Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | TIBÉRIO SILVA | ||
Descritores: | PROVIDÊNCIA CAUTELAR OPOSIÇÃO PROVA RECUSA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 01/21/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | 1. Para se decidir pela recusa da providência cautelar requerida, findo o prazo da oposição, sem produção de mais prova, designadamente, testemunhal, é necessário que estejam assentes factos que a tal conduzam, face aos elementos já existentes nos autos e sem que haja possibilidade de esses elementos serem abalados pelos outros meios de prova propostos pelos interessados. 2. A lei não exige mais que uma prova sumária do direito ameaçado, nem um juízo de certeza, bastando-se com um juízo de verosimilhança. (Sumário do Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: I C..., com os sinais dos autos, requereu procedimento cautelar não especificado contra BANCO, S.A., também com os sinais dos autos, alegando, em resumo, que: O Banco é uma conhecida e reconhecida instituição de crédito portuguesa, registada junto do Banco de Portugal e por este supervisionada, estando por conseguinte sujeita ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF); Como é do conhecimento público e devido a dificuldades de liquidez financeira, o Banco confirmou ao Banco de Portugal (BP) em 24 de Novembro do presente ano, a situação grave em que se encontrava. O BP, indo de encontro ao expressamente previsto no RGICSF, determinou que o Banco apresentasse, com urgência, um plano de recuperação e saneamento. Perante tal situação, o Banco C..., S.A, a Caixa, S.A, o Banco E..., S.A, o Banco S..., o Banco B..., S.A, e a Caixa C..., C.R.L, manifestaram a sua disponibilidade para efectuar uma operação de financiamento ao Banco no montante global de € 450.000.000,00 (quatrocentos e cinquenta milhões de euros), sob a forma de empréstimo garantido pelo Estado Português. O Estado Português, através do despacho n° ...., do Senhor Secretário de Estado do Tesouro, Dr. D..., autorizou, no dia 1 de Dezembro de 2008, a concessão de garantia pessoal do Estado para cumprimento das obrigações de capital e juros no âmbito da referida operação de financiamento ao Banco. O mesmo despacho determina que a garantia pessoal do Estado tem exclusivamente por objecto o financiamento destinado a fazer face às responsabilidades do passivo registadas no balanço do Banco, S.A. à data de 24 de Novembro de 2008. Conforme resulta dos considerandos do referido despacho, a garantia pessoal do Estado exclui responsabilidades extra-patrimoniais ou outras decorrentes de outras actividades ou serviços financeiros prestados, directa ou indirectamente, pelo Banco. A garantia prestada pelo Estado tem como contra-garantia o penhor de activos do balanço do Banco no montante de cerca de 672 milhões de euros, de acordo com o comunicado do BP sobre o Banco, datado de 1 de Dezembro de 2008. O Banco já contraiu um empréstimo de €450.000.000,00 de Euros junto do consórcio de bancos atrás descritos. O aval do Estado tem exclusivamente por objecto o financiamento destinado a fazer face às responsabilidades do passivo registadas no balanço do Banco à data de 24 de Novembro de 2008. Os depósitos efectuados pela Requerente da presente providência não estão incluídos no passivo do Banco e, como tal, não se encontram abrangidos pelo empréstimo avalizado pelo Estado Português, como a própria administração do Banco expressamente reconhece. Caso contrário e à presente data, já havia a Requerente recuperado as quantias depositadas. A Requerente depositou o dinheiro no Banco, em 26 de Fevereiro de 2008, convicta de que estava a efectuar um puro depósito a prazo. Efectuou um depósito no montante de € 505 000,00. Porém, somente recebeu os juros remuneratórios referentes a dois trimestres, pelo que, no dia 22 de Novembro, deu ordem de resgate ao Banco do seu depósito a prazo, altura em que foi informada pela sua gestora de conta que o dinheiro do depósito e juros se encontrava bloqueado, permanecendo, até à presente data, sem o receber. A Requerente sempre pensou estar a constituir um verdadeiro depósito a prazo, com capital garantido e um acréscimo adicional a título de juros na altura do vencimento dos mesmos, ocorrendo uma clara violação do princípio do dever de informação e da segurança das aplicações a que a entidade bancária e os seus colaboradores estavam sujeitos. À Requerente sempre foi garantido, por intermédio da sua gestora de conta, estar a constituir verdadeiros depósitos a prazo, sem qualquer tipo de risco associado. Questiona a Requerente de que forma foram contabilizadas e classificadas determinadas rubricas que surgem (ou não) no balanço do Banco. Como o próprio Banco afirma na carta dirigida aos seus clientes, determinadas aplicações dos clientes não aparecem reflectidas no balanço, havendo justo receio para considerar que os interesses que a Requerente pretende proteger poderão não estar devidamente acautelados pelas disponibilidades monetárias daquela instituição. Não estando reflectidas no balanço determinadas aplicações, não estarão as mesmas abrangidas pelo empréstimo concedido pelo consórcio bancário garantido pelo Estado Português. O Ministério das Finanças, numa nota divulgada à imprensa, refere que "a injecção de liquidez operada pelo empréstimo concedido pelos seis bancos destina-se estritamente a honrar as responsabilidades do balanço do banco", acrescentando que "estão inequivocamente fora" do âmbito da intervenção os activos sob gestão do Banco no contexto da sua actividade de "gestão de fortunas ou de patrimónios". Não pode a Requerente, pela actuação abusiva do Banco, ver prejudicadas novamente as suas garantias por não ver o seu depósito protegido pelo empréstimo concedido atrás referido: por um lado, por ter constituído um verdadeiro depósito a prazo, ainda que, com clara violação dos deveres de informação, o Banco tenha – o que a Requerente observou posteriormente – dado um destino ao depósito que não foi acordado, devendo ser reflectido no balanço do Banco; por outro lado, ainda que assim não se considerasse, porque, tendo a Requerente resgatado o seu depósito a 22 de Novembro de 2008, também deveria constar, por maioria de razão, no balanço. Assim, todas as aplicações que se venceram ou que foram resgatadas até 24 de Novembro, com ou sem consentimento dos clientes quanto à respectiva desvalorização, têm obrigatoriamente de ser reflectidas nas contas DO