Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4638/08.0TCLRS.L1-7
Relator: MARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Descritores: NULIDADE
SENTENÇA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/01/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDÊNCIA
Sumário: A nulidade prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 668º do CPC, segundo a qual a sentença é nula quando os fundamentos estejam em manifesta oposição com a decisão, sanciona o vício de contradição formal entre os fundamentos de facto ou de direito e o segmento decisório da sentença.
Constituindo a sentença um silogismo lógico-jurídico, de tal forma que a decisão seja a conclusão lógica dos factos apurados, aquela nulidade só se verifica quando das premissas de facto e de direito se extrair uma consequência oposta à que logicamente se deveria ter extraído.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
1. DC intentou contra MN e mulher, FN, a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, pedindo a condenação destes no pagamento de EUR 10.000,00, a título de indemnização por danos sofridos na sequência de uma agressão por um cão, pertencente aos réus.
2. A acção foi contestada. Em reconvenção, os réus pediram a condenação da autora a pagar-lhes EUR 8.500,00, a título de indemnização por alegados danos. Requereram ainda a condenação da autora, como litigante de má fé.
3. Na resposta, além do mais, a autora pediu a condenação dos réus como litigantes de má fé.
4. Por despacho de fls. 121, foi rejeitada a reconvenção.
5. Realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e:
a) Condenou os réus a pagar à autora:
- EUR 3.000,00, a título de danos não patrimoniais;
- EUR 478,46 a título de danos patrimoniais, na vertente de danos emergentes;
- EUR 1.000,00, a título de danos patrimoniais futuros;
- Juros de mora sobre a quantia de EUR 4.478,46, calculados à taxa legal de 4%, vencidos desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
b) Condenou os réus, como litigantes de má fé, no pagamento da multa de EUR 1.000,00.
c) Absolveu a autora do pedido de condenação como litigante de má fé.
6. Inconformados, apelam os réus, os quais, em conclusão, dizem:
A sentença está ferida da nulidade prevista no art. 668º, nº1, al. c), do CPC, porquanto os fundamentos estão em oposição com a decisão.
Isto porque, o Tribunal a quo deu por assente que “as dores, as lesões físicas, os incómodos, o medo, o pânico, a incapacidade temporária total para o exercício da profissão pelo período de 3 dias e a perda total de sensibilidade no dedo da mão esquerda sofridos pela Autora são merecedores de tutela.”
Na mesma decisão foi, porém, entendido que “não resultou demonstrado que a escrita da Autora, por força da agressão do cão dos ora Recorrentes, tenha passado a sofrer de algumas limitações, ou que a falta de sensibilidade no dedo da mão esquerda limite diariamente a Autora na realização das suas tarefas quotidianas.”
7. Nas contra alegações, pugna-se pela manutenção da sentença recorrida.
8. Cumpre apreciar e decidir se a sentença enferma, ou não, da nulidade invocada.
9. Está provado que:
1º - Em … 2007, a autora passeava a sua cadela “K…”, de raça “Cocker”, junto ao muro de sua casa.
2º - Quando subitamente vê um cão corpulento, da raça “Pit Bull”, de busto grande e pelo riscado cinzento, a correr pela rua abaixo.
3º - A autora, ao aperceber-se de que o cão vinha na direcção da sua cadela com o intuito de a morder, tentou automaticamente colocá-la no interior de sua casa, mas sem sucesso.
4º - Assim o “Pit Bull”, sem motivo ou justificação, atacou a cadela da autora, desferindo vários golpes na cabeça e corpo.
5º, 6º e 7º – Com o intuito de a proteger, a autora tentou soltar a sua cadela da trela, mas, ao fazê-lo, o referido “Pit Bull” mordeu a mão esquerda da autora e projectou-a para o chão.
8º - Em consequência, a autora ficou com vários hematomas na mão esquerda, braço, pernas e corpo em geral.
9º - O cão “Pit Bull” voltou a morder a cadela, causando-lhe várias escoriações no pavilhão auricular esquerdo, conforme documento junto à petição inicial sob o n.º 1.
10º - A autora, aterrorizada, gritava insistentemente por ajuda, tendo então aparecido os pais da autora que lhe deram auxílio para fugir para dentro de sua casa.
11º - O cão continuava a rosnar e ladrar junto do portão com o intuito de continuar a atacar.
