Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | TELO LUCAS | ||
Descritores: | MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS PUBLICIDADE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/26/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE | ||
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Sumário: | 1. A ofensividade da norma ínsita no art.º 292º do Código de Valores Mobiliários concretiza-se quando o agente, seja através de publicidade, de promoção ou de prospecção, visa a celebração de contratos de intermediação ou a recolha de elementos sobre clientes actuais ou potenciais – independentemente quer do resultado que advenha daqueles actos publicitários, promocionais ou de prospecção, quer da idoneidade dos mesmos para proporcionarem o fim visado com a sua prática. 2. A intenção do agente arguida sociedade – “dirigida à recolha de elementos sobre clientes actuais ou potenciais” – decorre dos factos que foram dados como provados na medida em que o provado comportamento da arguida não pode deixar de consubstanciar uma mensagem publicitária tendo em vista a recolha de elementos sobre clientes. | ||
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Decisão Texto Integral: | TEXTO INTEGRAL:
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa: I – RELATÓRIO 1. Nos autos de contra-ordenação n.º 25/06.2TFLSB, do 1.º Juízo (1.ª secção) de Pequena Instância Criminal de Lisboa, a sociedade A…, com os demais sinais dos autos, interpôs recurso da deliberação do Conselho Directivo da COMISSÃO DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS (CMVM) através da qual o referido órgão lhe aplicou a coima única de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), resultante das coimas parcelares de € 10.000,00 (dez mil euros), € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros) e de € 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil euros), pela prática, respectivamente, das seguintes contra-ordenações: - Uma de prospecção de investidores, na forma tentada, p. p. pelos artigos 292.º, 388.º, n.º 1, al. c), e n.º 2, al. a), 400.º, al. a), e 402.º, n.º 2, todos do Código de Valores Mobiliários, 12.º, n.º 2, al. c), 13.º, n.º 2, e 18.º, n.º 2, do RGCO, e 50.º do Regulamento n.º 12/2000, da CMVM; - Uma de difusão ao público de informação não objectiva, não verdadeira e não clara, p. p. pelos artigos 7.º, 388.º, n.º 1, al. a), e 389.º, n.º 1, todos daquele Código; e; - Uma de difusão ao público de informação não verdadeira e não clara, também p. p. pelos referidos arts. 7.º, 388.º, n.º 1, al. a), e 389.º, n.º 1. - Foi-lhe ainda aplicada a “sanção acessória de publicação pela C.M.V.M., a expensas do infractor e em locais idóneos para o cumprimento das finalidades de prevenção geral do sistema jurídico e da protecção do mercado de valores mobiliários ou de outros instrumentos financeiros, da sanção aplicada pela prática da contra-ordenação, nos termos do artigo 404.º, n.º 1, al. d), do Cód. V. M..” (sic). 2. Efectuado o julgamento, veio a ser proferida sentença, em 19-06-2007, através da qual foi decidido conceder provimento ao recurso e, em consequência, absolver a sociedade arguida da prática das referidas contra-ordenações. 3. Inconformada com o assim decidido, recorre agora para esta Relação a COMISSÃO DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS (CMVM), concluindo assim na respectiva motivação:[1] «1.ª Na decisão sobre as contra-ordenações por que a A... foi condenada, de divulgação de informação ao público sem os requisitos de qualidade previstos no artigo 7 do CdVM, praticadas: a. em 28/08/2002, através do seu site, e b. a partir de 13/01/2004, através da sua brochura, a CMVM entende que o Tribunal a quo violou o artigo 7 do CdVM. 2.ª A CMVM entende que a norma foi interpretada e aplicada na sentença recorrida com o sentido de que exige, para que se possa afirmar tratar-se de informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a actividades de intermediação e a emitentes, que o autor da divulgação pública dessa informação exerça actividade no âmbito do mercado de valores mobiliários. 3.ª A CMVM entende que a norma deveria ter sido interpretada e aplicada com o sentido de que de Que não exige, para que se possa afirmar tratar-se de informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a actividades de intermediação e a emitentes, que o autor da divulgação pública dessa informação exerça actividade no âmbito do mercado de valores mobiliários, mas apenas (como a letra da lei dita) que a informação respeite àquelas matérias, independentemente de qualquer qualidade especial do autor da divulgação pública. 4.ª Sendo a norma interpretada e aplicada com o sentido por que a CMVM pugna, conclui-se, atenta a factualidade provada, pela responsabilidade da A... por duas contra-ordenações muito graves, por violação do disposto no artigo 7 do CdVM. 5.ª O próprio Tribunal a quo refere na sentença recorrida que, não fosse a interpretação e aplicação que faz do artigo 7 do CdVM quanto à exigência de que o autor da divulgação pública da informação exerça actividade no sector mobiliário, a conclusão seria pela prática de duas contra-ordenações por violação da norma. Com efeito: 6.ª (I) Em 28/08/2002, através do seu site, a A... : a. divulgou ao público b. informação respeitante a valores mobiliários, mercados de valores mobiliários, actividades de intermediação c. susceptível de influenciar as decisões dos investidores d. que era (pelo menos) não objectiva e não clara. 7.ª A A... era responsável pela divulgação de conteúdos no seu site em 28/08/2002. 8.ª A A... agiu (pelo menos) sem o cuidado a que estava obrigada e de que era capaz. 9.ª Temos em que a A... deve ser condenada pela prática negligente da contra-ordenação p. p. no artigo 389/1 do CdVM em 28/08/2002 através do seu site. 10.ª (II) A partir de 13/01/2004, através de uma sua brochura, a A... : a. divulgou ao público b. informação respeitante a valores mobiliários, actividades de intermediação c. susceptível de influenciar as decisões dos investidores d. que era não verdadeira. 11.ª A A... era responsável pela elaboração dos conteúdos da brochura. 12.ª A A... agiu de forma livre, deliberada e conscientemente. 13.ª Termos em que a A... deve ser condenada pela prática dolosa da contra-ordenação p. e p. no artigo 389/1 do CdVM a partir de 13/01/2004 através da seu site. 14.ª Na decisão sobre a contra-ordenação por que a A... foi condenada, de tentativa de prospecção fora dos requisitos previstos no artigo 292 do CdVM, praticada em 28/08/2002 através do seu site, a CMVM entende que o Tribunal a quo violou os artigos 292 do CdVM, 50 do Regulamento 12/2000 e 12/2/c do RGCORD. 15.ª A CMVM entende que as normas foram interpretadas e aplicadas na sentença recorrida com o sentido de que exigem, para que se possa afirmar tratar-se de tentativa de prospecção de investidores, que o autor da tentativa de prospecção exerça actividade no âmbito do mercado de valores mobiliários. 16ª A CMVM entende que as normas deveriam ter sido interpretadas e aplicadas com o sentido de que não exigem, para que se possa afirmar tratar-se de tentativa de prospecção, que o autor da tentativa de prospecção exerça actividade no âmbito do mercado de valores mobiliários, mas apenas (como a letra da lei dita) que os actos que pratica sejam tais que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, são de natureza a fazer esperar que se lhes sigam a prospecção de clientes para actividades de intermediação financeira, independentemente da actividade efectivamente exercida pelo seu autor. 17.ª Sendo as normas interpretadas e aplicadas com o sentido por que a CMVM pugna, conclui-se, atenta a factualidade provada, pelo preenchimento dos pressupostos típicos da tentativa de prospecção. 18.ª Em matéria de medida da sanção, a CMVM destaca que entende essencial manter a sanção acessória de publicação, atentas as especiais necessidades de prevenção geral e especial que no caso concreto se verificam, particularmente atendendo aos meios massificados usados para a prática da infracção.
