Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
11056/12.3YYLSB.L1-6
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: EXECUÇÃO DE SENTENÇA PENAL
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
CONDENAÇÃO ILÍQUIDA
TRIBUNAL COMPETENTE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/05/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. - Segundo o art.º 102.º-A, n.º 2, da LOFTJ, ocorre exclusão da competência dos juízos de execução, não só quanto aos processos atribuídos aos tribunais de família e menores, aos tribunais do trabalho, aos tribunais de comércio e aos tribunais marítimos – que continuam a ser competentes para executar as suas decisões –, como relativamente às execuções de sentenças proferidas por tribunal criminal que, segundo a lei processual penal, não devam correr perante o tribunal civil.
2. - Estas execuções de sentença são referentes aos pedidos indemnizatórios cíveis em processo crime, ali deduzidos segundo o princípio da adesão (art.º 71.º do CPPen.).
3. - Neste âmbito, se a condenação é em quantia indemnizatória ilíquida, a ter, por isso, de ser objecto de liquidação, para subsequente execução patrimonial, obrigando à realização de tarefa tipicamente cível de fixação do quantum do dano a indemnizar, a dever correr perante tribunal vocacionado para o efeito, isto é, perante tribunal da esfera cível, são competentes para a execução de sentença os juízos de execução.
4. - Se, ao invés, a condenação é em quantia indemnizatória líquida, apenas restando executar a decisão, é competente para a execução de sentença o tribunal criminal, correndo a execução por apenso ao respectivo processo crime.(sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I – Relatório

M…, com residência na Rua … intentou a presente execução comum para pagamento de quantia certa contraJ…, residente na dita Rua …,ascendendo o pedido exequendo ao montante de € 1.087,34 (sendo € 1.000,00 correspondentes a capital indemnizatório e € 87,34 a juros de mora).

Alegou que, por sentença de proferida no âmbito do Processo n.º …/08.5S3LSB, que correu termos pela 2.ª Secção do 6.º Juízo Criminal de Lisboa, foi o Executado condenado a pagar à Exequente a quantia de € 1.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal, desde a data da sentença e até ao integral pagamento, sendo que aquele não procedeu ao pagamento e que a sentença condenatória constitui título executivo.

Juntou cópia de sentença penal e, por requerimento subsequente, requereu que fosse oficiado ao 6.º Juízo Criminal de Lisboa no sentido de ser obtido traslado da sentença.

Foi proferido despacho liminar, datado de 13/09/2013 (cfr. fls. 27 e segs. do processo em suporte de papel), julgando “… verificada a excepção dilatória de incompetência material destes Juízos de Execução” e, assim, indeferindo liminarmente a execução.

Inconformada, a Exequente recorreu do decidido, apresentando alegação e formulando, após convite ao aperfeiçoamento, as seguintes

Conclusões:

1. Os tribunais têm entendimentos diferenciados sobre a competência em razão de matéria e no que concerne à interpretação n.º 2 do art.º 102.º-A da LOFTJ.

2. A recorrente intentou acção executiva, por Apenso no processo n.º …/08.5S3LSB, no 6.º juízo Criminal de Lisboa, 2.ª Secção em 07-02-2012.

3. Em 26-03-2012, em sede de sentença o tribunal considerou que:

“Verificada se mostra a excepção dilatória nominada de incompetência absoluta, em razão de matéria, que não é susceptível de ser suprida, dando lugar a absolvição da instância, nos termos do disposto nos artigos 101.º, 105.º nº1 e 288.º n.º 1 a) do C.P.C.

Com os fundamentos supra referidos, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 101.º, 102.º, 105.º, n.º 1, 288.º, n.º 1 a), 493.º, n.ºs 1 e 2, e 494.º, n.º 1 a), todos do C.P.C, julgo verificada a excepção dilatória de incompetência absoluta, em razão da matéria e, consequentemente, absolvo o executado/oponente da presente instância executiva. (…)”.

