Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
0026047
Nº Convencional: JTRL00036976
Relator: RUA DIAS
Descritores: CULPA IN CONTRAHENDO
RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
BOA-FÉ
Nº do Documento: RL200107030026047
Data do Acordão: 07/03/2001
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Área Temática: DIR CIV - TEORIA GERAL.
Legislação Nacional: CCIV66 ART227 N1.
Jurisprudência Nacional: AC RP DE 1980/02/26 IN CJ ANOV T1 PAG58.
Sumário: I - O dever de os negociadores agirem de boa fé, expressamente previsto no artigo 227º, nº1 do Código Civil, vigora tanto para os contratos consensuais como para os contratos formais.
II - Viola esse imperativo a conduta que traduza uma reprovável falta de consideração pelos legítimos interesses da outra parte.
Decisão Texto Integral: Apelação nº 2604/01
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
I - Relatório
(F), propôs acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra (K), e alegou, em síntese, que combinou, com a R, tratar de todas as diligências para a compra de determinados terrenos, e para a viabilidade municipal do projecto de instalação de dada estação de serviço, mediante a celebração de um contrato de cessão de exploração da referida estação, por períodos renováveis de dez anos, sendo que a cessão se manteria, pelo menos, por um período temporal de vinte e cinco anos, altura em que os terrenos passariam para a propriedade da A.
Procedeu em conformidade com o acordado, ao contrário da R, que se recusou celebrar o contrato nos termos combinados, antes pretendendo celebrar outro, com diferentes condições.
A R. negociou com má fé, tanto nos preliminares como na conclusão do negócio, e determinou que A. sofresse danos emergentes e lucros cessantes.
Concluiu, pedindo que a R. fosse condenada no pagamento de uma indemnização de 1.660.570.000$00.
A R. contestou, excepcionando a incompetência territorial do Tribunal de Faro, onde a acção fora proposta e impugnou, nos seus aspectos essenciais, o alegado pela A..
Acrescentou que, no âmbito da responsabilidade pré-contratual, A só poderia ser ressarcida do prejuízo inerente às eventuais ocasiões perdidas e às eventuais despesas suportadas.
Considerou, por último, que A litiga de má fé, reclamando multa e indemnização adequadas.
A replicou, pugnando pela competência do tribunal.
Por entender que a R. litiga de má fé, pediu também a condenação desta em multa e indemnização.
Realizou-se audiência preparatória.
Foi julgada procedente a excepção de incompetência territorial.
Remetido o processo para a comarca de Lisboa, aí veio a prosseguir seus termos.
Foi proferido despacho saneador, especificação e questionário.
Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, com observância do formalismo legal.
Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:
II - Factos Provados
1. Em 1991, (Q) e a R. estabeleceram negociações com vista à instalação do posto referido em 2., no âmbito das quais acordaram em que a R. cedesse a exploração do dito posto a (Q).
2. Em 20.06.91, (Q), na qualidade de previsível comprador do terreno designado por (C), sito na Av. (X) - Faro, requereu ao Presidente da Câmara Municipal de Faro a informação sobre a viabilidade da construção de uma bomba de gasolina, que desejava instalar naquele terreno (Doc. de fls. 21).
3. Do documento junto aos autos a fls. 22 consta que para o terreno referido em 2. já está destinado a blocos mistos de comércio e habitação mas que é viável a instalação de uma bomba de gasolina.
4. Do documento referido em 3. consta ainda que, ... "parte dos terrenos, em causa, são propriedade da Câmara Municipal de Faro, pelo que, no caso de ser viabilizada a ocupação pretendida, os mesmos devem ser objecto de negociação..."
5. Em 16.07.91 a Câmara Municipal de Faro deliberou dar parecer favorável à pretensão de instalar uma bomba de gasolina no (C), devendo ser apresentado estudo de ocupação da zona (Doc. de fls. 23).
6. A R. pediu ao (T) que lhe apresentasse um dos comproprietários dos terrenos referidos em 2. com vista à negociação da sua aquisição.
7. Em Agosto de 1991, a (Q) cedeu à A. os interesses negociais referidos em 2., bem como as suas obrigações quantos aos mesmos.
8. (Q) dirigiu à R. carta datada de 15.09.91 em que, confirmando as conversações havidas, informa esta que "cede à firma (F), todos os seus interesses, pelo que, a (K) deverá ceder a esta última a exploração da área de serviços a construir no Sítio denominado (C), como contrapartida da viabilidade Camarária cedida a essa firma pela nossa empresa" (Doc. de fls. 25).
9. (Q) dirigiu ao Presidente da Câmara Municipal de Faro carta datada de 18.09.91 .em que requer autorização para que a viabilidade referida em 5. seja convertida a favor da A. (Doc. de fls. 26).
10. Do documento a fls. 27 consta que o requerimento referido em 9. foi deferido.
11. Em 1991, foi avaliado o custo completo do posto referido em 2., incluindo o terreno, a construção civil e os equipamentos, em cerca de 600.000.000$00.