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso e alterada, em conformidade, a decisão recorrida, e em consequência condenada a A... : a) pela prática negligente da contra-ordenação p. p. no artigo 389/1 do CdVM em 28/08/2002 através do seu site, e b) pela prática dolosa da contra-ordenação p. p. no artigo 389/1 do CdVM a partir de 13/01/2004 através da brochura, e c) pela prática da contra-ordenação p. e p. nos artigos 400/a, 388/2/a, 402/2 e 388/1/c do CdVM – tentativa de prospecção – em 28/08/2002 através do seu site, o que a CMVM requer ao douto Tribunal da Relação.». 4. Na resposta, a Digna Magistrada do Ministério Público junto da 1.ª instância limitou-se a acompanhar na íntegra o recurso interposto. Já a sociedade arguida, respondendo, conclui assim: «1) Como bem refere a própria Recorrente, os poderes cognitivos do Tribunal ad quem na apreciação do presente recurso restringem-se à eventual reapreciação da matéria de Direito (Cfr. art. 75°, n.º 1, do RGCO); 2) Importa igualmente sublinhar não foi dado como provado que a Arguida "preste e/ou tenha prestado quaisquer serviços de investimento em valores mobiliários" (Cfr. ponto B) da matéria dada como não provada na douta sentença recorrida), ou sequer que tenha ou alguma vez tenha tido intenção de o fazer (Cfr. arts. 41°, n.º 1 do RGCO e 32°, n.º 2, da CRP); 3) A Arguida não efectuou qualquer prospecção ou tentativa (que sempre implicaria necessariamente a existência de dolo, ou seja, neste caso, da intenção de captar clientes e investimentos para aplicação no mercado de valores mobiliários) de prospecção de clientes para actividades de intermediação financeira, pela pura e simples razão que a sua actividade se restringe, como demonstra a matéria dada como provada na douta sentença recorrida, à mediação de seguros do tipo unit-linked; 4) A Arguida não difundiu qualquer informação relativa a mercados, entidades ou produtos mobiliários, mas apenas informações relativas à sua actividade no ramo dos seguros, que não têm que ser avaliadas à luz do Código do Mercado de Valores Mobiliários, mas apenas e só à luz da lei geral e da legislação especificamente aplicável às actividades relacionadas com a actividade seguradora, sendo que a CMVM carece de competência material para interferir nestas matérias; 5) Mesmo admitindo que a informação difundida pela Arguida não tenha eventualmente sido tão clara quanto seria desejável, tal informação nunca seria, mesmo em abstracto e ao contrário do que pretende sustentar a CMVM, susceptível de influenciar as decisões e muito menos de induzir em erro os investidores do mercado de valores mobiliários, precisamente porque, não actuando a Arguida com produtos desse mercado, nunca os seus clientes poderiam, por seu intermédio e por força daquela informação, investir no referido mercado; 6) A CMVM faz, na motivação do seu recurso, frequentes apelos à actual e mais lata redacção da previsão do art. 389°, n.º 1, do Código dos Valores Mobiliários, quando a redacção desse preceito legal que é aplicável ao caso dos autos é a anterior, porque mais restrita e por isso mais favorável à Arguida (Cfr. art. 3°, n.º 2, do RGCO), segundo a qual: "constitui contra-ordenação muito grave a comunicação ou divulgação, por qualquer entidade e através de qualquer meio, de informação relativa a valores mobiliários ou outros instrumentos financeiros que não seja completa, verdadeira, actual, clara objectiva e lícita. "; 7) No entanto, é certo que nem no site de Internet nem na brochura referidos na matéria de facto dada como provada na douta sentença recorrida consta qualquer menção a valores ou produtos financeiros específicos, e muito menos a valores ou produtos financeiros que estejam sob a alçada das atribuições e competências da CMVM; 8) A questão principal para a boa decisão da causa é precisamente a de saber o que são os seguros unit-linked, questão que é abordada e doutamente resolvida a partir da pág. 37 da douta sentença recorrida, em termos que se subscrevem a íntegra e que necessariamente ditam a absolvição da Arguida; 9) A CMVM extravasou claramente os limites da sua competência material, invadindo campos e matérias que são «domínio exclusivo» do Instituto de Seguros de Portugal (ISP), que aliás - avaliar se bem ou mal já extravasa claramente o objecto destes autos - já se tinha pronunciado sobre a actividade da Arguida, a solicitação da própria CMVM (Cfr. ponto 35 da matéria dada como provada e pág. 43 da douta sentença recorrida); Nestes termos, e nos demais do Direito aplicável, deve o recurso interposto pela CMVM ser rejeitado, porque respeitante à decisão proferida sobre a matéria de facto e, por isso, legalmente inadmissível, ou, mesmo quando assim não se entenda, ser o mesmo recurso julgado improcedente, como é de Direito e de Justiça!». 5. Subiram os autos a esta Relação e, aqui, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, pronunciando-se sobre a regularidade do recurso, reservou para a audiência as suas alegações. 6. Porque a recorrente solicitara, oportunamente, sem oposição dos demais sujeitos processuais, alegações por escrito, foi fixado prazo para as mesmas e observado o n.º 6 do art. 417.º do Código de Processo Penal[2]. 7. Veio então a recorrente nas sua alegações, reiterando o que já dissera na motivação de recurso, pugnar pelo provimento deste, no que foi seguida pelo Exmo. Magistrado do Ministério Público desta Relação; por sua vez, a arguida conclui mais uma vez nos termos em que já o fizera na resposta ao recurso. 8. Colhidos que foram os vistos legais, vieram os autos à conferência. Cumpre, pois, apreciar e decidir. II – FUNDAMENTAÇÃO 9. Do âmbito do recurso e da questão a decidir: Quer a entidade recorrente quer a sociedade arguida estão de acordo quanto a um ponto, o qual, de resto, encontra arrimo em disposição legal expressa [art. 75.º, n.º 1, do RGCO[3]]: esta Relação apenas conhece aqui de direito. No que elas naturalmente divergem é na verificação, ou não, das contra-ordenações que a recorrente, em conformidade com o que decidiu na fase administrativa dos autos, entende que foram praticadas pela arguida. Com efeito, ao invés do que diz ser o entendimento adoptado pela sentença agora sob censura, defende a recorrente que a norma do art. 7.º do Código dos Valores Mobiliários[4] deve ser interpretada e aplicada no sentido de que a mesma não exige, para que se possa falar em «informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a actividades de intermediação e a emitentes», que o autor da divulgação pública dessa informação exerça actividade no âmbito do mercado de valores mobiliários. Basta, acentua, que a informação respeite a tais matérias, independentemente de qualquer qualidade especial do autor da divulgação. É partindo desta ideia, e tendo presentes os factos dados como provados pela sentença, que ela, ao contrário do decidido pelo tribunal a quo, pugna pela condenação da arguida pelo cometimento das contra-ordenações em causa. Pelo contrário, esta última, sustentando o bem fundado da sentença, entende que os factos nela vertidos não integram qualquer contra-ordenação. Ora, sintetizadas assim as duas posições em confronto, já se vê que a questão decidenda traduz-se em averiguar se a arguida com as suas condutas incorreu, ou não, na prática das contra-ordenações em causa, a saber: - Duas, na forma consumada, de difusão ao público de informação não objectiva, não verdadeira e não clara, sendo uma negligente, praticada em 28-08-2002, através do seu site, e outra dolosa, a partir de 13-01-2004, através da brochura – arts. 7.º, 388.º, n.º 1, al. a), e 389.º, n.º 1, todos do CVM; e; - Uma, na forma tentada, de prospecção de investidores, praticada também em 28-08-2002, através do mesmo site – arts. 292.º, 388.º, n.º 1, al. c), e n.º 2, al. a), 400.º, al. a), e 402.º, n.º 2, ainda do CVM, 12.º, n.º 2, al. c), 13.º, n.º 2, e 18.º, n.º 2, estes do RGCO, e 50.º do Regulamento n.