Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | MARIA JOSÉ SIMÕES | ||
Descritores: | NOTIFICAÇÃO JUDICIAL AVULSA | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 09/19/2007 | ||
Votação: | DECISÃO INDIVIDUAL | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | REVOGADA A DECISÃO | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I. A notificação judicial avulsa visa essencialmente apreciar da validade formal do requerimento, apurar da existência, em termos abstractos, do direito subjacente ao requerido na notificação judicial avulsa e por último verificar da legitimidade do requerente e do destinatário em face do peticionado. II. Ao apreciar o requerimento de notificação judicial avulsa, o Juiz só tem que verificar a sua regularidade formal e que curar de saber se o direito invocado existe abstractamente na lei. Não tem que analisar o contrato de arrendamento que serve de suporte ao direito que se arroga o requerente e muito menos apreciar da sua (in)validade, pelo que, existindo na lei o direito que o requerente invoca e o dever (ou sujeição) que esta atribui ao requerido, em abstracto, deve mandar proceder-se à notificação requerida, tendo como pressuposto que o requerimento não enferma de qualquer vício formal. MJS | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | DECISÃO SUMÁRIA (Nos termos dos artºs 701º nº 2 e 705º ambos do CPC) I – RELATÓRIOI requereu notificação judicial avulsa de Maria e marido L, a fim de dar aos arrendatários, ora requeridos, a possibilidade de se socorreram do disposto no nº 3 do artº 1084º do CC. Para fundamentar a sua pretensão, alegou que por contrato escrito celebrado em 02/01/95, prometeu dar de arrendamento a partir de 01/01/95, aos requeridos a fracção autónoma de que é dono e legítimo possuidor, pela renda mensal de Esc. 65.000$00, actualmente € 395,97. Acontece que os arrendatários, ora requeridos, não pagaram a renda do mês de Maio/07 que se venceu no mês imediatamente anterior, nem as que se venceram subsequentemente, no total já de quatro meses. Foi proferido despacho de indeferimento liminar, por se ter entendido que estando em causa um arrendamento comercial e não tendo sido observada a forma legal (escritura pública), não é tal contrato válido, dependendo a notificação judicial avulsa da validade do mesmo. Inconformado recorreu o requerente, concluindo nas suas alegações, da seguinte forma: 1. A arguição da nulidade de um contrato de arrendamento por vício de forma, pode constituir, atentas as circunstâncias do caso, ofensa intolerável do nosso sentido ético-jurídico. 2. Nomeadamente quando suscitada oficiosamente pelo tribunal numa fase do processo em que o inquilino não tenha tido a possibilidade de alegar a existência de um contrato, como é o caso dos presentes autos. 3. Na verdade, tal situação poderia prejudicar os arrendatários, no caso de estes terem interesse no reconhecimento da existência e na continuação de um contrato de arrendamento. 4. Na medida em que, na sequência da declaração de nulidade do contrato, ficariam na situação de meros ocupantes sem qualquer título que legitimasse tal ocupação e sujeitos a uma acção possessória por parte do proprietário. 5. Assim, no caso presente, deverá deixar-se ao critério dos arrendatários a possibilidade de, no momento em que processualmente o possam fazer (após ser efectivada a sua notificação), invocar, ou não, a nulidade do contrato de arrendamento por vício de forma. 6. Não esquecendo, contudo, que a invocação pelo arrendatário comercial da nulidade do contrato de arrendamento por falta de forma, para se eximir ao pagamento de rendas, traduz-se num inaceitável “venire contra factum proprium” – Ac. Rel. Évora de 11/11/93, Col. Jur., Ano XVIII, Tomo 5, pag. 283. Não foram produzidas contra-alegações. O Mmº Juiz da 1ª instância manteve a decisão recorrida (cfr. fls. 21). Face à simplicidade da questão a resolver, tendo em conta o disposto no artº 705º do CPC, proferir-se-á, de imediato, decisão sumária sobre a mesma. II – AS QUESTÕES DO RECURSO Como resulta do disposto nos artºs 660º nº 2, 684º nº 3 e 690º nº 1 e 4 do CPC e vem sendo orientação da jurisprudência, o objecto do recurso é balizado pelas conclusões, sem embargo de haver outras questões que sejam de conhecimento oficioso. Ora, tendo presentes essas conclusões, a questão colocada no presente recurso é a seguinte: - Mostra-se ou não correctamente decidido o indeferimento liminar da notificação judicial avulsa pretendida. III – FUNDAMENTOS DE FACTO Os factos relevantes são os constantes do relatório desta decisão e, para os quais se remete, sendo ainda de acrescentar o seguinte facto que consideramos pertinente: - Por documento junto aos autos a fls. 6 e vº, datado de 02/01/95, intitulado contrato promessa de arrendamento, o requerente na qualidade de legítimo proprietário deu de arrendamento aos requeridos a fracção autónoma designada pela letra “C”, correspondente à c/esqª-loja, do prédio urbano sito na Quinta de São Francisco, lote 25, Camarate – Loures, destinada ao comércio de pronto a vestir ou outro, pela renda mensal de Esc. 65.000$00 e com início em 01/01/95. IV – FUNDAMENTOS DE DIREITO De acordo com o artº 261º/1 do CPC “As notificações avulsas dependem