Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
571-D/2000.L1-1
Relator: MARIA DO ROSÁRIO BARBOSA
Descritores: CASA DA MORADA DE FAMÍLIA
COMPETÊNCIA
CONSERVADOR DO REGISTO CIVIL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/05/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I - Face ao ao regime estatuído pelo Decreto-Lei nº. 272/2001, de 13 de Outubro, o pedido de atribuição de casa de morada de família deve ser requerido perante o Conservador do Registo Civil apenas não o sendo nos casos em que seja cumulado com outros pedidos no âmbito da mesma acção judicial, ou constituam incidente ou dependência de acção pendente, circunstâncias em que continuam a ser tramitadas nos termos previstos no Código de Processo Civil.
II-Apenas será perante o Tribunal se estiver pendente acção de divórcio ou separação judicial de pessoas e bens litigiosos, a título provisório, nos termos do art. 1407º. do CPC. ou a título definitivo, através da acção especial prevista no art. 1413º. do CPC..
(sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
C interpõe recurso de Agravo do despacho de 16.10.07 nos termos do qual o tribunal a quo se declarou incompetente para a acção de atribuição de casa de morada de família por a mesma ser da competência das Conservatórias do registo civil, nos termos do art. 5º, nº1, al. b)do DL 272/01 de 13.10.
São as seguintes as conclusões de recurso apresentadas:
Conclusões:
la No processo de jurisdição voluntária para atribuição da casa de morada de família, previsto e regulado no art.° 1413° do CPC foi realizada tentativa de conciliação das partes;
2a Não tendo sido alcançado o acordo das partes, o requerido contestou a pretensão e o Tribunal ordenou a realização de diligências entendidas como necessárias à decisão de mérito a proferir;
3a No figurino processual estabelecido e face à instrução do processo efectuada deveria o Tribunal ter designado data para realização da audiência de discussão e julgamento;
4a Antes da decisão recorrida, as partes deveriam ter sido notificadas para se pronunciarem sobre a questão da competência do Tribunal, uma vez que não foi deduzida excepção dilatória nos articulados nem o Tribunal anunciou, previamente, que a conheceria oficiosamente;
5a O Tribunal recorrido é competente para decidir os processos de atribuição da casa de morada de família quando esteja constatada a impossibilidade de acordo das partes e a instrução do processo esteja concluída;
6a A competência da Conservatória do Registo Civil não é exclusiva, estando o Conservador vinculado ao dever de remessa dos autos ao Tribunal competente no caso de se verificar a impossibilidade de acordo das partes;
7a E mais adequado aos princípios da economia e celeridade processual, que enforma o processo civil, ao desiderato da lei que atribui competência à Conservatória e aos estado dos autos designar data para realizar a audiência de discussão e julgamento sem violação de qualquer norma de direito geral ou constitucional aplicável ao processo de jurisdição voluntária em causa;
8a A interpretação das normas não deve cingir-se à letra mas atender à sua razão de ser e aos objectivos que com elas se pretendem alcançar;
9a A excepção dilatória inominada da incompetência do Tribunal determinará, se procedente, ao envio dos autos para a Conservatória do Registo Civil.
10a A decisão recorrida viola, assim, por deficiente interpretação e aplicação do disposto no art.° 2°, n° 3 do CPC, os princípios da economia e celeridade processuais, o disposto no art.° 5°, 7° e 8° do Decreto-Lei 272/01, de 13/10, interpretados conforme à razão de ser e aos objectivos que visa alcançar e, ainda, no caso de ser mantida a decisão, o disposto no art.° 111°, n° 3 do CPC.
Termos em que, Senhores Juizes Desembargadores do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, e contando com o douto suprimento das lacunas do patrocínio, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue o Tribunal de Família e Menores do Seixal competente em razão da matéria prosseguindo os autos com a designação da data para realização da audiência de discussão e julgamento.
Para o caso não proceder o recurso quanto à questão da competência, deve a decisão ser substituída por outra que ordene a remessas dos autos à Conservatória do Registo Civil competente.”

