Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6028/2007-1
Relator: MARIA JOSÉ SIMÕES
Descritores: REGIÃO AUTÓNOMA
HABITAÇÃO
REABILITAÇÃO
REGISTO PREDIAL
INALIENABILIDADE
RETROACTIVIDADE DA LEI
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/18/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I. Da interpretação do artº 16º do Decreto Legislativo Regional nº 15-A/98 de 25/09, na sua redacção original, extrai-se que sempre que se tenha a dupla qualidade de proprietários do imóvel e de candidatos ao recebimento de apoio à reabilitação de habitação própria, não prevê a lei qualquer período de inalienabilidade relativamente aos mesmos.
II. Porém tal diploma veio a ser alterado com a publicação do Dec. Legislativo Regional nº 8/2003/A de 12 de Março, onde se prevê no seu artº 16º que os beneficiários do apoio estão obrigados a habitar permanentemente a habitação própria durante os 8 anos subsequentes à conclusão das obras.
III. Quem não tenha permanecido na habitação objecto do apoio concedido e não tendo requerido o levantamento do tal ónus de inalienabilidade, mediante o reembolso dos valores da comparticipação a fundo perdido já entregues, para poderem alienar livremente a habitação (artº 17º nº 1 do Dec. Leg. Reg. Nº 8/2003/A de 12/03), está obrigado ao reembolso à Região da comparticipação concedida e das respectivas bonificações.
IV. Tendo a comparticipação a fundo perdido sido concedida aos RR em 11/05/2000, no âmbito do Dec. Leg. Reg. Nº 15-A/98/A de 25/09, a obrigatoriedade do registo do ónus de inalienabilidade do imóvel por parte da Região Autónoma dos Açores não existe, porque, por um lado, tal diploma legal apenas previa a obrigatoriedade de registo do ónus de inalienabilidade de 8 anos, relativamente aos arrendatários ou comodatários que tivessem recorrido às comparticipações a fundo perdido e/ou bonificação de juros, excluindo claramente os proprietários (artº 16º) e por outro, porque o diploma que veio colmatar as desigualdades existentes entre arrendatários, comodatários e proprietários, quanto ao prazo de inalienabilidade – Dec. Leg. Reg. Nº 8/2003/A de 12/03 – apenas entrou em vigor no dia 13/03/2003 (artº 3º), quase três anos após a concessão da comparticipação aos RR e, por isso, não é aplicável à data da concessão da comparticipação de apoio.
V. A concessão de apoios a fundo perdido para reabilitação de habitação própria, constitui um mero acto administrativo dependente única e exclusivamente da entidade concessionária e não um qualquer contrato.
MJS
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa
I – RELATÓRIO
O Ministério Público, em representação da Região Autónoma dos Açores (Secretaria Regional da Habitação e Equipamentos) instaurou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário contra A e R peticionando que estes sejam condenados a pagar-lhe a quantia de € 29.857,92, acrescida de juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento.
Para fundamentar a sua pretensão, alegou, em síntese, que no âmbito do programa de apoio à reabilitação de casa própria, a Região Autónoma concedeu aos ora réus apoio no valor de Esc. 5.985.976$00, no decurso dos anos de 2000 e 2001, de um total deferido de Esc. 11.957.929$00. Sustentou ainda que os réus não usaram a habitação, tendo-a vendido em 2004, o que determina o dever de devolução ao Estado do apoio concedido.

Regularmente citados, apenas o réu A apresentou contestação, na qual, pese embora reconhecendo a factualidade alegada pela autora, refere inexistir qualquer obrigação legal de devolução de tal quantitativo.

Prosseguiram os autos, tendo sido proferida sentença, que julgou a acção procedente, por provada, e, em consequência, condenou os réus A e R a pagar à Região Autónoma dos Açores (Secretaria Regional da Habitação e Equipamentos) a quantia de € 29.857,92 (vinte e nove mil oitocentos e cinquenta e sete euros e noventa e dois cêntimos), acrescida do montante correspondente aos juros vencidos computados desde a data da interpelação (02.05.2005) e até efectivo e integral pagamento, sempre à taxa legal aplicável, em cada momento, às obrigações civis.