º 12/2000, da CMVM. 10. Resolução da questão enunciada: 10.1. A singular natureza da matéria agora em discussão levanta – é bom reconhecê-lo desde já – algumas dificuldades na sua abordagem e, sobretudo, na interpretação das normas legais cuja convocação se impõe no caso em apreço. Naturalmente que para a existência de tais dificuldades contribui, sem dúvida, e desde logo, o facto de, mesmo presentemente, aquela matéria não merecer ainda por parte da doutrina o tratamento aprofundado que é dedicado a outros ramos do direito; depois, não deixa de ser também relevante para a verificação dessas mesmas dificuldades a circunstância de a jurisprudência não ser chamada a pronunciar-se, com uma assiduidade significativa, sobre o tema que subjaz ao presente recurso. Razões bastantes, pois, para que de imediato tentemos perscrutar algumas das linhas mestras que nos últimos anos vêm norteando o legislador no âmbito do mercado de valores mobiliários, e que possam ajudar a encontrar a correcta solução para o caso sub judice. Assumindo claramente a defesa dos legítimos interesses dos investidores e da transparência, como dois dos valores essenciais que devem pautar aquele mercado, o então designado Código do Mercado e dos Valores Mobiliários erigiu a informação como uma das suas grandes linhas de força. A comprovar esta ideia está desde logo o preâmbulo do Dec.-Lei n.º 142-A/91, de 10 de Abril, que aprovou aquele Código, e no qual a dado passo se pode ler: «(...). Da suficiência, oportunidade, qualidade e acessibilidade da informação dependem (...) não apenas a defesa obrigatória dos legítimos interesses dos investidores, mas também, e de um modo geral, a própria regularidade e transparência do funcionamento do mercado, a consistência e a estabilidade dos preços que nele se formam e a viabilidade de um efectivo controlo das transacções que nele se realizam e das actividades de intermediação em valores mobiliários que nele se desenvolvem.». E mais adiante: «É evidente que a lei não pode nem deve pretender que o mercado funcione como «tutor» do investidor, seja qual for o seu nível de cultura e de conhecimento em matéria de valores mobiliários, a fim de evitar que ele tome erradas decisões de investimento; mas pode e deve assegurar-lhe a informação necessária para habilitar um investidor de conhecimentos e diligência médios a tomar por si próprio uma decisão correcta. Começa-se, assim, por estabelecer (...) um conjunto de disposições gerais sobre informação, tendo em vista sujeitar a uma disciplina fundamental nítida, não apenas a informação obrigatória (...), mas também a informação facultativa e a veiculada através de publicidade, abrangendo, naturalmente, todas as entidades que no mercado intervêm, ou seja, as entidades emitentes de valores mobiliários, as entidades responsáveis por ofertas públicas de subscrição e de transacção dos mesmos valores, os intermediários financeiros e as entidades gestoras de mercados secundários. A norma básica, consagrada nos artigos 97.º e 98.º, é a de que a informação fornecida ao público, bem como a publicidade, devem conformar-se com princípios rigorosos de licitude, veracidade, objectividade, oportunidade e clareza, não podendo, pela sua insuficiência, inexactidão ou falsidade, pela falta de rigor ou de fundamento objectivo dos indicadores, previsões ou juízos de valor que delas constem, pela forma dúbia ou confusa que revistam, pelo modo ou contexto da sua apresentação, pela sua falta de actualidade, pela omissão de esclarecimentos necessários ao seu correcto entendimento e avaliação, ou por quaisquer outras circunstâncias cujo conhecimento ou explicitação fosse razoavelmente exigível, induzir o público em erro sobre a realidade dos factos, situações, actividades, resultados, negócios, perspectivas, valores, taxas de rendimento ou de valorização de capital investido ou quaisquer outras matérias que dessa informação ou publicidade sejam objecto.». A informação continuou a ser uma das traves mestras do actual CVM, ao ponto de este lhe dedicar a totalidade do capítulo III, do título I, que se inicia com o art. 7.º. Este preceito dispõe assim: «1 – Deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a actividades de intermediação e a emitentes que seja susceptível de influenciar as decisões dos investidores[5] ou que seja prestada às entidades de supervisão e às entidades gestoras de mercados, de sistemas de liquidação e de sistemas centralizados de valores mobiliários. 2 – O disposto no número anterior aplica-se seja qual for o meio de divulgação e ainda que a informação seja inserida em conselho, recomendação, mensagem publicitária ou relatório de notação de risco. 3 – O requisito da completude da informação é aferido em função do meio utilizado, podendo, nas mensagens publicitárias, ser substituído por remissão para documento acessível aos destinatários. 4 – À publicidade relativa a valores mobiliários e a actividades reguladas neste Código é aplicável o regime geral da publicidade.». Um outro sintoma da relevância que a informação assume no mercado de valores mobiliários dá-o o legislador ao tipificar como contra-ordenação muito grave «(...) a comunicação ou divulgação, por qualquer entidade[6] e através de qualquer meio, de informação relativa a valores mobiliários ou outros instrumentos financeiros que não seja completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita.», aqui se incluindo «(...) a prestação de informação aos seus clientes por qualquer entidade que exerça actividades de intermediação.» [art. 389.º, n.º 1 e n.º 2, respectivamente, do CVM]. Ora, quer do preâmbulo que mais acima transcrevemos parcialmente quer das normas legais acabadas de citar, é possível extrair, tendo já em vista a resolução da questão que agora importa decidir, e que oportunamente deixámos enunciada, duas ideias: uma tem a ver com o alcance e o âmbito de aplicação que devem ser conferidos ao citado art. 7.º; a outra prende-se com a definição, na temática aqui em causa, do conceito de informação. Explicitemo-las, começando pelo âmbito de aplicação daquele normativo[7], nomeadamente do seu n.º 1. Temos por certo que a exigência da qualidade da informação que decorre expressamente dos termos do preceito vincula todas as pessoas ou entidades independentemente de exercerem ou não qualquer actividade no mercado de valores mobiliários. É que só esta interpretação permite salvaguardar o bem jurídico que a norma visa tutelar. De resto, e como bem observa a recorrente, nomeadamente nas suas alegações, a entender-se como requisito das contra-ordenações dos autos que o seu autor exerça actividade no mercado de valores mobiliários, tal conduziria a resultados insuportáveis. É que estaria franqueada a porta para, impunemente, a norma em apreço poder ser contornada e, consequentemente, defraudada a ratio legis que lhe está subjacente. Não pode ser. Aliás, como se pode ver pela respectiva transcrição que acima fizemos, e que na parte agora relevante sublinhámos, é o próprio art. 389.º, n.º 1, a acolher como agente da infracção «qualquer entidade»[8], não estabelecendo, pois, qualquer restrição, nem exigindo qualquer ligação desse agente ao mercado de valores mobiliários. Em suma: ao contrário do que vem entendido pela sentença, agente das contra-ordenações em questão poderá ser «qualquer pessoa ou entidade» independentemente de ter ou não qualquer ligação ou afinidade com o mercado de valores mobiliários, ainda que se reconheça, por razões que todos entenderão, que na generalidade dos casos o agente infractor terá uma qualquer actividade no âmbito daquele mercado. Afinal de contas, também resulta ser este o entendimento quando estão em causa os crimes contemplados nos arts. 378.º e 379.º do CVM. Procuremos agora definir o conceito de informação. A extrema importância que, como já se viu, o legislador conferiu à informação, no domínio que agora nos ocupa, ao ponto de tipificar como contra-ordenação grave a sua incompletude, inverdade, obscuridade, não objectividade e ilicitude, inculca a ideia de exigência na definição do respectivo conceito. A este propósito, o que em primeira linha se pode e deve fazer observar, porque directamente resultante do transcrito art. 7.º, concretamente do seu n.º 1, é que a informação a que vimos aludindo há-de ser tal [rectius: há-de ter um tal conteúdo] «que seja susceptível de influenciar as decisões dos investidores». Não está, pois, aqui em causa uma qualquer informação, uma informação de mera propaganda, se nos é permitido este termo, que normalmente nem sequer consegue chamar a si os mais incautos. Exige-se que ela possua um «quid» minimamente convincente, no sentido de ser capaz de influenciar a decisão do seu destinatário – um investidor normal do mercado mobiliário. Nem sequer nos parece – salvo sempre melhor opinião – que seja aceitável que uma qualquer informação, ainda que se reporte genericamente a valores mobiliários (acções, obrigações, etc.), possa caber no tipo contra-ordenacional vertido no n.