Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | CARLOS ALMEIDA | ||
Descritores: | HOMICÍDIO POR NEGLIGÊNCIA EXPLOSÃO NEXO DE CAUSALIDADE | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 01/14/2004 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL. | ||
Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE. | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | 1 – Uma vez que a exploração da oficina de carregamento de cartuchos era efectuada por uma sociedade, cuja gerência era apenas assegurada, em termos efectivos, pelo seu sócio-gerente maioritário, sob cujo impulso a sociedade mudou de instalações e se expandiu, só ele pode ser penalmente responsabilizado pela actividade social, nomeadamente pelo facto de as máquinas de carregamento de cartuchos terem nos alimentadores mais de 50 kgs. de pólvora quando, de acordo com a lei e com a licença emitida, apenas aí podiam existir 2 kgs. de pólvora, e pelos efeitos que esse facto veio a provocar. 2 – A relação de causalidade entre o comportamento e o evento, quer se parta da teoria da equivalência das condições, quer do critério da condição conforme às leis naturais, basta-se com a afirmação de que a acção é uma das condições do resultado, ou seja, que a acção co-causou o resultado, não sendo necessário que ela seja a primeira (ou última) condição da sua verificação. 3 – Afirmada a relação de causalidade, há que averiguar se a imputação do resultado deve ser excluída pelos critérios da adequação e o da conexão de risco, com todos os seus momentos específicos. 4 – Uma vez que, na situação concreta, o resultado verificado surgia ex ante como previsível, não constituindo qualquer ocorrência anómala ou de rara verificação, que o comportamento do arguido, ao desenvolver a actividade industrial naqueles moldes, incrementou o risco permitido num sector que já é em si muito perigoso, que os resultados produzidos consubstanciavam um dos efeitos que a imposição daquelas concretas normas de cuidado visava impedir e ainda que a adopção do comportamento imposto pela norma de cuidado teria evitado seguramente a magnitude da explosão e as consequências humanas e materiais que ela provocou, nomeadamente a morte dos três trabalhadores, o resultado verificado deve ser imputado à conduta do arguido. | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa 1 – No termo da fase de inquérito do processo nº 3358/98.6JGLSB, o Ministério Público deduziu acusação contra os arguidos B., C., D. e E., imputando, a cada um deles, a prática de três crimes de homicídio com negligência grosseira, p. e p. pelo artigo 137º, nºs 1 e 2, do Código Penal, em concurso aparente com um crime de explosão, p. e p. pelo artigo 272º, nº 1, alínea b), e nº 3, do mesmo diploma (fls. 840 e segs.). Para tanto, imputou aos arguidos a prática dos seguintes factos: «1. A sociedade “F., Lda.” tem como sócios os arguidos B., C. e D. e como objecto social, entre outras actividades, o negócio de armeiro, actividade social essa que durante vários anos exerceu com sede na Rua R., nº 32-A, na freguesia de M. (fls. 308). 2. Àquela sociedade foi atribuída licença de estabelecimento de fabrico e armazenagem de produtos explosivos bem como licença de estanqueiro, após vistoria e na sequência do preenchimento dos requisitos do Decreto-Lei nº 376/84, de 30/11, e ali desenvolveu tal actividade, tendo à data o seu armazém de pólvora sito na R1., nº 6-A, também em M., devidamente licenciado. 3. Sucede que por motivos logísticos e devido a suspeitas de acondicionamento ilegal de explosivos no referido armazém com consequente mal-estar no imóvel e na própria comunidade circundante (fls. 647, 704 e 705) a empresa veio, em 05/07/1995, a requerer ao Comando Geral da PSP a transferência das suas instalações para a Estrada da Circunvalação, Lote 2, nos Olivais (fls. 425). 4. Ora, na sequência de tal requerimento o arguido E., que desempenhava funções de Assessor do Comando Geral da Polícia de Segurança Pública, mais concretamente, da Comissão de Explosivos, de forma a fundamentar a apreciação do referido requerimento deslocou-se ao referido local onde a sociedade se pretendia instalar e efectuou as necessárias vistorias em 31/10/1995 e 15/05/1996. 5. Assim e, em face dos seus pareceres, emitidos em 31 de Outubro de 1995 e 15 de Maio de 1996 (fls. 718), veio a ser deferido o requerimento, sendo concedida autorização de transferência e respectivo licenciamento para a laboração naquele local, através de despacho de José Celestino Soares, chefe da Repartição de Armas e Explosivos, o que fez em dia não apurado do ano de 1996 (fls. 120). 6. Nos termos do referido licenciamento (alicerçado nas duas vistorias efectuadas pelo arguido E. ocorridas 31/10/1995 e 15/05/1996), resultava inequivocamente “...que na zona adjacente ao armazém não existiam edifícios habitados e que as distâncias a vias de comunicação e os depósitos que pretender construir estão asseguradas, as paredes do armazém estão construídas em betão de 25 cm e 60 cm de espessura....” 7. Resultando ainda que na oficina estariam implantadas duas máquinas automáticas de carregar cartuchos de marca Universal com alimentadores, e uma máquina automática de carregar cartuchos de marca Futura com alimentador. 