Inconformado, veio apelar o réu tendo apresentado as suas alegações, que finalizou com as seguintes conclusões:
I. Não existe, tal como nunca existiu qualquer ónus de alienação registado sobre o prédio vendido;
II. À data da deliberação de concessão de apoio aos RR. não existia esse ónus para os proprietários de habitações apoiadas no âmbito da reconstrução pós-sismo de 1998 e no Dec. Legislativo 15-A/98/A de 25 de Setembro.
III. A deliberação referida em II foi anterior ao Dec-Legislativo Regional 8/2003/A que veio impor o ónus de inalienabilidade durante 8 anos.
IV. A deliberação e atribuição do direito ao apoio produz efeitos e cria expectativas nos beneficiários, estando esse direito constituído desde a data da deliberação.
V. Os apoios atribuídos no âmbito do Dec. Legislativo 15-A/98/A de 25 de Setembro tem natureza contratual, com direitos e obrigações para os RR e A..
VI. Sendo de natureza obrigacional e contratual, as condições de atribuição e concretização do apoio apenas poderia ser alterado por acordo de RR. e A. o que não aconteceu.
VII. A sentença padece do vício de violação da lei, concretamente de violação do artº 406º do CC.
VIII. Mas se assim não fosse, entendendo-se que o artº 2º do Dec. Legislativo Regional 8/2003/A, se aplica retroactivamente, este artigo padece do vício de ilegalidade que se invoca desde já, e porque viola o artº 12º do CC.
IX. Os montantes entregues aos RR foram-no antes da entrada em vigor do Decreto-Legislativo Regional 8/2003/A.
X. No caso do Tribunal ter interpretado e de se interpretar que o artº 2º do Dec.-Legislativo Regional 8/2003/A não pretende abranger a garantia para os montantes já atribuídos antes da sua entrada em vigor, a sentença, padece novamente do vício de violação de lei, considerando que vem condenar os RR na restituição de montantes ou numa obrigação que temporalmente não os abrange.
XI. Mas apenas serviria de garantia para os montantes entregues após a entrada em vigor deste último diploma.
XII. A sentença padece ainda do vício de contradição entre a fundamentação e as conclusões.
XIII. Ficando provado que os montantes entregues aos RR foram antes da sua separação, e não existindo qualquer prova de que os RR tentaram obter o remanescente, até à data da propositura da acção, bem como não existindo prova de que tenham continuado as obras, conjugado com a prova da venda do imóvel, a única conclusão possível é a de que os RR haviam perdido o interesse na obtenção do valor não entregue.
XIV. Mesmo na hipótese de se aderir à tese do Tribunal, da aplicabilidade do artº 2º do Decreto-Legislativo Regional 8/2003/A ao caso em apreço, tem forçamente de concluir-se que o apoio havia sido completamente concretizado por falta de interesse dos RR no recebimento do remanescente.
XV. O lapso de tempo decorrido desde a separação dos RR em Junho de 2001, declarado como provado em 9 da fundamentação de facto e a entrada em vigor do Decreto-Legislativo Regional 8/2003/A, apenas nos permite concluir pelo desinteresse dos RR. e pela concretização do apoio exclusivamente com os montantes recebidos até Maio de 2001.
XVI. E por último, sem prejuízo do que se alegou nas motivações, nunca os RR., poderão ser condenados com fundamento no enriquecimento sem causa, porque tal não está peticionado.

O Ministério Público, em representação da Região Autónoma dos Açores, veio apresentar as suas contra-alegações, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.

Foram colhidos os vistos legais.

II – QUESTÕES A RESOLVER
Como se sabe, o âmbito objectivo do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (artºs 684º nº 3 e 690º nº 1 do CPC), importando, assim, decidir as questões nelas colocadas – e, bem assim, as que forem de conhecimento oficioso -, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – artº 660º nº 2 também do CPC.
Assim, em face das conclusões apresentadas, são três as questões a resolver por este Tribunal:
1. Obrigatoriedade ou não de registo do ónus de inalienabilidade do prédio.
2. A não retroactividade das leis de acordo com o disposto no artº 12º do CC.
3. A sentença recorrida enferma da nulidade prevista no artº 668º nº 1 al. c) do CPC (oposição entre os fundamentos e a decisão)?


