Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7813/2008-1
Relator: JOÃO AVEIRO PEREIRA
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
FALTA DE CITAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/13/2009
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: I – Por vício da citação, a sentença transitada em julgado só pode ser objecto de revisão nos casos de revelia absoluta do réu na acção e na execução, conjugados com a falta ou a nulidade da citação.
II – Há falta de citação quando o destinatário da citação pessoal não chegou sequer a ter conhecimento de tal acto, por facto que não lhe seja imputável.
III – Há revelia na execução quando o executado não se lhe opõe, nem se opõe à penhora, nem pratica qualquer outro acto no processo, pessoalmente ou por representante.
IV – Está neste caso o executado que, em vez de, por qualquer forma, se opor à execução, opta por interpor recurso extraordinário de revisão da sentença exequenda, deixando assim a execução correr à sua revelia.
JAP
Decisão Texto Integral: I – Relatório
A, interpôs o presente recurso extraordinário de revisão da sentença que, a requerimento de E, confirmou a sentença estrangeira que decretou o divórcio entre ambos.
O recorrente alega e conclui, em síntese, o seguinte:
1.º O ora Recorrente foi citado para uma execução a correr os seus termos pelo Tribunal Judicial de Ílhavo, onde a Requerente (aí Exequente) pretendia que o Recorrente cumprisse uma sentença do Estado de New Jersey, Estados Unidos da América do Norte - documento n.º 1
2.° Mais constava da dita execução que o ora Recorrente havia sido citado, no âmbito deste processo de revisão de sentença estrangeira e não havia deduzido qualquer oposição
3.° O Requerente dirigiu-se a este Tribunal da Relação, em 3 de Setembro de 2008 e obteve certidão = doc. 2 - donde consta, nomeadamente que,
4.° Foi indicada como a sua residência Newark, NJ07105, nos Estados Unidos da América do Norte, onde não foi citado, porque nunca ai residiu
5.°E, posteriormente, foi indicada uma nova residência na Rua F Almada, onde também o Réu nunca residiu e, onde pretensamente foi citado.
6.°Analisando o aviso de recepção constata-se que, apesar dos "gatafunhos" em que a assinatura se traduz, a citada foi Maria (?...?, pessoa que o Requerente desconhece em absoluto
7.° A Requerente do pedido de revisão de sentença estrangeira – E – sempre soube onde o ora Recorrente habita, omitindo-o deliberadamente nos presentes autos, para impedir que este tivesse conhecimento do pedido de revisão e se opusesse ao mesmo, como aliás fez nos Estados Unidos da América do Norte no que concerne ao processo de divórcio cuja sentença agora se pretende rever
8.° E a Requerente do pedido de revisão sabe bem que a residência do Recorrente em Portugal que é na Rua D Nazaré, desde 1999, tendo com ele ai residente pelo menos litigado num processo crime, que correu os seus termos pelo 2° Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Albergaria-a-Velha, num processo de divórcio litigioso que correu os seus termos pelo Tribunal de Família e Menores de Aveiro, num processo de inventário que correu pelo mesmo tribunal e em 12 de Junho de 2008 deu entrada à execução, do 2° Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Ílhavo – doc.1.
9.° Quando, em 18/03/08 ainda havia indicado como morada do Recorrente a Rua F, em Almada – certidão junta – agindo de absoluta má fé, como aliás sempre fez, em circunstâncias que agora não se mostram relevantes para os presentes autos.
10.º Face ao relatado, à certidão emitida por esse tribunal e ao que demais consta dos autos, resulta claro que o ora Recorrente nunca teve conhecimento do presente processo de revisão, nem do processo de divórcio que correu os seus termos nos Estados Unidos da América do Norte, por facto que não lhe é imputável e, consequentemente não pode considerar-se citado aliena e) do artigo 195° do C.P.C.
11.° Nos termos da alínea g) do artigo 771 ° do Cód. Proc. Civil, qualquer decisão transitada em julgado pode ser objecto de revisão desde que "tendo corrido a acção e a execução à revelia, por falta absoluta de intervenção do Réu, se mostre que faltou a citação ou que é nula a citação feita."
12.° O Recorrente teve conhecimento dos factos descritos supra em 3 de Setembro de 2008, quando se deslocou a esse tribunal e obteve a certidão que se junta, pelo que é viável a sua interposição, nos termos do artigo 772° do Código Processo Civil.
13.º Estão assim reunidas todas as condições para a admissão do presente recurso de revisão, o que se requer, seguindo-se os ulteriores termos, nomeadamente os do artigo 774°, 775° e 776° todos do Código de Processo Civil
14.° E, assim sendo, a sentença que recaiu sobre o processo de revisão de sentença estrangeira é susceptível de revisão nos termos da aliena e) do artigo 771° do C.P.C.
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Em resposta, a Recorrida contrapõe, em resumo:
1.º A Recorrida não ficcionou qualquer morada do Recorrente no Processo de Revisão e Confirmação de Sentença Estrangeira intentado no Tribunal da Relação de Lisboa, porquanto a morada indicada no Requerimento Inicial foi fornecida por uma pessoa conhecida da Recorrida, que reside nos Estados Unidos da América, e que lhe facultou o referido endereço como sendo a morada conhecida do Recorrente nos E.U.A., visto que a Recorrida desconhecia essa informação, pois não tem qualquer contacto directo com o Recorrente desde a separação de facto ocorrida em 1998.