4. A recorrente intentou nova acção executiva nos Juízos de Execução de Lisboa em 21 de Junho de 2012.

5. Em 17-09-2013 a recorrente é notificada de sentença na qual o tribunal a quo considerou que:

“(…) entendemos que é materialmente competente para tramitar a execução da decisão de arbitramento de indemnização civil proferida em processo penal julgado na área de comarca onde se encontram instalados os juízos de execução, o juízo criminal que proferiu a decisão a executar. No caso vertente sendo a dada execução a sentença condenatória proferida no processo Comum nº …/08.5S3LSB, cuja indemnização não foi relegada para execução de sentença, estes Juízos de Execução são materialmente incompetentes para a tramitação do presente processo, pois tal decisão deve ser executada pela 2.ª secção do 6.º juízo Criminal de Lisboa conforme resulta dos arts. 102.º-A e 103.º da LOFTJ. (…)”.

6. A Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, na sua redacção inicial (Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro), consagrou o princípio de que o decisor devia ser o executor, previa no art.º 103.º a regra de que os tribunais de competência especializada e de competência específica eram competentes para executar as respectivas decisões.

7. Porém, o Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 Março, veio introduzir alterações significativas ao processo de execução, libertando o juiz das tarefas processuais que não envolvessem uma função jurisdicional e prevendo que, nos casos em que essa intervenção tivesse de ocorrer, a mesma se fizesse através de magistrados judiciais afectos a juízos de execução e só através dos magistrados do tribunal de competência genérica quando não fossem criados esses juízos com competência específica.

8. A introdução dos juízos de execução, como juízos de competência específica, passou os tribunais de competência específica a ser os que conhecem de matérias determinadas pela espécie de acção ou pela forma de processo aplicável.

9. Ora, a competência dos juízos de competência específica passou a ser definida também em função da matéria, precisamente para abranger os juízos de execução que apenas conhecem de uma espécie de acções: as acções executivas (cfr. art. 4.º, n.º 1 do Código de Processo Civil).

10. O art.º 102.º-A da LOFTJ consagrou a regra geral da competência dos juízos de execução, ou seja, “exercer, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no Código de Processo Civil”, e em coerência com a alteração introduzida em simultâneo no art.º 103.º, excluindo da mesma “os processos atribuídos aos tribunais de família e menores, aos tribunais do trabalho, aos tribunais de comércio e aos tribunais marítimos e as execuções de sentenças proferidas por tribunal criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante o tribunal civil”

11. Não estando em causa a execução da parte penal da sentença criminal, as execuções de natureza cível, relativas a sentenças proferidas por tribunal criminal (que podem caber na previsão do n.º 2 do art.º 102.º-A da LOFTJ) são as proferidas na sequência de pedidos cíveis deduzidos em processo crime, por força do princípio de adesão (cfr. art.º 71.º e seguintes do Código de Processo Penal).

12. Em relação a esses pedidos, o tribunal criminal pode condenar em quantia certa, ou em liquidação de sentença, hipótese esta em que, segundo o art.º 82.º, n.º 1, 2.ª parte, do Código de Processo Penal “a execução corre perante o tribunal civil”.

13. A competência dos Juízos de Execução para a execução das decisões civis no âmbito de processos-crime, por si proferidas, é que mais se coaduna com a unidade do sistema jurídico.

14. Pois, realça-se que, a regra geral quanto aos tribunais criminais será afastada no que tange às execuções com necessidade de liquidação prévia, pois o art.º 82.º, n.º 1, 2.ª parte, do Código de Processo Penal, determina que corram perante o tribunal civil.

15. Apesar do entendimento de alguma na jurisprudência, partilhada pelo doutro tribunal a quo, que o legislador quis submeter os processos atribuídos aos juízos criminais, mesmo nas comarcas em que foram instalados juízos de execução, em nossa opinião não deverá prosseguir,

16. Porque o entendimento contrário, no sentido que os Tribunais competentes para a execução são os Juízos de Execução e não o tribunal criminal, tem por base uma lógica superior que é a execução de uma sentença sobre o pedido civil enxertado no processo-crime.