º 1 do já parcialmente citado art. 389.º Se não repare-se: considerando esta norma, no seu n.º 3 e respectivas alíneas, como contra-ordenação grave, a «Prática de factos referidos nos números anteriores[9], se os valores mobiliários ou os instrumentos financeiros a que a informação respeita não forem negociados em mercado regulamentado e se a operação tiver valor igual ou inferior ao limite máximo da coima para as contra-ordenações graves;» [al. a)]; o «Envio às entidades de supervisão e às entidades gestoras de mercados, de sistemas de liquidação e de sistemas centralizados de valores mobiliários de informação que viole os princípios referidos no n.º 1;» [al. b)]; a «Falta de envio, total ou parcial, de documentos ou de informações à CMVM e à entidade gestora de mercado regulamentado;» [al. c)]; e a «Publicação de informação não acompanhada de relatório ou parecer elaborados por auditor registado na CMVM quando a lei o exija.» [al. d)], a contra-ordenação muito grave do seu n.º 1, aquela que aqui está em causa, só pode reportar-se a comunicação ou divulgação de informação com a dimensão que acima procurámos explicitar. De outra forma, se qualquer tipo de informação pudesse integrar a muito grave contra-ordenação, o quadro sancionatório cominado pela norma em apreço, aqui globalmente considerado, não faria qualquer espécie de sentido. Seguramente que o legislador, sob pena de notória incongruência e evidente desfasamento entre as normas punitivas, não quis incluir no predito n.º 1, enfatizamos, uma qualquer informação, mas antes uma informação, que não sendo completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita, seja susceptível de influenciar as decisões de um investidor normal do mercado mobiliário. De resto, também o n.º 4 e o n.º 5 da norma, ao preverem algumas contra-ordenações menos graves, externam a gradação que o preceito em apreço estabelece. 10.2. As considerações acabadas de fazer permitem-nos, ponderada que seja a matéria de facto dada como provada pela sentença recorrida, resolver parte da questão que importa dirimir. A arguida cometeu ou não as contra-ordenações de difusão ao público de informação não objectiva, não verdadeira e não clara, p. p, pelos arts. 7.º, 388.º, n.º 1, al. a), e 389.º, n.º 1, do CVM? Antes de encontrarmos a resposta para esta pergunta, vejamos o teor da sentença recorrida, no que concerne aos factos provados, aos não provados e à respectiva motivação [transcreve-se – seguindo a ordem por que a própria sentença optou, e que não é, salvo o devido respeito, a melhor «técnica»[10]]: «Discutida a causa, e de relevante para a decisão da mesma, provaram-se os seguintes factos: 1 - A A... é uma sociedade comercial por quotas, está sujeita ao direito português, tendo, até, pelo menos, 15 de Outubro de 2003, por objecto social a "Realização de estudos, prestação de informações, consultoria e serviços em matérias económicas e financeiras.". 2 - Em 15 de Outubro de 2003, foi averbado ao registo comercial da arguida a alteração do seu objecto social, que passou a ser: "Realização de pesquisas e estudos de carácter económico e a divulgação de informação conexa, a divulgação e promoção de conteúdos financeiros numa base selectiva, a organização de eventos e seminários, a divulgação de informação sobre todos os aspectos da vida no estrangeiro, incluindo em matéria de planeamento fiscal e gestão do património.". 3 - A arguida exerce a sua actividade em Portugal, onde adopta a qualidade de sociedade comercial por quotas - "A... ". 4 - Em 24 de Setembro de 2002, encontrava-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Cascais, sob o n.º 5813, e a sua sede era na Avenida … , Estoril. 5 - Em 15 de Outubro de 2003, encontrava-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, sob o n.º 12035. 6 - No papel timbrado da arguida, identifica-se o seu domicílio na Avenida …, Monte Estoril, localização de um dos escritórios da arguida. 7 - Os contactos telefónicos 21 … e 21… , indicados no papel timbrado da arguida e a linha de fax 21 …, são contactos portugueses. 8 - O contacto telefónico indicado no papel timbrado da arguida (21 … ) corresponde ao contacto telefónico indicado no site da Portugal Telecom como pertencendo a … , presidente da arguida. 9 - Nos cartões profissionais de M…, presidente da arguida, e de B … , directora financeira da arguida, identifica-se o domicílio da arguida na Avenida …, Monte Estoril. 10 - No dia 28 de Agosto de 2002, no sítio da Internet http://www. ... .com., a arguida: a) Utilizava a língua portuguesa. b) Indicava o seu domicílio na Avenida …, Monte Estoril. c) Indicava os contactos telefónicos e de fax supra indicados. d) Dirigia-se a portugueses: "Portuguese O MUNDO DÁ MUITAS VOLTAS... NÃO DEIXE OS SEUS INVESTIMENTOS AO ACASO!". e) Afirmava disponibilizar ("Nós oferecemos-lhe:" uma "(...) ampla escolha de investimentos - mais de 5000 Fundos de Investimento (Acções, Obrigações, Dinheiro Vivo)" – sublinhado nosso". 11 - O sítio da Internet http://www. ... .com foi registado pela arguida em 3 de Abril de 2002. 12 - Durante o ano de 2002 e até 29 de Maio de 2003, a arguida controlava o conteúdo do sítio da Internet http://www. … .com através do seu funcionário/prestador de serviços M… , encarregue pela arguida, nessa altura sob as suas ordens, direcção e fiscalização, de criar e administrar o referido site da arguida, por sua conta e no seu interesse. 13 - Em 28 de Agosto de 2002, no seu sítio da Internet http://www. … .com. A arguida afirmava: "aconselhamos somente investimentos que cumpram todos os requisitos de segurança e que já tenham demonstrado resultados positivos"; "ampla escolha de investimentos - mais de 5000 Fundos de Investimento (Acções, Obrigações, Dinheiro Vivo)"; "flexibilidade na escolha e na troca de Fundos de Investimento"; "liquidez - sempre que pretenda pode movimentar os seus Bens"; "A... International was established in 1987 to provide specialist investment management, company and trust management services (...)". 14 - Em 28 de Agosto de 2002, no seu sítio da Internet http://www. … .com. a arguida convidava: "Join the A... mailing list", e apresentava um espaço para se colocar o e-mail e enviá-lo à arguida ("GO"). 15 - A arguida não é um intermediário financeiro registado na C.M.V.M. 16 - Em 28 de Agosto de 2002, no seu sítio na Internet http://www. … .com, a arguida afirmava o seguinte: "A... works closely with ali prestigious global financial institutions including: Merrill Lynch Asset Management; Flemings; Bank Sarasin; Fidelity; UBS; Investec; Credit Suisse; Standard & Chartered; Singer & Friedlander, and many more." – sublinhado nosso. 17- A Merrill Lynch Asset Management referiu à Financial Services Authority, a pedido da C.M.V.M., não ter qualquer relação com a arguida no Reino Unido, admitindo ter relações fora do Reino Unido. 18 - J.P. Morgan Fleming Asset Managers (J.P.F.A.M.) referiu à Financial Services Authority, a pedido da C.M.V.M., ter uma conta em nome de C… , transferida de outro mediador para a arguida em Agosto de 2000, tendo tal conta um valor reduzido, actualmente £ 14, tendo sido a inclusão do agente feita a pedido do cliente – C… atento o facto de passar a residir em Portugal, limitando-se o contacto com a arguida a tal mediação. 19 - A Standard Chartered Bank, Ltd (S.C.B.L.) referiu à Financial Services Authority, a pedido da C.M.V.M., não ter qualquer relação com a arguida no Reino Unido. 20 - A Singer and Friedlander referiu à Financial Services Authority, a pedido da C.M.V.M., não ter qualquer relação (contas ou contacto) com a arguida. 21 - A Bank Sarasin & Co, Ltd, a UBS, a Investecbank (Switzerland) AG. e a Credit Suisse Financial Services referiram à Swiss Feredal Banking Comission não terem nem nunca terem tido qualquer relação com a arguida, excepto a UBS que referiu ter uma relação com a A... Intemational GmbH, relativa a uma conta corrente normal. 22 - A Fidelity Investments Luxembourg, S.A. referiu à Comission de Surveillance du Secteur Financier do Luxemburgo, não ter qualquer relação com a arguida. 23 - A Bank Sarasin Benelux, S.A. referiu à Comission de Surveillance du Secteur Financier do Luxemburgo, não ter qualquer relação com a arguida. 