e, como tal, no passivo do banco. Na acção principal, que intentará para o efeito, deverá ser determinada a reclassificação dessas operações desde o momento da sua constituição, as quais deverão ocupar o seu devido lugar na rubrica respectiva junto do balanço do Banco, devendo o Banco abster-se, durante este período de efectuar os pagamentos que lhe sejam solicitados sem que esta situação seja devidamente esclarecida. A Requerente, após, no capítulo “Do Direito” desenvolver argumentação no sentido de demonstrar que estão preenchidos os requisitos para o decretamento da providência cautelar, termina pedindo que: - Se ordene ao Banco, até que haja uma decisão final sobre a matéria, que se abstenha de efectuar qualquer pagamento que lhe seja solicitado; - Se determine o aprovisionamento imediato pelo Banco da quantia de €505.000, de acordo com o capital da Requerente numa conta à sua ordem, numa qualquer Instituição Financeira Nacional, com levantamento da quantia aprovisionada condicionado ao reconhecimento judicial do direito a reclamar na acção principal. Citado o Requerido, veio este oferecer oposição. Deduziu excepção, defendendo a suspensão dos autos, à luz do disposto no art. 145º, nº1, al. b) e art. 147º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (DL 298/92, de 31-12, com sucessivas alterações), dispondo o art. 145º, nº1, b) que: «1- Juntamente com a designação de administradores provisórios, o Banco de Portugal poderá determinar as seguintes providências extraordinárias: […] b) Dispensa temporária do cumprimento pontual de obrigações anteriormente contraídas». E estabelecendo o art. 147º que: «Quando for adoptada a providência extraordinária de designação de administradores provisórios, e enquanto ela durar, ficarão suspensas todas as execuções, incluindo as fiscais, contra a instituição, ou que abranjam os seus bens, sem excepção das que tenham por fim a cobrança de créditos com preferência ou privilégio, e serão interrompidos os prazos de prescrição ou de caducidade oponíveis pela instituição.». Alega, depois, além do mais que aqui se dá por reproduzido, que: Sempre admitiu o Requerido que nenhuma aplicação financeira se encontra reflectida no seu balanço, nem poderia, atento o facto de as quantias disponibilizadas pelos clientes subscritores de aplicações financeiras continuarem a ser por estes tituladas e meramente administradas pelo Requerido, não fazendo sentido afirmar que determinadas aplicações dos clientes não aparecem reflectidas no balanço. No caso da Requerente, está-se perante estratégia de retorno absoluto do capital, com início em 27 de Fevereiro de 2008, vencimento em 27 de Fevereiro de 2009, e nos termos da qual, no final de cada trimestre, o investidor tem a opção de liquidar o investimento efectuado. Tal não sucedendo, a aplicação será automaticamente renovada por três meses. De acordo com a Declaração Detalhada de Investimento, este é feito essencialmente através da aquisição de loan notes emitidas pelo veículo de investimento, que irá adquirir e deter os activos. Encontra-se o capital garantido 100% na maturidade do investimento. A Requerente sempre teve consciência da natureza e finalidade das quantias depositadas junto do Requerido, nunca tendo sido suscitada qualquer dúvida com respeito ao clausulado contratual, que se afigura inequívoco quanto à estratégia de risco financeiro contratada, não se utilizando, por forma alguma, a expressão depósito a prazo ou qualquer outra sinonímia. A Requerente não juntou aos autos documentos essenciais, como é o caso daquele que o Requerido junta, sob o nº9, sobre as condições gerais de gestão de carteiras celebradas entre as partes. Daí resulta o carácter inequívoco da qualificação da relação contratual entre Requerente e Requerido como um contrato de gestão de carteiras. A remuneração do contrato celebrado não corresponde a qualquer forma de juros, envolvendo referências a “rendibilidade” e “performance” da carteira. O Requerido assumiu uma obrigação de meios no sentido da valorização dos activos sob gestão. Sempre o Requerido informou a Requerente de que se havia vinculado a um contrato de gestão de carteiras. A qualificação da relação contratual entre Requerente e Requerido como um contrato de intermediação financeira, em especial, como gestão de carteiras, tem como consequência a aplicação do Requerido de deveres de informação pré-contratuais que foram cumpridos. Defende o Requerido que não estão preenchidos os pressupostos legais exigidos para o decretamento da providência cautelar. Por entender que os forneciam os elementos necessários para decidir, sem outra prova, designadamente testemunhal, o tribunal a quo proferiu a decisão constante de fs. 340 e segs., julgando improcedente o procedimento cautelar. Inconformada com o decidido, recorreu a Requerente, concluindo as suas alegações pela seguinte forma: «a) O presente recurso, que é de apelação com subida nos próprios autos e efeito suspensivo, vem interposto da sentença proferida em sede de procedimento cautelar, a qual julgou-o improcedente; b) Começando por relembrar a pretensão e motivação da Recorrente, observa-se que a mesma efectuou um depósito no Banco, estando sempre convicta de estar a realizar um puro depósito a prazo; c) Quando se iniciaram os problemas no seio daquela instituição, a Recorrente tentou resgatar o depósito efectuado, pretensão que ainda não conseguiu ver satisfeita; d) Pelo que, optou por intentar o procedimento cautelar em questão, solicitando ao tribunal que ordenasse o Banco de se abster de efectuar qualquer pagamento que lhe fosse dirigido, ao mesmo tempo que determinava o aprovisionamento da quantia depositada pela Recorrente (€ 505 000,00), até ocorrer uma decisão final sobre a matéria; e) Matéria que teria que iniciar-se com a discussão em torno do produto vendido à Recorrente e da forma como o foi; f) Partindo-se, de seguida, para a análise das potenciais ilegalidades que se prendem com a própria classificação de rubricas no balanço do Banco; g) Porque, considerando a Recorrente que constitui um verdadeiro depósito a prazo, o qual teria que estar reflectido no balanço do Banco, o mesmo deveria encontrar-se abrangido pelo empréstimo que foi concedido por um consórcio bancário (garantido pelo estado português), destinado a permitir honrar as responsabilidades do banco constantes do balanço reportado à data de 24 de Novembro de 2008; h) Porém, a sentença recorrida, considerando que