17. No Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (processo nº 6607/2005-8) verifica-se que, de forma coerente, deverão os juízos de Execução ser o Tribunal competente. Ora vejamos:

“No caso de execuções fundadas em decisões criminais, a lei não atribui aos tribunais de competência específica criminal competência material exclusiva para neles se executarem as próprias decisões sejam elas indemnizações civis, sejam multas criminais e, assim sendo, a execução caberá ao juízo de execução criado se for territorialmente competente. A competência material aos tribunais de competência especializada e de competência específica para executarem as próprias decisões subsiste nas circunstâncias não abrangidas pela competência dos juízos de execução (artigo 103.º da LOFTJ)”

18. Nos autos, está em causa a execução de quantia fixada a título de indemnização em sede de pedido de indemnização civil enxertado no processo-crime e, portanto, a competência é do Tribunal de Execução, ora especializado.

19. Desta forma, a competência para executar a decisão de indemnização civil proferido em processo penal, julgado na área da comarca de Lisboa, cabe aos juízos de Execução desta comarca.

20. Na lei processual não existe qualquer imposição de reserva de que a execução de tal decisão (que tem natureza meramente civil) seja reservado aos tribunais criminais.

21. Na Relação de Lisboa sedimentou-se como jurisprudência que: “(…) Há que considerar, em primeiro lugar, que o principal objectivo da reforma da Acção executiva foi libertar os tribunais que declararam o direito da actividade executiva, sendo propósito confesso do legislador atribuir as questões executivas aos juízos de Execução , segundo o principio da especialização, libertando os demais tribunais que declararam o direito/ independentemente da jurisdição (civil ou penal) (…)”

22. No entender da recorrente, em todas as circunscrições onde existam juízos de Execução instalados, a Acção executiva seja de matéria civil ou penal – aqui se devendo considerar a execução patrimonial das decisões proferidas e não a competência do tribunal criminal no que respeita à pena propriamente dita aplicada, é de competência do Tribunal de Execução.

23. Estando e causa a execução de indemnização civil, em sede de processo-crime com uma execução somente patrimonial, não constitui matéria reservada à competência dos juízos criminais, mas parece à recorrente que a competência pertence aos juízos de Execução de Lisboa, ou seja, aos autos que se recorre.

24. Os autos retratam uma situação de conflito negativo de competência, na qual o venerando Tribunal da Relação de Lisboa deverá resolver, a fim de prosseguir a acção executiva intentada pela recorrente.

25. O Tribunal a quo violou as normas jurídicas do n.º 2 do art.º 102.º-A da LOFTJ e por força do princípio de adesão (cfr. art.º 71.º e seguintes do Código de Processo Penal) na sequência de pedidos cíveis deduzidos em processo-crime, o tribunal competente deverá ser os Juízos de Execução.

26. E o tribunal a quo errou ao considerar que o tribunal competente é os Juízos Criminais porque no caso de execuções fundadas em decisões criminais, a lei não atribui ao tribunais de competência específica criminal competência material exclusiva para neles se executarem as próprias decisões sejam elas indemnizações civis, sejam multas criminais e, assim sendo, a execução caberá ao juízo de execução criado se for territorialmente competente por respeito ao n.º 2 do art.º 102.º-A da LOFTJ princípio de adesão (cfr. art.º 71.º e seguintes do Código de Processo Penal).

27. A competência material dos tribunais de competência especializada prevalece sobre a de competência específica de executarem as próprias decisões, nos termos da competência dos juízos de execução conferida pelo artigo 103.º da LOFTJ, sob pena de se opor à interpretação do n.º 2 do art.º 102.º-A da LOFTJ princípio de adesão (cfr. art.º 71.º e seguintes do Código de Processo Penal).

28. Isto porque, quando exista juízos de Execução instalados, a Acção executiva seja de matéria civil ou penal – aqui se devendo considerar a execução patrimonial das decisões proferidas e não a competência do tribunal criminal no que respeita à pena propriamente dita aplicada, deverão ser competentes o tribunal especializado e com competência especifica.

Pugna, pois, pela revogação da decisão recorrida, considerando-se o Juízo de Execução de Lisboa o tribunal competente para a accão executiva, sob pena de violação do n.º 2 do art.º 102.º-A da LOFTJ.

Não foi junta contra-alegação de recurso.

