Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | SALAZAR CASANOVA | ||
Descritores: | CLÁUSULA CONTRATUAL DEVER DE INFORMAR | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 04/07/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | ALTERADA | ||
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Sumário: | I - A comunicação de cláusulas contratuais gerais nos termos do artigo 5º do DL 446/85, de 25 de Outubro realiza - se de forma adequada e efectiva quando delas se dá conhecimento à contraparte do seu conteúdo, não se justificando informação complementar quando tais cláusulas, designadamente pela clareza dos seus dizeres e pela forma como são apresentadas, proporcionam à contraparte a possibilidade da sua compreensão usando de comum diligência. II - No caso dos contratos de crédito ao consumo (Decreto-Lei nº 359/91, de 21 de Setembro) revestem-se de particular relevância as cláusulas relativas aos elementos de custo (importâncias a pagar pelo consumidor em consequência de alguma das obrigações que lhe incumbem por força do contrato de crédito) e, por conseguinte, a lei considera anulável o contrato quando dele falte referência aos elementos de custo (artigos 6º/2, alínea b) e 7º/2 do DL 359/91). III - Por isso, as cláusulas contratuais gerais referentes aos elementos de custo devem ser comunicadas de modo efectivo e adequado, ou seja, por forma a que o consumidor adquira ou possa adquirir exacta compreensão das consequências que para si advêm no caso de incumprimento. IV - Se o realce dado a estas cláusulas é muito menor do que aquele que é dado aos elementos respeitantes às condições de reembolso ou à identificação dos bens financiados e fornecedor e se tais cláusulas se acobertam em linguagem jurídica que suscita, mesmo ao nível dos juristas, dúvidas interpretativas, então, assim sendo, não se pode considerar preenchido o ónus de prova de comunicação adequada e efectiva a que alude o artigo 5º/3 do DL 446/85, devendo, em consequência, face ao disposto no artigo 8º, alínea a), considerar-se tais cláusulas excluídas do contrato singular. V - O dever de informação a que alude o artigo 6º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro justifica-se relativamente a aspectos do contrato que careçam de aclaração, designadamente quando dele constam cláusulas cuja compreensão ou conhecimento efectivo não é atingível pelo destinatário que delas tomou conhecimento apenas com a apresentação do texto onde estão exaradas. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: 1. No âmbito de acção que Tecnicrédito-Financiamento de Aquisições a Crédito, SA move contra (M) e (J), os RR interpuseram recurso da sentença condenatória alegando que o contrato em causa é nulo e, por isso, a recorrida não tem direito a qualquer juro nem indemnização, apenas sendo devidos juros legais sobre a importância em dívida de 739.724$00 desde a citação até integral pagamento. Os RR, anulada que foi a decisão de 1ª instância que decidiu no sentido agora reiterado pelos recorrentes a fim de se averiguar matéria de facto controvertida, continuam a entender, atentos os factos provados, que não podem valer as cláusulas estipuladas. Considera o recorrente que, no stand ..., onde se negociou a compra e venda do automóvel, não lhe foram explicadas as cláusulas insertas no contrato que assinou, esclarecimento que se impunha, pois o recorrente tem um nível baixo de instrução. O recorrente assinou o contrato sem que lhe fossem comunicadas todas as cláusulas só sabendo que negociava um automóvel e que o teria de pagar mensalmente; só os elementos essenciais do contrato foram explicados ao recorrente. Foram ocultadas ao recorrente as consequências desastrosas que adviriam do incumprimento do contrato. Ao recorrente foi mutuada a quantia de 1.650.000$00 com juros à taxa nominal de 17,16% ao ano. Foram estipuladas prestações mensais (total:48) de 52.569$00. No caso de incumprimento, ou seja, não paga uma prestação, venciam-se imediatamente as restantes e, a título de cláusula penal, à taxa de juro contratual