24 - A J.P. Morgan Fleming Asset Management (Europe), S.a.r.l., referiu à Comission de Surveillance du Secteur Financier do Luxemburgo, não ter qualquer relação com a arguida de 2000 até à data da resposta. 25 - Numa brochura da A... , que não se encontra datada, mas que foi impressa no dia 13 de Janeiro de 2004, pode ler-se a seguinte afirmação: “Registered and regulated in Switerzland, Portugal and Spain”. 26- Porém, naquela data, a arguida não se encontrava registada ou autorizada a exercer qualquer actividade pela: a) Swiss Federal Banking Commission (Suiça); b) C.M.V.M., Instituto de Seguros de Portugal ou Banco de Portugal (Portugal); c) Comissión Nacional del Mercado de Valores (C.N.M.V.) ou qualquer outra autoridade de supervisão espanhola (Espanha). 27- A arguida tem e sempre teve a denominação de <<A... »; 28 - A sede social da arguida é, desde 15/10/2003, na Avenida …, de Lisboa. 29 - A arguida integra um grupo económico que é participado, além do mais, por uma sociedade constituída na Suiça - A... International, GmbH, registada no Registo Comercial competente, nos termos constantes de fls. 898, dos autos, cujo teor aqui damos por integralmente reproduzido e sujeita ao direito deste país e outra constituída em Espanha - A... International Asset Management, S.L., legalmente constituída em Espanha em Maio de 2002 e submetida à legislação espanhola, nos termos constantes de fls. 907, dos autos, cujo teor aqui damos por integralmente reproduzido. 30 - O capital social da arguida é no montante de € 5.000,00. 31 - A arguida teve nos exercícios de 2001, 2003 e 2004 resultados líquidos negativos e tinha, em 31.12.2004, uma situação líquida no valor de € 16.663,56, tudo em virtude da sua fraca actividade. 32 - Não foi possível apurar a situação económica actual da arguida. 33 - O site http://www. … .com já não está acessível ao público. 34 - A arguida não tem quaisquer antecedentes contra-ordenacionais na área do mercado dos valores mobiliários. 35 - Na sequência de comunicação por parte da C.M.V.M., em 24/09/2003, o Instituto de Seguros de Portugal abriu um processo de averiguações à actividade da arguida, relativo ao exercício não autorizado da actividade de mediação de seguros e à intermediação de contratos celebrados por empresas de seguros não autorizadas ao exercício de actividade seguradora em Portugal, tendo recebido o despacho final de fls. 2265 e 2266, dos autos, cujo teor aqui damos por integralmente reproduzido, determinando a não instauração de processo de contra-ordenação contra a arguida ou o seu legal representante, considerando existirem indícios de falta de consciência da ilicitude por parte de ambos, decisão essa que assume as características melhor constantes do documento de fls. 2291 e 2292, dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 36 - No dia 20/11/2003 o legal representante da arguida e o Sr. Dr. F… , na altura a exercer funções na C.M.V.M. enquanto Vogal do Conselho Directivo da C.M.V.M., tiveram a conversa informal relatada no depoimento escrito constante de fls. 2301 e 2302, dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, sendo aí exposta à arguida a posição da C.M.V.M. - correspondente à vertida na decisão dos presentes autos - e à C.M.V.M. a posição defendida pela arguida, afirmando-se apenas mediadora de seguros, sujeita apenas à supervisão do Instituto de Seguros de Portugal, não se considerando mediadora ou intermediária financeira. 37 - A arguida presta serviços de mediação de seguros, principalmente do ramo "Vida", ligados principalmente a fundos de investimento colectivo (unit-linked) que constituem instrumentos de captação de aforro estruturados (I.C.A.E.). 38 – M.. , filho do legal representante da arguida, foi funcionário/prestador de serviços da arguida até 29/05/2003, altura em que foi despedido/dispensado pela arguida em litígio com a mesma, tendo levado diversos materiais da propriedade da arguida, nomeadamente todo o necessário à operação do site supra mencionado, tendo a arguida, a partir desse momento, perdido o seu controle efectivo. 39 - Ao actuar pela forma descrita, com excepção dos pontos 25) e 26), a arguida actuou com a falta do cuidado a que estava obrigada e de que era capaz, não sendo capaz de expressar com clareza que os serviços oferecidos se reportavam aos referidos em 37), optando por usar terminologia e discurso equívoco - de tal forma o foi que levou a C.M.V.M. a convencer-se que pretendia prospectar investidores para o mercado mobiliário - optando igualmente por utilizar a expressão "works closely with (...)" como pretendendo dizer "tem relações comerciais, como mediadora, com (...)", acabando por traduzir, levianamente, uma relação de proximidade que não é mais nem menos que uma relação comercial simples, actuando nos termos sobreditos. 40 - Ao actuar pela forma supra descrita em 25) e 26), a arguida actuou de forma livre, deliberada e conscientemente, sabendo que não estava registada e regulada junto de qualquer autoridade de supervisão oficial portuguesa, suíça ou espanhola, sabendo a sua conduta proibida e punida por lei. 41- O legal representante da arguida foi titular do certificado de mediador de seguros, desde 08/03/1990, sendo o mediador n.º 5… C.E.E. Reino Unido, caducado desde 21/10/1996, W.. , colaborador da arguida, foi titular do certificado de mediador de seguros, para o ramo não vida, desde 14/07/2003, sendo o mediador n.º 9… /2, G… , colaborador da arguida, é titular do certificado de mediador de seguros, para os ramos vida e não vida, o primeiro desde 27/09/2005 e o segundo desde 21/07/2004, sendo o mediador n.º 9246955/3, a arguida, após alteração da sua designação para A... ., é titular do certificado de mediador de seguros, para os ramos vida e não vida, desde 29/09/2006, sendo o mediador n.º 2017594/3. * Estes os factos provados e nada mais, de relevante para a decisão da causa, se provou. * Fundamentação da Decisão de Facto
O Tribunal baseou-se, para dar como provados os factos acima referidos, sob os números 1 a 41 (inclusive) e não provados os restantes, nas declarações do legal representante da arguida, no sentido das alegações de recurso apresentadas pela arguida - e, consequentemente, aceitando o teor documental do site e da brochura - mas negando, consequentemente, a prática das infracções, tendo sido importante para a prova da actividade principal da arguida, descrita no ponto 37 da matéria de facto provada, para a não prova do ponto B) - ainda que não tenha sido suficiente para a prova do facto não provado C) - fundamental para a prova dos factos 39 e 40, ainda que os tenha negado deslocando para o seu filho toda a responsabilidade pelo site admitindo porém que o mesmo o elaborou no interesse e sob instruções da arguida mas que as superou e aproveitou a autonomia que a arguida lhe deu - não o fiscalizando como, admitiu, devia - para extravasar as suas funções ao colocar o site online sem antes o submeter a aprovação por parte da direcção da arguida e afirmando - com total falta de credibilidade - entender que registered and regulated se reportavam ao registo comercial da sociedade mas explicando depois que se reportavam ao certificado de mediador de seguros que o seu legal representante tinha, em nome individual, mas que lhe havia sido cancelado sem o seu conhecimento, referindo estar crente, na altura em que a arguida fez tal afirmação na sua brochura, ser ainda mediador de seguros registado e regulado pelo I.S.P., referindo no entanto que, neste momento, a arguida em seu nome - já é titular de certificado de mediador de seguros bem como o seu colaborador G… , referindo quanto à distribuição das brochuras que as redigidas em português seriam para distribuição em Espanha, as em Inglês para distribuição em Portugal (e noutros países onde estivessem cidadãos de língua materna inglesa ou que a dominassem, expatriados, explicando ser a esta comunidade - cidadãos expatriados - que a actividade da arguida se dirige, obtendo-lhes mais valias a nível de investimentos unit linked e de tributação ). Mais se fundamentou o Tribunal no depoimento das testemunhas H… e J …, ambos funcionários da C.M.V.M., o primeiro responsável pela investigação inicial que originou os presentes autos (após a queixa), efectuando uma análise dos documentos juntos aos autos e, ambas as testemunhas, depondo