Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9714/2006-6
Relator: GRANJA DA FONSECA
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
FIADOR
SOLIDARIEDADE
JUROS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/04/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Sumário: 1 – A acção executiva baseia-se, necessariamente, num documento (título) que, nesta espécie de acções, corresponde à causa de pedir. O título executivo constitui, pois, para a acção executiva um pressuposto processual específico desta.
2 – A exequibilidade dos títulos previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 46º do Código de Processo Civil depende da verificação de um requisito formal – serem documentos exarados ou autenticados por notário – e de um requisito substantivo – importarem a constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação.
3 – Ao contrário do que acontece com o mútuo, embora a perfeição do contrato de crédito não dependa de entrega do dinheiro, nada impede que esta se verifique.
4 – O documento dado à execução, apesar de ter sido denominado de contrato de abertura de crédito, não regula obrigações futuras, uma vez que a exequente realizou, de forma integral, a sua obrigação em concomitância com a celebração do contrato, isto porque a quantia objecto do contrato foi imediatamente creditada na conta bancária da devedora, razão pela qual os executados se confessaram devedores da quantia que lhes foi entregue.
5 – Existindo título executivo para a obrigação principal, existe igualmente para a obrigação dos fiadores.
6 – Existindo pluralidade de fiadores, a sua responsabilidade para com o credor e as relações dos confiadores entre si dependerão dos termos em que se obrigaram.
7 – A expressão «conjuntamente» mencionada no n.º 2 do artigo 649º CC não releva no que respeita ao momento em que a obrigação é assumida mas relativamente às condições em que os obrigados o aceitaram ser.
8 – Tal expressão constitui uma das modalidades das obrigações plurais que, para além das obrigações conjuntas, igualmente compreende as obrigações solidárias, sendo que, nas primeiras, cada um dos sujeitos responde apenas por parte do débito, enquanto, nas segundas, o credor pode exigir a prestação integral de qualquer dos devedores.
9 – Tendo-se os fiadores obrigado como principais pagadores, renunciaram ao benefício da excussão, pelo que se equipararam, para com o credor, a um autêntico devedor solidário do afiançado. E, nesta medida, o credor pode exigir ao fiador o cumprimento sem que este lhe possa opor a subsidiaridade da fiança.
10 – Embora o benefício da divisão não careça de ser convencionado, de tal modo que se os fiadores prestarem a fiança conjuntamente [no sentido de ao mesmo tempo], qualquer deles pode invocar o benefício da divisão pois que se presume que se quiseram responsabilizar proporcionalmente ao seu número, nada impede que os diversos confiadores possam convencionar entre si o regime da solidariedade, uma vez que o benefício da divisão não é imposto por razões de interesse e ordem pública.
11 – Tendo-se os fiadores obrigado como principais pagadores, e portanto, renunciado ao benefício da excussão, tal declaração tem como significado que se equiparam, para com o credor, a um autêntico devedor solidário do afiançado. E, nesta medida, o credor pode exigir ao fiador o cumprimento sem que este lhe possa opor a subsidiaridade da fiança.
12 – Apesar dos confiadores se haverem obrigado no mesmo momento e acto, cada um deles tem que responder perante o credor, na qualidade de fiador, pela totalidade do crédito afiançado, uma vez que convencionaram entre si o regime da solidariedade.
13 – Relativamente aos juros, impõe-se ao exequente que no título executivo proceda à liquidação da obrigação, o que se não confunde com as razões ou condições em que a liquidação foi feita.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
1.
E. e mulher I., executados nos autos à margem referenciados em que é exequente a C, vieram deduzir oposição à execução, alegando a inexistência de título executivo, bem como o benefício da divisão em caso de pluralidade de fiadores e a inexigibilidade dos juros reclamados, pedindo que seja admitida a oposição e, em consequência, seja rejeitada a execução por falta de título executivo ou, quando assim se não entenda, declarar-se a inexigibilidade aos ora Opoentes da totalidade da obrigação exequenda.

A exequente contestou, argumentando no sentido da oposição ser julgada totalmente improcedente.

