Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | PAULA SANTOS | ||
Descritores: | NULIDADE DE SENTENÇA COLIGAÇÃO DE CONTRATOS PACTO DE PERMANÊNCIA CONDENAÇÃO ILÍQUIDA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 11/20/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | N | ||
Texto Parcial: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I – É nula a sentença, por excesso de pronúncia, na parte em que conhece de questão já apreciada e decidida no despacho saneador, encontrando-se já esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto a tal matéria. II – Verificando-se, no mesmo suporte contratual, cláusulas respeitantes a um acordo de formação e outras consubstanciadoras de uma promessa unilateral de celebração de contrato de trabalho, estamos perante um clausulado atípico, que faz concluir pela existência de uma coligação de contratos, embora ligados por um nexo funcional, que não afecta a sua individualidade. III – Com a celebração do contrato de trabalho entre Autora e Réu caducou o acordo de formação entre eles vigente, nos termos do disposto no art. 12º nº3 do Dec. Lei 405/91 de 16-10. IV – A cláusula de permanência, acessória do contrato de trabalho, e prevista no art. 147º nº1 do CT/2003, justifica-se pelo interesse do empregador no retorno que, legitimamente, espera obter do investimento económico que fez com a formação do trabalhador, e que se traduz para este numa mais-valia do seu currículo e consequente maior facilidade de integração no mundo do trabalho. V – Embora alegados, não resultando provados os concretos custos com a formação do Réu, deve ser proferida condenação ilíquida, condenando-se no que vier a ser liquidado em momento posterior à sentença. (Elaborado pela Relatora) | ||
Decisão Texto Parcial: | Acordam do Tribunal da Relação de Lisboa
I – Relatório TAP AIR Portugal, S.A., instaurou a presente acção declarativa de condenação, a seguir a forma de processo comum, contra BB, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de 48.265,16€, acrescida de juros de mora à taxa de 4%, desde a data da citação até integral pagamento. Alega que - celebrou com o Réu um acordo de formação, nos termos do qual se obrigou a proporcionar-lhe um conjunto de acções de formação profissional, com vista a habilitá-lo ao desempenho de funções inerentes à categoria profissional de Oficial Piloto de Linha Aérea na TAP; - o Réu frequentou todas as acções de formação a que se obrigara; - nos termos da cláusula 14º do Acordo de Formação, “na eventualidade do segundo outorgante rescindir o contrato de trabalho antes de decorridos três anos sobre a data da celebração, constituir-se-á na obrigação de indemnizar a TAP pelo valor indicado de 50.000€, o qual poderá ser reduzido proporcionalmente ao tempo de trabalho prestado.” - celebraram um contrato de trabalho, nos termos do qual admitia o Réu ao seu serviço para o desempenho de funções inerentes à categoria profissional de Oficial Piloto; - ficou estipulada uma cláusula nos termos da qual, como compensação pelos encargos suportados pela Autora com a sua formação profissional, era obrigação do Réu prestar-lhe a sua actividade profissional durante, no mínimo, três anos, a contar de 06-03-2007, podendo desobrigar-se de tal obrigação nos termos da cláusula 11º do RAA do AE; - por carta datada de 30 de Janeiro de 2008, o Réu remeteu uma carta à Autora, através da qual declarava proceder à denúncia do contrato de trabalho, por motivos pessoais, com efeitos 30 dias após a data da recepção da mesma; - o incumprimento do contrato constitui o Réu na obrigação de indemnizar a Autor pelos encargos decorrentes da formação. Foi realizada audiência de partes, não sendo possível a sua conciliação. Devidamente citado, o Réu contestou, alegando que - a formação em causa apenas determinou que ficasse habilitado a pilotar um determinado tipo de avião, dado que já possuía licença comercial de piloto; - o acordo de formação tinha em vista a celebração de um contrato de trabalho entre as partes, extinguindo-se com a admissão ao serviço e celebração desse contrato; - com a celebração do contrato de trabalho cumpriu-se integralmente o objecto do acordo de formação, caducando o mesmo, pelo que as disposições previstas nesse acordo não são aplicáveis após a celebração do contrato de trabalho; - o acordo de formação consubstancia um contrato de adesão e a cláusula 14º é manifestamente contrária à boa fé, pelo que é nula; - nem o contrato de trabalho nem o Regulamento de Admissões, Antiguidade e Acessos estabelecem qualquer valor a título de compensação pela formação profissional; - a Autora apenas podia exigir-lhe a restituição das importâncias despendidas pela Autora na sua formação; - o Curso de Integração da Empresa enquadra-se nos deveres genéricos do empregador, de formação e aperfeiçoamento profissional do trabalhador. Impugna os valores referidos pela Autora. Conclui pela sua absolvição do pedido. A Autora respondeu à contestação. Foi proferido despacho saneador, que conheceu da validade e regularidade da instância e julgou improcedente a excepção da caducidade do contrato de formação. Foi dispensada a realização da audiência preliminar, a fixação da matéria de facto assente e da base instrutória. O Réu interpôs recurso da decisão que julgou improcede a excepção de caducidade, concluindo que (…) O recorrido contra-alegou, concluindo que (…) Foi proferida sentença que julgou a acção improcedente com a absolvição do Réu do pedido. Inconformada a Autora interpôs recurso, concluindo que (…) O Autor contra-alegou, concluindo que (…) O Exmo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de ser mantida a sentença recorrida. Os autos foram aos vistos aos Exmos Desembargadores Adjuntos Cumpre apreciar e decidir *** II - Objecto Nos termos do disposto nos art 684º nº 3 e 685-A nº 1 e 3 do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do art. 1º, n.