Tendo o recurso sido admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo, foi ordenada a subida dos autos a este Tribunal ad quem, onde foi mantido o regime e o efeito fixados.

Colhidos os vistos, e nada obstando ao conhecimento do mérito da apelação, cumpre apreciar e decidir.

II – Âmbito do Recurso

Perante o teor das conclusões da Apelante – as quais (exceptuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objecto e delimitam o âmbito do recurso, nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil actualmente em vigor e aqui aplicável na fase recursória (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 ([1]) –, constata-se que o thema decidendum, incidindo sobre decisão de matéria de direito, consiste em saber se cabe ao Tribunal recorrido, enquanto juízo de execução – e não ao 6.º Juízo Criminal de Lisboa – a competência para a tramitação do presente processo executivo.

III – Fundamentação

            A) Matéria de facto

Ante os elementos documentais dos autos, os pressupostos fácticos, a considerar, são os que já antes se deixaram explicitados (cfr. relatório supra), aqui dados por reproduzidos, resultando ainda da certidão judicial entretanto junta pelo Tribunal a quo (cfr. fls. 57 e segs.) que, por sentença de 16/04/2010, transitada em julgado em 17/05/2010, proferida no âmbito do Processo Comum Singular n.º …/08.5S3LSB, que correu termos pela 2.ª Secção do 6.º Juízo Criminal de Lisboa, foi o aqui Executado/Apelado (ali arguido e demandado cível) condenado, na parcial procedência do pedido indemnizatório cível enxertado, a pagar à Exequente/Apelante (ali demandante cível) a quantia de € 1.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal, desde a data da sentença e até ao integral pagamento.

            B) O Direito

Da competência para a execução de sentença condenatória quanto a pedido cível enxertado em processo penal

A Apelante defende a revogação da decisão de indeferimento liminar da execução, por considerar não se verificar a incompetência, em razão da matéria, do Tribunal recorrido (Juízo de Execução de Lisboa), ao contrário do entendimento adoptado por este nos autos.

Considera, assim, a Recorrente, contra o expendido pela 1.ª instância, que a lei não atribui aos tribunais de competência específica criminal competência material exclusiva para a execução das suas decisões indemnizatórias cíveis, cabendo a execução ao juízo de execução criado se for territorialmente competente por respeito ao n.º 2 do art.º 102.º-A da LOFTJ e aos art.ºs 71.º e segs. do CPPen.. Para tanto, invoca jurisprudência desta Relação em abono da sua posição.

Já a decisão recorrida, invocando outra jurisprudência, declinou a sua competência para a execução da decisão penal condenatória indemnizatória cível em montante líquido.

Ora, constata-se que, efectivamente, não é uniforme a jurisprudência desta Relação na matéria sub judice.

Assim, enquanto uma corrente jurisprudencial defende que, na área de competência territorial dos Juízos de Execução (de Lisboa), a competência material para a execução da parte indemnizatória cível da sentença penal condenatória (em pedido líquido) cabe ao Tribunal Criminal, outra corrente defende que essa competência material assiste aos Juízos de Execução.

Com efeito, argumenta a primeira corrente que a «… interpretação, de considerar como regra a competência dos juízos criminais para a execução das decisões civis por si proferidas, é que mais se coaduna com a unidade do sistema jurídico.

Na verdade, os juízos de execução foram criados para resolver o problema decorrente das elevadas pendências de acções executivas nos tribunais cíveis dos grandes centros urbanos, acções essas sem relevância estatística nos tribunais criminais.

Por outro lado, excluindo o legislador dos juízos de execução as acções executivas relativas aos processos atribuídos aos tribunais de família e menores, aos tribunais do trabalho, aos tribunais de comércio e aos tribunais marítimos, não se compreenderia que não adoptasse a mesma regra geral em relação aos tribunais criminais.

A excepção a essa regra geral quanto aos tribunais criminais será, apenas, como se referiu, a relativa às execuções com necessidade de liquidação prévia, pois se o art. 82, nº 1, 2ª parte, CPP, determina que corram perante o tribunal civil, não faria sentido que aí se procedesse à liquidação e que voltassem ao tribunal criminal para a fase seguinte da execução.