Findos os articulados, e não sendo convocada a audiência preliminar, o Exc. mo Juiz conheceu imediatamente do mérito da causa, dado que o estado do processo permitia, sem necessidade de mais provas, a apreciação dos pedidos deduzidos.

Assim, apreciando as diversas questões suscitadas pelos opoentes, proferiu douto saneador – sentença, julgando totalmente improcedente a oposição deduzida e, em consequência, determinou o prosseguimento da execução nos termos resultantes do requerimento inicial. Mais julgou que os opoentes litigaram de má fé, e como tal, ao abrigo do disposto no artigo 456º, n.º 1 do Código de Processo Civil, condenou-os numa multa de 3 UC.

Inconformados, recorreram os Opoentes, formulando as seguintes conclusões:
Quanto ao titulo executivo:
1ª - No requerimento executivo, a Exequente juntou como titulo executivo uma escritura pública em que se prevê a constituição de obrigações futuras;
2ª - Ora, nos termos do artigo 50º do CPC, esse documento só poderia servir de base à execução desde que acompanhado de documento comprovativo da realização da prestação;
3ª - Sucede porém que a Exequente não juntou esse documento com o requerimento executivo, tendo-o apenas junto com a contestação aos embargos;
4ª - Mas, não sendo a contestação aos embargos complemento do requerimento executivo, tem de se concluir que a execução não pode prosseguir por falta de título executivo;
Quanto ao beneficio da divisão:
5ª - Na sentença recorrida decidiu-se que o facto de os Opoentes se terem obrigado solidariamente perante a credora Exequente exclui o direito de invocarem o benefício da divisão resultante de se terem obrigado conjuntamente com outros oito fiadores;
6ª - Ou seja, faz-se depender o benefício da divisão (relação entre fiadores) da não existência do benefício da excussão (relação entre fiador e devedor perante o credor), sendo certo que essa dependência que existia no Código anterior, desapareceu no actual Código.
7ª - Assim, podendo coexistir, isso significa que há que harmonizá-los quando não haja renúncia simultânea ao benefício da excussão e da divisão;
8ª - Ora, não tendo havido renúncia ao beneficio da divisão, cada fiador é responsável perante o credor proporcionalmente ao número dos co - fiadores (artigo 649º, n.º 2 do Código Civil).
9ª - Logo, é esta a medida da sua obrigação;
10ª - E esta obrigação é que está sujeita ao regime da solidariedade com o devedor;
11ª – Consequentemente, apenas pode ser exigido a cada um dos co - fiadores 1/8 da dívida principal;
Quanto à inexistência dos juros reclamados:
12ª - A Exequente apenas na contestação de embargos veio alegar e juntar os documentos justificativos da liquidação dos juros reclamados na execução;
13ª - Porém, nos termos do artigo 805º, n. os 1 e 2 do CPC, devê-lo-ia ter feito no requerimento executivo, pois não podem os documentos juntos com a contestação aos embargos servir como requerimento e título executivo;
14ª - Seja como for, nunca poderia ter sido cobrada pela Exequente uma sobretaxa de juros de 4% prevista no n.º 2 do artigo 7º do DL 344/78;
15ª – Efectivamente, para que pudesse fazê-lo, teria que ter convencionado os pressupostos de aplicação dessa cláusula penal, fazendo accionar essa taxa nos casos pré - definidos como justificadores da aplicação dessa pena consubstanciada na sobretaxa de 4%;
16ª - E não é apenas em qualquer caso de simples mora que pode ser cobrada a título de cláusula penal uma sobretaxa de 4%;
17ª - Na verdade, isso é proibido pelo n.º 1 do mencionado artigo 7°, que apenas permite às instituições de crédito cobrar, em caso de mora, uma sobretaxa de 2%;
Quanto à má fé:
18ª - A douta sentença recorrida condenou os Opoentes como litigantes de má-fé por violação das normas das alíneas a) e d) do artigo 456º do CPC, sem nunca lhes ter dado a possibilidade de se defenderem dessa imputação;
19ª – A prévia audição dos interessados revela-se no entanto condição indispensável para o exercício do contraditório (artigo 3º, n.º 3 do CPC) indispensável para o exercício cabal do direito de defesa, por forma a evitar a prolação de decisões que constituam uma verdadeira "surpresa", violando o artigo 18º da CRP.
20ª - Assim sendo, nunca os Opoentes poderiam ter sido condenados como litigantes de má-fé;
21ª – Independentemente disso, a condenação como litigantes de má-fé assenta em pressupostos incorrectos;
22ª - Contrariamente ao que consta da douta sentença recorrida, nunca os Opoentes refutaram o que consta do contrato sobre a solidariedade e sobre a cláusula penal;
23ª – Efectivamente, quanto à solidariedade, invocaram-na expressamente no artigo 18º da petição, apenas tendo defendido que não é incompatível com o benefício da divisão;
24ª - Quanto aos juros, apenas puseram em causa a possibilidade de se cobrar uma sobretaxa de 4% sem definir quais os pressupostos de aplicação dessa cláusula;
25ª – Os ora Recorrentes limitaram-se a interpretar juridicamente os factos, ainda que se venha a concluir que erradamente, mas isso não leva à conclusão que haja litigância de má-fé.