º 2, alínea a) e 87º nº 1 do Código de Processo do Trabalho, é pelas conclusões que se afere o objecto do recurso, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso. As conclusões, como afirmou Alberto dos Reis, “devem emergir logicamente do arrazoado feito na alegação. As conclusões são as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação” (sic Código de Processo Civil Anotado, reimpressão, vol. V, 1984, pág 359). Tal significa que não pode conhecer-se de questões constantes das conclusões que não tenham sido explanadas nas alegações (motivações) e vice-versa, não pode conhecer-se de questões que, embora abordadas nas alegações, não constem das conclusões. Assim, cumpre decidir - da impugnação da matéria de facto; - da nulidade da sentença; - da excepção de caducidade do acordo de formação (1º recurso); - das cláusulas 13º e 14º do “ACORDO DE FORMAÇÃO” e 6º do contrato de trabalho e sua aplicabilidade ao caso; a entender-se que alguma tem aplicação - do incumprimento por parte do Réu do pacto de permanência; - da obrigação de indemnizar. *** III - Questão prévia Está junto aos presentes autos, a fls 13 a 15, documento – Acordo de Formação - que tem importância para a decisão das questões objecto do presente recurso, pelo que, nos termos do disposto no art. 659º nº3 do CPC, aqui aplicável por força do disposto no art. 713º nº2 do mesmo diploma legal, e 712º nº1 a), também do CPC, o Tribunal retirará do mesmo os factos relevantes, que passarão a constar do elenco dos factos provados sob os números 2 – A e 2 – B. Dado que foi notificado oportunamente ao Réu, nada mais cumpre ordenar a tal propósito, estando cumprido o contraditório. *** IV - Fundamentação de Facto 1.Matéria de Facto Provada São os seguintes os factos considerados provados pela primeira instância, com as alterações decidida supra (nas questões prévias) e infra (na decisão da impugnação da matéria de facto relativamente ao ponto 18.) 1- Em 18 de Setembro de 2006, a Autora e o Réu celebraram um acordo escrito, designado de “ACORDO DE FORMAÇÃO”, nos termos do qual a Autora se obrigou a proporcionar ao Réu “acções de formação profissional, com vista a habilitá-lo ao desempenho das funções inerentes à categoria profissional de Oficial Piloto de linha aérea na TAP”. 2- A Autora e o Réu acordaram ainda que: “Concluídas com aproveitamento as acções de formação, o Segundo Outorgante (ora Réu) é considerado apto a celebrar contrato com a TAP após o “ready for flights with LT”. 2 – A – No “ACORDO DE FORMAÇÃO” referido em 1. consta sob o nº 13º a seguinte cláusula “Como compensação pelos encargos suportados pela empresa com a sua formação profissional, o Segundo Outorgante obrigar-se-á a prestar à TAP, uma vez admitido, a sua actividade profissional durante, no mínimo, 3 anos a contar da data da celebração do contrato de trabalho.” 2 – B - No “ACORDO DE FORMAÇÃO” referido em 1. consta sob o nº 14º a seguinte cláusula “Na eventualidade do Segundo Outorgante, rescindir o contrato de trabalho antes de decorridos 3 anos sobre a respectiva data de celebração, constituir-se-á na obrigação de indemnizar a TAP pelo valor indicado de € 50.000 (cinquenta mil euros), o qual poderá ser reduzido proporcionalmente ao tempo de trabalho prestado.” 3- O Réu foi o formando n.º 28540.3 do 17° Curso de Integração na Empresa e, posteriormente, esteve inserido na turma “A” do 38.° Curso de Qualificação em A320. 4- O Réu frequentou todas as acções de formação que lhe foram ministradas. 5- A formação, para além do designado Curso de Integração na Empresa, que o Réu frequentou de 18 de Setembro a 23 de Outubro, compreendeu ainda uma fase de simulador (EVAL), que o Réu concluiu em 9 de Janeiro de 2007. 6- Bem como a realização de um “Voo Base”, efectuado em 15 de Janeiro de 2007. 7- E uma fase de formação em voo, designada por LIFUS (Line Flying Under Supervision), prevista no “Fligth Crew Training Regular Course” da Autora, na regulamentação nacional (Decreto-Lei n.º 289/03, de 14 de Novembro) e na regulamentação internacional aeronáutica que a Autora tem de respeitar e cumprir (designadamente nas JARs – Joint Aviation Requirement). 8- A designada fase de LIFUS compreende a realização de 40 “sectores” ou “legs” (cada “sector” ou “leg” compreende um percurso com descolagem e aterragem), sendo que os primeiros 20 são feitos com um Comandante, um Oficial Piloto como co-piloto e o formando, in casu, o Réu, ou seja, três tripulantes técnicos e não dois, como é normal no cockpit do avião. 9- O Réu frequentou todas as acções de formação que lhe foram ministradas. 10- Por ter sido aprovado no exame de “ready for flights with LTC”, em 14/02/2007, a Autora e o Réu celebraram um acordo designado de contrato de trabalho, nos termos do qual a Autora admitia o Réu ao seu serviço, para o desempenho de funções inerentes à categoria profissional de Oficial Piloto. 11- Tendo ficado estipulado que: “Como compensação pelos encargos suportados pela Primeira Outorgante (ora Autora) com a sua formação profissional, o Segundo Outorgante (ora Réu) obriga-se a prestar-lhe a sua actividade profissional durante, no mínimo três anos a contar da sua largada (que, no caso do Réu, ocorreu em 06/03/2007), podendo porém, desobrigar-se de tal obrigação nos termos do disposto na cláusula 11.º do RAA do AE referido na cláusula 3.ª supra”. 12- Por carta datada de 30 de Janeiro de 2008, o Réu comunicou à Autora que denunciava o contrato de trabalho, por motivos pessoais, com efeitos 30 dias após a data da recepção da mesma. 13- O Réu realizou o seu último voo ao serviço da Autora, no dia 29/02/2008. 14- O Réu obrigou-se a prestar a sua actividade profissional para a Autora durante, no mínimo, três anos a contar da sua largada. 15- Nos termos do designado contrato de trabalho, o Réu apenas se poderia desvincular da obrigação de permanência, nos termos do disposto na Cláusula 11.ª do Regulamento de Admissões, Antiguidade e Acessos (RAAA), anexo ao Acordo de Empresa celebrado entre a TAP e o Sindicato dos Pilotos de Aviação Civil, publicado no B. T. E., 1.ª Série, n.º 30, de 15/08/1999. 16- A formação ministrada ao Réu, tal como aos outros formandos que com ele frequentaram o 38.º Curso de Qualificação em A320, previa, em resumo, as seguintes fases: - Curso de Integração na Empresa; - Simulador; - Exame de Simulador (EVAL); - Formação em Voo (LIFUS). 17- A turma do Réu tinha 18 formandos. 18- Na fase de simulador, as sessões realizam-se com dois formandos ao mesmo tempo, sendo que, na formação frequentada pelo Autor, o custo do simulador para cada um, teve o valor de 10.530€. 19- O custo base da hora de utilização do simulador, num FFS- Full Flight Simulator com TRI- Type Rating Instructor- na CAE Aviation Training B.V, em Madrid, reconhecida pela AIRBUS, cobrado à TAP, desde 3 de Dezembro de 2008, é de € 790,00 por hora. 20- Em consequência da cessação do contrato, em Maio e Junho de 2008, aquando do acerto final de contas, a Autora deduziu ao montante a pagar ao Réu (a título de créditos salariais) a quantia de 50.000,00 €. 21- Quantia essa que o Réu, apesar das solicitações da Autora, se recusa a pagar. 22- À data da celebração do referido Acordo de Formação o Réu já detinha a necessária Licença Comercial de Piloto. 23- O Réu já havia trabalhado como piloto de linha aérea na Companhia Aérea Air Luxor. 24- O Réu concluiu com aproveitamento o curso de Type Rating ministrado pela Autora. 25- O referido Acordo de Formação, subscrito pelo Réu tem teor idêntico ao subscrito pelo formando André Cordeiro Romão Borges Brandão. 26- A formação profissional ministrada pela Autora ao Réu foi efectuada com recurso a meios próprios da Autora, designadamente, formadores internos, simuladores e instalações. 27- É ministrado um Curso de Integração na Empresa a todos os trabalhadores a admitir pela Autora, para as respectivas áreas de trabalho. 