Como refere o citado acórdão de 23 Nov. 10, é esta “… a interpretação mais correcta dos preceitos citados e a que mais se coaduna quer com o elemento histórico quer com o elemento literal. E assim, considerando o sistema no seu todo, faz então pleno sentido (podendo ser tido como elemento coadjuvante da interpretação proposta) a regra do art.2, da Portaria nº114/08, de 6Fev.”.
Esta Portaria, que regula a tramitação electrónica dos processos judiciais nos tribunais de 1ª instância processados de acordo com as disposições do Código de Processo Civil (arts. 1º e 2º) exclui do seu âmbito de aplicação os pedidos de natureza civil deduzidos na acção penal e também os processos de execução de natureza cível deduzidos no âmbito de um processo penal
.

Assim, pretendeu o legislador submeter os processos atribuídos aos juízos criminais, mesmo nas comarcas em que foram instalados juízos de execução, à regra geral do decisor executor, com a excepção a que se refere a 2ª parte, do nº1, do art. 82, CPP.

Deste modo, com o devido respeito pelas opiniões contrárias (…), em particular a decisão proferida no Pº 325/03.S4LSB-B.L1, desta secção, adere-se ao entendimento do citado acórdão de 23 Nov.10, proferido no Pº 13582/02.3TDLSB, também desta secção (…), considerando competente para tramitar a execução da decisão de arbitramento de indemnização civil proferida em processo penal julgado na área de comarca onde se encontram instalados juízos de execução, o juízo criminal que proferiu a decisão a executar» ([2]).

A outra corrente, porém, argumenta que, quanto a “execuções fundadas em decisões criminais, a lei não atribuiu aos tribunais de competência específica criminal competência material exclusiva para neles se executarem as próprias decisões, sejam elas indemnizações cíveis, sejam multas criminais e, assim sendo, a execução caberá ao juízo de execução criado se for o territorialmente competente” ([3]).

Sobre a questão se tem vindo a pronunciar também o Supremo Tribunal de Justiça (STJ):

- no seu Ac. de 11/07/2007 ([4]), considerando que, “De acordo com o disposto no art. 82.º, n.º 1, do CPP, a execução de sentença penal instaurada para liquidação de valor não determinado, diversamente do que sucede com as execuções para pagamento de quantia certa, que seguem por apenso ao processo-crime, «corre perante o tribunal civil, servindo de título executivo a sentença penal»”;

- no seu Ac. de 10/09/2009 ([5]), tomando posição no mesmo sentido ([6]);

- e, ainda no mesmo sentido, no seu Ac. de 17/12/2009 ([7]), considerando que, “Em consequência da entrada em vigor da Lei 42/2005, de 29-12, as Varas Criminais receberam competência para a execução das suas decisões, independentemente da natureza criminal ou cível das matérias em causa, cingindo-se a competência dos juízos de execução apenas às execuções de decisões de natureza cível em que esteja em causa a liquidação”.

Vejamos.

É no art.º 60.º do NCPCiv. (cfr. anterior art.º 62.º do CPCiv. revogado) que, de acordo com os ditames da Lei Fundamental, se encontram os factores determinantes da competência, na ordem interna e no âmbito da jurisdição cível, preceito onde pode ler-se que a competência dos tribunais judiciais “é regulada conjuntamente pelo estabelecido nas leis de organização judiciária e pelas disposições deste Código” (n.º 1), sendo ainda que em tal ordem interna “a jurisdição reparte-se pelos diferentes tribunais segundo a matéria, o valor da causa, a hierarquia judiciária e o território” (n.º 2).

Já o art.º 65.º do NCPCiv. (art.º 67.º do CPCiv. revogado) dispõe que as leis de organização judiciária “determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais e das secções dotados de competência especializada”.