III – FUNDAMENTOS DE FACTO
Na 1ª instância, consideraram-se provados os seguintes factos:
1) A 2 de Outubro de 1998, os réus, casados, entre si, por matrimónio celebrado em 20 de Julho de 1975, o qual foi dissolvido por divórcio decretado por decisão proferida em 6 de Julho de 2003, transitada em julgado em 23 de Julho de 2003, em processo que correu termos no Tribunal Judicial da Horta, candidataram-se ao programa de apoio à reabilitação de habitação própria, previsto no Decreto Legislativo Regional nº 15-A/98/A, de 25 de Setembro, que estabelece os apoios a conceder aos sinistrados do sismo de 9 de Julho de 1998, com as alterações introduzidas pelo Decreto Legislativo Regional nº 8/2003/A, de 12 de Março e Decreto Legislativo Regional nº 23/2004/A, de 29 de Junho.
2) A referida candidatura tinha como objecto a reabilitação de casa própria e permanente do agregado familiar dos réus, casa de morada de rés-do-chão, 1º e 2º andares, sita à Rua Dr. Azevedo, nº 1, Matriz, Horta, inscrita na matriz sob o artº 1000 e descrita na Conservatória do Registo Predial da Horta, nº 557, nos termos do artº 15º, al. a) do Decreto Legislativo Regional nº 15-A/98/A, de 25 de Setembro.
3) A 11 de Maio de 2000 a referida candidatura mereceu despacho favorável do Secretário Regional da Habitação e Equipamentos, o qual autorizou a comparticipação a fundo perdido no montante de Esc.: 11.957.929$00 (€ 59.645,90).
4) A 27 de Junho de 2000 foi recebido pelos réus, através do cheque nº 3080789065, a quantia de Esc.: 3.985.976$00 (€19.881,96), respeitante à primeira tranche da comparticipação.
5) A 10 de Abril de 2001, através do cheque nº 9775991564, procedeu-se ao pagamento parcial da 2ª tranche, no valor de esc.: 1000.000$00 (€ 4.987,98).
6) A 10 de Maio de 2001, através do cheque nº 8475991587, procedeu-se ao pagamento parcial da 2ª tranche, no valor de Esc.: 1.000.000$00 (€ 4.987,98).
7) As quantias referidas em 4) a 6) foram todas recebidas pelos réus.
8) Por escritura pública de 17 de Dezembro de 2004, lavrada pelo Cartório Notarial da Horta, já na qualidade de divorciados, os réus venderam a R, pelo preço de € 79.807 a habitação objecto do apoio.
9) Em Junho de 2001 os réus separaram-se e a ré continuou a viver na casa até à data da venda.
10) Os réus foram interpelados extra-judicialmente, por carta datada de 29 de Abril de 2005 e entregue em mão própria em 2 de Maio de 2005, via protocolo, para, no prazo de 30 dias, procederem à devolução do apoio concedido, tendo sido advertidos das sanções em que incorriam.
11) Até à presente data os réus não procederam ao reembolso das quantias.