os autos já forneciam todos os elementos necessários à decisão, abstendo-se o tribunal a quo de inquirir as testemunhas arroladas e notificar o Banco para vir juntar o seu balanço, optou por considerar o seguinte; i) Por um lado, de forma clara, que a Recorrente não era titular do direito que se arroga. Por outro, que o produto financeiro contraído pela Recorrente não está, nem podia estar incluído no balanço do Banco; j) São factos que foram incorrectamente julgados. Ora vejamos; k) Na verdade, nem todos os clientes Banco são pessoas detentoras de recursos, que não precisam dos mesmos para a sua vida diária, abstendo-se de analisar a situação concreta que lhe foi presente (a Recorrente entregou todo o seu dinheiro ao Banco, vivendo actualmente com enormes dificuldades para honrar os seus compromissos); l) Por outro lado, a Recorrente nunca afirmou que à documentação contratual existente corresponderia um depósito a prazo; m) O que a Recorrente diz, de forma clara, é que a sua decisão livre e consciente de contratar aquele produto assentou na convicção que lhe foi criada pelos funcionários do Banco de estar a constituir um verdadeiro depósito a prazo; n) Logo, é um facto que é incorrectamente interpretado e julgado pelo tribunal; o) Acresce que, o tribunal, sem qualquer tipo de fundamentação, considera igualmente que o produto financeiro contratado pela Recorrente não está, nem poderia estar incluído no balanço do Banco; p) Ou seja, de que forma consegue chegar a esta conclusão se nunca viu esse balanço ? q) E claramente uma conclusão errada e manifestamente infundada; r) Conjunto de factos que na opinião da Recorrente deveriam ter sido alvo da prova requerida; s) Ora, um dos requisitos estabelecidos pelo CPC para os procedimentos cautelares é a existência de um direito (fumus boni juris); t) Requisito que não foi sequer analisado pelo tribunal, em virtude de não terem sido inquiridas as testemunhas arroladas pela Recorrente, o que permitiria analisar se a mesma terá sido engana aquando da subscrição daquele produto; u) Porque, reitere-se, a Recorrente somente efectuou o depósito no Banco por estar convicta de estar a constituir um verdadeiro depósito a prazo; v) Por outro lado, a sentença proferida peca por falta de fundamentação, na medida em que o tribunal efectua determinadas conclusões factuais sem ter o necessário suporte documental para o efeito (em especial, o balanço do Banco à data de 24 de Novembro de 2008); w) Desta forma, a jurisprudência tem entendido que se não existe prova plena dos factos, o tribunal não poderá dispensar a inquirição das testemunhas arroladas, sob pena de omissão de produção de prova e consequente nulidade; x) Nulidade que desde já é invocada para todos os efeitos legais; y) O mesmo se dizendo relativamente à prova documental, caso a mesma não acarrete delonga ao curso normal do processo; z) Pelo supra exposto, considera a Recorrente que a sentença proferida enferma de falta de fundamentação, ocorrendo igualmente uma clara omissão de produção de prova essencial para a descoberta da verdade material do factos e fundamentação da decisão judicial.» Conclui, dizendo que deverá o recurso apresentado ser julgado procedente, revogando-se a sentença proferida e ordenando-se ao Tribunal a quo que realize a produção da prova requerida pela Recorrente. Contra-alegou o Requerido, pugnando pela manutenção da decisão, mediante as seguintes conclusões: «1. Não tendo a Recorrente procedido ao cumprimento do ónus imposto pelas alíneas do n.° 2 do artigo 685,°-A do Código de Processo Civil, deve a mesma ser notificada nos termos e para os efeitos do disposto no n.° 3 do mencionado preceito legal, reservando-se o Recorrido o direito de se pronunciar relativamente à correcção que venha a ser efectuada. 2. Catalisado pelo cenário económico-financeiro ocorrido principalmente nos dois últimos trimestres de 2008, em 24 de Novembro de 2008 enviou o Recorrido carta ao Banco de Portugal, ao abrigo do disposto no n.° 1 do artigo 140.° do RGICSF, tendo formalmente declarado encontrar-se "em risco iminente de incumprir com as suas obrigações e responsabilidades", apresentando-se, pois, à adopção das providências de saneamento previstas no Título VIII do RGICSF, 3. O Banco de Portugal, em reunião extraordinária realizada no dia 1 de Dezembro de 2008, entendeu deliberar, de harmonia com as alíneas a) e b) do n.° 1 do artigo 143.° do RGICSF, a designação de uma Administração Provisória para o Banco Recorrido, bem como nos termos da alínea b) do n.° 1 do artigo 145.° do RGICSF, dispensar o Banco, durante um período de três meses, do cumprimento pontual de obrigações anteriormente contraídas, prioritariamente no âmbito da actividade de gestão de patrimónios, na medida em que tal se mostre necessário à reestruturação e saneamento da instituição, dispensa que se encontra, presentemente, prorrogada até ao dia 1 de Junho de 2009. 4. Presentemente, o Banco de Portugal encontra-se a efectuar a apreciação do Plano de Recuperação e Saneamento, nos termos previstos na parte final do n.° 1 do artigo 142.° do RGICSF, encontrando-se o Conselho de Administração do Recorrido, em conjunto com o Banco de Portugal e com a CMVM, a trabalhar numa proposta de solução para as responsabilidades da Instituição perante os Clientes de produtos de gestão de carteiras. 5. Não poderão os legais representantes do Recorrido, nomeados provisoriamente pelo Banco de Portugal, fazer outra coisa que não seja assegurar o cumprimento de todos os ditames impostos pela Lei e pelo Banco de Portugal, em prossecução da recuperação da liquidez do Recorrido e do concomitante restabelecimento do corrente cumprimento de todas as obrigações que sobre si impendem, tutelando, por outro lado, o princípio garantístico que impõe a concessão de um tratamento igualitário a todos os clientes do Recorrido. 6. Atendendo ao disposto no n.° 2 do artigo 387.° do Código de Processo Civil, como manifestação do princípio da proporcionalidade ínsito no princípio do Estado de Direito, resulta claro e evidente que caso a presente providência cautelar fosse decretada, o prejuízo resultante da mesma seria muito superior ao alegado dano que se pretende evitar, o que determinou – e bem – a improcedência da mesma. 