28- Também os Pilotos de Linha Aérea admitidos pela Autora, que já possuem as habilitações necessárias para pilotar um determinado tipo de avião - de acordo com as necessidades da Autora - têm de efectuar o Curso de Integração na Empresa. 29- O curso de integração na empresa teve a duração de 5 semanas. 30- O custo base da hora de utilização do simulador num FFS- Full Flight Simulator com TRI - Type Rating Instructor- na CAE Aviation Training B.V., em Madrid, cobrado à Companhia Aérea SATA é de € 385,00. 31- A Companhia Aérea SATA ministra cursos de "Type Rating" para Pilotos de Linha Aérea externos, sendo o custo com tal formação, antes de impostos e retirando a margem de lucro, de € 34.685,00 por cada dois formandos. 32- O valor referido em 31 inclui o referente às rubricas de transporte, hotel e ajudas de custo, uma vez que este curso é ministrado no simulador da CAE Aviation Training B.V. em Madrid e estes custos referem-se às necessárias deslocações. *** 2. Impugnação da matéria de facto (…) *** V – Enquadramento Jurídico A Apelante invoca a nulidade da sentença, alegando que esta foi proferida em violação do disposto na alínea d) in fine do nº1 do art. 668º do CPC, ocorrendo excesso de pronúncia. Fundamenta a sua posição alegando que, tendo sido invocada na contestação a excepção peremptória da caducidade do acordo de formação, esta excepção foi conhecida no despacho saneador, mas a sentença voltou a pronunciar-se acerca da mesma, dela conhecendo em sentido contrário ao do saneador. As causas de nulidade da sentença encontram-se taxativamente enunciadas no art. 668º nº 1 do CPC, onde se estabelece que é nula a sentença, para o que ao presente caso interessa, “ d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento” (sic nº1 d). Ou seja, “A sentença deve manter-se, quanto ao seu conteúdo, dentro dos limites definidos pela pretensão do autor e da reconvenção eventualmente deduzida pelo réu.” (sic Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2º edição, pág. 675). O Professor Castro Mendes, no quadro de vícios da sentença que traçou no seu “Direito Processual Civil”, classifica este vício como um vício de limites, ou seja, “a decisão, porventura formalmente regular e contendo só afirmações exactas e verdadeiras, não contém o que devia conter ou contém mais do que devia” (sic Vol II, 1987, pág. 803). A chamada nulidade por excesso de pronúncia está directamente relacionada com os limites da sentença - nos termos do disposto no art. 661º nº1 do CPC “A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.” (sic) - e interligada com a norma que disciplina a “ordem de julgamento”, a saber, o artº 660º nº 2 do CPC, aplicável ex-vi do art. 1º nº 2 al. a) do CPT - “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”, (sic). Mas tal nulidade prende-se também com o disposto no art. 666º nº1 do CPC – “Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa” (sic) Como afirma Alberto dos Reis, o alcance desta norma é o de proibir ao juiz que, por sua iniciativa, altere a decisão que proferiu, ou mesmo os fundamentos em que ela se apoia e que com ela constituem um todo incindível (cfr. CPC anotado, vol V, Reimpressão, pág. 126). “A razão pragmática consiste na necessidade de assegurar a estabilidade da decisão jurisdicional. Que o tribunal superior possa, por via de recurso, alterar ou revogar a sentença ou despacho, é perfeitamente compreensível; que seja lícito ao próprio juiz reconsiderar e dar o dito por não dito, é de todo em todo intolerável, sob pena de se criar a desordem, a incerteza, a confusão.” (sic, Autor e ob citados, pág. 127) Analisemos o presente caso O Réu, na contestação, invocou a excepção da caducidade do acordo de formação que celebrou com a Autora, defendendo que tal acordo extinguiu-se com a sua admissão ao serviço desta. Em sede de saneador, foi decidido pela improcedência da excepção de caducidade. Na sentença, o Mmo Juiz, após enquadrar a questão, refere “Sucede que, nos termos do art. 12.º, n.º 3 do referido Decreto-Lei, o contrato de formação não gera nem titula relações de trabalho subordinado e caduca com a conclusão do curso ou acção de formação para que foi celebrado. Ora, como resultou provado, o R. frequentou todas as acções de formação que lhe foram ministradas e foi aprovado no exame de “ready for flights with LTC”, pelo que inequivocamente o contrato de formação em causa caducou no dia 14/02/2007, data em que a A. e o R celebraram um acordo designado de contrato de trabalho, nos termos do qual a A. admitia o R. ao seu serviço, para o desempenho de funções inerentes à categoria profissional de Oficial Piloto.” Em face do exposto, não restam dúvidas em como a sentença recorrida conheceu de questão que já havia sido conhecida no saneador, e quando já estava esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria, embora tratando-se de questão ainda não transitada em julgado. E assim sendo procede, nesta parte, o recurso, sendo parcialmente nula, a sentença. Nos termos da regra da substituição que decorre do disposto no art. 715º nº1 do CPC, passaremos a conhecer da apelação, afigurando-se inútil o cumprimento do disposto no nº 3 do referido preceito legal porquanto as partes, nos diversos articulados apresentados, nomeadamente nos recursivos, esgrimiram os seus argumentos quando à matéria objecto do processo. *** 2. Da caducidade do acordo de formação (1º recurso) Como já referimos, o Réu, na contestação, invocou a excepção (peremptória) de caducidade do Acordo de formação que celebrou com a Autora. Foi proferida decisão que decidiu pela improcedência desta excepção. E com os seguintes fundamentos “2. Caducidade da cláusula 14º do acordo de formação. O Réu alega ter celebrado um acordo de formação a 18.09.2006, sendo que tal acordo, nos termos do n. 3 do art. 12° do DL n. 405/91 de 16.10, se extinguiu com a celebração do respectivo contrato de trabalho. A A. pugnou pela improcedência da excepção. Que dizer? Salvo melhor opinião, e com todo o respeito por opinião diversa, não concordamos com a interpretação dada ao nº 3 do art. 12° do DL n. 405/91 de 16.10 (vigente até 05.01.2008 e entretanto revogado pelo DL n. 396/2007 de 31.12), uma vez que o facto de o contrato de formação caducar com a celebração do contrato de trabalho, como é natural (extingue-se a relação formando-formador e inicia-se uma nova relação empregador-trabalhador), não implica a nulidade de cláusula inserta em tal contrato, de compensação pelas despesas de formação, caso o formando venha a ser admitido e não permaneça na entidade empregadora durante um período de tempo mínimo. Aliás, tal cláusula encontra-se no regulamento de admissões, antiguidade e acessos anexo ao AE publicado no BTE, 30 de 15.08.1999 (cláusula 11a) pelo que o texto do acordo de formação está em sintonia com o AE em vigor. Acresce que, mesmo que se demonstrasse que a cláusula do contrato de formação era inválida, ainda assim teríamos de ter em conta o prescrito no art. 6° do contrato de trabalho: cfr. fls. 19 e segs. (doe. n. 3 da PI). De facto, o art. 6° do contrato de trabalho refere expressamente que o Réu se obriga a prestar a sua actividade profissional no mínimo de 3 anos a contar da sua largada, podendo desobrigar-se de tal obrigação nos termos da cláusula 11ª do regulamento de admissões, antiguidade e acessos. E reza assim a cláusula 11º do regulamento de admissões, antiguidade e acessos anexo ao AE publicado no BTE, 30 de 15.08.1999, sob a epígrafe "Período de preparação e compensação de encargos com a formação profissional": 1—Considera-se como período de preparação o tempo necessário à formação de um piloto. 