IV- FUNDAMENTOS DE DIREITO
1. Obrigatoriedade ou não de registo do ónus de inalienabilidade do prédio.
Na presente acção, foram os RR condenados a pagar à Região Autónoma dos Açores (Secretaria Regional da Habitação e Equipamentos) a quantia de € 29.857,92, acrescida do montante correspondente a juros vencidos computados desde a interpelação (02/05/2005) e até ao efectivo e integral pagamento, sempre à taxa legal aplicável, em cada momento, às obrigações civis, pelo facto de se terem candidatado em 2 de Outubro de 1998 ao programa de apoio à reabilitação de habitação própria, previsto no Dec. Leg. Reg. nº 15-A/98/A de 25 de Setembro, que estabelece os apoios a conceder a sinistrados do sismo de 9 de Julho de 1998 e tal candidatura ter merecido despacho favorável, autorizando a comparticipação a fundo perdido do montante de Esc. 11.957.929$00 (€ 59.645,90), tendo os RR. recebido até 10 de Maio de 2001, a quantia de € 29.857,92, só que os RR não usaram a habitação reabilitada como residência permanente, quando a isso estavam obrigados, durante um período de 8 anos, após a conclusão das obras, tendo inclusive procedido à sua venda em 17/12/2004.
Invoca agora, em sede de recurso, o réu, que o ónus da inalienabilidade deveria ter sido registado pela entidade que dele beneficia, ou seja, a Região Autónoma dos Açores e, não o tendo sido na Conservatória do Registo Predial competente, não poderá agora ser invocado tal prazo de 8 anos que consta do Dec. Leg. Regional 8/2003/A, o qual é superveniente ao despacho que concedeu o apoio aos RR.
Vejamos, então, se assiste razão ao R.
O artº 16º do Decreto Legislativo Regional nº 15-A/98 de 25 de Setembro, na sua redacção original, preceitua que, “As habitações adquiridas ou construídas pelos arrendatários ou comodatários com recurso às comparticipações a fundo perdido e/ou bonificação de juros previstos neste diploma não podem ser alienadas antes de decorrido o prazo de oito anos após a conclusão das obras ou da escritura de aquisição” (sublinhado nosso).
Da interpretação desde preceito legal, parece-nos que, tendo os RR., a dupla qualidade de proprietários do imóvel e de candidatos ao recebimento de apoio à reabilitação de habitação própria, não prevê a lei qualquer período de inalienabilidade relativamente aos mesmos.
Porém, o legislador com a publicação do Decreto Legislativo Regional nº 8/2003/A de 12 de Março, quis rectificar tal situação, ao dizer no preâmbulo de tal diploma, o seguinte:
«Considerando que o Decreto Legislativo Regional nº 15-A/98/A, de 25 de Setembro, diploma que estabelece o regime excepcional de apoios aos sinistrados da crise sísmica de 9 de Julho de 1998, não previu qualquer ónus de inalienabilidade para as habitações adquiridas, construídas, reconstruídas, reabilitadas ou reparadas pelos respectivos proprietários sinistrados nem estatui qualquer sanção para a obrigação que se impõe a estes últimos na alínea a) do nº 1 do artigo 15º, ou seja, a de habitação própria e permanente;
Considerando que estas omissões, para além de, injustificadamente, conferirem um tratamento desigual face aos demais destinatários dos apoios instituídos no referido diploma, não garantem a aplicação efectiva do benefício concedido ao fim a que se destinava, desvirtuando, assim, o interesse público subjacente ao próprio Decreto Legislativo Regional nº 15-A/98/A de 25 de Setembro;
Considerando que um dos princípios básicos por que se deve reger a concessão de qualquer apoio financeiro é o de que, sempre que possível e justificável, deverá prever-se, nos diplomas de atribuição de subsídios, quer as garantias a prestar pelo beneficiário quer os mecanismos de controlo que permitam verificar da efectiva aplicação do benefício ao fim a que se destinava, a Assembleia Legislativa Regional dos Açores, decidiu alterar a redacção dos artºs 16º, 17º e 18º do Decreto Legislativo Regional nº 15-A/98/A de 25 de Setembro».
Assim, o art. 16º nesta nova redacção, dispõe que: «As habitações que hajam sido objecto de qualquer apoio no âmbito do presente diploma não podem ser alienadas antes de decorrido o prazo de 8 anos da conclusão das obras ou da celebração da escritura de aquisição que deste regime resultem».
Por seu turno, preceitua o artº 17º nº 1 do mesmo diploma que: «Aquele que beneficiar dos apoios previstos neste diploma e que, no decurso do prazo fixado no artigo anterior, pretender alienar a habitação apoiada deverá requerer à Região Autónoma dos Açores o levantamento do ónus de inalienabilidade, mediante o reembolso dos valores da comparticipação a fundo perdido, bem como das bonificações concedidas».
Ainda segundo o artº 18º nº 1 do citado diploma, estipula-se que: «Sem prejuízo do disposto na al. b) do nº 1 do artº 15º, a utilização das habitações para outro fim que não o de habitação permanente do beneficiário dos apoios, ou dos arrendatários e comodatários que nela residam à data da ocorrência do sismo de 9 de Julho de 1998, bem como a sua desocupação por período superior a seis meses, implica o reembolso à Região da comparticipação concedida e das respectivas bonificações, quando houver lugar às mesmas, salvo se entretanto tiver decorrido o prazo de inalienabilidade fixado».
Por último, nos termos do artº 2º do Dec. Legislativo Regional nº 8/2003/A de 12 de Março, veio estabelecer-se que: «As disposições constantes do presente diploma aplicam-se aos processos actualmente em fase de instrução, bem como aos que, apesar de já terem sido deferidos, o respectivo apoio, ainda não tenha sido completamente concretizado».
Ora, é precisamente o caso que temos em mãos.
Efectivamente, os RR. ao candidataram-se ao programa de apoio à reabilitação de habitação própria em 02/10/98 e, ao obterem deferimento quanto a tal apoio em 11/05/2000, numa comparticipação a fundo perdido do montante de € 59.645,90, encontravam-se vinculados às normas constantes do diploma que regula a concessão de tais apoios.
E, se é certo que da redacção inicial do Dec. Legislativo Regional nº 15-A/98/A de 25/09 não constava qualquer período de tempo condicionante da alienabilidade da habitação própria no que toca aos beneficiários proprietários de tal habitação, o certo é que tal diploma veio a ser alterado, abarcando, a nosso ver, a situação contemplada nos autos.
Na verdade, do montante total da comparticipação atribuída aos RR, estes apenas vieram a receber a quantia de € 29.857,92.
Desconhece-se a razão porque tal aconteceu, mas isso nem é relevante, em nosso entender, para a solução do caso concreto.
É que, por um lado, os RR., como beneficiários do apoio, estavam obrigados a habitar permanentemente a habitação própria durante os 8 anos subsequentes à conclusão das obras. Estas terão sido concluídas não antes de 2001, não só porque, em 10/05/2001 ainda os RR. receberam um pagamento parcial da 2ª tranche, no valor de € 4.987,98, mas também porque tal como ficou provado, em Junho de 2001, os RR. separaram-se e a ré continuou a viver na casa até à data da venda, que ocorreu em 17/12/2004 (cfr. pontos 8) e 9) da matéria provada).
Portanto, os RR. estavam obrigados a permanecer na habitação objecto do apoio concedido até, pelo menos 2009.
Não o tendo feito e não tendo requerido o levantamento do tal ónus de inalienabilidade, mediante o reembolso dos valores da comparticipação a fundo perdido já entregues, para poderem alienar livremente a habitação, tal como estipula o artº 17º nº 1 do Dec. Leg. Regional nº 8/2003/A de 12/03, estão obrigados ao reembolso à Região da comparticipação concedida e das respectivas bonificações.
Argumenta, o R. recorrente que, para que pudesse estar vinculado ao reembolso da comparticipação concedida, seria necessário que o ónus da inalienabilidade estivesse registado e não está.
Efectivamente, de acordo com o artº 2º nº 1 al. u) do Cód. do Registo Predial: (1) «Estão sujeitos a registo quaisquer outras restrições ao direito de propriedade e quaisquer outros encargos sujeitos, por lei, a registo», o que quer dizer, tal como também o entende o recorrido Mº Pº que, tal obrigatoriedade só se verifica quando existe uma lei a impor tal registo.
Ora, quando foi concedida a comparticipação a fundo perdido aos RR, através de despacho favorável do Secretário Regional da Habitação e Equipamentos, em 11/05/2000, no âmbito do Dec. Leg. Regional nº 15-A/98/A de 25/09, ainda a obrigatoriedade do registo do ónus de inalienabilidade não existia, por duas ordens de razões: a primeira, porque tal diploma legal apenas previa a obrigatoriedade de registo do ónus de inalienabilidade de 8 anos, relativamente aos arrendatários ou comodatários que tivessem recorrido às comparticipações a fundo perdido e/ou bonificação de juros, excluindo claramente os proprietários (cfr. artº 16º) e a segunda, porque, o diploma que veio colmatar as desigualdades existentes entre arrendatários, comodatários e proprietários, quanto ao prazo de inalienabilidade – Dec. Leg. Regional nº 8/2003/A de 12/03 – apenas entrou em vigor no dia 13/03/2003 (cfr. artº 3º do mesmo diploma), portanto, quase três anos após a concessão da comparticipação aos RR. e, por isso, não aplicável à data da concessão da comparticipação de apoio.
De resto, há ainda a salientar que, sendo inquestionável que de acordo com o artº 12º do CC, a lei só dispõe para o futuro, no caso em concreto, não impendia, por isso, à data quer da candidatura de apoio quer da sua concessão, ao abrigo deste último diploma legal, a obrigatoriedade de registo do ónus de inalienabilidade do imóvel dos RR. por parte da Região Autónoma dos Açores.
Conclui-se, assim, pela não obrigatoriedade do registo do ónus de inalienabilidade do imóvel dos RR. por parte da Região Autónoma dos Açores (Secretaria Regional da Habitação e Equipamentos).