A Exequente contra – alegou, defendo a bondade da decisão recorrida.
2.
Com interesse para a decisão da causa, consideram-se os seguintes factos:
1º – A Exequente juntou como título executivo a escritura pública de abertura de crédito em conta corrente com hipoteca e fiança realizada em 29 de Março de 2000 (cfr. fls. 16 a 24 do processo de execução).
2º - Consta do aludido documento que a Exequente/C, SA, concedeu um financiamento à sociedade “A , L. da”, sob a forma de abertura de crédito em conta corrente, até ao montante de 30.000.000$00, importância essa de que a sociedade se confessou desde logo devedora.
3º - Consta do mesmo documento que os executados e ora Opoentes E. e I. declararam em seu próprio nome que se responsabilizavam solidariamente como fiadores e principais pagadores por tudo quanto venha a ser devido à C em consequência do empréstimo supra referido, dando, desde logo, o seu acordo a quaisquer modificações da taxa de juro e bem assim às alterações de prazo ou moratórias que venham a ser convencionadas entre a credora e a parte devedora e aceitando que a estipulação relativa ao extracto de conta e aos documentos de débito seja também aplicável à fiança.
4º - Consta do mesmo documento que, em caso de mora, a C poderá cobrar, sobre o capital exigível e juros correspondentes aos períodos mínimos legalmente previstos, comissões e outros encargos, juros calculados à taxa mais elevada de juros remuneratórios que, em cada um dos dias em que se verificar a mora, estiver em vigor na C para operações activas da mesma natureza (actualmente onze, vírgula, quarenta e cinco por cento ao ano), acrescida de uma sobretaxa até quatro por cento ao ano, a título de cláusula penal (cfr. fls. 137 e 132).
4º - Consta igualmente do mesmo documento a referência feita pelo Notário que o leu em voz alta e o explicou aos outorgantes, na presença simultânea de todos, que o assinaram.
3.
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões dos recorrentes, constata-se que estes se não conformam com a sentença recorrida relativamente a todas as questões que haviam já sido suscitadas na petição inicial, para além da questão nova decorrente da condenação como litigantes de má fé.

Sendo assim, as questões a decidir são as seguintes:
a) – Inexistência de título executivo;
b) – Benefício da divisão em caso de pluralidade de fiadores;
c) – Inexigibilidade dos juros reclamados;
d) – Litigância de má fé.

