Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ AUGUSTO RAMOS | ||
Descritores: | ILEGITIMIDADE EXCEPÇÃO DILATÓRIA LEGITIMIDADE ACTIVA CONTRATO DE ARRENDAMENTO FRACÇÃO AUTÓNOMA PROPRIEDADE HORIZONTAL PARTE COMUM | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 12/15/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | I - Resulta do art. 26.º do CPC que o autor é parte legítima quando tem interesse em demandar, sendo que este se exprime pela utilidade derivada da procedência da acção, atendendo-se, na falta de critério legal, à relação controvertida, tal como ela é configurada pelo autor II - Sendo a coisa arrendada uma fracção de um edifício em propriedade horizontal pode suceder que as obras necessárias para assegurar ao arrendatário o gozo da fracção que lhe está arrendada, por um dos condóminos, devam ser feitas numa parte comum, sendo que a realização dessas obras constitui, nos termos do art. 1424.º, n.º 1, do CC, uma obrigação da universalidade dos condóminos. III - A autora/arrendatária é parte legítima na acção por si intentada contra a administração do condomínio em que peticiona a realização de obras nas partes comuns; questão diversa é a de apurar se a autora, como inquilina de fracção autónoma de edifício constituído em propriedade horizontal e tendo como senhorio um dos condóminos, tem direito a exigir do condomínio obras nessas mesmas partes comuns: mas esta questão refere-se à legitimidade substantiva da autora (no confronto com a ré), reportando-se, por isso, ao mérito da causa e à procedência ou improcedência do pedido. | ||
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Decisão Texto Integral: | I- Relatório Reparadora A, Lda., intenta esta acção, com processo ordinário, contra Administração do Condomínio do Prédio sito na Avenida M..., n.º , Lisboa, pedindo seja condenada: - a realizar as obras no terraço do prédio sito na Avenida M...n.º ., em Lisboa, substituindo a tela de cobertura e caleiras por uma mais resistente de modo a evitar que a fracção de que é arrendatária seja prejudicada com inundações, infiltrações e humidades provindas do terraço em consequência das chuvas, pêlos e dejectos de cães; - a pagar-lhe a quantia de € 38.500,00 de obras que efectuou por falta de impermeabilização do terraço e sua degradação; - a pagar-lhe a quantia de € 8.620,00 necessária para a realização de novas obras de reparação na sua oficina por a Ré não ter procedido, como inúmeras vezes solicitado, às reparações a que estava obrigada no terraço que constitui parte comum do edifício; - a pagar-lhe as referidas quantias acrescidas de juros à taxa legal desde a data da acção até integral pagamento. Para o efeito, em síntese, alegou: - o prédio atrás identificado foi constituído em propriedade horizontal; - está-lhe arrendada fracção de que é proprietário B; - apesar das diversas chamadas de atenção quer ao administrador do condomínio, quer a todos os condóminos individualmente, por escrito, pelo seu senhorio, também seu sócio gerente, continua em total degradação a tela que está no terraço que cobre a fracção arrendada e nas caleiras; - cada vez que chove a fracção arrendada pela Autora, apesar das obras que mandou efectuar e lhe custaram € 38.500,00, continua a ser inundada pelas águas, pêlos e dejectos de cães, dado que não é feita a reparação do terraço; - solicitou orçamento para reparação das infiltrações que, posteriormente às obras efectuadas em Fevereiro de 2007, já acontecem por todo o lado; - a firma que efectuou as obras anteriores apresentou orçamento no valor de € 8.620,00 para a obra a efectuar, mas referiu não aconselhar nem garantir a execução do trabalho sem o terraço de cobertura estar devidamente impermeabilizado; - o terraço de cobertura é propriedade de todos os condóminos. A Ré na contestação, alegando, nomeadamente, a ilegitimidade substantiva da Autora para demandar dado não ser proprietária da fracção, concluiu pela sua absolvição do pedido. O Autor replicou. Seguiu-se despacho em que se decidiu considerar a Autora