O tribunal a quo manteve o despacho.

Objecto do recurso.
Nos termos do disposto nos art. 684, nº3 e 4 e 690, nº1, do CPC o objecto do recurso delimita-se, em princípio, pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do conhecimento das questões de que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art. 660, ex. vi do art. 713, nº2, do mesmo diploma legal.

Os factos a ter em consideração são os seguintes.
Em 27/1/2005, a ora recorrente instaurou, por apenso ao processo de divórcio litigioso n° 571/2000, 1° Juízo de Família e Menores, (já transitado) processo de atribuição de casa da morada de família a título de arrendamento.
O Tribunal convocou os ex-cônjuges para a tentativa de conciliação determinada no n° 2 do art.° 1413° do CPC, à qual compareceram ambos no dia 30/95/2005.
Tendo-se frustrado essa tentativa, o Tribunal ordenou a notificação do requerido para contestar.
O requerido apresentou contestação, não se opondo ao pedido da requerente de lhe ser atribuída a casa de morada de família, mas pugnando que o valor da renda a fixar fosse substancialmente superior ao indicado por ela.
Por despacho de fls. 47, proferido em 6/10/2005, o Tribunal convidou «a requerente a precisar a matéria alegada sob o art.° 18° da petição inicial» e ainda para juntar vários documentos, que no dito despacho identificou.
Por requerimento de 24/10/2005, a requerente deu cumprimento ao convite que lhe foi dirigido e aperfeiçoou a petição inicial e por requerimento da mesma data juntou vários documentos.
Por requerimento de 5/12/2005 a requerente, ainda na sequência do douto despacho de fls. 47, requereu a junção aos autos doutro documento.
Por despacho de 16.10.07 o tribunal a quo declarou-se incompeente para a acção por a mesma ser da competência das Conservatórias do registo civil, nos termos do art. 5º, nº1, al. b)do DL 272/01 de 13.10.