quanto aos procedimentos habituais e funcionamento regular do Mercado Mobiliário, fornecendo conhecimento pericial que possuem, nessa área. Fundamentou-se ainda o Tribunal no depoimento da testemunha de defesa B..., funcionária da arguida, depondo com segurança, no essencial no mesmo sentido que o legal representante da arguida, sendo essencial na prova 12), 38) e 39) referindo que o filho do legal representante tinha poder total sobre a administração da arguida em Portugal, pois o seu pai estava já em Espanha, era o responsável informático da A... e a administração não estava preocupada com o que ele fazia, pois confiavam nele, tomaram conhecimento da página da Internet algumas semanas antes de ele ser despedido, reforçando a ideia da página ser propriedade intelectual da arguida e no depoimento da testemunha de defesa G…, funcionário da arguida, depondo com segurança, no mesmo sentido que a anterior testemunha, quer quanto ao filho do legal representante da arguida quer esclarecendo a actividade da arguida, no sentido provado em 37 da matéria de facto provada, contribuindo para a não prova do ponto B) - ainda que não tenha sido suficiente para a prova do facto não provado C), referindo que a arguida não tinha poderes de gestão da carteira dos clientes, sendo apenas intermediários. Teve, ainda, o Tribunal em atenção todos os documentos juntos aos autos, em especial e quanto à prova do facto 1, fls. 43, 299-301, 487 e 933-936, do facto 2, 27, 28 e 30, fls. 933-936, em especial, fls. 935-936, do facto 3, fls. 299-301 e 933-936, do facto 4, fls. 299-301, do facto 5, fls. 933-936, do facto 6, fls. 20, 134, 147, 155, 268, 273, 374, 489-492, 593, 621, 651, 682, 714, 759, 775, 792, 801, 805, 808, 813, 839, 841, 843, 848-850 e 852, do facto 7, fls. 20, 134, 147, 268, 490, 492, 593, 621, 651, 682, 714, 759, 775, 792, 801, 805, 808, 813, 839, 841, 843, 848-850 e 852 é indicado apenas o contacto 21 466 03 53; a fls. 374 é indicado apenas o contacto 21 483 63 37; a fls. 155, 273, 489 e 491 são indicados ambos os contactos, fls.20, 134, 147, 155, 268, 273, 374, 489, 490, 491, 492, 593, 621, 651, 682, 714, 759, 775, 792, 801, 805, 808, 813, 839, 841, 843, 848-850 e 852, do facto 8, fls. 41 e 729-730, do facto 9, fls. 9, 66 e 729-731, do facto 10, fls. 29-30, do facto 11, fls. 1007-1010 e 1012-1014, em especial 1008 a 1010, ponto 12, fls. 1007-1010, 1012-1014, ponto 13, fls. 30 e 31, ponto 14 fls. 29 e 31, ponto 15, fls. 913-914, ponto 16 fls. 35, pontos 17 e 18, fls. 891, verso, pontos 19 e 20, fls. 892, ponto 21 fls. 899, ponto 22 a 24, fls. 903, ponto 25, fls. 845-847, 849 e 852-853, ponto 26: a), fls. 897-898, b), fls. 908-914, c), fls. 904-907, ponto 29, fls. 898 e 907, ponto 31, fls. 1097 a 2047, ponto 35, fls. 2265, 2266, 2291 e 2292, ponto 36, fls. 2301 e 2302, ponto 37, fls. 1 a 27 e ponto 41, fls. 802, 803, 909, 910 e 2265 a 2268. * Matéria de Facto Não Provada
De relevante para a decisão da causa, não logrou provar-se a seguinte matéria de facto: A) Que a arguida não tenha qualquer relação contratual (ou outra) com as entidades referidas em 16) a 24) da matéria de facto provada. B) Que a arguida preste e/ou tenha prestado quaisquer serviços de investimento em valores mobiliários, sem prejuízo do provado no ponto 37) da matéria de facto provada. C) Que a arguida não preste e/ou jamais tenha prestado quaisquer serviços de investimento em valores mobiliários (recepção e transmissão de ordens por conta de outrem, execução de ordens por conta de outrem, gestão de carteiras por conta de outrem e colocação em ofertas públicas de distribuição), serviços auxiliares dos serviços de investimento, serviços de gestão de instituições de investimento colectivo e serviço de depositário dos valores mobiliários que integram o património dessas instituições, sem prejuízo do provado no ponto 37) da matéria de facto provada. D) Que o objecto social da arguida, descrito em 2) da matéria de facto provada, o seja desde 16/1012001. E) Que o sítio na Internet http://www. ….com não tenha sido criado a pedido da arguida. F) Que a arguida, em 28.08.2002, desconhecesse os conteúdos do sítio na Internet http://www. ... .com. G) Que a arguida, em 28.08.2002, desconhecesse que o sítio na Internet http://www. … .com se encontrava acessível ao público em geral. H) Que em 28.08.2002 a arguida tivesse relações comerciais, pelo menos, com as seguintes entidades: Merril Lynch Asset Management, Flemings, Bank Sarasin; Fidelity; UBS; Investec; Credit Suisse; Satndard & Chartered; Singer and Friedlander. I) Que a arguida não elaborasse e/ou controlasse a produção dos conteúdos da brochura de 13.01.2004. J) Que a brochura de 13.01.2004, não se destinasse a ser distribuída em território português. K) Que a brochura de 13.01.2004 nunca tenha sido distribuída. L) Que a sede da arguida seja a referida em 28) da matéria de facto provada desde 16/10/2001. M) Que a Arguida nunca tivesse a sua sede social na Avenida …. , Monte do Estoril. N) Que a arguida tenha actuado na confiança de que os factos praticados eram rigorosamente lícitos em face do direito aplicável, sendo sua preocupação, constante e permanente, o acompanhamento da evolução da legislação aplicável à sua actividade e a sua conformação com a mesma. O) Que a arguida tenha demonstrado grande abertura perante a CMVM durante o processo em apreço, procurando cooperar da melhor forma com a C.M.V.M. na descoberta da verdade, tendo demonstrado toda a disponibilidade para os esclarecimentos que lhe foram sendo solicitados e total abertura à correcção de algum aspecto da sua conduta que pudesse ser de alguma forma desconforme com a lei aplicável. P) Que qualquer falta na conduta da arguida se tenha devido, exclusivamente, à total falta de clareza das regras aplicáveis e que choque com os elevados padrões de qualidade que a mesma se impõe no âmbito da sua actividade. Q) Que a arguida não tenha obtido qualquer beneficio económico em virtude dos factos alegadamente praticados. R) Que a conduta da arguida não causasse quaisquer danos ou colocasse em perigo os investidores, o mercado dos valores mobiliários ou de outros produtos financeiros; S) Que nas circunstâncias referidas em 39) da matéria de facto provada, a arguida agisse livre, deliberada e conscientemente, sabendo a sua conduta proibida e punida por lei.». 10.3. É à luz dos factos verificados em 28-08-2002 e em 13-01-2004, dados como provados pela sentença, que a recorrente pretende que a arguida seja condenada pela prática das contra-ordenações de difusão ao público de informação não objectiva, não verdadeira e não clara. Recordemos, então, e em síntese, o que nos dizem esses factos: A arguida, naquela data de 28-08-2002, através da Internet, no site http://www. …. com, utilizando língua portuguesa, indicando quer o seu domicílio quer os seus contactos de telefone e de fax, dirigia-se aos portugueses nestes termos: “Portuguese O MUNDO DÁ MUITAS VOLTAS...NÃO DEIXE OS SEUS INVESTIMENTOS AO ACASO!” E afirmava disponibilizar [“Nós oferecemos-lhe”] uma “(...) ampla escolha de investimentos – mais de 5000 Fundos de Investimento (Acções, Obrigações, Dinheiro Vivo.)”. Ainda no mesmo site, que a arguida fez registar em 03-04-2002 e cujo conteúdo controlou durante o ano de 2002 e até 29-05-2003, através do seu funcionário/prestador de serviços M… , também naquela data, afirmava ela: ”aconselhamos somente investimentos que cumpram todos os requisitos de segurança e que já tenham demonstrado resultados positivos”; “ampla escolha de investimentos – mais de 5000 Fundos de Investimento (Acções, Obrigações, Dinheiro Vivo)”; “flexibilidade na escolha e na troca de Fundos de Investimento”; “liquidez – sempre que pretenda pode movimentar os seus Bens”; “A... International was established in 1987 to provide specialist investment management, company and trust management services (…).” Em 28 de Agosto de 2002, no identificado site, a arguida convidava: “Join the A... mailing list”, e apresentava um espaço para se colocar o e-mail e enviá-lo à arguida (“GO”). A arguida não é um intermediário financeiro registado na CMVM. Também em 28-08-2002, a arguida, outrossim através do dito site, afirmava: “A... works closely with ali prestigious global financial institucions including: Merrill Lynch Asset Management; Flemings; Bank Sarasin; Fidelity; UBS; Investec; Credit Suisse; Standart & Chartered; Singer & Friedlander, and many more.” . Numa brochura da A... International, que não se encontra datada, mas que foi impressa no dia 13 de Janeiro de 2004, pode ler-se a seguinte afirmação: “Registered and regulated in Switerzland, Portugal and Spain.” Porém, naquela data, a arguida não se encontrava registada ou autorizada a exercer qualquer actividade pela: a) Swiss Federal Banking Comission (Suiça); b) C.M.V.M., Instituto de Seguros de Portugal ou Banco de Portugal (Portugal); c) Comissión Nacional del Mercado de Valores (C.N.M.V.) ou qualquer outra autoridade de supervisão espanhola (Espanha). A arguida tem e sempre teve a denominação «A... .». O site http://www. ….com já não está acessível ao público [factos descritos sob 10 a 16, inclusive, 25 a 27, inclusive, e 33 da matéria dada como provada].