7. Note-se que, a satisfação do montante ora invocado pela Recorrente, para além de consubstanciar urna clara violação da superior deliberação do Banco de Portugal, originaria um inadmissível tratamento diferenciado – preferencial, no caso – da ora Recorrente relativamente aos demais investidores em idêntica situação, tanto mais que redundaria na paralisação da actividade do Banco Recorrido, bem como na colocação da Recorrente – e dos demais investidores adquirentes de produtos financeiros congéneres – numa posição manifestamente mais precária que aquela em que se encontra presentemente. 8. Para além de se encontrar subsumido o requisito impeditivo previsto no n.° 2 do artigo 387.° do Código de Processo Civil, não se encontram observados os demais pressupostos legalmente exigidos para o decretamento da presente providência cautelar (enunciados nos artigos 381.° e 387.° do Código de Processo Civil), tal como, bem, considerou o Tribunal a quo, tendo especialmente em linha de consideração a circunstância de não ser a Requerente, ora Recorrente, titular de qualquer direito sobre o Recorrido, carecido de qualquer tutela cautelar (atenta a qualificação do contrato celebrado entre as partes), 9. Dos documentos juntos aos autos como constituindo o acervo contratual das partes resulta, manifestamente, evidente a qualificação da relação contratual das partes como contrato de gestão de carteira. 10. A este propósito, não nos poderemos esquecer que, conforme prescrito pelo n.° 1 do artigo 238,° do Código Civil, "nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso". 11. Na interpretação da declaração negocial emitida pela Recorrente deverá ainda ter-se presente o disposto no n.° 1 do artigo 236.° do Código Civil, nos termos do qual "a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento da declarante", o que igualmente confirma a qualificação do contrato outorgado pelas partes como um contrato de gestão de carteira, e não como um contrato de depósito. 12. Em termos processuais, em cumprimento do princípio da economia processual nos procedimentos cautelares nada obsta a que o Tribunal, mesmo depois de ouvido o Requerido, profira decisão, por entender ser a pretensão deduzida inviável [tal é, aliás, o que resulta inequívoco do disposto no artigo 234.° n.° 5 (2.° parte) do Código de Processo Civil]. 13. Mesmo que a ora Recorrente tivesse logrado demonstrar a totalidade dos factos por si invocados a presente providência jamais poderia ser decretada, em virtude de não ficar demonstrada a existência de um direito, nem, muito menos, de um fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável do mesmo. 14. Confunde a Recorrente nulidades processuais com eventuais nulidades da decisão — prevenidas no artigo 668.° n.° 1 do CPC — e estas últimas com eventual erro de julgamento. 15. A decisão ora recorrida encontra-se devidamente fundamentada, afigurando-se, por outro lado, acertada e justificada do ponto de vista jurídico-factual. 16. Inexiste qualquer nulidade processual — que a ter existido se sanou — bem como qualquer nulidade da sentença e/ou qualquer suposto erro de julgamento quanto à decisão que presentemente se sindica. 17. Resulta, pois, carecida de qualquer sustentação a nulidade supostamente arguida pela Recorrente com respeito à omissão das diligências probatórias por esta requeridas, tanto mais que, conforme se demonstrou, tais diligências jamais revelariam conteúdo útil susceptível de colocar em crise a decisão proferida pelo Tribunal Recorrido. 18. Em face de todo o exposto, resulta evidente que o presente recurso carece de qualquer fundamento atendível, pelo que decidiu bem o Meritíssimo Juiz a quo!». Recebidos os autos neste Tribunal, foi proferido despacho pelo relator, convidando a Apelante a completar as suas conclusões, de acordo com o preceituado no nº2 do art. 685º-A do CPC, o que foi feito nos termos que se passam a reproduzir: «a) Tal como a Recorrente teve oportunidade de referir no Capítulo III das alegações apresentadas, a sentença recorrida não analisou os requisitos essenciais para que um procedimento cautelar possa ser decretado, quais sejam o fumus boni juris e o periculum in mora; b) O primeiro, diga-se, nem sequer foi analisado. O segundo foi clara e incorrectamente ponderado, como facilmente se constatará pela ausência, ainda actual, de solução concreta para os clientes afectados; c) Ora, estes requisitos, por si só e no entender da Recorrente, deveriam ter sido devidamente analisados e interpretados de outra forma; d) Porque e na verdade, qualquer decisão sobre o presente litígio deveria ter o suporte testemunhal e documental solicitado pela Recorrente (inquirição de testemunhas e notificação do Recorrido para vir aos autos juntar o balanço reportado a 24 de Novembro de 2008; e) Pecando a decisão proferida, desde logo, por não analisar os requisitos gerais estabelecidos para o decretamento de qualquer providência. Decisão essa que analisou incorrectamente a pretensão da Recorrente e nem sequer foi suportada por qualquer diligência de prova realizada para o efeito; f) Existindo, no entender da Recorrente, uma clara omissão de produção de prova, a qual desde já se invoca e que deverá ser sancionada nos termos legais, nos termos e para os efeitos do artigo 386° n°. 1 do CPC e artigo 201° do CPC; g) Porque, claramente, o primeiro dos artigos invocados foi, no caso concreto, erradamente interpretado e aplicado. O caso concreto, atendendo ao que ia alegado pela Recorrente, obrigaria sempre à necessária produção de prova; h) E que, no entender da Recorrente, mais não é que uma violação do principio geral estabelecido no artigo 265° n°. 3 do CPC, em virtude do Tribunal não ter realizado as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio; i) Porque o Tribunal tinha a clara obrigação de no caso concreto providenciar pela realização das diligências probatórias requeridas, com vista a poder tomar uma decisão justa e fundamentada; j) Tem a jurisprudência entendido, neste âmbito, que caso não exista prova plena dos factos, o Tribunal não poderá dispensar a inquirição de testemunhas arroladas, sob pena de omissão de produção de prova e consequente nulidade; k) Proferindo a decisão, como o fez, sem base probatória para o efeito, considera então a Recorrente que novo vício deve ser apontado, qual seja a violação da previsão geral estabelecida no artigo 158° do CPC. l) A sentença proferida, da forma como o foi, sem suporte probatório para o efeito, como atrás foi referido, consubstancia uma nulidade, nos termos e para os efeitos do artigo 6680, n°. 