12º - O marido da autora tentou esclarecer a quem pertencia o referido cão, até que um vizinho o identificou.
13º - Nesta conformidade, o marido da autora e o referido vizinho  decidiram procurar os donos do “Pit Bull” junto da casa dos réus.
14º - Pelo que a primeira pessoa a ser efectivamente abordada foi a nora dos réus, que, ao ser confrontada com esta situação, chamou a ré (que se encontrava dentro de casa) e disse: “ O “T…” já fez estragos !!!”
15º - Os donos do “Pit Bull”, os réus acima identificados, quando confrontados pelo marido da autora, tentaram ainda ocultar que eram os proprietários do cão, sem assumir desta forma as suas responsabilidades.
16º - Mesmo confrontados com a contradição das declarações prestadas por eles próprios e pela sua nora, os réus mantiveram a sua posição de negação.
17º - Entretanto, foi chamado ao local o “INEM” para assistir a autora, que acabou por ser transportada para o hospital, tendo dado entrada nas urgências do Hospital “CC” no referido dia 10 de Julho de 2007, conforme documento junto à petição inicial sob o n.º 2, e que se dá por reproduzido.
18º - Posteriormente, avisada pelo “INEM” para a situação, a Polícia deslocou-se a casa dos proprietários do cão, e o réu continua a ocultar que era proprietário do animal.
19º - Entretanto, o referido cão “Pit Bull” aparece, e o réu assume a propriedade do cão e declara que o mesmo se encontra vacinado nos termos da lei.
20º - Acabando por afirmar que tinha constatado que uma amiga da família tinha aberto o portão de sua casa, e que o seu cão “T…”, o referido “Pit Bull”, havia fugido de casa.
21º - Em virtude da agressão descrita, a autora sofreu hematomas vários pelo corpo e uma lesão no dedo indicador da mão esquerda, concretamente, uma lesão parcial do ramo sensitivo do nervo mediano esquerdo, no segmento punho – dedo II, conforme documentos juntos à petição inicial sob os nºs. 3 e 13, que se dão por reproduzidos.
22º - Tal lesão provocou a necessidade de tratamento anti-rábico em virtude da mordidela do canídeo, conforme notificação da PSP de 11 de Julho de 2007, junta à petição inicial sob o n.º 4, que se dá por reproduzida.
23º - Tratamento que foi efectuado por vacina administrada na mesma data de … 2007, no Instituto Bacteriológico CP, conforme documentos juntos à petição inicial sob os nºs 5 e 6, que se dão por reproduzidos.
24º - A autora submeteu-se, de acordo com as instruções do Hospital “CC”, ao tratamento medicamentoso prescrito, conforme documento junto à petição inicial sob o n.º 8, que se dá por reproduzido.
25º - E nesse período, a autora esteve incapaz temporariamente para o trabalho, pelo período de três dias, conforme documento junto à petição inicial sob o n.º 9, que se dá por reproduzido.
26º - O tempo foi passando e a autora continuava sem sensibilidade no dedo, “(…) prevendo-se 6 meses a um ano de recuperação, não sendo certa a regressão completa da lesão referida…”, conforme o já referido documento n.º 3.
27º - Por causa dos factos supra referidos, a autora submeteu-se a três consultas médias da especialidade de ortopedia, conforme documentos juntos à petição inicial sob os nºs. 10 a 12, que se dão por reproduzidos.
28º - Actualmente, a autora permanece sem a sensibilidade total no referido dedo.
29º - A autora é ajudante técnica de farmácia no laboratório militar, conforme documento junto à petição inicial sob o n.º 14, que se dá por reproduzido.
30º - E, por causa da lesão supra referida, ficou limitada no exercício das suas funções.
31º - Em virtude das lesões descritas, a autora ainda hoje desconhece se recuperará da lesão sofrida.
32º - Tal como a sua cadela, que teve de receber tratamentos médicos veterinários no Hospital Veterinário E, tendo-lhe sido colocados vários agrafos no pavilhão auricular esquerdo, conforme o já referido documento n.º 1 junto com a petição inicial.
33º - A autora, em virtude das lesões, sofreu dores e incómodos.
34º No momento em que foi atacada pelo “Pit Bull”, a autora teve medo e pânico quando se apercebeu o que ia ocorrer.
35º - Quando foi atacada, sentiu uma forte dor.
36º - Dores, incómodos e medos cuja memória ainda hoje a incomodam.