2—O contrato de trabalho dos pilotos admitidos do exterior inicia-se com a sua largada individual. 3—Como compensação pelos encargos suportados pela empresa com a sua formação profissional, os pilotos por ela contratados obrigar-se-ão a prestar à empresa, uma vez admitidos, a sua actividade profissional durante, no mínimo, três anos a contar da data da sua largada. 4—Os pilotos podem, porém, desobrigar-se do disposto no número anterior, mediante a restituição das importâncias despendidas pela empresa com a sua preparação. 5—Se a desobrigação se verificar após a prestação de dois anos de serviço, a importância a restituir será reduzida proporcionalmente ao tempo de serviço prestado Pelo que não é relevante saber, para efeitos de caducidade, se a fonte da obrigação de "compensação" pelas despesas de formação nasce no contrato de formação, uma vez que, pelo contrato de trabalho, as partes consagraram tal obrigação, pelo que o Réu poderá sempre ser responsabilizado por tais despesas no âmbito do contrato de trabalho. Em qualquer caso, e como a excepção levantada se cinge ao contrato de formação, cuja cláusula, como acima referimos é válida e encontra-se em consonância com o prescrito no AE, julga-se improcedente a invocada caducidade do contrato de formação (a qual, ainda que se verificasse, não impediria a eventual procedência do pedido).” Analisemos os termos do contrato celebrado entre Autora e Réu, o qual teve lugar em 18 de Setembro de 2006 e foi designado de “Acordo De Formação”: - nos termos desse acordo, a Autora obrigou-se a proporcionar ao Réu “acções de formação profissional, com vista a habilitá-lo ao desempenho das funções inerentes à categoria profissional de Oficial Piloto de Linha Aérea na TAP.” Considerando o teor dos factos descritos sob os nºs 1., 22. e 23., tem aplicação ao caso o regime jurídico da formação profissional inserida no mercado de emprego, aprovado pelo Dec.Lei 405/91 de 16-10, destinado especificamente, entre outros, a activos empregados e desempregados, cujo objectivo principal é o exercício qualificado de uma actividade profissional, sendo realizada por empresas, centros de formação, e outras entidades empregadoras ou formadoras. Tem também aplicação ao caso o Código do Trabalho aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto, face à data da celebração do acordo e ao disposto no art. 7º nº1 da Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro. Não há dúvida, face aos factos descritos no ponto 1. da matéria de facto, que entre Autora e Réu foi celebrado um contrato de formação. No entanto, para além do clausulado próprio do acordo de formação, as partes incluíram outras cláusulas no mesmo suporte contratual, mas que não se referem àquele que é o desiderato do Dec.Lei 405/91. Assim, os contraentes estipularam também que, “Concluídas com aproveitamento as acções de formação, o Segundo Outorgante (ora Réu) é considerado apto a celebrar contrato com a TAP após o “ready for flights with LT” e que “Como compensação pelos encargos suportados pela empresa com a sua formação profissional, o Segundo Outorgante obrigar-se-á a prestar à TAP, uma vez admitido, a sua actividade profissional durante, no mínimo, 3 anos a contar da data da delegação do contrato de trabalho.” “Na eventualidade do Segundo Outorgante, rescindir o contrato de trabalho antes de decorridos 3 anos sobre a respectiva data de celebração, constituir-se-á na obrigação de indemnizar a TAP pelo valor indicado de € 50.000 (cinquenta mil euros), o qual poderá ser reduzido proporcionalmente ao tempo de trabalho prestado.” (Cláusula 14º). Quanto a estas cláusulas, as mesmas não fazem parte do acordo de formação tal como ele é gizado no diploma legal que referimos, bem como no Dec.Lei 242/88 de 7 de Junho, antes integrando uma promessa unilateral de celebração de contrato de trabalho. Senão vejamos. Entre Autora e Réu foi acordado que aquela ministrava aulas teóricas e práticas com vista a habilitar o Réu ao desempenho das funções inerentes à categoria profissional de Oficial Piloto de Linha Aérea na TAP. Resulta da lei que do contrato de formação deve constar a descrição do curso ou acção que o formando vai frequentar, a indicação do local e horário em que se realiza a formação, o montante da bolsa ou subsídio, caso haja lugar à sua atribuição, a referência à realização do seguro e outros direitos e deveres das partes (cfr. 12º nº2), devendo entender-se que estes direitos e deveres são os estritamente relacionados com o funcionamento e execução da formação, sejam eles os referidos nos art. 5º a 7º do Dec.Lei 242/88 de 7 de Junho, ou outros que as partes entendam expressar. Mas o Réu obrigou-se também a concluir, com aproveitamento, a acção de formação acordada, e a exercer a actividade profissional resultante da formação ministrada, com a categoria profissional de Oficial Piloto, durante um período mínimo de 3 anos, contados da data da outorga do contrato de trabalho. Estas cláusulas escapam ao âmbito e características do contrato de formação e integram uma promessa unilateral de celebração de um contrato de trabalho. Na verdade, o princípio da liberdade contratual revela uma enorme abertura à outorga de contratos típicos ou atípicos ou até à junção num só contrato de cláusulas típicas de diversos contratos. A questão está em saber se estamos perante dois contratos, substancialmente correlacionados entre si, ou de um contrato atípico de diversas prestações. Como afirma A. Varela, “Para que as diversas prestações a cargo de uma das partes façam parte de um só e o mesmo contrato, e não de dois ou mais contratos, é necessário que elas integrem um processo unitário e autónomo de composição de interesses. … Como critérios auxiliares, conquanto não decisivos, para a resolução do problema avultam naturalmente dois: um, tirado da unidade ou pluralidade da contraprestação; outro assente da unidade ou pluralidade do esquema económico subjacente à contratação. Se às diversas prestações a cargo de uma das partes corresponder uma prestação única (una ou indivisível) da outra parte, será naturalmente de presumir, até prova em contrário, que elas quiseram realizar um só contrato (embora, possivelmente, de carácter misto.” (sic Das Obrigações Em Geral, 10º edição, pág. 285). No presente caso afigura-se-nos estarmos perante um clausulado atípico, que faz concluir pela existência de uma coligação de contratos, embora ligados por um nexo funcional, que não afecta a sua individualidade, ainda que as vicissitudes de um possam eventualmente influenciar o outro dada a sua ligação. Sustenta o recorrido que, face ao disposto no art. 12º nº3 do Dec.Lei 405/91 de 16 de Outubro, o contrato de formação caduca com o terminus desta e, caducando o acordo de formação, não tem o mesmo aplicabilidade após a celebração do contrato de trabalho subsequente, pois a cláusula 14º “não pode ser entendida como válida à face do estabelecido no Acordo de Empresa e ao facto do contrato de trabalho conter uma cláusula de permanência” e acrescenta que “o teor da cláusula 14º extravasa o estabelecido no Acordo de Empresa, no contrato de trabalho e até no próprio Código do Trabalho, fixando uma cláusula penal de montante muito superior ao custo efectivo na formação ministrada” Dispõe o art. 12º nº 3 do Dec. Lei 405/91 de 16 de Outubro que, “O contrato de formação não gera nem titula relações de trabalho subordinado e caduca com a conclusão do curso ou acção de formação para que foi celebrado.” (sic) Com tal norma o que o legislador quis “foi tão somente evitar que da celebração de um contrato de aprendizagem ou de formação o formando possa invocar a existência de uma qualquer relação contratual. Porém, se após a cessação de um contrato de aprendizagem ou formação, as mesmas partes podem acordar a celebração de um contrato de trabalho, não é minimamente razoável que as mesmas partes não possam acordar na promessa de celebração de um contrato de trabalho. Não resulta dessa norma qualquer proibição de paralelamente com o contrato de formação poder existir uma promessa bilateral ou unilateral de trabalho” (sic Ac. desta Relação de 24 de Março de 2010 – Processo 455/08.5 TTLSB.L1, que se debruçou sobre contrato similar ao sub judice) Não há dúvida de que o acordo de formação a que se refere o ponto 1. da matéria de facto caducou quando o Réu terminou a sua formação e por força do disposto no referido art. 12º nº3 do Dec.Lei 405/91 de 16-10. E ao caducar, extinguiram-se automaticamente ou ipso iure os efeitos jurídicos desse contrato para o futuro (que não assim os produzidos quando ainda vigorava e ainda que com repercussões futuras). Mas apenas os efeitos desse contrato. Já não assim os do contrato-promessa de celebração de contrato de trabalho, em vigor entre as partes, que é aquele que está em causa nos presentes autos, e nos termos do qual o trabalhador renunciou, de forma unilateral, ao direito de rescindir o contrato por determinado período. E nem se diga, como o faz o Réu que o trabalhador fica constrangido na sua tomada de decisão de desvinculação da entidade patronal, face ao risco de ser responsabilizado pelo pagamento do valor da cláusula penal ou das despesas efectivas que se provarem. Esta liberdade de desvinculação não está coartada pois ele pode desobrigar-se, restituindo a quantia despendida pela entidade patronal na formação. Não podemos esquecer que o empregador, ao custear despesas de formação, não o faz por altruísmo, mas porque espera beneficiar com a melhorada competência do trabalhador. E este, em consequência da formação, fica naturalmente mais habilitado para o mercado de trabalho. Portanto, o pacto de permanência visa salvaguardar a empresa e permitir o retorno do investimento. Julga-se assim procedente a excepção de caducidade em relação ao acordo de formação, mas não assim quanto à promessa de trabalho. *** 3. Das cláusulas 13º e 14º do “ACORDO DE FORMAÇÃO” e 6º do contrato de trabalho Tendo a celebração do acordo de formação, a celebração do contrato de trabalho com a Autora e a rescisão deste contrato ocorrido entre 2006 e 2007, ou seja, em plena vigência do Código do Trabalho de 2003, aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto, que entrou em vigor no dia 1 de Dezembro de 2003, rectificado nos termos da declaração de rectificação nº 15/2003, de 28 de Outubro e alterado pela Lei nº 9/2006, de 20 de Março – cfr. art. 8º, nº 1 daquela Lei nº 99/2003 e 7º, nº 1 da Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro - aplica-se o regime jurídico acolhido naquele Código, a que pertencem as disposições que, de ora em diante, viermos a citar sem indicação de origem. Como supra referimos, foi celebrada uma promessa unilateral de trabalho. Relembremos a cláusula 13º em discussão: “Como compensação pelos encargos suportados pela empresa com a sua formação profissional, o Segundo Outorgante obrigar-se-á a prestar à TAP, uma vez admitido, a sua actividade profissional durante, no mínimo, 3 anos a contar da data da celebração do contrato de trabalho.” Resulta dos factos provados que, por carta datada de 30 de Janeiro de 2008, o Réu comunicou à Autora proceder à denúncia do contrato de trabalho, por motivos pessoais, com efeitos 30 dias após a data da recepção da mesma, denúncia essa válida face ao disposto no art. 447º nº1 do CT. Não tinham ainda decorrido 3 anos sobre a data da conclusão da formação ministrada pela Autora ao Réu, ocorrendo por parte do Autor incumprimento da cláusula referida, o qual se presume culposo, face ao disposto no art. 799º nº1 do C.Civil, dado que não foram alegados factos que permitam afastar essa culpa. Aliás, por via do instituto da denúncia do contrato por parte do trabalhador, o mesmo não tem de alegar quaisquer factos justificativos da desvinculação à sua entidade patronal, bastando-lhe cumprir o aviso prévio previsto na lei. Nos termos da cláusula 14º - “Na eventualidade do Segundo Outorgante, rescindir o contrato de trabalho antes de decorridos 3 anos sobre a respectiva data de celebração, constituir-se-á na obrigação de indemnizar a TAP pelo valor indicado de € 50.000 (cinquenta mil euros), o qual poderá ser reduzido proporcionalmente ao tempo de trabalho prestado.” Estamos em presença perante uma cláusula penal, com o montante da indemnização a satisfazer em caso de eventual inexecução do contrato. “Trata-se … de uma liquidação convencional antecipada dos prejuízos, tomando o termo liquidação no sentido técnico … de determinação do montante de uma obrigação de quantitativo incerto. A liquidação da indemnização é feita, aqui, a forfait, visto não se saber ainda qual o valor real dos prejuízos nem mesmo se eles virão a produzir-se.” (sic Galvão Telles Direito das Obrigações, 5º edição, pág. 416, cfr também art, 810º nº1 do C.Civil). De notar ainda que também no âmbito do contrato de trabalho celebrado entre as partes, em 15 de Fevereiro de 2007, o Réu obrigou-se a prestar a sua actividade profissional na Autora pelo período mínimo de três anos, podendo desobrigar-se nos termos da cláusula 11º do RAAA do competente AE – cfr. cláusula 6º do contrato – ponto 11. da matéria de facto provada. A cláusula 11º do Regulamento de admissões, antiguidade e acessos, dispõe que “3 - Como compensação pelos encargos suportados pela empresa com a sua formação profissional, os pilotos por ela contratados obrigar-se-ão a prestar à empresa, uma vez admitidos, a sua actividade profissional durante, no mínimo, três anos a contar da data da sua largada. 