Por sua vez, na LOFTJ – Lei n.º 3/99, de 13-01, esta com a redacção dada pela Lei n.º 105/2003, de 10-12, e com as posteriores alterações pelo DLei n.º 53/2004, de 18-03, da Lei 42/2005, de 29-08, e dos DLei n.º 76-A/2006, de 29-03, 8/2007, de 17-01, e 303/2007, de 24-08 ([8]) – também pode ler-se que, na ordem interna, a competência se reparte “pelos tribunais judiciais segundo a matéria, a hierarquia, o valor e o território” (art.º 17.º, n.º 1), sendo “da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional” (art.º 18.º, n.º 1), e, bem assim, que é na mesma LOFTJ que se determina “a competência em razão da matéria entre os tribunais judiciais, estabelecendo as causas que competem aos tribunais de competência específica (art.º 18.º, n.º 2).

Acresce, quanto aos tribunais judiciais de 1.ª instância, que os tribunais de comarca podem “desdobrar-se em varas, com competência específica” (art.º 65.º, n.º 3), podendo, por outro lado, ser criadas diversas modalidades de tribunais de competência especializada, tal como de competência específica, designadamente, quanto a este último tipo, juízos de execução – cfr. art.ºs 78.º e 96.º, al. g).

Estabelece o art.º 102.º-A da mesma LOFTJ (na redacção dada pela Lei n.º 42/2005):

“1 - Compete aos juízos de execução exercer, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no Código de Processo Civil.

2 - Estão excluídos do número anterior os processos atribuídos aos tribunais de família e menores, aos tribunais do trabalho, aos tribunais de comércio e aos tribunais marítimos e as execuções de sentenças proferidas por tribunal criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante o tribunal civil.

3 - Compete também aos juízos de execução exercer, no âmbito dos processos de execução por dívidas de custas cíveis e multas aplicadas em processo cível, as competências previstas no Código de Processo Civil não atribuídas aos tribunais de competência especializada referidos no número anterior” ([9]).

E dispõe o seguinte art.º 103.º do mesmo diploma legal que,
“Sem prejuízo da competência dos juízos de execução, os tribunais de competência especializada e de competência específica são competentes para executar as suas próprias decisões”.

Do exposto, logo resulta que ocorre exclusão da competência dos juízos de execução – estão excluídos … –, não só quanto aos processos atribuídos aos tribunais de família e menores, aos tribunais do trabalho, aos tribunais de comércio e aos tribunais marítimos, os quais continuam a ser competentes para executar as suas decisões, como ainda no que se reporta a todas as execuções de sentenças proferidas por tribunal criminal que, segundo a lei processual penal, não devam correr perante o tribunal civil.

É patente que a execução da sentença penal em matéria especificamente criminal não cabe aos tribunais cíveis, nem aos juízos de execução, tratando-se de competência expressamente prevista no CPPen..

Donde que, como salienta alguma da jurisprudência citada, as execuções de sentença a que se refere o n.º 2 do dito art.º 102.º-A, sejam as referentes aos pedidos indemnizatórios cíveis deduzidos no âmbito do processo crime, por força do princípio da adesão, previsto no art.º 71.º do CPPen..

E aqui duas hipóteses se levantam: ou a condenação é em quantia indemnizatória líquida ou, diversamente, em quantia ainda a liquidar ulteriormente.

No primeiro caso – condenação penal em quantia indemnizatória cível líquida – apenas resta executar a decisão, devendo tal execução de sentença correr por apenso ao respectivo processo crime, segundo a regra geral de que os tribunais de competência especializada e de competência específica são os competentes para executar as suas próprias decisões.

Já no outro caso – a condenação reporta-se a quantia indemnizatória ilíquida, a ter, por isso, de ser objecto de posterior liquidação, para subsequente execução patrimonial – terá de haver liquidação prévia, com inerente preparação do processo e produção de provas destinadas a tal liquidação indemnizatória (cfr. art.ºs 716.º, n.ºs 4 e 5, e 360.º, n.ºs 3 e 4, ambos do NCPCiv., e anteriormente os art.ºs 805.º e 380.º, n.ºs 3 e 4, do CPCiv. revogado), o que traduz a realização de tarefa tipicamente cível de fixação do montante/quantitativo do dano a indemnizar, a dever, por isso, correr termos perante tribunal vocacionado para o efeito, isto é, perante o tribunal cível, por força do disposto no art.º 82.º, n.º 1, do CPPen..