de despacho prévio que as ordene (…)”. A notificação judicial avulsa constitui, assim, um acto judicial que não se insere em qualquer processo pendente. Tem lugar como que num processo ad hoc, para os efeitos declarados na lei substantiva, permitindo a realização de “actos de comunicação sobre cuja verificação e termos se pretende não venha a haver dúvidas”. (1) Mas, qual será a função útil do despacho prévio do Juiz, p. na citada disposição legal? Visa essencialmente apreciar da validade formal do requerimento, apurar da existência, em termos abstractos, do direito subjacente ao requerido na notificação judicial avulsa e por último verificar da legitimidade do requerente e do destinatário em face do peticionado. (2) E nada mais. No que toca à validade formal do requerimento, deve o Juiz, para além de apreciar da inteligibilidade do requerimento em si, verificar se é o meio próprio para o requerente providenciar pelo direito de que se arroga, podendo indeferir tal requerimento nomeadamente se for ininteligível ou se houver erro na forma de processo. No que diz respeito à apreciação da legalidade em abstracto do direito invocado, deve o Juiz apreciar se o mesmo está legalmente consagrado na lei vigente, com vista a evitar o exercício de pretensões ilegais. Por último, deve o Juiz verificar, se face ao requerido, em abstracto, o requerente é o titular do direito invocado, ou se o exerce legalmente por força de qualquer norma legal ou disposição contratual e ainda se o destinatário tem legitimidade para receber a notificação. (3) Reportando-nos ao caso concreto, constata-se, à saciedade, que o requerimento não enferma de qualquer vício formal que o torne ininteligível e, consequentemente que o invalide. No tocante à sua validade material, o requerente para além de invocar o seu direito de propriedade, alega que deu de arrendamento aos requeridos a sua fracção autónoma destinada a comércio de pronto-a-vestir, pela renda mensal de Esc. 65.000$00, com efeitos a partir de 01/01/95. Mais alegou que, os requeridos, como arrendatários daquela fracção, deixaram de pagar a renda referente ao mês de Maio/2007 e subsequentes. Vejamos, então, se existe na lei, o direito que o requerente invoca. O contrato promessa de arrendamento foi celebrado em 01/01/95, portanto, na vigência do RAU aprovado pelo DL nº 321-B/90 de 15/10. De acordo com o artº 26º/1 da Lei nº 6/2006 de 27/02, os contratos celebrados na vigência do RAU, passam a estar submetidos ao NRAU, com as especificidades dos números seguintes. Logo, tendo sido precisamente esta lei que repôs em vigor os artºs 1064º a 1113º do CC, com a redacção que agora lhes foi emprestada, aplicam-se plenamente as disposições legais referidas pelo requerente no requerimento por si apresentado. Aliás, reforçando o entendimento expresso pelo requerente no sentido de que o requerimento por si apresentado se encontra formal e materialmente correcto é o facto de no nº 7 do artº 9º da citada Lei 6/2006 de 27/02 constar que “A comunicação pelo senhorio destinada à cessação do contrato por resolução, nos termos do nº 1 do artº 1084º do Código Civil, é efectuada mediante notificação avulsa (…)”. Deste modo, ao apreciar o requerimento de notificação judicial avulsa, o Juiz só tem que verificar a sua regularidade formal e que curar de saber se o direito invocado existe abstractamente na lei. Não tem que analisar o contrato de arrendamento que serve de suporte ao direito que se arroga o requerente e muito menos apreciar da sua (in)validade, como o fez o Mmº Juiz a quo. E, assim sendo, existindo na lei o direito que o requerente invoca e o dever (ou sujeição) que esta atribui ao requerido, em abstracto, deve mandar proceder-se à notificação requerida, tendo como pressuposto que o requerimento não enferma de qualquer vício formal. (4) Temos, assim, por plenamente justificado o recurso à notificação judicial avulsa pelo requerente, tanto mais que a lei processual não exige que, subjacente à notificação preexista sequer uma relação jurídica entre o requerente e o(s) notificados/requeridos. Basta o interesse legítimo do requerente em dar conhecimento de determinado facto a alguém. (5) Terão, assim, de proceder, as conclusões apresentadas pelo agravante. V – DECISÃO Nos termos expostos, concede-se provimento ao agravo, revogando-se o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que ordene a notificação requerida. Sem custas. (Processado por computador e integralmente revisto pela signatária) Lisboa, 19/09/2007 (Maria José Simões) ____________________________________ 1 - Cfr. Manuel de Andrade, in Noções elementares do Processo Civil, 1956, pag. 115 e Castro Mendes, in Direito Processual Civil, 1987, vol. II, pag. 530. 2 - Cfr. Acs do TRL de 02/10/97 (relator Loureiro da Fonseca) e de 29/09/2005 (relatora Ana Paula Boularot); Acs. do TRP de 21/04/98 (relator Norman de Mascarenhas) e de 06/05/99 (relator Alves Velho), todos consultáveis em www.dgsi.pt. 3 - Cfr. Ac. TRG de 04/12/2002 (relator Silva Rato) consultável no site já atrás indicado. 4 - Cfr. o Ac. do TRP de 13/04/93 (relator Cândido de Lemos), consultável em www.dgsi.pt 5 - Cfr. o já citado Ac. TRL de 02/10/97 (relator Loureiro da Fonseca) consultável no mesmo site. |