4—Os pilotos podem, porém, desobrigar-se do disposto no número anterior, mediante a restituição das importâncias despendidas pela empresa com a sua preparação. 5—Se a desobrigação se verificar após a prestação de dois anos de serviço, a importância a restituir será reduzida proporcionalmente ao tempo de serviço prestado.” Estamos assim em face de duas situações diversas: a cláusula penal prevista na promessa unilateral de trabalho – no valor de 50.000€, a qual pode ser proporcionalmente reduzida ao tempo de trabalho prestado – e a obrigação de indemnização, pela restituição das importâncias despendidas pela empresa com a sua preparação e também com a obrigatoriedade de redução proporcional ao tempo de serviço prestado, no caso de o piloto tiver prestado funções por período superior a 2 anos. Perante este cenário, não pode ficar à disposição da Autora optar por uma ou outra das indemnizações, ainda que afirme, e tal não está demonstrado nos autos, que se trata da mesma indemnização, por os valores com a formação do Réu se traduzirem nos 50.000€, a que se refere a cláusula penal. A cláusula 6º do contrato de trabalho não pode ter outro significado do que o de terem as partes revogado a cláusula 14º prevista com o “Acordo de Formação”. Fizeram-no de forma tácita, mas ainda assim trata-se inequivocamente de uma revogação, extinguindo as partes para o futuro os efeitos jurídicos do contrato celebrado em 2006, com a celebração de um novo regime. Este novo acordo encontra suporte no CT/2003, que prevê que a possibilidade de as partes convencionarem, “sem diminuição de retribuição, a obrigatoriedade de prestação de serviço durante certo prazo, não superior a três anos, como compensação de despesas extraordinárias comprovadamente feitas pelo empregador na formação profissional do trabalhador, podendo este desobrigar-se restituindo a soma das importâncias despendidas.” (sic nº1 do art. 147º). Trata-se de uma cláusula de permanência, acessória do contrato de trabalho, que se justifica pelo interesse do empregador no retorno que “este legitimamente espera obter do investimento económico que realizou na especialização profissional do trabalhador” (cfr Júlio Gomes, Direito do Trabalho, 2007, vol I, pág. 625). A expressão «despesas extraordinárias comprovadamente feitas pelo empregador na formação profissional do trabalhador» trata-se, por contraposição às despesas normais ou correntes em matéria de formação profissional a proporcionar pelo empregador ao trabalhador (cf. artigos 120, nº 1, alínea d), e 123º a 126º e 137º), de despesas feitas pelo empregador num tipo de formação que excede a genérica formação profissional, que geralmente se faz, que é usual, pois resulta da lei que compete ao empregador promover a formação profissional dos seus trabalhadores, “com vista ao incremento da produtividade e da competitividade da empresa” (sic art. 125º nº1 a), desenvolvendo “as qualificações dos respectivos trabalhadores, nomeadamente através do acesso à formação profissional” (sic), estabelecendo a lei ratios para essa formação na empresa (cfr. nº2 do art. 125º). Em suma, tal como afirma Romano Martinez (Direito do Trabalho, 5.ª edição, Almedina, Coimbra, 2010, p. 691), o pacto de permanência «só pode ser acordado desde que o empregador tenha tido ou preveja vir a ter “despesas extraordinárias” com a formação profissional do trabalhador. Trata-se de despesas extraordinárias investidas na formação do trabalhador, por oposição às despesas correntes de formação, que constituem um encargo do empregador …. Quando o empregador suporte (ou esteja acordado que venha a suportar) os gastos de cursos dispendiosos, necessários à formação profissional do trabalhador, é lícito estabelecer no contrato de trabalho uma cláusula impondo um pacto de permanência, que não poderá, todavia, ter uma duração superior a três anos…” (sic) Está demonstrado nos autos que a Autora proporcionou ao Réu “acções de formação profissional, com vista a habilitá-lo ao desempenho das funções inerentes à categoria profissional de Oficial Piloto de Linha Aérea na TAP” englobando o designado Curso de Integração na Empresa, uma fase de simulador (EVAL), bem como a realização de um “Voo Base”, e uma fase de formação em voo, designada por LIFUS (Line Flying Under Supervision). O Réu concluiu a formação com êxito tendo sido admitido ao serviço da Autora com a categoria profissional de Oficial Piloto. Dos factos se conclui que a formação profissional que qualificou o Réu para o desempenho das funções inerentes à categoria profissional de Oficial Piloto nos aviões A320 e para integração na Autora, vai para além da formação profissional ordinária, normal e corrente da Autora, que visa promover a formação contínua dos trabalhadores, concretizada no adequado desenvolvimento e permanente actualização das qualificações já detidas, conforme decorrência legal, e não a aquisição de novas competências. De facto, para além da formação de integração na empresa, o Réu já tinha trabalhado como piloto de linha aérea na Companhia Aérea Air Luxor, mas não resulta provada a sua qualificação em A320, ou seja, a acção de formação em causa não se limitou a treinar o Réu para o preenchimento de um posto de trabalho específico na organização do empregador, antes propiciou uma verdadeira formação profissional conducente a uma nova competência, pelo que não podemos deixar de considerar que tal formação constituiu uma mais valia para o currículo do Réu. Trata-se, pois, de uma despesa extraordinária comprovadamente feita pelo empregador na formação profissional. Face ao exposto, e tendo o Réu incumprido o contrato com a Autora, tornou-se responsável pela reparação do prejuízo causado, nos termos do artigo 798.º do Código Civil, sendo certo que o montante da indemnização exigível corresponde à soma das importâncias despendidas pela empregadora, não podendo, contudo, exceder o valor do pedido formulado nos autos, nos termos do disposto no art. 661º nº1 do CPC. *** 4. Da obrigação de indemnizar É ao empregador que incumbe, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, a alegação e prova das despesas realizadas com a formação do trabalhador. No presente caso, e à excepção das despesas realizadas com o simulador, a Autora não logrou fazer prova das demais. O Mmo Juiz a quo entendeu não relegar para futuro incidente de liquidação a determinação desses quantitativos. Fundamenta assim a sua posição “Poder-se-ia pensar que, dando como assente que a A. teve custos com a formação do R., o apuramento destes seria relegado para o incidente de liquidação. Porém, “este incidente apenas serve para tornar líquidos os pedidos genéricos a que se reportam as alíneas a) e ) do n.