ajustada 17,16%) acresciam 4 pontos percentuais, ou seja, um juro à taxa anual de 21,16%. Sucede que o réu apenas pagou 4 prestações. Logo, venceram-se as restantes no montante de 2.313.036%00 (44x52.569$00). Isto aconteceu no dia 20-8-1997. Ao valor em dívida iria amortizar-se o valor da venda do veículo que foi de 700.000$00. A venda só se efectivou no dia 28-1-1998. O réu, na data da venda do veículo, já devia juros no montante de 215.889$30. Assim, o réu era devedor, à data em que o veículo foi vendido, da quantia de 1.828.925$00 a que acresce 8.636$00 (imposto de selo), ou seja, um total de 1.837.561$30. Considerando que o réu havia pago 4 prestações de 52.569$00 cada uma (4x 52.569$00=210.276$00) verifica-se que o réu, face ao incumprimento, teria de suportar o pagamento total de dois milhões e quarenta e sete mil oitocentos e trinta e sete escudos e trinta centavos (2047.837$30); (1.837.561$30+210.276$00=2.047.837$30). Se tivesse pago o veículo a pronto o réu teria suportado 1650.00$00. A A., vendendo o veículo por 700.000$00 e tendo recebido 210.276$00 num total de 910.276$00 perderia, face ao valor mutuado igual ao custo a contado do veículo, a quantia de 739.724$00. Foi precisamente este o valor que foi considerado na sentença recorrida (anulada) na medida em que se considerou nulo o contrato por não conter os elementos de custo visto que, para tal efeito, se deveriam considerar excluídas as cláusulas que não foram comunicadas nos termos do artigo 5º do DL 446/85, ou seja, as cláusulas atinentes ao incumprimento (artigo 8º do contrato). A razão da anulação prendeu-se com a necessidade de averiguar matéria de facto tendo em vista apurar se houve ou não uma comunicação adequada e efectiva. 2. Vejamos então os factos que foram dados como provados: 1- No exercício da sua actividade comercial a A. e com destino, segundo informação então prestada pelo réu, à aquisição de um veículo automóvel de marca Opel, modelo Astra 1.7 TD, com a matrícula 73-...-DI, por contrato constante de título particular datado de 20-3-1997, concedeu ao réu (L) crédito directo, sob a forma de um contrato de mútuo, tendo-lhe emprestado a quantia de 1.650.000$00 (A) 2- Nos termos do contrato o empréstimo devia ser pago em 48 prestações, mensais e sucessivas, com vencimento a primeira em 20-4-1997 e as seguintes nos dias 20 dos meses subsequentes (B) 3- A importância de cada uma das referidas prestações deveria ser paga mediante transferências bancárias a efectuar quando do vencimento de cada uma das referidas prestações, para conta bancária logo indicada pela A (C) 4- Nos termos do contrato o R. pagaria em caso de mora sobre o montante em débito, a título de cláusula penal, uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual ajustada -17,16%- acrescida de 4 pontos percentuais, ou seja, um juro à taxa anual de 21,16% (D) 5- Conforme também aí estipulado o valor de cada prestação era de 52.569$00 e a falta de pagamento de qualquer uma dessas prestações na data do respectivo pagamento implicaria o vencimento imediato de todas as restantes (E) 6- O réu não pagou as prestações quinta e seguintes, vencida a primeira em 20-8-1997 (F) 7- Em 28-1-1998 o Réu entregou à A. o montante de 700.00$00 (G) 8- O montante que a A. emprestou ao Réu reverteu para o património comum do casal constituído por este e pela ré (H) 9- O R. assinou o contrato sem que lhe comunicassem todas as cláusulas do contrato, mas sabendo que negociava um automóvel e que teria de pagar mensalmente uma prestação em dinheiro (1) 10- O R. tem um nível de instrução baixo, correspondente à 4ª classe há muito esquecida, que não lhe permite compreender para além dos aspectos essenciais do contrato (2) 11- O contrato encontrava-se inteiramente preenchido de acordo com a proposta previamente assinada pelo réu e este assinou o contrato quando o quis fazer (3) 12- No stand ... foram negociados e explicados ao réu os aspectos essenciais do contrato, anteriormente à aposição da sua assinatura (4) 3. O presente contrato qualifica-se de contrato de crédito ao