8. Máquinas que à data das vistorias se encontravam já no local e que se encontravam munidas dos respectivos alimentadores com capacidade para cerca de 25 kg cada, alimentadores esses que não fazendo parte da estrutura original da máquina lhe tinha sido já apostos posteriormente, facto que o arguido naquelas datas atestou e sancionou, sendo assim tal factualidade do seu conhecimento (fls. 719). 9. Por outro lado, quer do disposto no parágrafo 7º do Decreto-Lei nº 142/79, de 23/05, quer do relatório da vistoria levada a cabo pelo arguido E., constante de fls. 718, resultava que na oficina de carregamento se podia armazenar 1 kg de pólvora a granel e 1 kg de pólvora em embalagem devidamente acondicionada devendo os cartuchos carregados serem removidos da oficina, de forma a que não se encontrem, em caso algum, excedidos os (2) dois kg de pólvora mencionados acrescendo ainda do teor do licenciamento que no depósito de pólvora de caça (2º espécie) poderiam ser armazenados até 100 kg de pólvora. 10. Mais resultava dos termos do licenciamento concedido àquela sociedade, e no que ao equipamento se referia, que todos os dispositivos eléctricos deviam ser blindados e ligados à terra resultando ainda em relação ao quesito segurança que a aparelhagem montada na oficina e respectiva instalação eléctrica não podiam ser alteradas sem autorização prévia da Comissão de Explosivos da PSP. 11. Por fim resultava do referido licenciamento que a distância entre os depósitos de 1ª ou de 2ª espécie autorizados não poderia ser inferior a 5 m. 12. Na prossecução da actividade social o arguido B., durante o ano de 1995 e até pelo menos 1998, assumiu funções de gerência efectiva, por seu lado o seu pai, o arguido C., dava apoio à actividade social e prestava diariamente apoio aos funcionários, ao passo que a arguida D., também sócia gerente, supervisionava a área comercial dedicada à venda ao público de cartuchos e à exploração de carreira de tiro ali instalada. 13. Desta forma e no período compreendido entre os anos de 1996 a 1998, a referida oficina de carregamento laborou apenas com as referidas máquinas, únicas que se encontravam licenciadas, e que detinham nos carregadores em período normal de laboração, a quantia global de 70 kg de pólvora. 14. Na verdade os alimentadores das máquinas de modelo Universal tinham capacidade para 25 kg cada um ao passo que o da máquina de modelo Futura tinha capacidade para 20 kg e encontravam-se todos a cerca de dois metros e meio do chão pelo que, em face do volume de pólvora existente no interior da oficina durante o período de laboração se encontrava em suspensão pólvora que saía dos referidos carregadores em virtude do funcionamento das máquinas. 15. Circunstância que ocorreu, ininterruptamente, até inícios de Agosto de 1998, altura em que os sócios gerentes daquela sociedade, ora arguidos, sem qualquer autorização administrativa ou comunicação formal a terceiros, procederam à importação e instalação na fábrica de carregamento de uma máquina de carregamento de cartuchos BSN BITURBO (identificada a fls. 21 do apenso 2) substituindo desta forma uma das máquinas que se encontravam licenciadas por aquela. 16. Ora sucede que a mencionada máquina desde logo introduzida na oficina de carregamento e no respectivo processo produtivo tinha superior capacidade produtiva e, com vista a evitar quebras na tensão, pois consumia de mais energia para funcionar por ter motores mais potentes, necessitou da instalação de nova cablagem e circuito eléctrico. 17. Tal alteração veio a ser efectuada por técnico particular que prestava serviços à sociedade, ficando a máquina instalada durante cerca de três meses a título experimental na oficina, pois estaria em estudo a sua integral instalação e a eventual encomenda de outra peça ao fornecedor. 18. Tal factualidade era também do conhecimento e sancionamento pessoal do arguido E., pois o mesmo estava ao corrente da actividade e da logística da empresa em virtude dos contactos que mantinha com o arguido B., arguido que aconselhava juridicamente e em termos práticos no que a procedimentos de segurança da empresa respeitava. 19. Sucede porém que em 06 de Novembro de 1998, em virtude de ter sido detectado um barulho suspeito na laboração pelo funcionário G., foi chamado às instalações o referido electricista que prestava serviços à sociedade, H. (indivíduo esse que procedera anteriormente à montagem das cablagens na instalação da máquina Biturbo aí em laboração), e que após analisar as máquinas e circuitos com o auxílio de uma aparelho de medida Multímetro, concluiu nada de relevante se passar, abandonando o local de seguida. 20. Porém cerca das 16h30, momentos após daquele abandonar o local, e quando se encontravam no interior da área de laboração os funcionários da empresa responsáveis pelo funcionamento das máquinas, I., J. e G., por motivos que em concreto não foi possível apurar, ocorreu uma explosão de pólvora que teve origem na máquina BITURBO ali recentemente introduzida e que provocou a destruição completa da área de laboração (fls. 795, 4.3.2). 