I – Da inexistência de título executivo:
A acção executiva baseia-se, necessariamente, num documento (título) que, nesta espécie de acções, corresponde à causa de pedir. O título executivo constitui, pois, para a acção executiva um pressuposto processual específico desta (artigos 45º e seguintes do CPC).
Por norma, aponta-se ao título executivo a dupla qualidade de ser condição necessária e suficiente da acção executiva. Assim, por um lado, é condição necessária porque não pode haver acção executiva sem título executivo; por outro lado, é também condição suficiente porque basta a existência de título para promover a execução, sem necessidade de indagação, por meio de acção declarativa, acerca da existência do direito material que se pretende efectivar (1). No entanto, só neste sentido é condição suficiente, porque é necessário que estejam reunidos outros pressupostos processuais e que não ocorram os fundamentos de indeferimento liminar do requerimento inicial, previstos no artigo 811º-A do Código de Processo Civil.
Os documentos que podem servir de títulos executivos estão enumerados no artigo 46º do CPC de um modo taxativo conforme resulta claro pela introdução no proémio do referido preceito do advérbio “apenas”.
Tal como já haviam feito na 1ª instância, sustentam os recorrentes que o contrato dado à execução não é título executivo bastante, porque, tratando-se de um contrato de abertura de crédito, só pode revestir tal natureza, desde que se prove através de outros documentos que a prestação foi realizada pelo credor.

Tal argumentação decorre da consagração prevista no artigo 50º do CPC que regula a exequibilidade dos documentos exarados por notário em que se preveja a constituição de obrigações futuras.
Na verdade, no âmbito do artigo 50º cabe o contrato de abertura de crédito, tipificado, entre outras operações bancárias, no artigo 362º Código Comercial.
Conforme refere Antunes Varela (2), abertura de crédito é o contrato pelo qual uma das partes (o creditante), por via de regra um banco, se obriga a conceder à outra (creditada) crédito até certo limite, em determinadas condições, cabendo à creditada decidir se, quando e em que termos, vai utilizar o benefício posto à sua disposição.
Trata-se de um contrato meramente consensual que se completa com o mero consenso das partes, sem necessidade da entrega de dinheiro ou outra coisa e que pode inclusivamente extinguir-se, sem que o beneficiário do crédito tenha levantado qualquer quantia por conta dele.
A creditada, para além do pagamento das comissões e dos juros convencionados, obriga-se a reembolsar o banco na medida dos montantes de crédito, pelo que, se o banco creditante quiser dar à execução essa obrigação, nela terá de provar, não só o contrato, mas também a prestação pela qual pôs o crédito à disposição do cliente.

Pergunta-se, então, se o título dado à execução é ou não, por si só, susceptível de constituir título executivo ou se, pelo contrário, precisa de ser acompanhado de quaisquer outros meios de prova, seja documento ou outro.
Nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 46º do CPC, podem servir de base à execução os documentos exarados ou autenticados por notário que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação.
Verifica-se, assim, que a exequibilidade destes títulos depende da verificação de um requisito formal – serem documentos exarados ou autenticados por notário – e de um requisito substantivo – importarem a constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação.

O primeiro não vem posto em causa, centrando-se a tese dos opoentes na não verificação do segundo, pois se trata de um contrato de abertura de crédito.
Mas, como muito bem salienta a Recorrida, o equívoco dos Recorrentes nasce aqui. O documento dado à execução, apesar de ter sido denominado de contrato de abertura de crédito, não regula obrigações futuras uma vez que a exequente realizou, de forma integral, a sua obrigação em concomitância com a celebração do contrato, razão pela qual os executados se confessaram devedores da quantia que lhes foi entregue, sendo certo que não foi posta em causa a validade de tal instrumento nem as declarações nele insertas.
Aliás, no próprio registo de hipoteca constituída para garantia do crédito exequendo, se verifica que a mesma se encontra inscrita para garantia de empréstimo e não de quaisquer obrigações futuras.

Portanto, o que é relevante não é saber se estamos perante um contrato de abertura de crédito ou um contrato de mútuo.
O que importa é ler e interpretar o documento junto aos autos, na circunstância o título executivo.
Isto porque, ao contrário do que acontece no mútuo, embora a perfeição do contrato de abertura de crédito não dependa da entrega de dinheiro, nada impede que esta se verifique.