consumo regendo-se pelo Decreto-Lei nº 359/91, de 21 de Setembro alterado pelo Decreto-Lei nº 101/2000, de 2 de Junho que transpôs para o direito interno a Directiva nº 98/7/CE sobre crédito ao consumo. De acordo com este diploma, do contrato devem constar os elementos de custo nos quais se incluem as importâncias a pagar pelo consumidor em consequência do incumprimento de alguma das obrigações que lhe incumbem por força do contrato de crédito (artigo 4º/5,alínea a) e 6º/2,alínea b) do DL 359/91). Não consta do aludido contrato a possibilidade de, em caso de incumprimento, o mutuário, proprietário do veículo, encarregar o mutuante de proceder à venda do veículo debitando o valor em dívida com o produto da venda. Não consta do contrato que, assim se procedendo, o mutuante não tem prazo para efectivação da venda e que, independentemente do momento em que a venda se realize, continuam a vencer-se juros que ainda incluem, ao que parece, a cláusula penal que corresponde à taxa contratual acrescida de 4 percentuais, ou seja, no caso 17,16% + 4 =21,16%. Não se diga que um tal acordo (entrega do veículo para, com o produto da venda, o mutuante se ressarcir do débito) é necessariamente mais favorável ao mutuário. Pode dar-se o caso de o valor em dívida a final, face ao acréscimo de juros, ser muito superior ao valor obtido com a venda por se realizar esta em momento tardio e por valor diminuto. Não foi o que, no caso em apreço, sucedeu, mas o certo é que há aqui uma situação pouco clara salientando-se que a A. afirmou que “ o réu marido, por intermédio da A. procedeu à venda do veículo automóvel” ( artigo 17º da petição), sublinhando o réu a sua situação de dependência referindo que “ tendo os RR faltado ao pagamento da prestação...foi-lhes exigido pela A. a entrega do automóvel o que eles de facto fizeram” (artigo 19º da contestação). Dir-se-á, porém, que uma coisa é a estipulação das importâncias a pagar pelo consumidor em consequência do incumprimento e outra a forma encontrada para amortização da dívida. Não se justificaria então a inserção de qualquer cláusula admitindo a possibilidade de dação em função do cumprimento. Verifica-se, assim, que há, no caso em apreço, um certo amalgamar de operações que dificultam a compreensão de procedimentos; por exemplo, a entrega do veículo para o mutuante se ressarcir com o produto da venda não será efectuada ao mutuante, mas no próprio stand onde se procedeu à venda; aí também é apresentado ao interessado na aquisição do veículo a proposta de mútuo; aí também lhe serão prestados, pelo vendedor e não pelo mutuante, os esclarecimentos de que necessitar respeitantes à operação de mútuo. Estamos face a procedimentos que facilitam, sem dúvida, todo o processo de venda e de concessão de crédito, o que é do maior interesse do vendedor e do mutuante, mas que terão seu reverso, junto do consumidor, no que toca à compreensão clara das consequências que lhe poderão advir no caso de incumprimento; esta falta de clareza, como se disse, igualmente se evidencia no que respeita ao processo de amortização, designadamente às consequências de uma venda do veículo que afinal, traduzindo a perda de propriedade, não proporcionará em muitos casos ao mutuário as vantagens esperadas. A anulação da decisão proferida teve a ver com a alegação de factos por parte da A. destinados a provar que por ela tinha sido observado o dever de comunicação a que alude o artigo 5º do DL 446/85, de 25 de Outubro. 