21. Tal explosão, que destruiu totalmente a máquina encartuchadora Biturbo, provocando a deformação da sua estrutura e placas, produziu também danos nas outras máquinas que também ficaram inutilizadas, (embora sem o mesmo grau de destruição), veio ainda a destruir as placas do tecto, as paredes exteriores onde se encontravam instaladas as máquinas e alguns pilares de sustentação do edifício provocando o abatimento da estrutura superior e provocando ainda a projecção de blocos da parede exterior. 22. Na ocasião e uma vez que o carregamento de pólvora nos alimentadores ocorrera há cerca de dez minutos, encontrava-se no interior da oficina de carregamento e dentro dos mesmos (tremonhas) que se encontravam a cerca de 2,5 metros de altura, uma quantidade global de cerca de 75 kg e pelo ar encontrava-se, em suspensão, uma quantidade não apurada de pólvora, ao passo que no armazém de segunda espécie se encontrava ainda condicionada a quantia de pelo menos 100 kg da mesma pólvora. 23. Explosão que foi assim potenciada pela pólvora em suspensão na oficina e que de imediato provocou a morte dos referidos funcionários que se encontravam na zona de carregamento, sendo seguida de outras pequenas explosões que tiveram origem, quer na pólvora acondicionada no depósito de segunda espécie que se encontrava imediatamente abaixo da oficina e a menos de 5 metros (em clara violação ao disposto no artigo 25º, nº 1 e nº 2, do Decreto-Lei nº 149/79 e Portaria 506/85 de 25/07) quer nos próprios cartuchos já carregados naquele dia e que se encontravam nas instalações, cerca de 40.000. 24. Depósito de segunda espécie cuja localização havia sido também autorizada pelo arguido E., em violação das citadas normas legais, e cuja pólvora acabou por entrar em combustão em virtude da proximidade com a explosão inicial e do correlativo aumento de pressão. 25. Acresce que o efeito de sopro resultante da explosão destruiu parte do telhado do edifício da Cordoaria Lisbonense e maquinaria ali existente, projectando fragmentos de telhas até às frontarias dos prédios em frente situados a 70 metros e originando a destruição de inúmeras viaturas que se encontravam estacionadas até à distância 200 metros, tendo a explosão originado para além da morte dos três funcionários que se encontravam no interior da oficina de carregamento ferimentos noutros funcionários e clientes da sociedade. 26. Assim L., M., N., O, P., Q., R., S. e T. sofreram as lesões descritas nos autos de sanidade constantes dos autos. 27. Falecendo assim e em virtude da explosão G. (fls. 496 a 501), I. (fls. 512 a 516), funcionários da sociedade, e J. (fls. 444) que ali se encontrava sem qualquer vínculo a prestar funções na empresa, e contrariando o ponto 4–5.4 do licenciamento concedido à empresa pela PSP e constante de fls. 120. 28. Ora sucede que nos prédios vizinhos, sitos a cerca de 60 metros, os vidros das janelas ficaram destruídos caindo os vidros para o lado de fora das janelas devido ao efeito de sucção, tendo sido projectados estilhaços de material que originaram as destruição de janelas e estores das referidas casas e ainda tendo ainda explosão originado a projecção de pedaços de alvenaria com o peso de 22 kg a uma distância de 60 metros. 29. Ficando destruídas ou danificadas a viatura pertencente a V1, a viatura de matrícula M.., pertencente a V2, M... pertencente a V3, M... pertencente a V4, M... pertencente a V5, M... pertencente a V6, M... a V7, a de matrícula M... pertencente a V8, a de matrícula M... pertencente a V9, a de matrícula M... pertencente à sociedade V10. 30. Bem como danificados ficaram as viaturas de M... pertencente a V11, a de matrícula m... pertencente a V12, a viatura de matrícula M... pertencente a V13, M... pertencente a V14 e o interior e exterior de várias residências circundantes da fábrica pertencente aos arguidos. 31. Os arguidos tinham conhecimento das normas legais que disciplinam a actividade que exerciam, aliás vertidas de forma clara nos termos do licenciamento, sabiam que ao actuar da forma supra mencionada as violavam e que dessa forma o resultado ocorrido, a explosão e consequente morte dos funcionários seria, como o foi, consequência previsível de tal violação. 32. Na verdade os arguidos B., C e D., enquanto sócios da sociedade e ali em funções tinham conhecimento das normas essas vertidas no licenciamento e não obstante, de forma a aumentar a capacidade produtiva das máquinas e o consequente lucro económico, procederam à laboração contínua na empresa com uma quantidade de pólvora manifestamente superior à legalmente permitida dentro da zona de carregamento. 33. Bem sabendo que a introdução de tal quantidade de pólvora aumentava quer os riscos de explosão quer os efeitos e de potenciação da mesma, colocando em risco vidas e bens patrimoniais, ratio aliás da proibição expressa pela referida norma. 34. Por outro lado ainda introduziram a referida máquina em funcionamento no estabelecimento fabril sem a necessária autorização da Comissão de Explosivos como bem sabiam ser necessário e de forma a garantir a sua adequação técnica ao local substituindo assim as cablagens eléctricas também à revelia de pareceres técnicos. 35. Ao passo que o arguido E., tendo em conta da sua actividade especiais conhecimentos tinha também conhecimento das referidas normas legais e não obstante permitiu e sancionou a violação de tais normas quer viabilizando o próprio licenciamento da oficina e das máquinas nos termos em que se descreveu, quer permitindo e sancionando a introdução da máquina BITURBO em violação das referidas normas legais. 