12. Em 9 de Outubro de 1991, as pessoas referidas em 19. declararam celebrar o "contrato de promessa de compra e venda com eficácia real" junto aos autos a fls. 182 e segs.
13. Em 28.11.91, a R. dirigiu à A. a carta datada de 28.11.91 em que, fazendo referência à carta mencionada em 8. informa esta de que não tem qualquer objecção à alteração nela proposta, pelo que lhe vai enviar "minuta do contrato-promessa de cessão de exploração que se propõe celebrar referente ao futuro posto de combustíveis a construir" no local referido em 2. (Doc. de fls. 28).
14. Do documento de fls. 29 consta que A, na qualidade de titular da viabilidade para instalar uma bomba de gasolina no terreno referido em 2., dirigiu ao Presidente da Câmara Municipal de Faro carta datada de 26.11.91 em que apresenta, para apreciação e aprovação, projecto de viabilidade da mencionada bomba de gasolina.
15. No projecto referido em 14., denominado projecto de viabilidade/memória descritiva e justificativa, consta, sob o ponto 6, designado identificação da posição, que "a identificação das posições, será feita com (...) o distintivo da (K)" (fls. 30 a 37).
16. Do documento de fls. 107 consta que foi depositado na Caixa Geral de Depósitos, na agência de Faro, por ordem de (T), a favor de "CMF Corpo Bombeiros Municipais de Faro", um cheque no valor de 9.000.000$00.
17. A quantia referida em 16. foi adiantada, a título individual, pelo (T)
18. O (T) foi reembolsado da quantia referida em 16 de Julho de 1992.
19. Do documento de fls. 161 e segs. consta que, em 6 de Maio de 1992, (M) e marido, (S), (V) e mulher, (L) e marido, (J) e (E), declararam, por escrito, vender à R., por 247.500.000$00, o prédio urbano, lote de terreno destinado à construção, sito na Av. (X), em Faro.
20. Em 23.10.92, a R. disse à A., através de fax, "confirmamos a nossa intenção de cedência da exploração do posto de abastecimento duplo, composto por duas lojas, lavagem automática de veículos e estação de serviço (F)" (Doc. de fls. 47).
21. Do mesmo documento lê-se "estamos a tentar ultrapassar todos os obstáculos para que a inauguração do posto seja efectuada antes do período estival, nesse sentido pedimos toda a vossa colaboração, no interesse comum".
22. Do mesmo documento lê-se, ainda, "reforçamos (...) o compromisso que temos com V. Exas., não fazendo qualquer sentido preocupações ou dúvidas que parecem ter sido lançadas".
23. Em 23 de Novembro de 1992, a R. enviou à A. o documento nº 17, junto aos autos a fls. 49 a 88.
24. A fls. 59 do documento referido em 23. consta que " o presente contrato de cessão de exploração é celebrado pelo prazo de cinco anos ... (...) ... sendo automaticamente renovável por sucessivos períodos de um ano...".
25. O acordo referido em 24. é a "minuta da escritura de cessão de exploração do posto de abastecimento, e respectivos documentos complementares, a que se refere o contrato promessa celebrado em Dezembro de 1992, entre a (K) e (F)" (fls. 56).
26. Por carta datada de 27.11.92, a A acusa a recepção das minutas contratuais referidas em 23. e dirige à Administração da R. a contraproposta constante do doc. de fls. 89.
27. Do documento de fls. 93 e 94, datado de 12.07.93., a R., por carta registada com aviso de recepção, subscrita por (H), informa a Gerência da A. de que "na sequência da reunião havida com V. Exas nos nossos escritórios centrais de Lisboa, em 93.2.3 (...) ...(...) as pretendidas alterações não têm qualquer suporte nas negociações anteriormente havidas, as quais envolviam uma cessão de exploração nos termos habitualmente praticados por esta empresa".
28. Na mesma carta afirma, ainda, que " ...as referidas alterações propostas por V. Exas. à minuta do contrato de cessão de exploração não são aceitáveis por esta empresa."
29. E, ainda no mesmo documento, a R. pede que seja informada se a A. se "mantém interessada na referida cessão de exploração nos termos constantes da minuta, ainda que com eventuais alterações a acordar, sempre desde que não afectem os pressupostos básicos do negócio".
30. Em 3.05.94, a (F) informou a R. que, relativamente ao referido em 29., o compromisso que se encontra definido é o referido em 20., 21. e 22. (Doc. de fls. 95).
31. Em 11 de Julho de 1994, a R. e (O) declararam, por escrito, respectivamente, prometer ceder a exploração e explorar o posto duplo de abastecimento de combustíveis, sito na Av. (X), no lugar de Faro, de que a primeira é dona (Doc. de fls. 214 e segs.).
32. A A. cede, habitualmente, a exploração dos postos de abastecimento por três anos renováveis por um ano.
33. A R. satisfez despesas inerentes ao projecto e seu desenvolvimento e deu à Câmara Municipal de Faro as contrapartidas por ela exigidas.