1 alínea d), do CPC, na medida em que essa negação de prova impossibilitou o Tribunal de se pronunciar sobre questões que devia ter apreciado.». O Apelado veio responder a este aditamento, referindo que a Apelante, na al. l), pretende assacar à sentença uma nulidade que não se descortina na alegação/motivação, razão por que se deverá desconsiderar a conclusão l). Acrescenta que, ainda que assim não fosse, a nulidade apontada não se verifica, pugnando, de novo, pela manutenção da decisão recorrida. A fs. 486 e 487º, o Requerido apresentou requerimento, no qual refere que, por Deliberação aprovada em 30 de Novembro de 2009, o Conselho de Administração do Banco de Portugal decidiu o seguinte: "Nos termos do disposto na alínea b) do N.° 1 e no N.° 3 do artigo 145° do RGICSF, renovar a dispensa de cumprimento pontual de obrigações anteriormente contraídas pelo Banco, devendo a dispensa ser utilizada na medida necessária à reestruturação e saneamento do Banco, sem prejuízo das despesas indispensáveis à gestão corrente da instituição". Acrescenta que a mencionada Deliberação se encontra publicitada no site do Banco de Portugal (in http://www.bportugal.pt/) mediante a publicação, em 2 de Dezembro, do Comunicado que junta, e que deverá a factualidade invocada e objecto do documento que junta ser tomada em consideração nos presentes autos, porquanto a mesma constitui um complemento do que se alegou em sede de Oposição e de Contra-Alegações de Recurso, afigurando-se-lhe pertinente e manifestamente relevante para a boa apreciação e decisão da causa. * Sendo o objecto dos recursos definido pelas conclusões de quem recorre, para além do que for de conhecimento oficioso, importará verificar, in casu, se a sentença recorrida padece dos vícios apontados, não fornecendo os autos elementos suficientes para a decisão, ao contrário do que daquela sentença resulta, impondo-se proceder à produção da restante prova oferecida, com o consequente prosseguimento dos autos. II Foram dados por indiciariamente provados os seguintes factos: «1. Em 26/02/08 a Requerente emitiu um cheque do M..., no valor de € 505.000,00, à ordem do Banco, S.A.. 2. Este dinheiro foi depositado nesse mesmo dia na Requerida. 3. No mesmo dia foi subscrita pela Requerente a ficha de abertura de conta, cuja cópia encontra-se junta a fls. 38 a 42, bem como as Condições Gerais de Abertura de Conta e as Condições Gerais de Gestão de Carteira, cuja cópia encontra-se a fls. 232 a 235. 4. Em 27/02/08 a Requerente assinou as Condições Especiais de Gestão de Carteira respeitantes à aplicação STLC Short Term Liquidity Capital no âmbito do qual aquela entregou a referida quantia de € 505.000,00 cfr. doc, cuja cópia encontra-se a fls. 34 a 36. 5. Corresponde a uma estratégia de Retorno Absoluto do Capital. 6. Teve início em 27/02/08 e tinha como vencimento o dia 27/02/09. 7. No final de cada trimestre o investidor tinha a opção de liquidar o investimento efectuado ou, no caso negativo, a aplicação seria renovada automaticamente por mais 3 meses. 8. A aplicação da Requerente, denominada como "Estratégia" foi integrada em veículos especiais e representada por "Loan Notes", sendo os recursos assim captados investidos em títulos de rendimento fixo (obrigações e outros) de empresas. 9. A Requerente, por missiva datada de 24/11/08, solicita à Requerida "(...) que no dia 27 do mês corrente, visto ser o final de mais um trimestre, seja feita a liquidação do meu investimento (…). 10. Esta missiva foi enviada pela Requerente, por mail, a E..., sua gestora de conta, no dia 25/11/08, pelas 15H35. 11. A Requerente foi informada que a operação solicitada não era possível. 12. A Requerida é uma instituição financeira de crédito, que se dedica, para além da tradicional actividade de gestão de depósitos, à gestão patrimonial de activos financeiros dos seus clientes, que desde sempre assumiu como a sua principal área de actuação. 13. O Banco, S.A. oferece no mercado modelos de aplicações financeiras com diferentes níveis de risco que se dividem em duas principais categorias: - As de maior risco, mas de rentabilidade esperada maior, que não garantem aos investidores o reembolso sem perdas da sua aplicação para a data do vencimento, denominadas de "Retorno Relativo" e, - As de menor risco mas de rentabilidade esperada menor, que garantem aos investidores que, se mantiverem as aplicações até ao final do prazo, terão a vantagem adicional de que o capital investido será recuperado integralmente, por a isso se obrigar a instituição de crédito – denominadas de "Retorno Absoluto". 14. Algumas pessoas detentoras de recursos, que não precisam dos mesmos para a sua vida diária, aplicaram parte (ou a totalidade) destes neste tipo de denominados "veículos" porque, em regra, e na prática, davam uma remuneração mais elevada do que os depósitos a prazo. 15. Em Portugal, desde os anos 30 do século passado que não há memória de uma instituição de crédito não honrar os compromissos com os seus clientes, pelo que no mercado — até à crise que vivemos desde meados do ano de 2008 – ninguém admitiria como possível que um banco pudesse incumprir com os seus clientes. 16. A Requerida, por carta datada de 17/11/08, comunicou ao B.P. a sua situação económico-financeira (implicações do downgrade do rating do Banco, insuficiente liquidez). 17. Em 21/11/08 enviou nova carta ao B.P. nos termos da qual procedeu à junção de determinados elementos solicitados por esta Instituição e esclareceu determinados aspectos. 18. Em 24/11/08 enviou nova carta ao B.P., ao abrigo do disposto no n.° 1 do art. 140.° do R.G.I.C.S.F., tendo formalmente declarado encontrar-se "em risco iminente de incumprir com as suas obrigações e responsabilidades", apresentando-se à adopção das providências de saneamento. 19. Nessa carta refere que, face à falta de liquidez e a iminência da integração em processo de saneamento, a administração do Banco deu instruções para a cessação de todos e quaisquer pagamentos a clientes ou terceiros, bem como da entrega de activos até decisão do Banco de Portugal. 20. O B.P., em reunião extraordinária, realizada no dia 01/12/08, deliberou, de harmonia com as alíneas a) e b) do n.° 1 do artigo 143.° do RGICSF, o seguinte: «O Conselho de Administração delibera: Designar, nos termos e para os efeitos das alíneas a) e b) do n.° 1 do artigo 143.° do RGICSF, para o Banco, os seguintes administradores provisórios: Professor Doutor F..., que exercerá as funções de Presidente, Dr. G...., Dr. H...., Dra. I...". (…) Nos termos da alínea b) do n.