36. Subscrevendo para além do mais, por ordem do então Ministro da Administração Interna, o relatório de fls. 126 onde referiu a fls. 131 que na oficina estava autorizada a existência de pólvora dentro dos alimentadores (cerca de 15 kg em cada), facto que bem sabia não corresponder à verdade por não corresponder ao que foi licenciado nem ao que existia na realidade no interior da zona fabril. 37. Desta forma os arguidos com as suas condutas e violação das normas legais criaram risco relevante e socialmente desadequado que originou a produção dos danos e das mortes ocorridas e que eram consequência altamente previsível das respectivas e descritas condutas, danos que previram. 38. Bem sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei». 2 – Depois de notificados dessa peça processual, os arguidos B., C. e D. requereram a abertura de instrução (fls. 1090). No seu termo, depois de ter sido realizado o debate instrutório, foi pelo sr. juiz proferida a decisão instrutória de fls. 1204 e segs. através da qual se decide não pronunciar os arguidos. Essa decisão foi fundamentada nos seguintes termos: «Dispõe o artigo 308º, nº 1, do Código de Processo Penal que “se, até ao encerramento da instrução tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia”. Por sua vez dispõe o artigo 283º, nº 2, do Código de Processo Penal que “consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resulte uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou medida de segurança”. Nos termos do disposto no artigo 286º, nº 1, do Código de Processo Penal “a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento”. Cumpre decidir. Como ponto de partida no presente caso atenderemos, por uma questão sistémica, à letra da lei no que respeita à explosão. Dispõe o artigo 272º do Código Penal: 1 – Quem: a) Provocar incêndio de relevo, nomeadamente pondo fogo a edifício ou construção, a meio de transporte, a floresta, mata, arvoredo ou seara; b) Provocar explosão por qualquer forma, nomeadamente mediante utilização de explosivos; c) Libertar gases tóxicos ou asfixiantes; d) Emitir radiações ou libertar substâncias radioactivas; e) Provocar inundação, desprendimento de avalanche, massa de terra ou de pedras; ou f) Provocar desmoronamento ou desabamento de construção; e criar deste modo perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado, é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos. 2 – Se o perigo referido no número anterior for criado por negligência, o agente é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos. 3 – Se a conduta referida no nº 1 for praticada por negligência, o agente é punido com pena de prisão até 5 anos. Utilizando, na leitura do normativo citado, a fórmula proposta por Leal Henriques e Simas Santos (in Código Penal Anotado, 2º Volume, 1997, pág. 810), concluímos que para preenchimento do tipo legal é necessário: - que haja uma acção (ou omissão); - que a mesma seja negligente (violadora de um dever de cuidado); - que tal acção (ou omissão) provoque uma explosão; e - que essa explosão crie perigo para a vida, integridade física, ou bens patrimoniais de valor elevado. Estabelecem-se assim os seguintes nexos: a conduta (activa ou omissiva) provoca a explosão; a explosão provoca perigo “concreto”; tal perigo é, por via dos nexos anteriores, imputável ao agente (ou omitente). Chegamos assim à primeira exigência legal: tem que existir um nexo entre a omissão e a explosão. A existência de um nexo entre a omissão e o facto gerador do perigo concreto (explosão), susceptível de justificar e fundamentar a responsabilidade penal do omitente, não poderá ser aferida de forma puramente objectiva. Numa perspectiva de pura objectividade, o dono de um armazém de material explosivo poderia sempre ser penalmente responsabilizado pela explosão do mesmo, ainda que tal explosão decorresse de um facto imprevisto (a queda de um avião sobre o armazém, por exemplo) já que, num raciocínio simplista, a questão se poderia equacionar nestes termos: se o material explosivo não estivesse no local (no armazém) a explosão não teria ocorrido. No caso sub iudice, objectivamente, se o explosivo não estivesse no armazém não teria existido explosão já que foi o rebentamento da pólvora que a provocou. Mas a questão que temos que colocar é esta: o facto gerador do perigo concreto (explosão) pode ser imputado a título de negligência às acções dos arguidos? A resposta será mais fácil se a equacionarmos da seguinte forma: sobre os arguidos impendia o dever jurídico de perspectivarem o evento (a explosão)? Desde já adiantaremos que entendemos que não. Mas vamos tomar como assentes, indiciariamente assentes, um conjunto de factos que não escapam a uma leitura atenta do bem elaborado inquérito: - Havia no local da explosão uma máquina não manifestada e que não estava de acordo com os termos do licenciamento; - Apenas podia existir na oficina de carregamento 1 kg. de pólvora a granel e 1 kg. de pólvora em embalagem devidamente acondicionada e de forma alguma podiam ser excedidos os 2 kgs. de pólvora no local; - No