2. A não retroactividade das leis de acordo com o disposto no artº 12º do CC.
Como já supra se referiu, dispõe o artº 12º/1 do CC que «a lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia rectroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular».
Também como já atrás referimos, o artº 2º do Dec. Leg. Reg. Nº 8/2003/A de 12/03, preceitua que «As disposições constantes do presente diploma aplicam-se aos processos actualmente em fase de instrução, bem como aos que, apesar de já terem sido deferidos, o respectivo apoio ainda não tenha sido completamente concretizado» (sublinhado nosso).
No caso em apreço, foi concedido aos RR., uma comparticipação a fundo perdido, no valor de € 59.645,90, sendo que deste valor, os RR apenas receberam em 2000 e 2001, a quantia de € 29.857,92, pelo que tal situação se enquadra perfeitamente no âmbito do preceituado no mencionado artº 2º, já que o apoio não se mostra completamente concretizado, não se verificando, por isso, qualquer rectroactividade da lei, mas apenas a aplicação desta a uma situação actual e concreta.
De qualquer forma, acresce ainda dizer que, ao contrário do que refere o recorrente, a concessão de apoios a fundo perdido para reabilitação de habitação própria, constitui um mero acto administrativo dependente única e exclusivamente da entidade concessionária e não um qualquer contrato, pois, desde que os requerentes a tal apoio preencham os requisitos para que possam beneficiar dessas comparticipações, os seus pedidos ser-lhe-ão, em princípio, deferidos, após formalização da respectiva candidatura.
Inexistindo qualquer contrato, resulta à saciedade não existir violação do disposto no artº 406º do CC.