Mais. “A abertura de crédito é simples ou em conta corrente: no primeiro caso, o crédito disponibilizado pode ser usado uma vez; no segundo, o cliente pode sacar diversas vezes sobre o crédito, solvendo as parcelas de que não necessite, numa conta corrente com o banqueiro” (3).
Ora, no contrato junto aos autos, refere-se que “disseram o primeiro e os segundos outorgantes M. e esposa A. que, pelo presente instrumento, a Caixa Geral de Depósitos concede a «A L. da» (adiante designada por parte devedora) um financiamento sob a forma de crédito em conta corrente até ao montante de trinta milhões de escudos, importância de que esta se confessa já devedora”.

Isto porque a quantia objecto do contrato – 30.000.000$00 – foi imediatamente creditada na conta bancária da devedora.
Assim, tendo o capital mutuado sido entregue à mutuária, não faz sentido a diversa jurisprudência citada que se pronunciou sobre a temática dos contratos de abertura de crédito mas relativamente a situações, mais frequentes nesta modalidade contratual, em que não decorre desses contratos a realização imediata de qualquer prestação.
Acresce que os opoentes não alegam qualquer causa que extinga a obrigação corporizada no título no sentido de poderem provar, como lhes competia em sede de oposição, qualquer facto que fosse impeditivo ou extintivo do direito invocado pela exequente, nomeadamente que, ao contrário do que resulta da escritura, a quantia mutuada não foi entregue.
Tal como considerou a sentença, parece não haver qualquer dúvida em considerar que estamos aqui perante um documento exarado por notário que importa reconhecimento de uma obrigação. E existindo título executivo para a obrigação principal, existe igualmente para a obrigação dos fiadores.

Tanto basta para concluir pela existência de título executivo.
É certo que só com a oposição à execução a Apelada juntou aos autos o extracto de saldo bancário comprovativo da utilização pela mutuária do montante mutuado. Todavia tinha um título executivo de reconhecimento da obrigação.
Na verdade, a cláusula 21ª do documento complementar ao contrato de abertura de crédito refere que os documentos de débito emitidos pela exequente “são havidos como documentos suficientes para prova e determinação dos montantes em dívida”.

Como salienta a Exequente, a referida previsão:
a) – visa abranger as situações em que possamos estar perante prestações ou obrigações futuras o que não é o caso presente pois que, na situação que nos ocupa, face à confissão da dívida dos executados, somos remetidos para a alínea b) do artigo 46º, não se aplicando o artigo 50º do CPC;
b) – não atribui qualquer exclusividade a tais documentos no sentido de se aferir quais os montantes em dívida; tão só refere que os mesmos são suficientes para determinar tais valores, o que não significa que outros documentos ou outros meios de prova o não sejam em igual medida.
Assim, a Exequente, em reforço do que já consta do contrato, juntou um extracto de movimentos da conta do empréstimo do qual igualmente se retira que, em 29 de Março de 2000, a conta da sociedade foi creditada em 30.000.000$00.
Aliás, o registo da hipoteca que assegura o ressarcimento do crédito exequendo comprova que a mesma se acha inscrita para garantia de empréstimo e não de quaisquer obrigações futuras.
O que decorre do facto de a quantia ter sido de imediato disponibilizada pela exequente e de os creditados se terem confessado devedores.

Assim, não há a menor dúvida de que a exequente está munida de um título executivo.

II - Benefício da divisão em caso de pluralidade de devedores:
Alegam os Recorrentes que existem outros fiadores e, por isso, invocam o benefício da divisão, nos termos do artigo 649º, n.º 2 do Código Civil, dizendo que estaria vedado à exequente exigir de si a totalidade da dívida exequenda.
Segundo eles, uma vez que os vários fiadores se obrigaram simultaneamente no mesmo título, trata-se de fianças conjuntas, pelo que, concluem, cada fiador é apenas responsável, em princípio, pela parte que garantiu.

Ora bem.
Como é sabido, pode bem suceder que várias pessoas afiancem o devedor pela mesma dívida.

Ora, existindo pluralidade de fiadores, a sua responsabilidade para com o credor e as relações dos confiadores entre si dependerão dos termos em que se obrigaram.