momento da explosão existiam no local mais do que os ditos 2 kgs. de pólvora; - A distância entre os depósitos de 1ª ou 2ª espécie não poderia ser inferior a 5 metros; - Os depósitos distavam entre si menos de 5 metros; - Com a instalação da máquina BSN BITURBO foi alterada a instalação eléctrica, designadamente foi instalada nova cablagem e circuito eléctrico; - A explosão de pólvora inicial ocorreu no interior da máquina BITURBO; - A dimensão da explosão foi potenciada pela existência de pólvora em suspensão. Ponto assente neste processo é que, conforme é referido a fls. 795 4.3.2. e no artigo 20º da acusação, a explosão inicial, ocorrida na máquina BITURBO, teve origem em motivos que não foi possível apurar. Ora, é esta explosão inicial que gera toda a sequência de factos posteriores – explosões secundárias, quedas de paredes, mortes, danos ... pelo que é ela a relevante para efeitos de estabelecimento da responsabilidade penal. Por outras palavras, só é possível imputar aos arguidos a prática do crime se se determinar que foi a violação de um dever de cuidado seu e a que estavam obrigados que levou à explosão. No caso concreto não foi possível determinar a causa primeira da explosão e, na verdade, elas poderiam ser muitas: v.g. a incúria de um trabalhador (erro humano), um defeito de fabrico na própria máquina, uma instalação eléctrica mal feita ... Desconhece-se e, assim sendo, é impossível imputar qualquer violação de dever de cuidado aos arguidos. É certo que tal violação, em abstracto, poderia ser feita de forma diversa. Poder-se-ia dizer que as condições criadas e existentes eram propícias e tornavam provável a eclosão do acidente. No entanto, para tal acontecer ter-se-ia que, ainda que indiciariamente, poder afirmar que o excesso de pólvora no local, a pólvora em suspensão, a alteração da cablagem ... no fundo, todos os factos que se deram como indiciariamente assentes supra, criavam condições para que, em caso de explosão, a mesma atingisse proporções que de outra forma não existiriam e ainda que os arguidos soubessem do risco provável de explosão. Ora, tais factos não estão demonstrados em termos indiciários. Vale todo o exposto por dizer que não está demonstrada a conduta (activa omissiva) por parte dos arguido que haja provocado a explosão, nem a mesma foi alegada na acusação, donde se impõe a não pronúncia. De igual sorte, e no que os homicídios por negligência respeita, a mesma ordem de razões impõe a não pronúncia já que quanto a eles se imputa como facto gerador da negligência aquele que levou à explosão. Destarte, pelas razões expostas, o Tribunal não pronuncia os arguidos». 3 – O Ministério Público interpôs recurso desse despacho. A motivação apresentada termina com a formulação das seguintes conclusões: «1 – Da matéria de facto apurada em sede de inquérito verifica-se que se encontra indiciada a violação de normas legais que determinam a existência de quantidade mínimas de pólvora no interior da oficina de carregamento, bem como se encontra indiciada a colocação de uma máquina, a título experimental na mesma oficina, sem que tal máquina tivesse sido objecto de qualquer vistoria em cumprimento do respectivo licenciamento, 2 – Encontrando-se indiciado nos autos o conhecimento das normas violadas pelos arguidos e atendendo à respectiva experiência profissional, ao tipo das normas violadas e ao facto da especial perigosidade da actividade, indicia-se que o resultado ocorrido seria altamente previsível pelos mesmos. 3 – Um comportamento pode ser considerado perigoso, em relação à verificação do evento compreendido nos crimes de resultado, quando a probabilidade de verificação daquele, considerada no momento da acção, não for insignificante, e quando o perigo exceder o que é tolerado pelas práticas correntes no sector da vida social em que se insere, o que é o caso dos presentes autos, uma vez que as práticas correntes se encontram enquadradas legal e administrativamente em normas expressas e claras que foram incumpridas. 4 – Assim sendo parece-nos ser assim incorrecta a conclusão de que sobre os arguidos não impendia o dever jurídico de perspectivarem o evento explosão pois o seu comportamento foi violador de normas legais, das quais tinham conhecimento, sendo tal violação para além do mais, dolosa. 5 – Sobre os mesmos impendia assim o dever pessoal, quer por violação de lei, quer pelos respectivos deveres funcionais, de perspectivarem o evento explosão. 6 – Encontra-se indiciado nos autos o facto de que a violação das normas legais ter criado condições para a explosão atingir proporções que de outra forma não existiriam (ou mesmo a explosão) uma vez que tais riscos se inserem no âmbito de protecção da norma. 7 – A ratio das normas violadas procurando evitar ou minorar os riscos e evitar a ocorrência de explosões tem na sua base um mínimo de laboração segura que permite afirmar com segurança que, em caso de oclusão da explosão, as suas consequências serão mínimas e salvaguardarão a integridade física dos trabalhadores, de terceiros e dos respectivos bens patrimoniais. 