3. Quando a lei refere que “as cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las” (nº1) ou que a “ comunicação deve ser efectuada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência” (nº2) o que pretende a lei? Que as cláusulas sejam apresentadas na totalidade aos aderentes, com antecedência relativamente ao momento da assinatura do contrato, ou ainda que sejam sempre explicadas ao contratante? Refere Almeno de Sá que “ é possível detectar, neste pressuposto aparentemente unitário, duas exigências analiticamente decomponíveis: a comunicação integral das cláusulas e a necessidade de proporcionar à contraparte a possibilidade de uma exigível tomada de conhecimento do respectivo conteúdo” (Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas, Almedina, 1999, pág. 190). A comunicação integral das cláusulas insere-se no seio de um modelo informativo delineado nos artigos 5º e 6º do DL 446/85. Não preenche esse ónus de comunicação o contratante informante que se limite a pôr à disposição o texto contratual se do próprio texto não resultar bem evidenciada a possibilidade de a contraparte, com diligência comum, se poder aperceber do respectivo conteúdo, isto é, de compreender o alcance das disposições contratuais que decisivamente hão-de formar a vontade de contratar. A lei prescreve que o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais (artigo 5º/3 do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro). Preencher-se-á sempre esse ónus com a demonstração de que foi apresentada à contraparte, com antecedência relativamente ao momento da assinatura, o texto do contrato com todas as suas cláusulas? A resposta será positiva se as cláusulas permitirem ao contratante interessado aperceber-se do seu alcance o que acontecerá se as cláusulas estiverem elaboradas de uma forma clara, harmoniosa, onde se evidenciem, de forma identicamente compreensível, os aspectos essenciais que hão-de conduzir a uma consciente vontade de contratar. Referindo-se às dificuldades e inconvenientes que advêm de se entender o processo informativo preenchido apenas quando há informação adicional (por folheto explicativo ou por via de contacto pessoal entre as partes) Joaquim de Sousa Ribeiro considera “ mais realista, neste ponto, a AGB-Gesetz, que, não contendo qualquer disposição paralela ao artigo 6º, parece exigir que a compreensibilidade das ccg. resulte do seu próprio texto -nesse sentido a sentença do BGH de 17-1-1989 (NJW 1989,583), onde se exige ao predisponente que formule as suas ccg. de modo a que ‘um aderente não preparado, do ponto de vista jurídico e de experiência negocial, as possa compreender, sem necessidade de um esclarecimento especial”(O Problema do Contrato. As Cláusulas Contratuais Gerais e o Princípio da Liberdade Contratual, Almedina, 1999, pág. 376/377). No entanto, a nossa lei, no âmbito do dever de informação, admite que as cláusulas possam padecer de alguma falta de clareza. Prescreve o artigo 6º/1 do DL 446/85 sob a epígrafe, “dever de informação” que o contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nela compreendidos cuja aclaração se justifique. Assim, pode ainda por esta via “salvar-se” o contratante que elaborou clausulado que não permita à contraparte outorgar o contrato de uma forma esclarecida. Há uma finalidade tuteladora de um efectivo consentimento por parte do aderente que vai ao ponto de impor ao contratante, que elaborou as cláusulas contratuais gerais, prestar todos os esclarecimentos razoáveis que sejam solicitados. Não há, no que respeita aos esclarecimentos, um dever de acção oficioso, pois os esclarecimentos devem ser solicitados: ver artigo 6º/3 do DL 446/85. O dever de informação a que alude o artigo 6º/1, na medida em que se funda numa necessidade de aclaração, pressupõe, portanto, uma comunicação não adequada e efectiva de cláusulas contratuais gerais que sempre ocorrerá quando o clausulado, independentemente da sua extensão e complexidade, não permita, salvo uso de diligência anormal, a compreensão do seu alcance na justa medida que seja decisiva para a formação de uma esclarecida vontade de contratar. 