Na escritura que foi junta aos autos, refere-se o seguinte:
“Pelos segundos outorgantes, agora em nome próprio, e pelos terceiros outorgantes mais foi dito que se responsabilizam solidariamente como fiadores e principais pagadores por tudo quanto venha a ser devido à Caixa em consequência do contrato aqui titulado (...)”.

A questão levantada pelos opoentes decorre do facto de existir uma pluralidade de fiadores, realidade que nos remete para o regime do artigo 649º e seguintes do Código Civil, sendo que o n.º 2 desse artigo admite a possibilidade de os confiadores se obrigarem conjuntamente em momentos diferentes (4).
Donde, como assinala a exequente, a expressão conjuntamente não releva no que respeita ao momento em que a obrigação é assumida mas relativamente às condições em que os obrigados o aceitaram ser.
Tal expressão constitui uma das modalidades das obrigações plurais que, para além das obrigações conjuntas, igualmente compreende as obrigações solidárias, sendo que, nas primeiras, cada um dos sujeitos responde apenas por uma parte do débito, enquanto nas segundas, o credor pode exigir a prestação integral de qualquer dos devedores (5).

Sustentam, de seguida, os opoentes que o regime da solidariedade apenas afasta o benefício da excussão face ao devedor, mas não o benefício da divisão relativamente aos confiadores.
Esta interpretação não tem, salvo o devido respeito, qualquer suporte legal, manifestando uma inversão daquilo que os opoentes aceitam e que foi convencionalmente fixado, ou seja, o regime da solidariedade.
Donde, considerando que os fiadores se obrigaram como principais pagadores e, portanto, renunciaram ao benefício da excussão, tal declaração tem como significado que se equiparam, para com o credor, a um autêntico devedor solidário do afiançado. E, nesta medida, o credor pode exigir ao fiador o cumprimento sem que este lhe possa opor a subsidiaridade da fiança.
Argumentam os recorrentes que o benefício da divisão não carece de ser convencionado: ele resulta do n.º 2 do artigo 649º do Código Civil, pelo que se os fiadores prestarem a fiança conjuntamente [no sentido de ao mesmo tempo], qualquer deles pode invocar o benefício da divisão pois que se presume que se quiseram responsabilizar proporcionalmente ao seu número.
Este argumento não é porém irrefutável. Basta ter em consideração que o benefício da divisão não é imposto por razões de interesse e ordem pública, podendo, portanto, estipular-se livremente a solidariedade, nos termos gerais.
Ora, no caso dos autos, já na perspectiva da fixação da responsabilidade dos confiadores perante o credor, ficou demonstrado que, apesar dos oito confiadores se haverem obrigado no mesmo momento e acto, o certo é que convencionaram entre si o regime da solidariedade, pelo que cada um deles tem que responder, na qualidade de fiador, pela totalidade do crédito afiançado, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 512º do Código Civil.

III – Da inexigibilidade dos juros reclamados:
Relativamente aos juros, alegam os Recorrentes que a Exequente apenas na contestação de embargos veio alegar e juntar os documentos justificativos da liquidação de juros reclamados na execução, quando, nos termos do artigo 805º, devê-lo-ia ter feito no requerimento executivo, pois não podem os documentos juntos com a contestação aos embargos servir como requerimento executivo.
Salvo o devido respeito, não assiste razão aos Recorrentes, dada a premissa errada de que partem para retirar a aludida conclusão.
Assim não seria, se tivessem distinguido entre liquidação da obrigação e as razões ou condições pelas quais a liquidação foi feita daquela forma.

O que a exequente teria que fazer no requerimento executivo era a liquidação e essa foi feita. As razões ou condições em que a liquidação foi feita apenas foram apresentadas face à oposição deduzida pelos recorrentes.
Questionam seguidamente que a Exequente pudesse cobrar uma sobretaxa de juros de 4% prevista no n.º 2 do artigo 7º do DL 344/78, uma vez que não foram convencionados os pressupostos de aplicação dessa cláusula penal e não é apenas em qualquer caso de simples mora que pode ser cobrada a título de cláusula penal uma sobretaxa de 4%, quando isso é proibido pelo n.º 1 do mencionado artigo 7º, que apenas permite às instituições de crédito cobrar, em caso de mora, uma sobretaxa de 2%.
Também aqui não assiste razão aos Recorrentes, na medida em o comportamento susceptível de justificar a aplicação da cláusula penal é, precisamente, a mora.