8 – Assim, atendendo-se à quantidade de pólvora existente no interior da oficina de carregamento, parece-nos indiciariamente provado que a existir qualquer falha técnica (que terá originado a explosão), os danos ocorridos seriam diminutos, isto caso se encontrasse no interior das instalações apenas o limite legalmente imposto, sendo assim seguramente diversas as consequências, das efectivamente ocorridas. 9 – Desta forma e em concreto, e independentemente do conhecimento da causa concreta que provocou a explosão, é nosso entendimento que as condutas dos arguidos criaram a possibilidade, também objectivamente verificável no momento do evento, de a virem a desencadear. 10 – Ou seja criaram um modelo de perigo ou tipo de perigo atendendo à regra de experiência em relação à qual a conduta é considerada perigosa. 11 – Assim sendo entendemos que o resultado ocorrido terá resultado dos comportamentos imputados aos arguidos sendo as suas condutas causais à sua produção pelo que o resultado se pode imputar às condutas dos arguidos». 4 – Esse recurso foi admitido pelo despacho de fls. 1254. 6 – Neste tribunal, o sr. procurador-geral-adjunto, quando o processo lhe foi apresentado, emitiu o parecer de fls. 1230/31. 7 – Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, apenas responderam a esse parecer os arguidos B., C. e D. (fls. 1241). II – FUNDAMENTAÇÃO 8 – Como se começou por referir no início do relatório deste acórdão, o Ministério Público imputou aos quatro arguidos a prática de três crimes de homicídio com negligência grosseira, condutas p. e p. pelos nºs 1 e 2 do artigo 137º do Código Penal, crimes esses que, em seu entender, estariam numa relação de concurso aparente com um crime negligente[1] de explosão, conduta p. e p. pelo artigo 272º, nº 1, alínea b), e nº 3, do mesmo diploma legal. O sr. juiz de instrução, ao fundamentar o despacho de não pronúncia, disse que as razões pelas quais entendia que a conduta dos arguidos não consubstanciava aqueles três crimes de homicídio eram as mesmas que justificavam o não preenchimento do tipo que prevê aquele crime de perigo comum, o que significa que, se bem compreendemos a sua exposição, considerou que o falecimento das três vítimas não podia ser imputado ao comportamento de nenhum dos arguidos porque «não foi possível determinar a causa primeira da explosão». Apreciemos então a questão colocada. O tipo[2] de crime descrito no nº 1 do artigo 137º do Código Penal pressupõe que: - O agente assuma um comportamento comissivo ou omissivo[3]; - Que esse comportamento viole o dever (objectivo e subjectivo) de cuidado[4]; - A verificação do resultado morte de uma pessoa; - A imputação desse resultado à conduta do agente. Vejamos então se a conduta assumida por cada um dos arguidos preenche esses requisitos, começando por ver se, dos factos suficientemente indiciados, se pode concluir que algum deles contribuiu de qualquer forma para a ocorrência da explosão de que veio a resultar a morte dessas três pessoas. Como refere o Ministério Público e resulta da certidão junta a fls. 307 e segs., os três primeiros arguidos eram, em 6 de Novembro de 1998, sócios da sociedade “Paulo Inácio – Armas e Munições, Lda.”. A sociedade era proprietária de um estabelecimento comercial e industrial na Estrada da Circunvalação, lote 2, nos Olivais Norte, em Lisboa, sendo titular, nomeadamente, das licenças nºs 2266-D, relativa a um depósito de 2ª espécie de pólvora, 2266-E, respeitante a um depósito de 2ª espécie para cartuchos de caça carregados, e 2266-F, que autorizava a existência de uma oficina de carregamento de cartuchos de caça (v. fls. 562 e segs.). O arguido B. era, na altura, titular de uma quota no valor nominal de 42.500.000$00 e cada um dos outros dois arguidos (C. e D.) era titular de uma quota no valor nominal de 20.000.000$00. Os sócios D. e B. tinham sido nomeados gerentes. Porém, a gerência efectiva da sociedade era assegurada pelo arguido B., que também era o responsável técnico pelo funcionamento da oficina (ver fls. 425 e 426), ocupando-se a arguida D. apenas da supervisão da área comercial. O arguido C., embora não fosse gerente, colaborava na actividade social e prestava apoio aos empregados. Naquelaa oficina estavam instaladas e encontravam-se em funcionamento três máquinas encartuchadoras. No dia 6 de Novembro de 1998, ocorreu uma explosão nessa oficina da qual resultou a morte de três pessoas, ferimentos em muitas outras e diversos danos materiais. Os alimentadores das três máquinas tinham seguramente, na altura da explosão, mais de 50 kgs. de pólvora, encontrando-se a carregar cartuchos de caça. A explosão inicial ocorreu no alimentador da máquina mais nova, que se encontrava instalada na oficina desde Agosto de 1998, tendo sido seguida por outras explosões. Assim, uma vez que a exploração do referido estabelecimento, nomeadamente o da oficina, era efectuada pela sociedade, cuja gerência era apenas assegurada, em termos efectivos, pelo seu sócio-gerente maioritário, o arguido B., sob cujo impulso a sociedade mudou de instalações e se expandiu, só ele pode ser penalmente responsabilizado pela actividade social, nomeadamente pelo facto de as máquinas terem nos alimentadores mais de 50 kgs. de pólvora quando, de acordo com a lei[5] e com a licença emitida[6] apenas aí podiam existir 2 kgs. de pólvora, e pelos efeitos que esse facto veio a gerar. Por eles não pode ser