Vale aqui também o argumento da unidade do sistema jurídico a que alude alguma da jurisprudência mencionada, pois que, se resulta excluída a competência dos juízos de execução para as execuções quanto aos processos atribuídos aos tribunais de família e menores, aos tribunais do trabalho, aos tribunais de comércio e aos tribunais marítimos, não seria compreensível a opção por critério diverso dessa regra geral (cfr. art.º 103.º aludido) no que tange aos tribunais criminais e suas decisões em matéria cível.

Donde que se conclua ([10]) que, salvo o devido respeito pelo outro entendimento, a decisão penal condenatória em matéria indemnizatória cível haverá de ser executada por apenso ao processo crime, sendo para tanto competente o tribunal criminal, se a condenação é reportada a quantia indemnizatória líquida.

Ao invés, se estamos perante condenação em quantia indemnizatória ilíquida – a ter de ser, por isso, objecto de posterior liquidação, prévia à específica execução patrimonial –, então a competência caberá (só aí) aos juízos de execução, mais vocacionados, como é consabido, para a prévia liquidação da decisão condenatória.

Por isso, no caso dos autos entende este Tribunal de recurso que a competência cabe ao tribunal criminal e não, por exclusão legal, aos juízos de execução, assim improcedendo as conclusões da parte apelante em contrário, sendo, pois, de manter a decisão recorrida ([11]).

IV – Sumariando (art.º 663.º, n.º 7, do NCPC):

1. - Segundo o art.º 102.º-A, n.º 2, da LOFTJ, ocorre exclusão da competência dos juízos de execução, não só quanto aos processos atribuídos aos tribunais de família e menores, aos tribunais do trabalho, aos tribunais de comércio e aos tribunais marítimos – que continuam a ser competentes para executar as suas decisões –, como relativamente às execuções de sentenças proferidas por tribunal criminal que, segundo a lei processual penal, não devam correr perante o tribunal civil.

2. - Estas execuções de sentença são referentes aos pedidos indemnizatórios cíveis em processo crime, ali deduzidos segundo o princípio da adesão (art.º 71.º do CPPen.).

3. - Neste âmbito, se a condenação é em quantia indemnizatória ilíquida, a ter, por isso, de ser objecto de liquidação, para subsequente execução patrimonial, obrigando à realização de tarefa tipicamente cível de fixação do quantum do dano a indemnizar, a dever correr perante tribunal vocacionado para o efeito, isto é, perante tribunal da esfera cível, são competentes para a execução de sentença os juízos de execução.

4. - Se, ao invés, a condenação é em quantia indemnizatória líquida, apenas restando executar a decisão, é competente para a execução de sentença o tribunal criminal, correndo a execução por apenso ao respectivo processo crime.

                                                           ***
V – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a Apelação e, em consequência, manter a decisão recorrida.

Custas do recurso pela Apelante, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido (cfr. fls. 17).

Escrito e revisto pelo relator.

Elaborado em computador.

Versos em branco.


Lisboa, 05/06/2014

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José Vítor dos Santos Amaral (relator)

