das Custas Processuais pela presente lei só se aplica aos actos praticados a partir da sua entrada em vigor, considerando-se válidos e eficazes todos os pagamentos e demais actos regularmente efectuados ao abrigo da legislação aplicável no momento da prática do acto, ainda que a aplicação do Regulamento das Custas Processuais, na redacção que lhe é dada pela presente lei, determine solução diferente. 3 - Todos os montantes cuja constituição da obrigação de pagamento ocorra após a entrada em vigor da presente lei, nomeadamente os relativos a taxas de justiça, a encargos, a multas ou a outras penalidades, são calculados nos termos previstos no Regulamento das Custas Processuais, na redacção que lhe é dada pela presente lei. 4 - Nos processos em que as partes se encontravam isentas de custas, ou em que não havia lugar ao pagamento de custas em virtude das características do processo, e a isenção aplicada não encontre correspondência na redacção que é dada ao Regulamento das Custas Processuais pela presente lei, mantém-se em vigor, no respectivo processo, a isenção de custas. 5 - Nos processos em que, de acordo com a redacção que é dada ao Regulamento das Custas Processuais pela presente lei, as partes ou o processo passam a estar isentos de custas, a isenção aplica-se, não havendo no entanto lugar à restituição do que já tiver sido pago a título de custas. 6 - O valor da causa, para efeitos de custas, é sempre fixado de acordo com as regras que vigoravam na data da entrada do processo. 7 - Nos processos em que há lugar ao pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e o mesmo ainda não se tenha tornado exigível, o montante da prestação é fixado nos termos da redacção que é dada ao Regulamento das Custas Processuais pela presente lei, ainda que tal determine um montante diverso do da primeira prestação. 8 - Nos processos em que o pagamento da taxa de justiça devida por cada uma das partes foi regularmente efectuado num único momento não há lugar ao pagamento da segunda prestação da taxa de justiça previsto no n.º 2 do artigo 13.º do Regulamento das Custas Processuais, na redacção que lhe é dada pela presente lei. 9 - Nos processos em que, em virtude da legislação aplicável, houve lugar à dispensa do pagamento prévio da taxa de justiça, essa dispensa mantém-se, sendo o pagamento dos montantes que a parte teria de ter pago caso não estivesse dispensada devidos apenas a final, ainda que a aplicação da redacção que é dada ao Regulamento das Custas Processuais pela presente lei determinasse solução diferente. 10 - Nos processos em que a redacção que é dada ao Regulamento das Custas Processuais pela presente lei passa a prever a dispensa do pagamento prévio da taxa de justiça não há lugar à sua dispensa, excepto se ainda não tiver sido paga a segunda prestação da taxa de justiça, caso em que a dispensa de pagamento prévio se aplica apenas a esta prestação. 11 - Para efeitos de aplicação do Regulamento das Custas Processuais, na redacção que lhe é dada pela presente lei, aos processos iniciados antes de 20 de Abril de 2009, a taxa de justiça inicial é equiparada à primeira prestação da taxa de justiça e a taxa de justiça subsequente é equiparada à segunda prestação da taxa de justiça. 12 - São aplicáveis a todos os processos pendentes as normas do Regulamento das Custas Processuais, na redacção que lhe é dada pela presente lei, respeitantes às custas de parte, incluindo as relativas aos honorários dos mandatários, salvo se a respectiva nota discriminativa e justificativa tiver sido remetida à parte responsável em data anterior à entrada em vigor da presente lei. 13 - Todos os pagamentos decorrentes do regime de custas processuais devem ser efectuados pelos meios previstos no Regulamento das Custas Processuais, na redacção que lhe é dada pela presente lei.» Este artigo consagrou um regime de aplicação da lei no tempo que contém alguns filões interpretativos que deverão iluminar a análise pedida. Assim, há que ter presente que o mesmo consagra a aplicabilidade da lei nova aos processos pendentes; ressalva vantagens adquiridas e pagamentos feitos e declara-se aplicável apenas a actos ulteriores; nas situações em que há melhoria de regime, manifesta-se vocacionado para incidir sobre contextos que não beneficiavam de tais melhorias; para efeitos de custas, refere que o valor da causa é cristalizado na data da instauração da acção. Neste quadro, a Recorrente tem razão quando quer referir que o valor tributário da acção não se altera com a mudança de regimes. O valor da causa para efeitos de custas é correspondente à noção de base tributável vertida no art. 11.