Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
236/2006-6
Relator: ANA LUÍSA GERALDES
Descritores: ARRENDAMENTO
SENHORIO
RESPONSABILIDADE
OBRAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/16/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: 1 - Constitui obrigação do locador a de realizar todas as reparações ou outras despesas essenciais ou indispensáveis para assegurar o gozo da coisa locada, de harmonia com o fim contratual a que se destina e independentemente da dimensão das obras, quer se tratem de pequenas ou de grandes reparações.
2 - Incluem-se aqui as obras que evitem a degradação das condições de habitabilidade ou de utilização do arrendado, aquelas que se destinem a pôr cobro ou a conter situações de infiltrações de água no locado, a eliminar humidades, bem como todas aquelas que se mostrem imprescindíveis e adequadas à manutenção do local arrendado nas condições inerentes e indispensáveis a uma normal e prudente utilização pelo arrendatário desse espaço.
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I - 1. S…,
intentou a presente acção ordinária contra:
C…

Pedindo a sua condenação a efectuar no arrendado todas as obras que se mostrarem necessárias à devolução ao local das condições de habitabilidade devidas, passando, nomeadamente, pela consolidação do terraço e cozinha, arranjo imediato do chão e dos muros circundantes, reboco e pintura das paredes e tectos, arranjo de toda a instalação eléctrica e substituição de toda a canalização, bem como a pagar-lhe a quantia de Esc. 3.040.000$00, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, e ainda a declarar reduzida a renda contratualmente estabelecida para 60.000$00 mensais, desde Novembro de 1999.

Alega para tanto, e em síntese, que:
Tomou de arrendamento à R. o r/c esquerdo do prédio identificado nos autos, em Lisboa, em 98.10.23, mediante o pagamento da renda mensal de Esc. 120.000$00, e após o Verão de 1999 sofreu duas inundações por a canalização da casa de banho se encontrar podre, tendo as respectivas águas, que corriam na casa de banho, destruído bens da A. no valor de Esc. 300.000$00.
A R. fez deslocar funcionários ao local, mas estes limitaram-se a desentupir o esgoto da sanita, continuando a canalização podre como então.
E, em Novembro de 1999, quando o chão da cozinha do andar começou a deslocar-se, apresentando fendas no sítio onde se encontravam as máquinas de lavar roupa e louça, os funcionários da R. limitaram-se a dizer-lhe para tirar as máquinas para o meio da cozinha.
E porque nada foi feito e o movimento de terras por baixo do andar continuou, os canos de ligação da água às referidas máquinas romperam-se, inundando a cozinha.
A máquina de lavar loiça no valor de Esc. 70.000$00, que foi colocada pelos funcionários da R. no terraço, estragou-se, e a A. viu-se impossibilitada de utilizar a máquina de lavar roupa, tendo de socorrer-se da ajuda de vizinhos e de uma lavandaria, no que despendeu cerca de Esc. 300.000$00.
Em 13 de Dezembro de 1999, a A. escreveu uma carta à R. propondo a redução da renda para Esc. 60.000$00, o que foi aceite pela R., através de carta de 30 de Maio de 2000, pelo período de dois meses, tempo que reputava necessário para colmatar as deficiências.
Entretanto, porque nada foi feito pela R., e como as chuvas continuaram, a porta da marquise que dá para o terraço deixou de fechar e as tomadas avariaram-se, tendo-se estragados os seus electrodomésticos no valor aproximado de Esc. 70.000$00.
Por sua vez a marquise veio a cair, ficando a cozinha com cerca de 1/3 da área inicial e com acesso apenas pelo interior da habitação, pelo que só a sala dá acesso ao terraço, cujo muro de protecção se encontra destruído, permitindo a entrada de animais na casa da A..
Acrescenta, ainda, a A. que a humidade em toda a casa se agravou por os canos que a atravessavam se encontrarem completamente podres, encontrando-se as paredes do corredor e da sala enegrecidos e a instalação eléctrica deteriorada.
Tal situação acarreta necessariamente à A. um permanente estado de ansiedade, medo e desgosto de ver a sua casa desarrumada, com objectos de estimação deteriorados, a cozinha praticamente inutilizada, para além do terror de que os seus netos possam cair no terraço ou ser atacados por quem se introduza no terreno.