° 1 do artigo 145.° do RGICSF, dispensar o Banco, durante um período de três meses, do cumprimento pontual de obrigações anteriormente contraídas, prioritariamente no âmbito da actividade de gestão de patrimónios, na medida em que tal se mostre necessário à reestruturação e saneamento da instituição". 21. Paralelamente a Requerida outorgar um Contrato de Empréstimo com seis instituições de crédito - Banco C..., S.A., a Caixa, S.A., o Banco E..., S.A., o Banco S...., S.A., o Banco B..., S.A. e a Caixa C..., CRL. que formaram um consórcio de forma a mutuar ao Requerido o montante de € 450.000.000,00, com maturidade de 6 meses renováveis 22. Dispõe a CI. 2ª do Contrato de Empréstimo, sob a epígrafe "Finalidade": "O Empréstimo destina-se a fazer face a responsabilidades do passivo registadas no balanço do Banco, S.A., à data de 24 de Novembro, data em que esta instituição notificou o Banco de Portugal nos termos do n.° 1 do artigo 140.° do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, não podendo ser aplicado em qualquer outra finalidade que não a indicada no presente contrato, cabendo à respectiva administração, que integra administradores provisórios nomeados peio Banco de Portugal velar pelo cumprimento desta finalidade". 23. O Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças proferiu despacho, em 01/12/08, nos seguintes termos: "1. Autorizo a concessão da garantia pessoal do Estado para cumprimento das obrigações de capital e juros no âmbito da operação de financiamento, sob a forma de empréstimo, concedido ao Banco, S.A. pelas instituições mutuantes e nas condições identificadas na ficha técnica anexa; 2. Determino que a garantia pessoal do Estado tem exclusivamente por objecto o financiamento destinado a fazer face a responsabilidades do passivo registadas no balanço do Banco, S.A. à data de 24 de Novembro de 2008, data em que esta Instituição notificou o Banco de Portugal nos termos do n.° 1 do artigo 140.° do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, cabendo à respectiva administração, que integra administradores provisórios nomeados pelo Banco de Portugal, velar pelo cumprimento desta finalidade; 3. Fixou taxa de garantia em 0,2% ao ano". 24. A situação do Banco tem sido amplamente divulgada na comunicação social. 25. O B.P., em 25/02/09, deliberou: "Ao abrigo do disposto na alínea b) do n° 1 e n° 3 do artigo 145° do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), prorrogar por 45 dias a dispensa de cumprimento pontual de obrigações anteriormente contraídas, nos termos e com as condições estabelecidas da deliberação de 1 de Dezembro de 2008". III Estamos perante um procedimento cautelar comum (art. 381º e segs. do CPC). Prevê-se, no nº1 do art. 381º do CPC, o seguinte: «Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado.» E, no nº1 do art. 387º do CPC, dispõe-se: «A providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão.». No Ac. da Rel. de Évora, de 28/05/98, CJ, 1998, III, 262, enumeram-se, com toda a clareza, os requisitos da providência cautelar não especificada: «a) que muito provavelmente exista o direito tido por ameaçado – objecto da acção declarativa – ou que venha a emergir da decisão a proferir na acção constitutiva já proposta ou a propor; b) que haja fundado receio de que outrem, antes de proferida decisão de mérito ou porque a acção não está sequer proposta ou porque ainda se encontra pendente, cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito; c) que ao caso não convenha qualquer das providências tipificadas nos arts. 393º a 427º do CPC; d) que a providência requerida seja adequada a remover o periculum in mora concretamente verificado e a assegurar a efectividade do direito ameaçado; e) que o prejuízo resultante da providência não exceda o dano que com ela se quis evitar.». A Apelante defende, conforme se retira das suas conclusões, que sempre esteve convicta de que o depósito que efectuou no Banco era um depósito a prazo, o qual teria de estar reflectido no balanço do Banco e abrangido pelo empréstimo que foi concedido por um consórcio bancário, garantido pelo Estado Português, destinado a honrar as responsabilidades do Banco constantes do balanço, reportado à data de 24 de Novembro de 2008. Discorda a Apelante de que o Tribunal a quo tenha decidido o procedimento cautelar sem inquirir as testemunhas indicadas e sem ordenar ao Banco a junção do respectivo balanço. No art. 386º, nº 1, do CPC prescreve-se que, findo o prazo da oposição, quando o requerido haja sido ouvido, procede-se, quando necessário, à produção das provas requeridas ou oficiosamente determinadas pelo juiz. Refere-se, no Código do Processo Civil Anotado de Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, 2ª Vol., Coimbra Editora, 2001, pág. 31, que «o preceito há-de ser entendido no sentido de apenas se aplicar quando, tido em conta que ao decretamento da providência cautelar basta a probabilidade séria da existência do direito e o fundamento suficiente do perigo da lesão […], se deva ter já por assente a verificação destes requisitos, por prova documental, por confissão ou por admissão insusceptível de ser destruída pela produção de meios de prova propostos pelo requerido ou oficiosamente ordenados pelo juiz, ou, ao invés, se devam ter por já assentes factos contrários àqueles que fundem a providência, por prova documental, por confissão ou por admissão insusceptível de ser destruída pela produção de meios de prova propostos pelo requerente ou oficiosamente ordenados pelo juiz.». Como se vê, para se decidir pela recusa da providência requerida, findo o prazo da oposição, sem produção de mais prova, designadamente, testemunhal, é necessário que estejam assentes factos que a tal conduzam, face aos elementos já existentes nos autos e sem que haja possibilidade de esses elementos serem abalados pelos outros meios de prova propostos pelos interessados. Não se olvidará que a lei não exige mais que uma prova sumária do direito ameaçado (art. 384º, nº1 do CPC). Explica Abrantes Geraldes que, quanto ao direito em relação ao qual se receie sofra lesão grave, a lei «não exige um juízo de certeza, bastando-se a lei com um juízo de verosimilhança (“probabilidade séria”, segundo o art. 387º, nº1)» (Temas da Reforma do Processo Civil, III Vol., 2ª ed., Almedina, Coimbra, 2000, págs. 74-75). Para a decisão da matéria de facto, o Tribunal a quo baseou-se nos documentos juntos aos autos a fls. 23 a 57, 142 a 291, 298, 301 