º1 do art. 471.º, ou seja, quando o objecto mediato da acção seja uma universalidade de facto ou de direito, ou quando ainda não seja possível determinar, de modo definitivo, as consequências do facto ilícito, ou o lesado pretenda usar da faculdade que lhe confere o art. 569.º do Código Civil.” (SALVADOR DA COSTA, Os incidentes da instância, 2.ª ed., pág. 249). Sucede que não estamos perante nenhuma destas situações e, por outro lado, também não tem aqui aplicação o disposto no art. 661.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, pois do que se tratou foi da ausência de prova quanto ao montante dos custos comprovadamente suportados pela A., pelas razões que se referiram aquando da resposta à matéria de facto e para a qual se remete. Assim, não pode a A., com recurso a qualquer desses meios, suprir a falta de prova. Aliás, refira-se que, em bom rigor, a A. nem sequer alegou qual o custo efectivamente ocorrido com a formação do R., quiçá porque confiou que a sua tese relativa à cláusula penal vingaria. Mas o juiz não está vinculado às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito- cf. art. 664.º, do Código de Processo Civil; apenas está limitado pelos factos alegados pelas partes, pelo que também por essa banda a acção não poderia proceder- cf. art. 264.º, n.º 2, do mesmo Código. Consequentemente, improcede a pretensão da A.” Discordamos desta posição Determina o art. 661º nº 2 do CPC que “Se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que vier a ser liquidado, sem prejuízo na condenação imediata na parte que já seja liquida.” (sic) Não é uniforme a jurisprudência quanto ao alcance deste preceito. Ele não é aplicável quando, na acção declarativa, não tenha resultado a existência de danos. Nesse caso, formou-se caso julgado material quanto à inexistência de danos, não podendo a questão voltar a ser discutida. Provando-se, no entanto, a existência de danos, como acontece no presente caso, em que se verifica que a Autora, tendo realizado um investimento na formação do Ré não obteve deste a totalidade do retorno desse investimento, existem dois entendimentos. Permitimo-nos aqui transcrever o Ac da Relação do Porto de 19-12-2012, proferido no Processo 1662/06.0 TBVFR.P1, que faz uma resenha destas questões, de forma simples e muito esclarecedora. “Um entendimento mais restritivo e outrora dominante na jurisprudência considera que: “O artigo 661, n. 2, do Código de Processo Civil apenas permite remeter a condenação para execução de sentença quando não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, entendendo-se, porém, essa falta de elementos não como a consequência do fracasso da prova na ação declarativa, mas apenas como consequência de ainda se não conhecerem, com exatidão, as unidades componentes da universalidade ou de ainda se não terem revelado ou estarem em evolução algumas ou todas as consequências do facto ilícito no momento da propositura da ação declarativa” (cfr. Ac. STJ de 17-01-1995, P.085801, in www.dgsi.pt). Para este entendimento a fase executiva destina-se a uma mera quantificação, não possível anteriormente, seja porque ao autor apenas era possível a dedução de um pedido genérico, nos termos do art. 471º do CPC, ou, podendo formular um pedido específico, não era, ainda assim, possível, no momento da decisão, fixar a quantidade da condenação, quer por se desconhecerem todas ou algumas das consequências do facto ilícito, por estas ainda não se terem produzido, quer por não se terem produzido ainda todos os factos capazes de determinar o montante a fixar. Tal entendimento tem vindo a dar lugar a uma jurisprudência mais permissiva. Como exemplo pode consultar-se o Ac. STJ de 19-05-2009, P. 2684/04.1TBTVD.S1. publicado no mesmo sítio e, assim, sumariado: “I – Sempre que o tribunal verificar o dano, mas não tiver elementos para fixar o seu valor, quer se tenha pedido um montante determinado ou formulado um pedido genérico, cumpre-lhe relegar a fixação do montante indemnizatório para liquidação em execução de sentença. II – Mesmo que se possa afirmar que se está a conceder uma nova oportunidade ao autor do deduzido pedido líquido de provar o quantitativo dos danos, não se vislumbra qualquer ofensa do caso julgado, material ou formal. III – É que a existência de danos já está provada e apenas não está determinado o seu exato valor. IV- Só no caso de se não ter provado a existência de danos é que se forma caso julgado material sobre tal objeto, impedindo nova prova do facto no posterior incidente de liquidação. Ou, o menos recente, mas igualmente esclarecedor, Ac. do TRC 03-10-2006, P. 497/2000.C1: “I – A aplicação do artº 661º, nº 2, do CPC, depende da verificação, em concreto, de uma indefinição de valores de prejuízos, mas como pressuposto primeiro da sua aplicação deverá ocorrer a prova da existência dos danos. II – Este preceito tanto se aplica no caso de se ter inicialmente formulado um pedido genérico e de não se ter logrado converter em pedido específico, como ao caso de ser formulado pedido específico sem que se tenha conseguido fazer prova da especificação, ou seja, quando não se tenha logrado coligir dados suficientes para se fixar, com precisão e segurança, a quantidade de condenação. III – No caso de o autor ter deduzido um pedido específico (isto é, um pedido de conteúdo concreto), caso não logre fixar com precisão a extensão dos prejuízos poderá fazê-lo em liquidação em execução de sentença. IV – Uma vez interposto o incidente de liquidação dos danos (artº 378º CPC), ao demandado cabe a possibilidade de contestar a liquidação efetuada pela parte contrária, com o que fica assegurado o contraditório em relação a tal objetivo. Subjacente a tal jurisprudência está a ideia de que razões de justiça e de equidade impedem se absolva o réu uma vez demonstrada a sua obrigação, mas impedem igualmente uma condenação arbitrária, sem obediência a limites correspondentes com a realidade. A tal entendimento não é igualmente alheia a reforma do CPC operada pelo DL n.º 38/2003 de 08/03 que passou a tratar a liquidação como um incidente processual que pode ser deduzido depois de proferida a sentença de condenação genérica, nos termos do n.º2 do artigo 661º, e, caso seja admitido, a instância considera-se renovada” - (art. 378º n.