2. Contestou a R. dizendo que o aluimento da marquise e parte da cozinha do locado ficou a dever-se a um movimento de terras e não a qualquer falta de manutenção do locado.
Invoca ainda que as canalizações entupiram por factos estranhos à R., antes imputáveis à A., e que foram realizadas obras de reparação das primeiras anomalias verificadas, mas que a inclemência do inverno eliminou as reparações e causou o aluimento da marquise e parte da cozinha da A..

3. Elaborado despacho saneador, efectuou-se o julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide quanto ao pedido de realização de obras, porquanto a Autora deixou o andar, e considerou que a A. tem direito à redução de 50% no valor da renda, desde Novembro de 1999 a Junho de 2003.

4. Inconformada, Apelou a A. e concluiu, em síntese, que:
1) Por não ter zelado convenientemente pela manutenção e arranjo das canalizações na casa de banho do arrendado e canalizações do prédio, nomeadamente a manilha do esgoto, a Apelada incumpriu as obrigações contratuais que assumiu para com a Apelante.
2) Essa responsabilidade implica o pagamento à Apelante de indemnização, nos termos previstos nos arts. 483° e 496°, n.º l, do Cód. Civil.
3) Face à prova feita dos danos morais da Apelante, deverá o Tribunal equitativamente fixar um montante indemnizatório, nos termos do art. 566°, n.º 3, do Cód. Civil.
4) Quanto ao montante indemnizatório dos danos patrimoniais, e nos ternos do art. 661° do Cód. Civil, deverá a fixação da indemnização ser relegada para execução de sentença, pois existe nos autos toda a prova da ocorrência dos prejuízos.
5) Nada tendo decidido quanto ao pagamento de indemnização por danos morais e pelos danos materiais, deve ser revogada a sentença e a R. condenada a pagar à A. uma indemnização por danos não patrimoniais liquidados imediatamente por equidade e danos patrimoniais a liquidar em execução de sentença.

5. Foram apresentadas contra-alegações.

6. Colhidos os Vistos,
Cumpre Apreciar e Decidir.


II - Factos Provados:

1. Em 23 de Outubro de 1998, a R. na qualidade de locadora, e a A. na qualidade de locatária, subscreveram o escrito de que existe cópia a fls. 16 e ss., intitulado «contrato de arrendamento», através do qual a primeira cedeu à segunda o gozo e fruição do rés-do-chão esquerdo, do prédio urbano sito na Rua do Paraíso, n.º 17, em Lisboa, freguesia de S. Vicente de Fora, concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial respectiva sob o n.º 298, mediante o pagamento da renda mensal de Esc. 120.000$00 (artigo 1º dos factos assentes).
2. À data da celebração do contrato, a habitação encontrava-se com aspecto de ter tido obras recentes, pintada e arranjada toda de novo (artigo 2º dos factos assentes).
3. Esse andar era composto por dois quartos, sala, casa de banho, cozinha, marquise e terraço (artigo 3º dos factos assentes).
4. A área da marquise era de cerca de 2/3 a mais da área da cozinha, e comunicava com o terraço através de uma porta (artigo 4º dos factos assentes).
5. Foi a área útil de habitação do andar um dos factores determinantes para que a A. celebrasse o referido contrato, pois necessitou de uma casa mais ampla do que aquela onde habitava, uma vez que vive com seu filho, com sua filha e dois netos de tenra idade, filhos desta (resposta ao artigo 1º da base instrutória).
6. Após o verão de 1999, a A. sofreu duas inundações, originadas pela canalização da casa de banho do andar (artigo 5º dos factos assentes).
7. As águas que corriam da casa de banho escorreram a maior parte delas para o quarto do filho da A., que se situa em frente, que ficou completamente inundado, e que destruíram uma aparelhagem de música, que estava apoiada no chão, de valor que não foi possível apurar (resposta ao artigo 2º da base instrutória).
8. Também por causa dessas inundações ficaram destruídos móveis e equipamentos de valor que não foi possível apurar (resposta ao artigo 3º da base instrutória).
9. Alertada pela A., a R. fez deslocar funcionários para reparar a anomalia, que se limitaram a desentupir, com água à pressão, o esgoto da sanita da casa de banho do andar daquela (artigo 6º dos factos assentes).
10. Em Novembro de 1999, logo após aqueles factos, o chão da cozinha do andar começou a deslocar-se, apresentando fendas, no sítio onde estavam colocadas as máquinas de lavar roupa e de lavar loiça (artigo 7º dos factos assentes).
11. Por as fendas terem grande dimensão, a marquise parecia que estava a deslocar-se do resto da casa (artigo 8º dos factos assentes).
12. A insistências da A., deslocaram-se uns funcionários da R., que se limitaram a dizer-lhe para tirar as máquinas de loiça e de lavar a roupa do sítio onde se encontravam, pois naquele sítio o chão estava pouco seguro, e que as pusesse no meio da cozinha, o que a A. fez imediatamente (artigo 9º dos factos assentes).
13. A R. fez deslocar trabalhadores para reparar as primeiras anomalias (deslocação de marquise), não tendo tal intervenção sido suficiente para impedir a derrocada (resposta ao artigo 29º da base instrutória).
14. Porque nada mais foi feito, e porque o movimento de terras por debaixo do andar arrendado continuava, os canos de ligação da água às máquinas de lavar roupa e loiça romperam-se, inundando a cozinha (artigo 10º dos factos assentes).
15. Em virtude da inundação da cozinha referida no artigo 10º dos factos assentes, a A. ficou sem poder utilizar as máquinas de lavar louça e roupa (resposta ao artigo 8º da base instrutória).
16. A máquina de lavar foi colocada por trabalhadores da R. no terraço, coberta com plástico e, posteriormente, pela chuva e humidade, estragou-se, não tendo sido possível apurar o seu valor (resposta ao artigo 9º da base instrutória).
17. Perante o transtorno que o desligar da máquina de lavar roupa causou à A., atento o grande número de volume de roupa diária para lavar, (sobretudo as de 2 crianças de tenra idade), a A. viu-se na contingência de ter que pedir à D. Fátima, sua vizinha, que lhe permitisse lavar a roupa na sua máquina, o que por vezes aconteceu (resposta ao artigo 10º da base instrutória).
18. Embora a referida vizinha se tivesse prontificada a ajudar, a A., sempre que entendia que estava também a utilizar a sua máquina em proveito próprio, ou que não estava em casa, ou até por vergonha, era obrigada a levar toda a sua roupa para a lavandaria, com os custos acrescidos, de valor que não foi possível apurar (resposta ao artigo 11º da base instrutória).
19. O microondas, com a humidade, estragou-se, e a A. teve que o deitar fora, o mesmo sucedendo com o aspirador, máquina de sumos e batedeira, cujo valor não foi possível apurar (resposta ao artigo 13º da base instrutória).
20. Em 13 de Dezembro de 1999, a A. escreveu uma carta, com aviso de recepção, dirigida à R., de que existe cópia a fls. 19-20, expondo a situação, e pedindo que efectuassem, no mais curto espaço de tempo, obras que colmatassem as deficiências acima referidas (artigo 11º dos factos assentes).
21. Propondo à R. a redução da renda de Esc. 120.000$00 para Esc. 60.000$00 mensais (50% do seu valor), enquanto se verificassem essas anomalias, que a impediam de gozar normalmente o arrendado (artigo 12º dos factos assentes).
22. Em 00.05.30, a R. enviou à A., a carta de que existe cópia a fls. 22-3, onde se lê, designadamente, que:
«Em 13 de Dezembro p.p. V. Ex.a. escreveu-nos uma carta em que expunha a situação em que se encontrava o r/c em epígrafe, em consequência da ocorrência de abalo de terras que suportam o terraço e a marquise, propondo o pagamento de 50% da renda como compensação dos prejuízos e incómodos provocados pela situação.

Considerando a razoabilidade da proposta, concordámos que o montante da renda fosse reduzida em 50% por um período de dois meses, que se reflectiria nas rendas relativas a Janeiro e Fevereiro p.p.» (artigo 13º dos factos assentes).