responsabilizado o seu pai, o arguido C., porque não tinha qualquer poder de gerência da sociedade, nem resulta indiciado que tenha contribuído activamente para o sucedido. O mesmo se diga da arguida D., mãe do arguido B., que embora gerente, não exercia efectivamente essa função, não tendo, para além do mais, a seu cargo as áreas industrial e de segurança. Por outro lado, não se consegue descortinar qualquer violação do dever de cuidado no comportamento do arguido E. (assessor técnico da Comissão de Explosivos da Polícia de Segurança Pública que procedeu, em 1995, às vistorias necessárias e elaborou os relatórios impostos pelo pedido de transferência do licenciamento da actividade da sociedade para as novas instalações) que possa vir a ser considerada como condição sine qua non da explosão. Não o são, antes do mais, os relatórios elaborados na sequência das vistorias efectuadas nos termos dos nºs 3 e 5 do artigo 22º do “Regulamento sobre o licenciamento dos estabelecimentos de fabrico e de armazenagem de produtos explosivos”, aprovado pelo Decreto-Lei nº 376/84, de 30 de Novembro (ver fls. 427 a 429), uma vez que não se descobre neles qualquer inexactidão quanto à descrição da situação existente antes e depois da realização das obras constantes da memória descritiva apresentada, nem o é o relatório elaborado depois de a explosão ocorrer, que pretende explicar, correcta ou incorrectamente, as suas causas. Também não o é seguramente qualquer comportamento contemporâneo da explosão. De facto, para além de não resultar indiciado dos autos que ele tenha de qualquer forma contribuído activamente para a explosão, também não impendia sobre ele qualquer dever de acção que pudesse conferir relevância penal a um eventual non facere. Por tudo isto, só encontramos indícios da verificação de um comportamento violador do dever de cuidado: o do arguido B., de reunir meios humanos e materiais para que a sociedade de que era gerente tivesse instalado e explorasse uma oficina de carregamento de cartuchos de caça que utilizava permanentemente na sua actividade quantidades de pólvora muito superiores às estabelecidas na lei, que estavam, de resto, expressamente mencionadas na licença emitida. Excluída fica, assim, se bem que por fundamentos diferentes do enunciados no despacho recorrido, a responsabilidade penal dos arguidos C., D. e E.. Apurada a existência de indícios suficientes de o arguido B. ter assumido um comportamento violador do dever de cuidado e da verificação da morte de três pessoas, resta agora ver se se pode juridicamente imputar a esse comportamento o resultado ocorrido. O sr. juiz excluiu essa imputação por não ter sido determinada a «causa primeira da explosão[7]». Temos, porém, para nós, com o que julgamos acompanhar a esmagadora maioria da doutrina e da jurisprudência, que a relação de causalidade entre o comportamento e o evento, quer se parta da teoria da equivalência das condições[8], quer do critério da condição conforme às leis naturais[9], se basta com a afirmação de que a acção é uma das condições do resultado, ou seja, que a acção co-causou o resultado[10], não sendo necessário que ela seja a primeira (ou última) condição da sua verificação. Assim sendo, parece inegável que a existência na oficina daquela quantidade de pólvora, em contravenção com o disposto na lei e na licença emitida, foi uma das condições da ocorrência da explosão, daquela concreta explosão, com as características que teve e com os resultados que produziu. Afirmada a relação de causalidade, importa agora, num momento seguinte, averiguar se a imputação do resultado deve ser excluída por qualquer um dos critérios normativos para o efeito sustentados pela doutrina, ou seja, os da adequação e o da conexão de risco, com todos os seus momentos específicos[11]. Ora, parece irrecusável que, em face daquela concreta situação, o resultado verificado surgia ex ante como previsível, não constituindo qualquer ocorrência anómala ou de rara verificação. Por outro lado, o comportamento do arguido Pedro, ao desenvolver a actividade industrial naqueles moldes, incrementou o risco permitido num sector que já é em si muito perigoso, constituindo os resultados produzidos um dos efeitos que a imposição daquelas concretas normas de cuidado visava impedir. A adopção do comportamento imposto pela norma de cuidado teria evitado seguramente a magnitude da explosão e as consequências humanas e matérias que ela provocou, nomeadamente a morte dos três trabalhadores. Por isso, não se podem, pois, deixar de imputar os resultados verificados à conduta do arguido B., gerente da sociedade que explorava a oficina e seu responsável técnico pela segurança. Indiciada a responsabilidade deste arguido pela prática de três crimes de homicídio negligente, haverá apenas que ponderar se o grau de violação do dever de cuidado justifica a qualificação desta como grosseira, nos termos e com os efeitos previstos no nº 2 do artigo 137º do Código Penal. Considerando que a negligência grosseira resulta de «uma especial intensificação da negligência não só ao nível da culpa mas também do ilícito», ou seja, de um «comportamento particularmente perigoso e um resultado de verificação altamente provável à luz da conduta adoptada», que