parte ilegítima e absolver a Ré da instância. Para tanto, essencialmente, ponderou-se que não existe qualquer relação jurídica entre a Autora, como arrendatária, e o Condomínio, que não é a Autora, mas o senhorio, proprietário da fracção, quem tem interesse na reparação do terraço para que cessem as infiltrações na sua fracção. A Autora interpôs recurso de apelação, para tanto apresentando a sua alegação com as seguintes conclusões: 1ª- A apelante é arrendatária de uma fracção autónoma em prédio constituído em propriedade horizontal na qual tem prejuízos sérios e de montantes elevados em consequência de infiltrações resultantes de um terraço de cobertura, parte comum do mesmo prédio; 2ª- Tratando-se de uma parte comum não tem a apelante, ao contrário do que foi decidido na douta sentença recorrida, legitimidade para interpor acção judicial contra o senhorio porquanto este é pare ilegítima para ser demandado a fazer obras nas partes comuns, sem a comparticipação dos restantes condóminos (Acórdãos do S.T.J. de 13/01/2004 - CJ/STJ 2004-1º - 17 e de 10/01/2006, proc. 05A3241, Nuno Cameira, www.dgsi.pt); 3ª- A Ré foi por diversas vezes informada da situação que estava a ser criada à apelante, pelo senhorio desta, sem que de algum modo se dispusesse a proceder às reparações necessárias e indispensáveis no terraço de cobertura do prédio, agindo com dolo, ou pelo menos com negligência grosseira; 4ª-Tal actuação preenche os requisitos exigidos pelo artigo 483º do Código Civil pelo que a apelada está obrigada a indemnizar a apelante pelos prejuízos já pagos no montante de € 38.500,00 e nos que ainda tem que efectuar e cujo orçamento é de € 8.620,00; 5ª- A apelante é titular do interesse relevante da presente causa tal como está sustentado na causa de pedir, tendo, por isso, legitimidade activa para demandar o Réu (artigo 26º, n.º 1 do C.P.C.); 6ª- Todos os elementos constantes dos autos impunham uma sentença diferente da que foi produzida, quer face ao direito, quer face à jurisprudência, pelo que a mesma, nos termos da alínea c), do n.º 1, do artigo 668º do C.P.C. deverá ser anulada. Termos em que pede a anulação da sentença para ser substituda por outra que considere a apelante como parte legítima para a interposição da acção. Nas contra-alegações entende a recorrida dever ser mantida a decisão. Como resulta do disposto nos artigos 684º, n.º 3, e 690º, n.º 1, do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as conclusões da alegação do recorrente servem para colocar as questões que devem ser conhecidas no recurso e assim delimitam o seu âmbito. Perante as conclusões da alegação da recorrente a questão em recurso consiste em apreciar se a sua ilegitimidade se justifica. II- Fundamentação As excepções dilatórias, como resulta do disposto nos artigos 510º, n.ºs 1, al. a), e 4, e 660º, n.º 1, do Código de Processo Civil, devem ser conhecidas no despacho saneador ou na sentença quando, por falta de elementos, o seu conhecimento tenha sido relegado para esse momento. A ilegitimidade, visto o disposto nos artigos 288º, n.º 1, al. d), 493º, n.º 2, 494º, al. e), e 495º do Código de Processo Civil, constitui precisamente uma excepção dilatória, de conhecimento oficioso, que obsta ao conhecimento do mérito da causa e determina a absolvição da instância. Resulta do artigo 26º do Código de Processo Civil que o autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar; este interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção; nada indicando a lei em contrário, o titular do interesse relevante, como autor, para o efeito da legitimidade é o sujeito, do lado activo, da relação controvertida tal como é configurada pelo autor. A Autora apresenta-se como arrendatária de uma fracção autónoma de prédio constituído em propriedade horizontal. Invoca a violação do seu direito de arrendamento, ocorrem na fracção que tem arrendada inundação de águas, infiltrações, pêlos e dejectos de cães, sempre que chove devido às deficiências existentes numa parte comum do prédio, a total degradação