23. No entanto, as anomalias verificaram-se desde Outubro/Novembro de 1999, e à data do recebimento destas cartas, a casa da A. continuava exactamente com os mesmos problemas e sem resolução (artigo 14º dos factos assentes).
24. E como as chuvas continuassem, e as fendas estavam apenas tapadas com um produto que a A. pensa ser cimento, e mais nada feito, o chão da cozinha e marquise continuou a ceder, por movimentação de terras (artigo 15º dos factos assentes).
25. A porta da marquise que dava para o terraço, por terem ruído as estruturas que a apoiavam, desapareceu (resposta ao artigo 16º da base instrutória).
26. A porta da marquise que dá para o terraço (que agora nem sequer pode ser colocada) deixou de poder fechar-se, deixando entrar o frio, a chuva e o vento (resposta ao artigo 12º da base instrutória).
27. Após o envio de uma carta datada de 00.09.08, de que existe cópia a fls. 26, e os movimentos de terra por debaixo da cozinha e marquise do andar foram de tal forma graves, que toda a zona da marquise, pura e simplesmente caiu (resposta ao artigo 15º da base instrutória).
28. A cozinha é agora um espaço para o qual só se tem acesso pelo interior da habitação (resposta ao artigo 14º da base instrutória).
29. A cozinha da A. está reduzida a um espaço mínimo, de menos de 1/3 da área que inicialmente tinha, pois abrangia a zona da marquise, que entrou em derrocada (resposta ao artigo 17º da base instrutória).
30. A marquise que existia deixou de existir e nesse espaço existe só entulho e pedras (resposta ao artigo 18º da base instrutória).
31. O aluimento da marquise e da parte da cozinha da A. ficou a dever-se a um aluimento de terras provocado pela saturação do terreno com esgotos provenientes daquele lado do prédio em virtude de a manilha do esgoto estar partida (resposta ao artigo 28º da base instrutória).
32. Só a sala dá acesso ao terraço e o muro que vedava esta zona, e que protegia o andar da invasão de intrusos, mostra-se derrubado (resposta ao artigo 19º da base instrutória).
33. Porque este muro de protecção foi destruído, os cães dos vizinhos, alguns deles de raça pastor alemão, entram dentro de casa da A. (resposta ao artigo 20º da base instrutória).
34. Verificam-se humidades nas zonas em que os canos atravessam a casa até à casa de banho (resposta ao artigo 21º da base instrutória).
35. A instalação eléctrica, sobretudo a zona da cozinha, encontra-se deteriorada pela infiltração da água (resposta ao artigo 23º da base instrutória).
36. As humidades têm-lhe provocado a destruição de cortinados, de tapetes e mobiliário, cujo valor não foi possível apurar (resposta ao artigo 24º da base instrutória).
37. Com a entrada da chuva, todas as tomadas da parede da cozinha se avariaram, pelo que não podiam ser utilizadas (artigo 16º dos factos assentes).
38. A A. tem vivido, desde Outubro de 1999, e até ao momento em permanente estado de ansiedade, de medo, de desgosto, por ver a sua casa sempre desarrumada, com objectos de estimação deteriorados, com uma cozinha praticamente inutilizada (resposta ao artigo 24º A da base instrutória).
39. Quando os seus netos se aproximavam da zona da cozinha, a A. ficava completamente apavorada, pelo que lhes pudesse acontecer, pois se as crianças entrassem na zona do terraço, poderiam cair, atenta a derrocada do mesmo (resposta ao artigo 25º da base instrutória).
40. E ainda temor, porque receia que os seus netos sejam atacados por alguém que se introduza pelo terraço, ou por animais que por aí pululam, ou ainda que os mesmos caiam pelos muros desfeitos (resposta ao artigo 26º da base instrutória).
41. A A. procedeu à entrega do locado no final de Junho de 2003.


III - Enquadramento Jurídico:

1. Está em causa tão só a questão de saber se deve a Ré ser condenada a pagar à Autora o valor de indemnização por esta pedido, a título de danos patrimoniais e morais, pelos prejuízos sofridos no local arrendado em consequência das inundações ocorridas no interior do mesmo e da falta de condições de habitabilidade do locado.

Vejamos.