revele «uma atitude particularmente censurável de leviandade ou descuido perante o comando jurídico-penal[12]», deveremos concluir que não existe, a este nível, fundamento para a qualificação de cada um desses crimes, não sendo para isso relevante nem a magnitude dos resultados produzidos, nem o facto de a máquina em que ocorreu a explosão ainda não se encontrar licenciada uma vez que, nada apontando para que ela fosse dotada de um inferior nível de segurança, essa falta de licenciamento em nada se repercutia no grau da negligência. De tudo isto se conclui pela existência de indícios suficientes da prática pelo arguido B. de três crimes de homicídio negligente, p. e p. pelo nº 1 do artigo 137º do Código Penal. Os fundamentos desta decisão conduzem a que se considere que também estão preenchidos todos os elementos do tipo descrito na alínea b) do nº 1 e no nº 3 do artigo 272º do Código Penal, que o Ministério Público considerou estar em concurso meramente aparente com os três crimes de homicídio negligente. Há, pois, que revogar parcialmente a decisão recorrida determinando que ela seja substituída por outra que pronuncie o arguido B. pela prática dos indicados crimes. III – DISPOSITIVO Face ao exposto, acordam os juízes da 3ª secção deste Tribunal da Relação em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público determinando que a decisão recorrida seja substituída por outra que pronuncie o arguido B. pela prática de três crimes de homicídio negligente, condutas p. e p. pelo nº 1 do artigo 137º do Código Penal, em concurso com um crime de explosão negligente p. e p. pelo artigo 272º, nº 1, alínea b), e nº 3, do Código Penal. Sem custas (artigo 75º, alínea b) do Código das Custas Judiciais). ² [1] Crime esse em que, ao contrário do que as conclusões da motivação parecem sugerir, tanto a conduta como a verificação do perigo concreto que dela resulta são imputados à negligência do arguido.Lisboa, 14 de Janeiro de 2003 (Carlos Rodrigues de Almeida) (António Rodrigues Simão) (Horácio Telo Lucas) ____________________________________________________________ [2] Para este efeito é irrelevante saber se o tipo negligente se desdobra ou não em tipo objectivo e tipo subjectivo e, caso seja dada uma resposta afirmativa a essa questão, quais são os elementos que integram o tipo subjectivo. Quer se considere que o dever subjectivo de cuidado pertence ao tipo de culpa, quer se entenda que ele integra a parte subjectiva do tipo de ilícito, o certo é que o artigo 15º do Código Penal exige, para que se possa imputar a alguém uma conduta negligente, que ela tenha violado quer o dever objectivo, quer o dever subjectivo de cuidado. [3] Desde que sobre ele impenda «um dever jurídico que pessoalmente o obrigue a evitar esse resultado» (nº 2 do artigo 10º do Código Penal). [4] Para cuja delimitação contribuem as normas de cuidado definidas no «Regulamento sobre a Segurança nas Instalações de Fabrico e Armazenagem de Produtos Explosivos» aprovado pelo Decreto-Lei nº 142/79, de 23 de Maio, rectificado pela Declaração de Rectificação publicada na I Série do Diário da República de 27/7/1979, nas páginas 1737/8, alterado pelas Portarias nºs 831/82, de 1 de Setembro, e 506/85, de 25 de Julho, e hoje substituído pelo Decreto-Lei nº 139/2002, de 17 de Maio. [5] Ver nº 7 do artigo 18º do Decreto-Lei nº 142/79, de 23 de Maio, hoje já revogado e substituído pelo Decreto-Lei nº 139/2002, de 17 de Maio. [6] Ver fls. 121. [7] Como pressuposto desta afirmação parece estar a adopção de uma das denominadas teorias individualizadoras da causalidade, como aquela sustentada por Kohler, segundo a qual «causa seria aquela condição que faz desencadear a força que conduz ao resultado», ou a de Ortmann, que para isso considera relevante apenas a última condição. Trata-se de teorias que, a seu tempo, «foram objecto de crítica e na actualidade não encontram defensores» (ver ESCAMILLA, Margarita Martinez, in «La imputacion objetiva del resultado», Edersa, Madrid, 1992, p. 8, e ,sobre a crítica das teorias individualizadoras da causalidade, ORDEIG, Enrique Gimbernat, in «Delitos cualificados por el resultado y causalidad», Réus, Madrid, 1966, p. 93 e segs.). Note-se, para além disso, que em certos trechos da fundamentação, o sr. juiz se refere a um eventual comportamento omissivo, relativamente ao qual não se pode exigir a existência de uma relação de causalidade real. [8] ver, neste sentido, nomeadamente, DIAS, Jorge de Figueiredo, in «Textos de Direito Penal – doutrina geral do crime», Coimbra, 2001, p. 53 e segs. [9] ver, neste sentido, nomeadamente, JESCHECK, Hans-Heinrich e WEIGEND, Thomas, in «Tratado de Derecho Penal – Parte General», Comares, Granada, 2002, p. 303, e JAKOBS, Günther, in «Derecho Penal – Parte General – Fundamentos e teoria de la imputación», Marcial Pons, 2ª edição corrigida, Madrid, 1997, p. 229. [10] JESCHECK e WEIGEND, ob. Cit. P. 297. [11] Ver sobre eles Figueiredo Dias, ob. cit. p. 64 e segs. [12] DIAS, Jorge de Figueiredo, in «Temas Básicos da Doutrina Penal», Coimbra Editora, Coimbra, 2001, p. 381, a quem pertencem as citações transcritas. Sobre o tema veja-se também ROXIN, Claus, in «Derecho Penal – Parte General – Tomo I», Civitas, Madrid, 1997, p. 1026 e segs. |