3. A sentença recorrida enferma da nulidade prevista no artº 668º nº 1 al. c) do CPC (oposição entre os fundamentos e a decisão)?
Verifica-se a nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão quando aqueles apontam em determinado sentido e a decisão vai em sentido inverso ou, pelo menos, divergente. Ocorre no processo lógico de decisão porque na hora de decidir o Juiz profere decisão desconforme ou contrária aos pressupostos que teve por assentes. Acresce que os fundamentos referidos na al. c) do nº 1 do artº 668º do CPC são os aduzidos pelo Juiz para neles basear a decisão, constituindo o respectivo antecedente lógico e não os fundamentos que a parte entende existirem para – no seu entender – se dever ter decidido de modo diverso. A nulidade ali prevista consubstancia, assim, um vício puramente lógico do discurso judicial e não um erro de julgamento.
Sustenta o apelante que a sentença recorrida ao dar como provado que os montantes entregues aos RR foram antes da sua separação e, não existindo qualquer prova de que os RR tenham tentado obter o remanescente até à data da propositura da acção, bem como não existindo prova de que tenham continuado as obras, conjugado com a prova da venda do imóvel, a única conclusão possível é a de que os RR haviam perdido o interesse na obtenção do valor não entregue.
Todavia, quanto a estes aspectos, há que dizer que são factos perfeitamente irrelevantes para a abordagem da questão em apreço nos presentes autos, atento o desfecho da acção, que está, a nosso ver, isento de qualquer censura.
Ora, analisando a sentença em crise e distinguindo entre erro de julgamento e nulidade da sentença, logo se conclui inexistir a apontada nulidade.
Na verdade, o Mmº Juiz a quo concluiu em perfeita sintonia com a apreciação que da factualidade fez.
Assim, teremos de concluir que, atenta a fundamentação de direito aplicada aos factos assentes, a decisão só podia ser a que ficou expressa na sentença, ou seja, a procedência total da acção.
Improcedem, assim, na íntegra, as conclusões de recurso.

V – DECISÃO
Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se integralmente a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.
(Processado por computador e integralmente revisto pela Relatora)
Lisboa, 18/09/2007
(Maria José Simões)
(Azadinho Loureiro)
(Folque de Magalhães)
_______________________
1 - Aprovado pelo DL nº 224/84 de 06/07, com a redacção do DL nº 533/99 de 11/12 (que procedeu à sua republicação) e alterações constantes de Declaração de Rectificação nº 5-A/2000 de 29/02, DL nº 273/2001 de 13/10, Declaração de Rectificação 20-AS/2001 de 30/11, DL nº 323/2001 de 17/12, DL nº 38/2003 de 08/03 e DL nº 194/2003 de 23/08.