º do Regulamento das Custas Processuais. Segundo esta norma, a «base tributável para efeitos de taxa de justiça corresponde ao valor da causa, com os acertos constantes da tabela I, e fixa-se de acordo com as regras previstas na lei do processo respectivo». Ora da tabela I contida na versão de 2009 do apontado Regulamento resultava, efectivamente, que o limite relevante para o efeito de liquidação de custas nas acções previstas no Código de Processo Civil era de 600.000,01 Eur. Tem, assim, que se concluir deste contexto normativo que o apontado regime de definição da aplicação da lei no tempo imobilizou em tal valor o montante relevante para a finalidade de liquidação de custas na presente acção. Faz todo o sentido que assim seja. O legislador optou, desta forma, por manter fixo um dos referentes essenciais da fixação das custas, ganhando assim margem de manobra para intervir nos critérios de liquidação sem atingir limites de perda de proporcionalidade e de agressão da previsibilidade e da confiança do cidadão num sistema jurídico em cujos contornos constrói as suas opções de tutela de direitos. Esta questão surge a montante e como prévia à colocada pelo Ministério Público na sua resposta. É certo que, para solucionar o problema da determinação da regra aplicável, há que conjugar o disposto nos n.ºs 3 e 7 no art. 8.º citado que, com grande clareza, atendem ao tempo da constituição da obrigação de pagamento: o que já foi pago não é alterado; os novos actos praticados têm novo regime «tributário», designadamente quanto a taxas de justiça, encargos, multas ou outras penalidades. É no momento da condenação que se define a obrigação do pagamento de custas. As decisões de fundo proferidas, nas instâncias e no Supremo Tribunal de Justiça, são posteriores à entrada em vigor da referida Lei 7/2012. São os novos critérios de liquidação os aplicáveis. Não emerge da fixação do valor tributário a imobilização de regime no que tange à questão da aplicabilidade da tabela I do Regulamento das Custas Processuais (RCP) vigente em 2009. Porém, o valor de incidência da nova tabela é o congelado pelo mecanismo imobilizador emergente no n.º 6 do art. 8.º do RCP. É positiva a resposta quanto à questão do valor. O valor «tributário» da acção é de 600.000,01 Eur. Não procede, no entanto, o recurso quanto à pretensão de aplicabilidade da antiga tabela. * 2. A aplicação dos valores de taxa de justiça da Tabela I de 2012 na conta final de custas da presente acção viola, de forma desproprocionada e injustificada, o princípio constitucional da protecção da confiança?A resposta à primeira questão proposta torna ociosa a análise da presente já que foi mantido o valor «tributário» da acção com o qual as partes contavam no momento inicial do processo, o que afasta qualquer aumento desproporcional ou que suscite a necessidade de se tutelar a confiança, pelo que não se entrará na sua ponderação de detalhe. * 3. Verificam-se, no caso em apreço, circunstâncias que justificavam a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça ao abrigo do disposto no n.º 7 do art. 6.º do RCP de 2012?Também a resposta a esta questão ficou prejudicada pela solução encontrada quanto à primeira. Acresce que não foram carreados elementos fácticos, a este apenso, que viabilizassem um juízo de subsunção ao regime invocado. * 4. A ausência de um limite máximo imposto ao regime de tributação crescente em função do valor da acção viola o direito de acesso aos tribunais consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa conjugado com o princípio da proporcionalidade decorrente dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, da aludida Constituição?Vale aqui o dito quanto à primeira parte da questão anterior. * III. DECISÃOPelo exposto, julgamos a apelação parcialmente procedente, nos termos sobreditos, e em consequência, revogamos o despacho questionado e declaramos que o valor da acção, para efeitos de custas, é de 600.000,01 Eur, sendo, porém, aplicável na elaboração da conta de custas, a tabela vigente à data da prolação das decisões finais. Custas do recurso na proporção de ¼ pela Apelante e ¾ pela Apelada. * Lisboa, 18 de Setembro de 2014Carlos M. G. de Melo Marinho (Relator) Anabela Moreira de Sá Cesariny Calafate (1.ª Adjunta) Ana de Azeredo Coelho (2.ª Adjunta) |