4. Analisando os factos provados na sua circunstância concreta, verifica-se que o tribunal deu como provado que “o réu assinou o contrato sem que lhe comunicassem todas as cláusulas do contrato, mas sabendo que negociava um automóvel e que teria de pagar mensalmente uma prestação em dinheiro” ( resposta ao quesito 1º). Desta resposta parece inferir-se que houve uma violação directa do dever de comunicação a que alude o artigo 5º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro. No entanto, a resposta ao quesito 3º elucida-nos que com essa estrita perspectiva, ou seja, com o puro desrespeito do dever de apresentação à contraparte do texto integral das cláusulas contratuais, não houve incumprimento por parte da A. De facto, se “ o contrato se encontrava inteiramente preenchido de acordo com a proposta previamente assinada pelo réu” então, há-de concluir-se, que o réu apôs a sua assinatura num texto, inserindo a proposta contratual, que já continha todas as cláusulas atinentes ao contrato de mútuo. Esta conclusão irá certamente ao encontro de uma prática comercial que traduz a já referida concertação de comportamentos entre vendedor e mutuante: o interessado na aquisição do veículo obtém junto do vendedor, após prévio contacto deste com o mutuante, o texto da proposta de mútuo que, assinada primeiramente pelo mutuário, se converte em contrato com a aposição da firma do mutuante. Não há, pois, nenhum contacto pessoal entre mutuante e mutuário: é o vendedor quem explica ao comprador os aspectos essenciais do contrato de mútuo, anteriormente à aposição da assinatura (12). Assim sendo, quando o tribunal dá como provado que “ o réu assinou o contrato sem que lhe comunicassem todas as cláusulas do contrato” aqui “comunicação” há-de valer com o significado de “informação”. Por outras palavras: os aspectos essenciais do contrato foram explicados ao mutuante, não lhe foram explicadas todas as cláusulas contratuais. Nada se provou no que respeita à questão de saber se o contrato foi comunicado com a antecedência necessária, e uma tal conclusão não se pode extrair da mera prova de que o réu “ assinou o contrato quando o quis fazer” (11). No entanto, não consideramos que, no caso vertente, se impusesse a necessidade de se provar que houve uma comunicação das cláusulas do contrato com antecedência razoável face à assinatura da proposta visto que não estamos face a um contrato que pela sua extensão ou complexidade justifique uma tal antecedência. 5. Nestes autos, atenta a matéria de facto provada, o que importa saber é se o contrato em causa, pelos termos em que está elaborado, permite que se ajuíze no sentido de considerar que o consumidor não vai tomar conhecimento do alcance relevante das suas cláusulas - em particular daquelas que se relacionam com as consequências do incumprimento - ainda que use de comum diligência. O contrato, no que toca ao preço em dívida, taxa de juro aplicável de reembolso do financiamento, prima pela clareza e basta, a nosso ver, a comunicação das cláusulas para que o mutuário só não fique esclarecido por falta de diligência a si próprio imputável. No rosto do contrato estão evidenciados as condições específicas do contrato: montante do empréstimo, bens financiados e identificação do fornecedor, condições de reembolso do financiamento e protecção Tecnicrédito. No entanto, num contrato com a natureza do presente - contrato de crédito ao consumidor - o conhecimento dos elementos de custo, que são as importâncias a pagar pelo consumidor em consequência do incumprimento de alguma das obrigações que lhe incumbem por força do contrato de crédito, reveste-se de decisiva importância na formação da vontade de contratar. É que, em caso de incumprimento, desaba sobre o faltoso, que haja falhado qualquer prestação no momento do vencimento, o imediato vencimento de todas as restantes, o que significa que o mutuário, que o é porque não dispõe de possibilidades de pagamento a pronto de uma quantia de 1.650.000$00, se sujeita imediatamente ao pagamento da importância correspondente a todas as prestações estipuladas; e mais: a taxa de juro, nada meiga, que, por estipulação, é igual à indicada para reembolso do financiamento, sofre ainda o acréscimo de 4 pontos percentuais. A cláusula que respeita às consequências do incumprimento está redigida de forma não acessível a um não jurista e, mesmo no que respeita ao jurista, algumas dúvidas se suscitam designadamente no que respeita à questão da necessidade ou não de interpelação para que se considerem imediatamente vencidas todas as restantes prestações. Tem-se