37º - A autora também sofreu ao ver a sua cadela a ser atacada, arrepiando-se só de pensar na sua orelha esfarrapada e nos seus ganidos no momento da colocação dos agrafos.
38º - Por causa dos factos supra referidos, a autora gastou as seguintes quantias, conforme documentos juntos à petição inicial sob os nºs. 2, 10, 11, 12, 15 a 26:
Despesas     Data       Valor
Hospital CC - urgência …-2007 € 8,75
Farmácia …-2007 € 5,97
Consulta no Centro de Saúde 11-07-2007 € 2,10
Boletim de Vacinas 11-07-2007 € 1,25
Exames …-2007 € 3,70
Parquímetro …-2007 € 0,75
Abastecimento de Gasolina …-2007 € 30,03
Farmácia …-2007 € 11,36
CTT …-2007 € 2,57
Consulta …-2007 € 3,99
Consulta …-2007 € 3,99
Exames …-2007 € 5,29
Electromiograma …-2007 € 130,00
Parquímetro …-2007 € 2,00
Consulta …-2007 € 3,99
Táxi - € 12,85
Total - € 228,59
39º - E ainda gastou, relativamente à cadela “K…”, as seguintes quantias, conforme documentos juntos com a petição inicial sob os nºs. 27 a 32, que se dão por reproduzidos:
Despesas Data Valor
Consulta no Hospital Veterinário …-2007 € 83,10
Colar …-2007 € 6,30
Consulta no Hospital Veterinário …-2007 € 116,22
Abastecimento de gasolina …-2007 € 15,00
Parquímetro …-2007 € 1,00
Total - € 221,62
10. Da nulidade da sentença
A nulidade prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 668º do CPC, segundo a qual a sentença é nula quando os fundamentos estejam em manifesta oposição com a decisão, sanciona o vício de contradição formal entre os fundamentos de facto ou de direito e o segmento decisório da sentença.
Como se sabe, a sentença deve conter os fundamentos, devendo o Juíz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes (art. 659º, nº2, do CPC).
Ora, constituindo a sentença um silogismo lógico-jurídico, de tal forma que a decisão seja a conclusão lógica dos factos apurados, aquela nulidade – como tem sido unanimemente afirmado na doutrina e na jurisprudência – só se verifica quando das premissas de facto e de direito se extrair uma consequência oposta à que logicamente se deveria ter extraído.
Nesta conformidade, importa ter presente que não ocorre a nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão se o julgador errou na subsunção que fez dos factos à norma jurídica aplicável ou se, porventura, errou na indagação de tal norma ou na sua interpretação.
Vejamos, então, o caso dos autos.
Em sede de fundamentação de direito, e para justificar a atribuição de indemnização por danos não patrimoniais e fixar o seu quantum, o Juíz a quo argumentou que “as dores, as lesões físicas, os incómodos, o medo, o pânico, a incapacidade temporária total para o exercício da profissão pelo período de 3 dias e a perda total de sensibilidade no dedo da mão esquerda, sofridos pela autora são merecedores de tutela.”
No mesmo âmbito, mas agora no que respeita aos danos futuros, o Juíz a quo relevou o facto de ter resultado provado que “a autora sofreu perda total da sensibilidade do dedo da mão esquerda e ficou limitada no exercício das suas funções[1]” (cf. factos provados nºs 21º, 26º, 28º e 29º), muito embora não tenha resultado demonstrado que “a escrita da autora, por força da agressão do cão dos réus, tenha passado a sofrer de algumas limitações, ou que a falta de sensibilidade no dedo da mão esquerda limite diariamente a autora na realização das suas tarefas quotidianas.”
Sendo estes os segmentos invocados para fundar a arguição da nulidade, cremos não haver quaisquer dúvidas sobre a inexistência de uma relação de exclusão formal entre a fundamentação de facto e/ou de direito e o dispositivo da decisão recorrida.
Improcede, pois, a arguida nulidade.
11. Nestes termos, negando provimento ao recurso, acorda-se em confirmar a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.
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01 de Outubro  de 2013
Maria do Rosário Morgado
Rosa maria Ribeiro Coelho.
Maria Amélia Ribeiro

[1] Trata-se das funções que desempenha na sua profissão, como ajudante técnica de farmácia no laboratório militar – cf. 29º e 30º dos factos provados.