A questão de que cumpre conhecer e decidir é a seguinte:
1ª- Será o Tribunal de Família o competente para conhecer dos presentes autos nos quais está em apreciação o pedido de atribuição da casa de morada de família?
Vejamos
A Lei n.º 82/2001 de 3 de Agosto autorizou o Governo a atribuir e transferir competências relativas a vários processos especiais dos Tribunais Judiciais para diversas outras entidades, designadamente as conservatórias do registo civil.
Nos termos do artigo 3º n.º 2 al. ii da Lei n.º 82/2001 de 3 de Agosto a autorização legislativa extensão revela-se na solução de conferir competência aos conservadores de registo civil para decidir em matéria de “atribuição de casa de morada de família”.
Posteriormente, e na sequência daquela Lei n.º 82/2001 de 3 de Agosto foi publicado o Decreto-Lei n.º 272/2001 de 13 de Outubro.
Dispõe o artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 272/2001 (que opera a transferência de competência decisória em determinados processos de jurisdição voluntária dos tribunais judiciais para o Ministério Público e as conservatórias do registo civil), inserido no CAPÍTULO III -Do procedimento perante o conservador do registo civil - SECÇÃO I - Do procedimento tendente à formação de acordo das partes - sob o título “Objecto do procedimento tendente à formação de acordo das partes” que:
1 - O procedimento regulado na presente secção aplica-se aos pedidos de:
a) Alimentos a filhos maiores ou emancipados;
b) Atribuição da casa de morada da família;
c) Privação do direito ao uso dos apelidos do outro cônjuge;
d) Autorização de uso dos apelidos do ex-cônjuge;
e) Conversão de separação judicial de pessoas e bens em divórcio.
2 - O disposto na presente secção não se aplica às pretensões referidas nas alíneas a) a d) do número anterior que sejam cumuladas com outros pedidos no âmbito da mesma acção judicial, ou constituam incidente ou dependência de acção pendente, circunstâncias em que continuam a ser tramitadas nos termos previstos no Código de Processo Civil.
Nos termos do artigo 6.º n.º 1 al. b) do mesmo diploma legal “é competente a conservatória do registo civil da área da situação da casa de morada da família no que respeita aos processos previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo anterior”.
Estatui o artigo 8.º do mesmo diploma legal que “tendo havido oposição do requerido e constatando-se a impossibilidade de acordo, são as partes notificadas para, em oito dias, alegarem e requererem a produção de novos meios de prova, sendo de seguida o processo, devidamente instruído, remetido ao tribunal judicial de 1.ª instância competente em razão da matéria no âmbito da circunscrição a que pertence a conservatória”.
“Remetido o processo ao tribunal judicial nos termos do artigo anterior, o juiz ordena a produção de prova e marca audiência de julgamento, artigo 9 n.º 1 do mesmo diploma legal, sendo aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 1409.º a 1411.º do Código de Processo Civil, artigo 9 n.º 2 do mesmo diploma legal.
Nos termos do preâmbulo do D.L. n.º 272/2001 importa desonerar os tribunais de processos que não consubstanciem verdadeiros litígios, permitindo uma concentração de esforços naqueles que correspondem efectivamente a uma reserva de intervenção judicial.
Deste modo entendeu o legislador procedeu “à transferência de competências para as Conservatórias de Registo Civil em matérias respeitantes a um conjunto de processos de jurisdição voluntária relativos a relações familiares, tais como, a da atribuição da casa de morada da família, na estrita medida em que se verifique ser a vontade das partes conciliável e sendo efectuada a remessa para efeitos de decisão judicial sempre que se constate existir oposição de qualquer interessado”.
Perante o supra citado quadro legal a razão se encontra do lado do despacho recorrido, devendo a atribuição da competência para conhecer do pedido de atribuição da casa de morada de família ser atribuída à Conservatória do Registo Civil e não ao Tribunal de Família.
Pois, face ao novo regime estatuído pelo Decreto-Lei nº. 272/2001, de 13 de Outubro, o pedido de atribuição de casa de morada de família deve ser requerido perante o Conservador do Registo Civil apenas não o sendo nos casos em que seja cumulado com outros pedidos no âmbito da mesma acção judicial, ou constituam incidente ou dependência de acção pendente, circunstâncias em que continuam a ser tramitadas nos termos previstos no Código de Processo Civil.
Ou seja, apenas será perante o Tribunal se estiver pendente acção de divórcio ou separação judicial de pessoas e bens litigiosos, a título provisório, nos termos do art. 1407º. do CPC. ou a título definitivo, através da acção especial prevista no art. 1413º. do CPC..
Como é evidente não estamos, na hipótese em análise perante qualquer uma destas situações.
Assim aplica-se a regra geral, devendo o pedido de atribuição de casa de morada de família ser formulado perante o Conservador do Registo Civil na Conservatória competente.

É certo que o processo pode transitar para o Tribunal mas tem de se iniciar na Conservatória.
E a circunstância de se não ter conhecido mais precocemente da incompetência, por descuido do tribunal, não obsta a que o tribunal o tenha feito mais tarde pois este tipo de incompetência é do conhecimento oficioso.

Deste modo nenhuma censura nos merece a decisão recorrida que atribuiu a competência para apreciação do pedido formulado nos presentes autos de atribuição da casa de morada de família à Conservatória de Registo Civil, uma vez que nesta fase processual o tribunal carece de competência para tramitar o processo por a mesma ter sido transferida para a Conservatória do Registo Civil nos termos do Dec. Lei n.º 272/2001.

E no caso visto a competência não ser de outro órgão jurisdicional, pese embora a bondade do alegado pela recorrente (que se compreende) não pode ser o tribunal a quo a ordenar a remessa dos autos á Conservatória.
Por tudo o que se deixou exposto o agravo não pode proceder.
Decisão
Pelo exposto julga-se improcedente o agravo, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela Agravante.
Lisboa, 5 de maio de 2009
Maria do Rosário Barbosa
Rosário Gonçalves
José Augusto Ramos