º 2 do CPC introduzido pelo citado DL 38/2003)”. (sic) É este o entendimento que sufragamos, tanto mais que, “ … não parece, à luz da justiça material, que se possa premiar aquele que formula ab initio um pedido genérico e penalizar o que apresenta, desde logo, um pedido específico, sendo, por isso, de condenar no que se liquidar em execução de sentença tanto no caso de ter sido formulado pedido genérico, como no de ter sido formulado um pedido específico e não ter sido possível determinar o objecto ou a quantidade da condenação.” (sic Ac Rel Lx de 06-03-2013 – Proc. 265/06.4TTVNG.L1-4 desta secção). Em face do exposto, remete-se o apuramento concreto dos danos, para além dos já apurados custos dos simuladores, para o que se liquidar posteriormente, pois os danos mostram-se suficientemente determinados para em sede de posterior liquidação, e em obediência, entre outras, à regra do contraditório, se poderem sujeitar a um julgamento mais específico de apuramento e valoração. O Réu estava obrigado a prestar a sua actividade profissional à Autora no período mínimo de três anos, a contar da sua largada, a qual ocorreu em 06-03-2007. Realizou o último voo para a Autora no dia 29-02-2008, o que significa que cumpriu a cláusula de permanência durante um ano menos 6 dias, ou seja, cumpriu cerca de 1/3 daquele acordo. Entendemos assim que é de inteira justiça que se proceda à redução do montante da indemnização porquanto o Réu ainda rentabilizou o investimento da Autora num período correspondente a 1/3 do período resultante do pacto de permanência, e tal não pode deixar de se considerar parte do retorno. Logo, a medida do dano do credor da prestação consiste no valor da prestação não cumprida. O dano emergente, pois é disso que se trata (“perda ou diminuição de valores já existentes no património dom lesado” – cfr. Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 4º edição, pág. 391) é pois a medida do tempo não cumprido da obrigação de permanência, pois que é esta a justa medida do interesse contratual negativo, ode dano de confiança. Este dano corresponde ao prejuízo que teve com a celebração do contrato ou ainda, dito de outro modo, visa reparar o prejuízo que o lesado não sofreria se o contrato não tivesse sido celebrado, não contemplando o benefício que lhe traria a execução do mesmo. Em suma, a indemnização pelo interesse contratual negativo visa repor o património do credor, contraente fiel, no estado em que se encontraria, caso não tivesse contratado (cfr. A. Varela, in “Das obrigações em geral, vol. II, págs. 108 a 110, Pedro Romano Martinez, in “Direito das Obrigações”, parte especial, contratos, Almedina, 2ª edição, pág. 490 e Acs. do STJ de 6/2/96, proferido nos autos de recurso 087948, da Relação de Lisboa de 23/2/95, in CJ, tomo 1º, págs. 143 a 146 e ainda da Relação de Coimbra de 8/2/2000, proferido nos autos de apelação 2117/99, aquele e este disponíveis em www.dgsi.pt). A perspectiva de “ressarcimento adequado leva a considerar que a restituição devida, nos termos do art. 137º/1 in fine, não pode deixar de medir-se pela proporção do tempo em falta relativamente à duração do contrato que foi garantida pelo pacto” (cfr. Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 16º edição, pág. 539 e Ac STJ de 24-02-2010 – Proc. 556/07.7TTALM.S1, onde se decidiu que “V - Nos termos do artigo 147.º do Código de 2003, o valor a considerar, em caso de desoneração, é o valor correspondente às despesas realmente efectuadas e demonstradas, não sendo minimamente detectável na letra da lei o escopo de impedir a aplicação das normas de direito comum que disciplinam os efeitos de uma cláusula penal (artigo 812.º do Código Civil)… VII - A norma do artigo 147.º do Código de 2003 que visa proteger o legítimo interesse do empregador no reembolso das despesas efectuadas e compatibilizar essa protecção com o princípio da liberdade de trabalho, nada dispõe no sentido de impedir a redução de eventual cláusula penal – matéria que não é, directamente, objecto da norma – quando esta se apresente manifestamente excessiva e designadamente se a obrigação assumida, quanto à estabilidade do contrato, tiver sido parcialmente cumprida.” (sic Sumário) Acresce que a cláusula 11º nº5 do RAAA impõe essa redução para as situações aí previstas de prestação de trabalho por período de dois anos, mas não impede que a redução ocorra ainda que o tempo de serviço não seja esse. Assim, determinamos essa redução (correspondente a 1/3) ao abrigo do disposto no art. 812º nº1 do C.Civil. Aplicando essa redução ao montante já apurado da indemnização, a saber, 10.530€, temos a obrigação de pagar à Autora a quantia de 7.020€ (10.530:3= 3.510 e 10.530-3.510=7.020). A quantia a apurar em sede de liquidação posterior, para efeitos de condenação, deve conter-se no limite de 41.245,16€, correspondente à diferença entre o peticionado na presente acção e o valor dos danos já apurados (cfr. art. 661º nº1 CPC). A este valor acrescem juros de mora devidos desde a data da citação, tal como peticionado, contados à taxa legal e até integral pagamento. *** Face a todo o exposto, acorda-se na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa, em 1. Julgar parcialmente procedente o recurso interposto por Tiago Maria do Carmo de Noronha Pissarra, revogando parcialmente a decisão recorrida e, em consequência 1.1. Declarar a caducidade do acordo de formação celebrado entre Autora e Réu no dia 18 de Setembro de 2006. 1.2. Declarar a existência de uma promessa unilateral de trabalho em que é promitente o Réu, que não caducou. 2. Julgar parcialmente procedente o recurso interposto por TAP AIR Portugal, S.A., e, em consequência 2.1. Declarar parcialmente nula a sentença proferida pela primeira instância, no que respeita ao conhecimento da excepção de caducidade. 2.2. Revogar a sentença no que respeita à matéria de facto considerada provada, passando o ponto 18. da matéria de facto a ter a seguinte redacção “Na fase de simulador, as sessões realizam-se com dois formandos ao mesmo tempo, sendo o custo do simulador para cada um, no valor de 10.530€” 2.3. Revogar a sentença recorrida quando absolve o Réu do pedido, 2.3.1. Condenar o Réu a pagar à Autora a quantia de 7.020€ (sete mil e vinte euros),a título de indemnização por violação do pacto de permanência, quantia esta acrescida de juros, à taxa legal desde a data da citação e até integral pagamento. 2.3.2. Condenar o Réu a pagar à Autora a quantia que se vier a liquidar posteriormente, referente aos demais danos emergentes da violação do pacto de permanência, a qual se fixa desde já entre 7.020€, já apurados e 48.265,16€. 2.3.3. Condenar o Réu a pagar à Autora juros à taxa legal, desde a data da citação e até integral pagamento, sobre todas as quantias devidas. Custas nas instâncias e nesta Relação, a cargo da Autora e do Réu, na proporção do respectivo decaimento. Registe. Notifique.
Lisboa, 20 de Novembro de 2013
Paula Santos Seara Paixão Ferreira Marques
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