Ora, em face do teor dos factos que se acabam de transcrever há-de convir-se que os mesmos não se mostram idóneos a integrar o conceito de informação com o significado e alcance que mais acima lhe emprestámos. Com efeito, a mensagem publicada pela arguida não passa de um conjunto, mais ou menos genérico, constituído, na sua essência, pela oferta de alguns produtos de investimento, sem qualquer indicação concreta, com um aconselhamento à mistura. Quer dizer: o conteúdo da mensagem – sem que dele conste a especificação deste ou daquele valor mobiliário, desta ou daquela acção ou obrigação, por exemplo – não é susceptível de influenciar a decisão de um investidor normal do mercado mobiliário, suposto pelas atinentes normas jurídicas. Repare-se até que, dentro do enquadramento legal que a recorrente pretende conferir aos comportamentos da arguida, nem se compreende a menção que esta faz, dentro da “ampla escolha de investimentos” que diz oferecer, a “Dinheiro Vivo”.[11] Enfim, se é verdade que no mercado a que vimos fazendo referência «a protecção dos investidores não pode deixar de ser um objectivo prioritário»[12], não é menos exacto, como decorre do que oportunamente referimos, que a difícil tarefa de surpreender todos os elementos constitutivos de um certo tipo contra-ordenacional não pode ser levada a cabo através de uma leitura isolada e desgarrada de uma determinada norma legal, antes se impondo, ao invés, uma leitura da globalidade dos preceitos legais de modo a interpretá-los coerentemente. É, então, altura de concluirmos nestes termos: os factos dados como provados não permitem a condenação da arguida pela contra-ordenação prevista no art. 389.º, n.º 1, do CVM, porquanto os mesmos não consentem que se dê por verificado o elemento fulcral do tipo: a comunicação ou divulgação de informação. Consequentemente, neste âmbito, ainda que por fundamentos diversos, é de confirmar o veredicto absolutório proferido pela sentença recorrido, improcedendo, pois, o recurso interposto.
10.4. Como vimos, a resolução da questão decidenda, há muito formulada, exige ainda que cuidemos de saber se a arguida cometeu a contra-ordenação de prospecção de investidores, na forma tentada, prevista no art. 292.º, do CVM, e no art. 50.º do Regulamento n.º 12/2000, de 10-02-2000, da CMVM[13], na redacção que foi dada a este último preceito pelo art. 1.º do Regulamento n.º 32/2000, de 29-09-2000, da mesma entidade.[14] A recorrente, salientando que pressuposto típico daquela contra-ordenação é apenas o do desenvolvimento da actividade com certo objectivo, e não a consecução efectiva desse objectivo, entende que sim, aduzindo para tanto, inter alia, que as afirmações produzidas pela arguida no seu site, em 28-08-2002, e que atrás se sintetizaram, para além de demonstrarem que ela actuava no âmbito dos mercados dos valores mobiliários, são, no seu conjunto, uma “tentativa de captação de clientes para quaisquer actos ou actividades de intermediação financeira”. Analisemos, pois. Com a epígrafe «Publicidade, promoção e prospecção» estatui aquele art. 292.º: «A publicidade, a promoção e a prospecção dirigidas à celebração de contratos de intermediação ou à recolha de elementos sobre clientes actuais ou potenciais integram a actividade de intermediação a que se referem, só podendo ser realizadas por intermediários financeiros autorizados a desenvolver essa actividade.». Ainda que inserido nas disposições gerais relativas à intermediação [título VI, capítulo I, do Código], resulta claramente do preceito acabado de transcrever que não são apenas os actos de promoção e de prospecção a poderem integrar a actividade de intermediação, mas também a própria publicidade. Entendamo-nos: a publicidade, a promoção e (ou) a prospecção, desde que dirigidas à celebração de contratos de intermediação ou à recolha de elementos sobre clientes actuais ou potenciais, integram a actividade de intermediação a que se referem. Explicitando, agora noutros termos: a ofensividade da norma concretiza-se quando o agente, seja através de publicidade, de promoção ou de prospecção, visa a celebração de contratos de intermediação ou a recolha de elementos sobre clientes actuais ou potenciais – independentemente quer do resultado que advenha daqueles actos publicitários, promocionais ou de prospecção, quer da idoneidade dos mesmos para proporcionarem o fim visado com a sua prática. O já citado art. 7.º dispõe, no seu n.º 4, que à publicidade referente a valores mobiliários e a actividades reguladas no CVM é aplicável o regime geral da publicidade. Por sua vez, o Código da Publicidade, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 330/90, de 23-10[15], define, no seu art. 3.º, o conceito de publicidade como «qualquer forma de comunicação feita por entidades de natureza pública ou privada, no âmbito de uma actividade comercial, industrial, artesanal ou liberal, com o objectivo directo ou indirecto de: a) Promover, com vista à sua comercialização ou alienação, quaisquer bens ou serviços; b) Promover ideias, princípios, iniciativas ou instituições.». Ora, não precisaremos de, mais uma vez, lembrar aqui os actos levados a cabo pela arguida, em 28-08-2002, através do seu site para concluirmos que ela, dirigindo-se aos portugueses, ofereceu-lhes a prestação de determinados serviços no âmbito do mercado de valores mobiliários [cfr. art. 1.º, nomeadamente, als. a) e b), do CVM]. Tout court, e neste preciso âmbito, a arguida fez publicidade a determinados bens e serviços, que dizia oferecer e (ou) prestar. E se é certo que a matéria dada como assente não permite – longe disso – concluir que a arguida com tal publicidade visava a celebração de contratos de intermediação, a verdade é que tal actividade, pela própria natureza das coisas, só podia, no mínimo, ser «dirigida à recolha de elementos sobre clientes actuais ou potenciais». Quer isto dizer que a arguida, com os seus actos, perfectibilizou, na forma consumada, a contra-ordenação em causa. A conclusão a que se acaba de chegar não é posta em causa nem pelo facto de a sentença recorrida não dar como provado, expressamente, que a referida publicidade era dirigida à recolha de elementos sobre actuais ou potenciais clientes nem pela circunstância de, como mais acima se viu, a informação publicitada não reunir o conteúdo indispensável para que possa integrar a contra-ordenação do falado art. 389.º, n.º 1. Com efeito, e quanto ao primeiro aspecto, deve-se dizer que não pode deixar de se ver no comportamento da arguida, dirigindo-se aos portugueses através do seu site, nos termos em que o fez, uma mensagem publicitária tendo em vista a recolha dos preditos elementos sobre clientes. E isto sob pena da publicitação dessa mensagem ser tida como um acto puramente anódino, o que não faz qualquer espécie de sentido. Desta forma, a demonstração daquele propósito decorre, pela força das coisas, dos factos que foram dados como provados pela sentença recorrida. No que concerne ao segundo aspecto, há a referir que uma coisa nada tem a ver com a outra, ou seja: o facto de a informação vertida na mensagem publicitária não possuir um conteúdo indispensável e necessário ao preenchimento da contra-ordenação do art. 389.º, n.º 1, não leva a que se afaste a violação, por via dessa mesma mensagem, do art. 292.º do CVM. É que deve observar-se que, tendo em conta os requisitos indispensáveis ao preenchimento de cada um dos tipos em causa, é perfeitamente admissível que uma dada mensagem informativa possa integrar [apenas] um deles, não cabendo na previsão do outro.