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Maria Manuela Gomes                                              

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Fátima Galante


([1]) Processo instaurado após 01/01/2008, mas antes de 01/09/2013 e decisão recorrida posterior a esta data (cfr. fls. 27 a 30 dos autos, bem como art.ºs 6.º, n.º 1, 7.º, n.º 1, este por argumento de maioria de razão, e 8.º, todos da Lei n.º 41/2013, de 26-06, e Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, ps. 14-16, Autor que refere que, tratando-se de decisões proferidas a partir de 01/09/2013, portanto, após a entrada em vigor do NCPCiv., em processos instaurados anteriormente, mas não anteriores a 01/01/2008, se segue integralmente, em matéria recursória, o regime do NCPCiv.). Todavia, relativamente ao requerimento executivo e à tramitação da fase introdutória do processo é aplicável o CPCiv. revogado (art.º 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, de 26-06).
([2]) Cfr. Ac. Rel. Lisboa, de 07/12/2010, Proc. 3230/04.2TDLSB-A-5 (Rel. Vieira Lamim), em www.dgsi.pt. No mesmo sentido, os Ac. Rel. Lisboa, de 01/10/2013, Proc. 765/05.3JDLSB-C.L1-5 (Rel. Jorge Gonçalves), e de 17/02/2011, Proc. 1187/92.0SELSB-A.L1-9 (Rel. Guilhermina Freitas), bem como demais jurisprudência ali aludida, também disponíveis em www.dgsi.pt.
([3]) Assim o Ac. Rel. Lisboa, de 16/06/2005, Proc. 6607/2005-8 (Rel. Salazar Casanova), em www.dgsi.pt, bem como a Decisão singular, da mesma Rel., de 09/03/2010, Proc. 325/03.S4LSB-B.L1-5 (Rel. Pulido Garcia), disponíveis em www.dgsi.pt.
([4]) Proc. 06P2547 (Cons. Soreto de Barros), em www.dgsi.pt.
([5]) Proc. 76/09.5YFLSB (Cons. Armindo Monteiro), em www.dgsi.pt.
([6]) Em cujo sumário pode ler-se: “I - A execução de sentença criminal, segundo o disposto no art. 470.º do CPP, corre nos próprios autos perante o presidente do tribunal de 1.ª instância em que o processo tiver corrido e, porque a lei não distingue, assim há-de reputar-se tanto no que toca aos seus efeitos penais, como quanto aos efeitos estritamente civis e, neste domínio, qualquer que seja a espécie executiva. II - Esse princípio, de algum modo enformando o pensamento legislativo e integrando a solução a dar à questão suscitada, colhe apoio também no art. 90.º do CPC, segundo o qual, para a execução que se funde em decisão proferida pelos tribunais portugueses é competente o tribunal de 1.ª instância onde a causa foi julgada. III - No entanto, nos termos do art. 82.°, n.º 1, do CPP, se o tribunal não dispuser de elementos para fixar a indemnização, condena no que se liquidar em execução de sentença. Neste caso, a liquidação corre perante o tribunal civil, servindo de título executivo a sentença penal. IV - Esta norma do art. 82.º pode e deve reputar-se o afloramento de um princípio geral segundo o qual a execução de sentença criminal corre os seus termos ante o tribunal criminal onde foi proferida e por apenso ao processo penal, excepção feita naquela peculiar situação do n.º 1, como flui do Ac. do STJ de 11-07-2007 – Proc. n.º 2547/06 - 3.ª Secção. V - De acordo com o art. 102.º-A, n.º 1, do DL 38/2003, de 08-03, compete aos juízos de execução exercer no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no CPC. VI - Excluem-se do n.º 1, segundo o seu n.º 2, além do mais, as sentenças proferidas nos tribunais criminais cujos termos não devam correr nos tribunais cíveis. Aquelas que o devem são as destinadas à liquidação indemnizatória e não quaisquer outras”.
([7]) Proc. 09P0612 (Cons. Raul Borges), em www.dgsi.pt.
([8]) A Lei n.º 52/2008, de 28-08 (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais), que entrou em vigor no 1.º dia útil do ano judicial seguinte ao da sua publicação, é tão-só aplicável às comarcas piloto referidas no n.º 1 do artigo 171.º, isto é, Alentejo Litoral, Baixo-Vouga e Grande Lisboa Noroeste (cfr. art.º 187.º, com redacção alterada pelo art.º 162.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28-04).
([9]) Itálico aditado.
([10]) Em conformidade também com a dita jurisprudência do STJ, que se crê uniforme.
([11]) Restará à aqui Apelante, caso, como refere nos autos, já tenha anteriormente sido declarada, em matéria de execução, a incompetência do tribunal criminal (afirma aquela, sem o provar, ter antes intentado execução por apenso ao processo da condenação), suscitar, uma vez transitadas as duas decisões (contraditórias) sobre a competência, o conflito negativo de competência (cfr. art.ºs 109.º e segs. do NCPCiv. e, do mesmo modo, art.ºs 115.º e segs. do CPCiv. revogado), o que não fez no âmbito dos presentes autos, onde apresentou recurso de uma decisão sobre competência.