Estabelece a alínea b) do n.º 1 do artigo 7º do DL n.º 344/78, de 17 de Novembro, na redacção dada pelo DL 83/86, de 6 de Maio, que, em caso de mora do devedor, as instituições de crédito podem cobrar uma sobretaxa de 2% que acresce à taxa de juro máxima permitida para as operações de crédito activas de prazo igual àquele por que durar a mora, sendo que, no n.º 2 do mesmo preceito, se prevê que a cláusula penal devida em virtude da mora não pode exceder quatro pontos percentuais acima das taxas de juro compensatórios referidos no n.º anterior.
Donde, articulando estes dois preceitos legais é possível concluir que, verificada a mora e tendo a Recorrida optado por cobrar os juros compensatórios previstos na alínea b) do n.º 1, poderia cobrar a taxa mais elevada de juros remuneratórios que se encontram em vigor na Caixa para operações activas da mesma natureza – cujo valor era e continua a ser de 11,45% ao ano – acrescida de uma sobretaxa de 4% a título de cláusula penal.

Por esta razão, face ao disposto no artigo 7º do DL 344/78, de 17 de Novembro, na redacção dada pelo DL n.º 83/86, de 6 de Maio, as instituições de crédito podem cobrar juros de mora ou accionar a cláusula penal, caso a mesma tenha sido convencionada.
Ora, in casu, não restam dúvidas de que foi convencionada cláusula penal e que o montante cobrado se acha dentro do limite previsto no n.º 2 do indicado normativo legal (cfr. alínea b) a fls. 2 do título dado à execução e cláusula 17ª do respectivo documento complementar).
Assim, nada obsta a que a recorrida pudesse ter cobrado, a título de cláusula penal, a sobretaxa de 4%.

IV – Da litigância de má fé:
É certo que a douta sentença recorrida condenou os Opoentes como litigantes de má fé por violação das normas ínsitas nas alíneas a) e d) do artigo 456º do CPC, sem nunca lhes ter dado a possibilidade de se defenderem dessa imputação.
A prévia audição dos interessados revela-se no entanto condição indispensável para o exercício do contraditório (artigo 3º, n.º 3, do CPC), imprescindível para o cabal direito de defesa, por forma a evitar a prolação de decisões que constituam uma verdadeira surpresa.
A interpretação dada às aludidas normas, que serviram de fundamento à condenação dos Opoentes, sem prévia audição dos interessados, é manifestamente inconstitucional, por violação do artigo 18º da Constituição.
Com efeito, semelhante interpretação priva por completo o interessado de poder apresentar perante o tribunal qualquer tipo de defesa, acabando por ser confrontado com uma decisão condenatória cujos fundamentos de facto e de direito não teve oportunidade de contraditar.

Ora, tendo, no caso sub judice, sido omitida a necessária audição prévia dos interessados, estamos perante uma omissão que pode ser reconduzida ao artigo 201º do CPC, anulando-se, consequentemente, o segmento da sentença em que os Recorrentes foram condenados como litigantes de má fé.
Quanto a este segmento da decisão, a Recorrida não lhe deu causa e, a nível de recurso, acolheu a argumentação dos Recorrentes.
4.
Pelo exposto, concedendo parcial provimento ao agravo, anula-se o segmento da decisão que condenou os Recorrentes como litigantes de má fé.
Custas pelos Recorrentes, tendo em conta o seu decaimento.

Lisboa, 4 de Dezembro de 2006
Granja da Fonseca
Pereira Rodrigues
Fernanda Isabel Pereira
___________________________
1 Anselmo de Castro, A acção executiva, singular, comum e especial, 1970, 14.
2 Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 114, páginas 115 e 116,
3 Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, 539
4 Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7ª edição, 504.
5 Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5ª edição, 536 e 538.