2.° Porém, após a carta de citação do Tribunal da Relação de Lisboa ter vindo devolvida, a Recorrida investigou novamente junto das poucas pessoas conhecidas de ambas as partes de qual seria efectivamente a morada de residência actual do Recorrente, tendo sido informada de que seria no referido endereço em Almada, Portugal. Porém, a Recorrida não pode garantir que o Recorrente lá tenha alguma vez residido, como é natural.
Não deve ser dado provimento ao Recurso Extraordinário de Revisão interposto pelo Recorrente, por não lhe assistir qualquer mérito legal, mantendo-se a decisão já proferida nos autos, por a mesma se conformar
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Cumpre apreciar e decidir.
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II – Fundamentação
A – Com interesse para a decisão, mostra-se assente o seguinte:
1. E, casada, residente em, Estados Unidos da América, requereu contra A, a revisão e a confirmação da sentença do Tribunal Superior de Nova Jérsia, E.U.A., que decretou o divórcio entre ambos, indicando como residência conhecida do requerido Newark, NJ07105, Estados Unidos da América.
2. Por sentença do Tribunal Superior do Estado de New Jersy, Estados Unidos da América, proferida a 1de Março de 2000, foi decretado o divórcio entre os ora Requerente e Requerido, conforme doc. de fls. 9-17.
3. Tentada a citação na morada indicada pela Requerente como sendo do Requerido, nos E.U.A., veio a respectiva carta, com aviso de recepção, devolvida, com a menção de não reclamada “unclaimed” (fls. 27 do proc. principal).
4. A Requerente indicou então a morada da Rua F Almada (fls. 31 do proc. princip.).
5. O aviso de recepção relativo à citação postal nesta última morada mostra-se assinado, mas não pelo então requerido e ora recorrente (fls. 33 do proc. princip.).
6. Em 14-03-2008, foi neste Tribunal da Relação de Lisboa proferida decisão que declarou esta sentença revista e confirmada (fls. 84-85 do proc. principal).
7. Esta decisão transitou em julgado.
8. O Recorrente demandou a ora Recorrida no Tribunal de Família e Menores de Aveiro, pedindo o divórcio litigioso, constando da respectiva sentença, de 24-05-2002, a residência daquele na rua D Nazaré (doc. de fls. 21-21, destes autos).
9. O ora Recorrente foi citado para uma execução a correr os seus termos pelo Tribunal Judicial de Ílhavo, do 2° Juízo, onde a a ora Recorrida (aí Exequente) pretendia que o Recorrente cumprisse a sentença supra identificada do Estado de New Jersey, Estados Unidos da América do Norte - documento n.º 1.
10.° Mais constava da dita execução que o ora Recorrente havia sido citado, no âmbito deste processo de revisão de sentença estrangeira e não havia deduzido qualquer oposição.
11.º No requerimento executivo de 12-06-2008, documentado a fls. 8-12 dos presentes autos, consta como morada do executado, ora recorrente, a Rua D Nazaré.
12.° O ora recorrente não foi citado em Newark, NJ07105, nos Estados Unidos da América do Norte, porque nunca ai residiu.
13O Réu também nunca residiu na Rua F Almada, onde pretensamente foi citado.
14.º O Recorrente teve conhecimento dos factos descritos supra em 3 de Setembro de 2008, quando se deslocou a esse tribunal e obteve a certidão que se junta.
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B – Apreciação
A matéria supra descrita, dada como assente, baseia-se nos documentos juntos e na posição de não impugnação que a Recorrida assumiu na sua resposta. Na verdade, a Recorrida desenvolve várias considerações sobre matéria não relacionada com a questão processual que aqui importa resolver, a da regularidade da citação. Sobre este ponto, limitou-se a Recorrida a dizer, no essencial, que investigou junto de pessoas conhecidas (que não identifica) e não ficcionou a morada do requerente, afirmando inclusivamente que não pode garantir que o Recorrente alguma vez tenha residido na morada para a qual foi expedida e dada como efectuada a citação (art.ºs 2.º, in fine, e 3.º da resposta).
A única questão que aqui se impõe decidir é se há fundamento legal para a procedência do recurso.
Nos termos do art.º 771.º, al. e), do CPC, a decisão transitada em julgado só pode ser objecto de revisão quando, tendo corrido a acção e a execução à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que faltou a sua citação ou é nula a citação feita.
No caso em apreço houve falta absoluta de intervenção do requerido na acção de revisão e confirmação da sentença estrangeira, por não ter sido citado.
Com efeito, há falta de citação, nos termos do art.º 195.º, n.º 1, al. e), do CPC, nomeadamente quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável. E foi o que se verificou nestes autos.
No tocante à execução, ocorre revelia quando o executado «não se lhe opõe nem a contesta por simples requerimento, não se opõe à penhora nem pratica qualquer outro acto no processo, pessoalmente ou por meio de representante» (Amâncio Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, 8.ª ed., Almedina, Coimbra, 2008, p. 311)
Ora, no caso dos autos, o executado optou por interpor o presente recurso para atacar a decisão de revisão e confirmação de sentença estrangeira, em vez de se opor à execução, correndo também esta à sua revelia.
Portanto, encontra-se realmente preenchido o requisito indispensável previsto na invocada alínea e) do art.º 771.º do C.P.C., razão por que o recurso de revisão merece ser julgado procedente, com a consequência prevista no art.º 776.º, al. a), do CPC.
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III – Decisão
Pelo exposto, julgando procedente o recurso:
1) revogo a sentença recorrida e anulo os termos do processo posteriores ao momento em que devia ser feita a citação do Réu; e
2) ordeno que o Réu seja citado para a causa, na morada correcta.
Custas pela Recorrida.
Notifique
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Lisboa, 13.1.2009
O Juiz Relator
João Aveiro Pereira