Aqui chegados, e face ao que se expôs, restam duas notas finais: uma para referir que, salvo o devido respeito por opinião diversa, não se compreende o entendimento da recorrente segundo o qual a contra-ordenação aqui dada por verificada seria meramente tentada. Já vimos que não é assim, parecendo-nos para tanto não haver aqui necessidade, para se concluir, como se concluiu, pela prática, na forma consumada, da infracção, nem de invocar outras normas, nomeadamente a do art. 50.º, do mencionado Regulamento n.º 12/2000, e a do art. 397.º, do CVM, como ela faz ao longo dos autos, na mira de demonstrar a prática da contra-ordenação na forma tentada. É que, face aos factos, basta convocar aqui aquela que julgamos ser a correcta interpretação e aplicação da norma do art. 292.º, para, assim, podermos dar por verificada a forma consumada da infracção. Naturalmente que a outra nota prende-se com o montante da coima cujos limites abstractos se compreendem entre € 2.500,00 e € 250.000,00[16] [art. 388.º, n.º 1, al. c)]. A entidade recorrente, mesmo perante a diminuição destes limites para metade, face ao entendimento que adoptou no sentido da existência da mera tentativa e ao que expressamente decorre dos termos conjugados dos arts. 13.º, n.º 2, e 18.º, n.º 3, do RGCO, fixou aquele montante, como vimos, em € 10.000,00. Não cremos, pese embora constatar-se agora a prática da contra-ordenação na forma consumada, e não tentada – o que conduz naturalmente a que na determinação da medida concreta da coima se tenham em conta aqueles limites indicados - , que se justifique, face ao que consta da matéria de facto provada, nomeadamente sob os pontos 31. a 34. e aos critérios estabelecidos no art. 18.º do RGCO, a alteração do quantum concretamente encontrado em sede de decisão administrativa, que assim se mantém, como se mantém, ainda, a sanção acessória cominada pela entidade recorrente. III – DISPOSITIVO Concedendo-se parcial provimento ao recurso, decide-se: A – Revogar a sentença recorrida na parte em que absolveu a arguida da contra-ordenação, na forma tentada, p. p. pelos arts. 292.º, 388.º, n.º 1, al. c), n.º 2, e al. a), 400.º, al. a), e 402.º, n.º 2, todos do CVM, por cuja prática, mas na forma consumada, a mesma vai agora condenada na coima de € 10.000,00 (dez mil euros). B – Confirmar, ainda que por diversos fundamentos, a sentença recorrida na parte em que absolveu a arguida da prática de duas contra-ordenações, p. p. pelos arts. 7.º, 388.º, n.º 1, al. a), e 389.º, n.º 1, do mesmo Código. C – Custas pela recorrente, pelo decaimento parcial, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UCs. ** Lisboa, 26 de Março de 2008 (Telo Lucas) (Pedro Mourão) (Domingos Duarte) _____________________________________________________ [2] Na redacção anterior à que ao diploma foi introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29-08, redacção essa que aqui será considerada – a menos que no texto se refira o contrário. [3] Regime Geral das Contra-Ordenações – aprovado pelo DL 433/82, de 27-10, na redacção dos DL 356/89, de 17-10, 244/95, de 14-09, 323/2001, de 17-12, e da L 109/2001, de 24-12. [4] Diploma que por comodidade passaremos a designar pelas respectivas iniciais [CVM]. E, a menos que expressamente se diga o contrário, teremos em conta a respectiva versão que vigorava nas datas dos factos [anos de 2002 e de 2004], procurando-se indicar no texto, quando for caso disso, qualquer diploma que tenha alterado a redacção originária [Dec.-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro]. [5] Negrito nosso. [6] Idem. [7] Normativo – referimo-nos, é bom de ver, ao citado art. 7.º - que manteve até há bem pouco tempo a sua versão originária, pese embora as várias alterações que foram sendo introduzidas no CVM. Com efeito, só muito recentemente, com a publicação do Dec.-Lei n.º 357-A/2007, de 31-10, é que o preceito foi alterado. [8] A alteração introduzida no preceito pelo art. 2.º do Dec.-Lei n.º 52/2006, de 15-03, acrescentou a expressão «qualquer pessoa», passando a constar da norma «qualquer pessoa ou entidade», termos que se mantêm na versão actual – resultante da alteração decorrente do Dec.-Lei n.º 357-A/2007, de 31-10. [9] Números 1 e 2 do preceito, bem entendido. [10] Na verdade, a sentença, começando naturalmente por consignar os factos considerados provados, fez constar, logo a seguir, que nada mais se provou de relevante para a decisão da causa; depois passa de imediato à fundamentação de facto para, no fim, da matéria de facto não provada. Ora, não é exactamente esta a “ordem” que decorre do comando do n.º 2 do art. 374.º do Código de Processo Penal. [11] A menos que, note-se, com tal oferta vise a concessão de crédito para a realização de operações sobre valores mobiliários (cfr. art. 291.º, al. b), do CVM), o que, todavia, não foi apurado. [12] Para utilizarmos os exactos termos de que o legislador lançou mão no preâmbulo do Dec.-Lei n.º 66/2004, de 24-03, que reviu algumas disposições do CVM. [13] Regulamento publicado no DR, II série, n.º 45, de 23-02-2000. [14] Este, por sua vez, publicado no DR, II série, n.º 239, de 16-10-2000. [15] Que sofreu entretanto algumas alterações, que aqui não se referem porquanto as mesmas são irrelevantes para o que agora está em causa. [16] Limites que se tem mantido intocáveis ao longo das várias alterações introduzidas no CVM, mesmo face às mais recentes (Dec.-Lei n.º 357-A/2007, de 31-10). |