da tela que está no terraço que cobre a fracção arrendada e nas caleiras. Segundo alega, por causa destas ocorrência já fez obras que lhe custaram € 38.500,00 e terá que fazer obras que lhe irão custar € 8.620,00. Pede a realização de obras no terraço, para evitar que a fracção de que é arrendatária seja prejudicada com inundações, infiltrações e humidades provindas do terraço em consequência das chuvas, pêlos e dejectos de cães, a quantia de € 38.500,00, para pagamento das obras que efectuou por falta de impermeabilização do terraço e sua degradação, e a quantia de € 8.620,00 para a realização de novas obras de reparação. Visto o disposto nos artigos 1022º e 1023º do Código Civil o arrendatário tem o gozo, ainda que temporário, da coisa locada. O artigo 1031º, n.º 1, al. a b), do Código Civil, determina que é obrigação do locador assegurar ao locatário o gozo da coisa locada para os fins a que a coisa se destina. Essa obrigação, face ao disposto no artigo 1036º, n.º 1, do Código Civil, pode implicar que o senhorio deva fazer reparações na coisa locada. Aliás, actualmente e naturalmente para cabal cumprimento dessa obrigação, o artigo 1074º, n.º 1, do Código Civil, estabelece caber ao senhorio executar todas as obras de conservação, ordinárias ou extraordinárias, requeridas pelas leis vigentes ou pelo fim do contrato, salvo estipulação em contrário. Sendo a coisa arrendada uma fracção de um edifício em propriedade horizontal, pode suceder que as obras necessárias para assegurar ao arrendatário o gozo da fracção que lhe está arrendada por um dos condóminos devam ser feita numa parte comum. Salvo disposição em contrário, determina o artigo 1424º, n.º 1, do Código Civil, que a realização dessas obras constitui obrigação da universalidade dos condóminos. Neste caso não pode o senhorio condómino fazer obras nessa parte comum,[1] o senhorio de fracção arrendada não pode ser compelido a fazer obras em partes comuns do prédio sem a comparticipação dos demais condóminos[2]. A Autora, como inquilina, tem direito ao gozo da fracção que lhe foi arrendada e esse direito compreende, por sua vez, o direito às obras necessárias para que a fracção assegure o gozo para que foi contratado o seu arrendamento. O interesse da Autora no processo deriva, precisamente, deste ter por objecto a realização dessas obras que, a proceder a acção, lhe serão evidentemente úteis por lhe permitirem o adequado exercício do seu direito de gozo, tem ainda naturalmente interesse em ser ressarcida dos gastos que suportou e suportará por falta de cumprimento da obrigação de conservação da parte comum. A Autora afirma-se como titular, do lado activo, de uma relação jurídica em que, devendo as obras ser efectuadas na parte comum do edifício constituído em propriedade horizontal, no outro pólo, como sujeito da respectiva obrigação e das consequências do seu incumprimento, colocou a Ré. Deste modo outra conclusão não pode se pode tirar senão a da legitimidade processual da Autora. Outra questão será apurar se a Autora, como inquilina de fracção autónoma de edifício constituído em propriedade horizontal e tendo como senhorio um dos condóminos, tem direito a exigir do condomínio obras em parte comum, mas esta questão, a da legitimidade substantiva da Autora no confronto da Ré, pertence ao fundo, ao mérito da causa, à discussão sobre a procedência ou improcedência da pretensão formulada na acção. Sumariando, a Autora está dotada de interesse directo em demandar e, consequentemente, não pode ser havida senão como parte legítima. III – Decisão Pelo exposto decidem dar provimento ao recurso e, consequentemente, revogam a decisão recorrida. Custas pela recorrida: artigo 446º, n.º 1, do Código do Processo Civil Processado em computador. Lisboa, 15 de Dezembro de 2009 José Augusto Ramos João Aveiro Pereira Rui Moura ---------------------------------------------------------------------------------------- [1]Vd. Ac. S.T.J., de 13/1/2004, C.J. 2004, I, 17. [2]Vd. Ac. S.T.J., de 10/1/20069, processo n.º 05A3241, www.dgs.pt. |