2. A matéria de facto provada mostra-se definitivamente assente e é bem reveladora dos prejuízos e incómodos que a A. sofreu no local arrendado pela não reparação conveniente e atempada pela Ré dos estragos provocados no interior da habitação, em virtude da ruptura das canalizações e outras inundações entretanto ocorridas.
Sendo inatacável tal realidade fáctica, resta-nos apreciar juridicamente se a A. pode ou não ser ressarcida dos respectivos prejuízos.
E a resposta não pode deixar de ser afirmativa, porquanto:

3. Nos termos do artº 1031º, al. b), do CC, o senhorio deve assegurar ao arrendatário o gozo do imóvel para os fins a que se destina, devendo, portanto, efectuar as obras e reparações necessárias para que o gozo do arrendatário não seja significativamente diminuído.
Cumprindo ao senhorio, nos termos do citado normativo, assegurar ao arrendatário o gozo da coisa arrendada, há-de, portanto, caber-lhe, a obrigação consequente de realizar as prestações necessárias ao cabal exercício desse gozo.
Tal obrigação, segundo Pinto Furtado, “não se resume ao pati fundamental de não perturbar o uso ou fruição do locatário: desdobra-se ainda em prestações positivas pontuais ou específicas que têm de ser realizadas pelo locador para que o gozo da coisa pelo locatário se possa materializar”. (1)
Estão nestas circunstâncias, a cargo do senhorio, a realização de obras de conservação ordinária destinadas a manter o prédio nas condições existentes à data da celebração do respectivo contrato de arrendamento, pressupondo-se compreendidas nesta asserção aquelas que se destinam a manter o prédio em bom estado de conservação e nas condições requeridas pelo fim do contrato.

Constitui, assim, obrigação do locador, a de realizar todas as reparações ou outras despesas essenciais ou indispensáveis para assegurar o gozo da coisa locada, de harmonia com o fim contratual a que se destina, e independentemente da dimensão das obras, quer se tratem de pequenas ou de grandes reparações. (2)
Obrigação que a lei faz impender sobre o senhorio também por força do preceituado nos artºs 11º, nº 2 e 12º do RAU.
Incluem-se aqui as obras que evitem a degradação das condições de habitabilidade ou de utilização do arrendado, aquelas que se destinem a pôr cobro ou a conter situações de infiltrações de água no locado, a eliminar humidades, bem como todas aquelas que se mostrem imprescindíveis e adequadas à manutenção do local arrendado nas condições inerentes e indispensáveis a uma normal e prudente utilização pelo arrendatário desse espaço.
Obras que revestem a natureza jurídica de obras de conservação ordinária, e como tal devem ser consideradas, e cujo dever de execução recai, como se viu, e de forma indiscutível, sobre o senhorio. (3)

4. No caso sub judice provado ficou que não obstante o local arrendado se encontrar em boas condições no início da celebração do contrato de arrendamento, tempos depois, a A. sofreu duas infiltrações originadas pela canalização da casa de banho do andar – facto provado e inserido no ponto 6).
E provado igualmente ficou que essas inundações provocaram estragos à Autora/arrendatária, danificando-lhe bens, nomeadamente uma aparelhagem, móveis e outros equipamentos (vejam-se, a este propósito, os factos provados e inseridos nos pontos 7) e segts da matéria de facto).
Os danos provocados por tais inundações e, posteriormente, pelo movimento de terras, são tão evidentes e esclarecedores em face dos factos provados nos autos que dispensam que sobre os mesmos sejam tecidas muitas mais considerações.
Sendo igualmente patente que, em consequência dessas infiltrações e humidades, advieram para a A. necessariamente prejuízos, quer pela perda e deterioração de bens materiais, quer inclusivamente por todos os incómodos e angústias sofridas.
Ou seja: em consequência dessa situação prolongada e da ineficácia e ineficiência da Ré em pôr termo às causas determinantes da degradação do locado e às más condições deste, através da realização das obras que se mostravam necessárias, viu-se a A. privada do gozo da coisa locada nos termos e para os fins inicialmente contratados, e acabou por sofrer inúmeros prejuízos de natureza patrimonial e não patrimonial, conforme retratam claramente os factos provados e vertidos supra nos pontos 7º a 10º, 14º a 19º, 25º, 26º, 28º a 30º, 33º a 40º.