entendido que tal interpelação não é necessária, o que significa que o consumidor, faltando a qualquer prestação, desgraçadamente terá de pagar imediatamente todas as demais prestações sujeitando-se a juros que vão atingir o montante de 21,16% que o mutuante faz incidir sobre um valor de prestações em dívida que já incluem juros à taxa de 17,16%. Sanções tão gravosas para o caso de incumprimento não podem deixar de ser objecto de informação, pois a sua mera indicação no seio do clausulado geral, sem nenhuma advertência no rosto do contrato, que é negociado no stand dos vendedores de automóveis, não preenche aquele mínimo de clareza que permita tranquilamente afirmar que o consumidor se não se apercebeu do alcance da cláusula foi porque se não quis aperceber. Quer isto dizer que o dever de comunicação a que se refere o artigo 5º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro não foi no caso observado; tão pouco a mutuante logrou obstar a essa falta de clareza mediante a prestação de informação a que alude o artigo 6º/1 do mesmo diploma. O réu não tinha a sua vontade esclarecida sobre as consequências em que incorreria, ele e a sua mulher que, não subscrevendo o contrato, é de igual modo responsabilizada pelo mutuante, no caso de faltar ao pagamento de qualquer prestação. Assim, ou o mutuário era informado sobre as consequências do incumprimento, ou tal informação não carecia de ser prestada porque do contrato resultavam com suficiente clareza tais consequências, não se justificando qualquer informação, salvo sempre esclarecimento que fosse solicitado. Decorre daqui deverem excluir-se do contrato as aludidas cláusulas nos termos dos artigos 5º, 6º e 8º,alíneas a) e b) do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro. Vejam-se ainda os Acs. da Relação de Coimbra de 22-1-2002 (Coelho de Matos),C.J.,1, pág. 16 e da Relação de Lisboa de 10-4-2003 (Graça Amaral) C.J., 2, pág. 120. 6. A não indicação dos elementos de custo sujeita à anulabilidade o contrato de crédito ao consumo (artigos 6º/2, alínea b) e 7º/2 do Decreto-lei nº 359/91, de 21 de Setembro). Não sendo a anulabilidade passível de conhecimento oficioso, permanece válido o contrato: ver artigo 287º do Código Civil conjugado com o disposto no artigo 7º/4 do Decreto-Lei nº 359/91, de 21 de Setembro e ainda o artigo 9º/1 do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro No âmbito do recurso não podemos tratar de questões novas (artigos 660º e 676º do C.P.C.), ou seja, saber se o disposto no artigo 781º do Código Civil se aplica não apenas a prestações fraccionadas, mas também a prestações duradouras. No tocante aos juros moratórios a taxa devida é a legal (no rosto do contrato, não atingida pela exclusão da cláusula 8ª, a taxa estipulada respeita às condições de reembolso, não à mora contratual); a exclusão da referida cláusula não obsta, de igual modo, à aplicação supletiva do disposto no artigo 781º do Código Civil. 7. Assim, não pode deixar de se alterar a decisão proferida considerando-se devido ao mutuante o valor, a obter por via de liquidação aritmética, resultante da subtracção ao somatório de prestações em dívida (2.313.036$00) à data do incumprimento (20-8-1997) do resultado alcançado pela subtracção aos 700.000$00 (valor obtido com a venda do veículo) dos juros vencidos à taxa legal desde 20-8-1997 até 28-1-1998 (O A. calculou esses juros, que contabilizou em 215.889$30, à taxa de 17,16%+4% quando, por força da presente decisão, os juros vencidos moratórios terão de ser calculados à taxa legal) a que acrescem os juros moratórios vencidos e vincendos à taxa legal (aplicando-se, a partir da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro a nova taxa) até efectivo pagamento, para além do valor devido a título de imposto sobre o selo. Decisão: concede-se parcial provimento ao recurso condenando-se os RR a pagar ao mutuante o valor a liquidar nos termos anteriormente (supra 7) referidos. Custas por A e RR na medida do respectivo decaimento Lisboa,7/4/05 (Salazar Casanova) (Silva Santos) (Bruto da Costa) |