a 306, 311 a 316. Na douta sentença, considerou-se que a Requerente não é titular do direito que se arroga, escrevendo-se, a propósito, o seguinte: «Esta baseou toda a sua pretensão no facto de ser titular de um simples depósito a prazo dizendo que sempre terá sido esta a sua intenção e que este facto lhe foi confirmado pela sua gestora de conta. Contudo, tendo em atenção as Condições Especiais de Gestão de Carteira respeitantes à aplicação STLC – Short Term Liquidity Capital, assinadas pela Requerente, cuja cópia encontra-se a fls. 34 a 36, nunca se fala em "depósito" ou "depositante", mas em "investimento", "investidor", "retorno", "carteira", "tentar obter rendibilidade acima da Euribor", pelo que é claro que nos encontramos perante um contrato de intermediação financeira, designadamente um contrato de gestão de carteiras. Não se percebe como pode a Requerente dizer que pensava que estava a adquirir um produto sem qualquer risco quando no documento acima referido em sede de "Outras Condições" se refere "A carteira de activos, poderá sofrer desvalorizações face a variações anormais imprevisíveis dos mercados em que sejam negociados os valores mobiliários e instrumentos financeiros que integram a mesma. As rentabilidades obtidas no passado não constituem garantia de obtenção de rentabilidades no futuro.". Resulta claramente que a Requerente optou por este produto financeiro com vista a obter uma remuneração superior aquela que os depósitos a prazo lhe podiam dar. E ao fazê-lo correu um risco que não existe nestes. Para tal transferiu determinada quantia para a Requerida que era uma instituição financeira que se apresentava especialmente vocacionada para aquele tipo de produtos financeiros. For outro lado, tendo em atenção a deliberação do B.P. no sentido de dispensar a Requerida, inicialmente durante um período de 3 meses, depois prorrogado por mais 45 dias, do cumprimento pontual de obrigações anteriormente contraídas, prioritariamente no âmbito da actividade de gestão de patrimónios, inexiste qualquer obrigação da Requerida em proceder ao pagamento peticionado. Ainda se dirá que, dos documentos para os quais a própria Requerente remete, resulta que o pedido de resgate apenas chegou à Requerida no dia 25/11/08 e pretendia-se que apenas fosse efectuado em 27/11/08.». Refere a Apelante que o requisito da existência do direito (o fumus boni juris) não foi analisado pelo Tribunal, em virtude de não terem sido inquiridas as testemunhas por si arroladas, o que permitiria verificar se terá sido enganada aquando da subscrição do produto. Com todo o respeito, o requisito da provável existência do direito foi objecto de apreciação, conforme se retira deste extracto da sentença. Na verdade, a dispensa da restante prova oferecida, por se entender que a que constava dos autos já chegava, não significa que se tenha deixado de conhecer do pressuposto em causa. A sentença não enferma, assim, de nulidade por falta de conhecimento de questão que devesse conhecer (art. 668º, nº1, d) do CPC), conforme é apontado na al. l) do aditamento. Não se vê razão para não se conhecer, como defende o Requerido, do que se verteu nesta alínea, já que, salvo melhor opinião, se enquadra nas alegações, uma vez que, nestas, a Apelante associou a omissão da produção da prova à falta de conhecimento – em sua opinião – do requisito do fumus boni juris. O problema coloca-se em saber se, diversamente da posição adoptada pelo Tribunal a quo, o processo já fornecia elementos que levassem a considerar desnecessária a produção da prova oferecida, mas esse é um problema diferente do da nulidade por falta de conhecimento de questão que devesse ser tratada (e, na verdade, o Tribunal debruçou-se, como já se disse, sobre a dita questão do preenchimento, ou não, do requisito do fumus boni juris). A concluir-se que os autos deviam ter prosseguido com a produção da restante prova oferecida, estar-se-á perante violação do disposto no art. 386º, nº1 do CPC, o que implicará a revogação da decisão e substituição por outra que dê andamento ao procedimento. Também não se verifica falta de fundamentação, não se olvidando que só a absoluta falta de motivação, de facto ou de direito, gera a nulidade da decisão (art. 668º, nº1, b) do CPC), havendo que distinguir entre a falta de motivação e a motivação deficiente ou errada (vide, a propósito, Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, Coimbra, 1952, pág. 140) e Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual do Processo Civil, Coimbra Editora, 1985, pág. 687). É patente que a sentença está motivada, de facto e de direito, sem prejuízo de se poder discordar dessa fundamentação e de se entender que seria necessário produzir outras provas para uma cabal decisão do procedimento cautelar. A Requerente – recorde-se – alegou que sempre pensou estar a constituir um verdadeiro depósito a prazo, com capital garantido e um acréscimo adicional, a título de juros, na altura do vencimento dos mesmos, ocorrendo uma clara violação do princípio do dever de informação e da segurança das aplicações a que a entidade bancária e os seus colaboradores estavam sujeitos. Citou, a propósito, o art. 77º do RGICF, do qual emana, designadamente, o dever de a instituição de crédito informar, com clareza, os clientes sobre os elementos caracterizadores dos produtos oferecidos. Sublinha a Requerente que sempre lhe foi garantido, por intermédio da sua gestora de conta, estar a constituir um verdadeiro depósito a prazo, sem qualquer tipo de risco associado. Os documentos juntos aos autos apontam, conforme se considerou na sentença, noutro sentido. A Apelante, nas suas alegações refere que nunca afirmou que a documentação contratual existente corresponderia a um depósito a prazo, mas insiste em que «a sua decisão livre e consciente de contratar aquele produto assentou na convicção que lhe foi criada pelos funcionários do Banco de estar a constituir um verdadeiro depósito a prazo». Crê-se, com todo o respeito por opinião diversa, que esta matéria justificaria a audição das testemunhas arroladas, de modo a que a Apelante tivesse oportunidade de demonstrar aquilo que alega, pois só a prova testemunhal, conjugada com a documental, poderá elucidar inteiramente o Tribunal, dentro dos limites probatórios do procedimento cautelar, sobre o cumprimento/incumprimento do dever de informação, prévio ou contemporâneo da subscrição dos documentos, por vezes, com clausulado pré-elaborado (cf. doc. nº 9, a fs. 232-235), e saber-se se a Requerente foi, de alguma forma, vítima de erro. Tendo a Requerente direito à prova e persistindo a possibilidade de demonstração de factos alegados, dentro das várias soluções plausíveis da questão de direito, considera-se que – sem ignorar as limitações dos procedimentos cautelares, mas sem também olvidar que a lei não exige um juízo de certeza, bastando-se com um juízo de verosimilhança, sendo, para tanto, suficiente uma prova sumária do direito ameaçado – interessará ouvir as testemunhas indicadas, tendo em vista a obtenção de uma decisão mais segura. Além da prova testemunhal, a Requerente, na petição, ou seja, no momento processual próprio (art. 303º, nº1, ex vi do art. 384º, nº3 do CPC), requereu a junção do balanço do Banco, tenha pedido a notificação, para o efeito, do Banco de Portugal e da Secretaria de Estado do Tesouro e das Finanças. A fs. 310, veio requerer que se notificasse o Requerido para efectuar a referida junção, explicando que não o fez na petição inicial por ter pedido que não houvesse audição prévia deste e que verificou, entretanto, pela experiência recolhida em outro procedimento, que a solicitação às ditas entidades era infrutífera. O Requerido opôs-se a este requerimento, defendendo a extemporaneidade da pretendida junção do balanço, já que a regra geral no âmbito dos procedimentos cautelares comuns é a audição do requerido e a Requerente, à cautela, deveria ter requerido o que consta do requerimento de fs. 310. O Tribunal a quo não se pronunciou sobre este requerimento, naturalmente, pela mesma razão por que não ouviu as testemunhas, pois entendeu, conforme ressalta da decisão recorrida, que os elementos constantes dos autos eram suficientes para proferir a decisão, sucedendo, ademais, que a própria Requerente, na petição inicial, referiu que os depósitos que efectuou não estarão abrangidos pelo balanço, tendo em atenção o tratamento que o Banco lhes deu, embora entenda que deveriam estar, adiantando que, na acção principal, pedirá a reclassificação das operações desde o momento da sua constituição, as quais deverão ocupar o seu devido lugar na rubrica respectiva junto do balanço do Banco. Conforme se referiu no relatório feito no ponto I deste acórdão, o Requerido deixou expresso, na oposição, que sempre admitiu que nenhuma aplicação financeira se encontra reflectida no seu balanço, nem poderia, atento o facto de as quantias disponibilizadas pelos clientes subscritores de aplicações financeiras continuarem a ser por estes tituladas e meramente administradas pelo Requerido, não fazendo sentido afirmar que determinadas aplicações dos clientes não aparecem reflectidas no balanço. A ponderação do Tribunal relativamente a esta matéria, compreende-se neste quadro. Não consideramos, com todo o respeito, que o requerimento seja extemporâneo. A junção do balanço foi requerida na petição inicial (o momento adequado para requerer os meios de prova). Simplesmente, a Requerente indicou aquelas duas entidades, porque pediu que o Requerente não fosse ouvido e, naturalmente, fê-lo na pressuposição de que tais entidades poderiam facultar o balanço. Tendo verificado, no decurso de outro procedimento, que isso não era possível, como se retira dos documentos que juntou aos autos, pediu ao Tribunal, ouvido que foi o Requerido, que notificasse este para tal finalidade. O requerimento de fs. 310, no qual se pretende que seja notificado o Requerido, não consiste na apresentação de um meio de prova ex novo, tratando-se, tão-só, de mudança de destinatário da solicitação. Não se vê, pois, óbice à apresentação do balanço. Considerou-se, na sentença, o seguinte: «Quanto ao segundo requisito não foram alegados factos de que resulte o receio que a Requerida cause lesão grave ou de difícil reparação ao alegado direito da Requerente uma vez que o produto financeiro contratado por esta não está, nem podia estar incluído no passivo do Banco, e não depende desta instituição determinar o que está ou não abrangido pelo empréstimo avalizado pelo Estado. Acresce que a actual administração da Requerida é constituída por administradores designados pelo B.P. e tem em mãos a apresentação e cumprimento de determinada medida de saneamento pelo que não se vê como pode privilegiar determinado credor em relação a outro. Por fim, dir-se-á que, caso a providência requerida fosse decretada, o prejuízo resultante da mesma seria muito superior ao alegado dano que se pretende evitar. Conforme se disse supra não pode o Tribunal decretar uma providência que fosse contra as medidas de saneamento adoptadas e impostas pelo Banco de Portugal, entidade supervisora, providência essa que poderia pôr em causa a própria solvabilidade e recuperação do banco. Também a Requerente não poderia passar a ter um tratamento diferenciado face a outros investidores com produtos financeiros equivalentes ao seu.». O Tribunal pautou-se pela qualificação que deu ao produto financeiro contratado, sendo que o Requerente defende que actuou na convicção de que efectuava um depósito a prazo, o que sempre foi confirmado pela sua gestora, tendo, por isso, direito a ser contemplado pelo aludido empréstimo. Como se disse, importará dar à Requerente a oportunidade de demonstrar o que alegou, produzindo as provas que ofereceu. No que concerne à circunstância de o prejuízo resultante da providência ser superior ao alegado dano que se pretende evitar, importará ter em consideração que a Requerente formulou um pedido desdobrado em duas medidas, não nos parecendo que se possa concluir, desde já, com os elementos recolhidos, que, pelo menos, a segunda conduza ao bloqueio da actividade do Requerido. Tratar-se-á, no entanto, de matéria a ponderar após a produção da prova. Face ao que se tem vindo a explanar, entende-se que, por ora, não será de tomar em consideração, tendo de prosseguir os autos para produção de prova, o teor da decisão do Banco de Portugal, a que o Requerido fez menção no seu requerimento de fs. 486-487. Pelo exposto, na procedência da apelação, embora por razões não totalmente coincidentes com as alegadas, revoga-se a sentença recorrida, exceptuando a decisão sobre excepção dilatória nela apreciada, devendo ser substituída por outra que ordene a produção da prova indicada pela Requerente e pelo Requerido, após o que se proferirá nova decisão. Custas pelo Apelado. Notifique. Lisboa, 21-01-2010 (Tibério Silva) (Ezagüy Martins) (Maria José Mouro) |