5. Ora, os vícios subsequentes à celebração do contrato, que resultem de omissão dos deveres do senhorio de proceder a obras de conservação ordinária, extraordinária ou beneficiações, impostas por lei, constituem o senhorio no dever de indemnizar o arrendatário pelos prejuízos causados. (4)

In casu, apurou-se que a arrendatária avisou a Ré da necessidade da realização das obras, por carta datada de 13 de Dezembro de 1999 – ponto 20) da matéria de facto – e solicitou-lhe a sua execução urgente.
E a verdade é que não se provou que a Ré as tivesse executado, tempestivamente, e de forma conveniente, de molde a pôr termo a tal situação, nomeadamente impedindo que os bens da Autora sofressem danos, tendo esta, por fim, acabado por proceder à entrega do locado no final de Junho 2003 (ponto 41. dos factos provados).
Pelo que, violou a Ré o dever legal de proporcionar o gozo da coisa arrendada para os fins habitacionais que determinaram a celebração do contrato de arrendamento, não proporcionando à A. uma vivência tranquila e em boas condições de habitabilidade, consentânea com as utilidades visadas com o referido contrato.
E assim sendo, tem a A. o direito a ser integralmente indemnizada dos danos provocados pela Ré, pela omissão e incumprimento do seu dever legal.
Com efeito, a partir do momento em que o senhorio falta culposamente ao cumprimento da sua obrigação de assegurar ao arrendatário o gozo da coisa locada para os fins habitacionais a que a mesma se destina, torna-se o senhorio responsável por todos os prejuízos que daí advierem.
É a responsabilidade contratual do senhorio a operar pelas razões que se explicitaram nos pontos anteriores. (5)

6. Os danos a reparar, nos termos dos artºs 562º e 563º do CC, são todos os resultantes da lesão, devendo ser reconstituída a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento danoso que obriga à reparação.
Está assim a Ré obrigada a indemnizar os prejuízos sofridos pela A., correspondentes ao valor de todos os bens que se deterioraram ou ficaram inutilizados e que resultaram provados nos autos – cf. factos inseridos nos pontos 7), 8), 16), 17), 18) e 19), 36.
Quanto a estes, e contrariamente ao que se diz na sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, não é impeditivo da condenação da Ré o facto de não se ter apurado o seu justo valor. Ponto é que os mesmos tenham resultado provados, enquanto danos ocorridos ou lesões sofridas pela Autora em consequência da actuação da Ré.
Caso em que a lei permite, na inexistência de elementos nos autos, que se relegue para apreciação posterior, ou seja, para liquidação em execução de sentença, remetendo-se o cálculo do valor de indemnização a atribuir à A. para essa fase – cf. art.661º, nº 2, do CPC.

7. Tal como são igualmente devidos os danos morais sofridos pela situação vivida e pelos incómodos sofridos pela A., bem retratados nos factos contidos nos pontos 15), 17), 18), 28) 29), 30), 32), 33), 37), 38) a 40).
Quanto a estes, os autos permitem que se arbitre já um valor que se considere adequado, em face do circunstancialismo fáctico provado, e com base em juízos de equidade.
Assim sendo, e tudo ponderado, entende-se como adequado e justo a fixação do montante de 2.500 Euros a título de indemnização por danos morais, que a Ré terá de pagar à A.

Nestes termos, e com os presentes fundamentos, se dá procedência ao recurso.


IV – Decisão:

Termos em que se acorda em julgar parcialmente procedente a Apelação e, consequentemente, revoga-se a sentença recorrida, condenando-se a Ré a pagar à A., a título de indemnização por danos morais, a quantia de 2.500 Euros, acrescida da indemnização pelos danos patrimoniais correspondente ao valor dos bens inutilizados, estes em quantia que vier a ser liquidada em execução de sentença e a que se reporta a matéria de facto provada nos presentes autos.

Custas da Apelação pela Autora e Ré, na proporção do decaimento, sem prejuízo de eventuais acertos após a respectiva liquidação em execução de sentença.

Lisboa, 16 de Fevereiro de 2006.

Ana Luísa de Passos Geraldes
Fátima Galante
Ferreira Lopes



__________________________
1.-Cf. “ Manual do Arrendamento Urbano”, pág. 375.

2.-Veja-se, neste sentido, o Acórdão do STJ, de 25/11/1998, in BMJ., 481º/484.

3.-Neste sentido veja-se o Acórdão da Relação do Porto de 19/10/1993, in CJ, T. 4º, pág. 233.

4.-No mesmo sentido veja-se o Ac. da Relação do Porto, de 06/10/2005, in www.DGSI.JTRP00038874, proferido no âmbito do Proc. nº 0534230.

5.-Cf. Acórdão da Relação de Lisboa, de 25/11/1980, in CJ, T. 5, pág. 23.