34. A R. efectuou diligências necessárias ao licenciamento do posto.
35. Da certidão da Conservatória do Registo Comercial consta que a A. tem como objecto: "exploração de postos de venda de combustíveis e outros produtos destinados a viação automóvel, bar, restaurante e artigos de papelaria" (Doc. de fls. 180).
36. A A. constituiu-se com o objectivo de explorar as instalações referidas em 2.
37. Do documento de fls. 266 consta a inscrição hipotecária "nº 10. 25 - ap. 01/920814 - hipoteca voluntária - provisória por natureza - a favor de (U) - garantia de empréstimo de 28.000.000$00... (...)... sobre as fracções F e G - do prédio nº 9003, fls. 123, B - 23 - constituída por (F),...".
38. Do mesmo documento consta o averbamento 01- de 20.11.92 convertendo em definitiva a inscrição referida em 35..
39. Dou como integralmente reproduzido o teor da certidão da Conservatória do Registo Predial de Faro constante de fls. 208 a 213.
40. O empreendimento referido em 2. foi projectado com o objectivo de vender 7.000.000 de litros de combustível por ano.
41. A A., no normal desenvolvimento da exploração do posto referido em 2., ganharia quantia indeterminada por cada litro de combustível vendido.
42. A A. iria vender entre 5.000 e 8.000 Kg de lubrificantes por ano.
43. A A. iria vender os lubrificantes a um preço médio não apurado.
44. A A. iria ganhar uma margem não apurada.
45. A A. iria lavar entre 16.000 e 20.000 carros por ano.
46. O preço mínimo da lavagem seria de cerca de 450$00.
47. Em cada lavagem, a A. ganharia 52%.
48. A A. efectuaria por dia nas lojas vendas em valor indeterminado.
49. Das vendas que efectuasse a A. auferiria percentagem indeterminada.
50. Para providenciar a exploração em causa, a A. iria despender com a gerência e com encargos sociais dos assalariados quantia indeterminada
Com base nos factos apurados, o Mmo Juiz a quo proferiu a seguinte decisão:
"Fundamenta a A. a sua pretensão no facto - essencial - de ter sido combinado, em Maio de 1991, entre (Q) (que, mais tarde, viria a ceder à A. os seus interesses) e a R. que aquela trataria de todas as diligências necessárias para a compra dos terrenos destinados à implantação de um estabelecimento de abastecimento de combustíveis e lubrificantes, estação de serviço, lavagem automática, lojas e bar na cidade de Faro, tratando igualmente da viabilidade municipal e nacional do projecto,. em contrapartida, a R. cederia a (Q) a exploração das ditas instalações, por períodos renováveis de dez anos. Mais acrescenta a A. que, em finais de Setembro de 1991, A. e R. mantiveram o referido acordo, combinando, ainda, que o contrato de cessão de exploração se manteria por, pelo menos, vinte e cinco anos, findos os quais os terrenos passariam para a propriedade da A..
Ora, conforme resulta da resposta dada aos quesitos 1º, 2º e 3º, a A. logrou apenas demonstrar que, em 1991, B Q) e a R. estabeleceram negociações com vista à instalação do posto em causa, no âmbito das quais acordaram em que a segunda cederia à primeira a exploração de tal posto (cfr. ponto 1. da matéria de facto).
Sendo de qualificar tal acordo como um contrato-promessa (artigo 410º nº 1 do Código Civil), verifica-se, porém, que o mesmo é nulo por falta de forma ( artigos 220º e 410º nº 2 do Código Civil e artigo 89º - K) do Cód. Not. aprovado pelo D.L. 47.619, de 31.3.67).
Porque nada foi prestado no âmbito do contrato-promessa referido, não há lugar a qualquer restituição (artigo 289º do Cód. Civ.).
A entender-se, porém, que os contactos e negociações havidos entre (Q) num a fase inicial, e a A., numa fase posterior, por um lado, e a R., por outro, se inserem numa fase pré-contratual, então há-de concluir-se não haver factos que indiciem conduta falha de ética ou contrária à boa fé por banda da R. (artigo 227º nº 1 do Cód. Civ.).
Com efeito, não tendo resultado provado qual o prazo da cessão de exploração e, bem assim, que os terrenos passariam para a propriedade da A. decorridos vinte e cinco anos, as minutas do contrato-promessa de cessão de exploração, da escritura de cessão de exploração e documentos complementares e do contrato de serviço (L) (vd. pontos 23., 24. e 25. da matéria de facto), enviadas pela R. à A., não se mostram violadoras de qualquer dever geral ou especial que a R. houvesse de respeitar. A A. é que não aceitou tais propostas, conforme resulta do ponto 26. da matéria de facto. Aliás, o prazo de cinco anos proposto pela R. para a cessão de exploração em causa era superior ao habitualmente praticado pela empresa (cfr. pontos 24. e 32. da matéria de facto).
Refira-se, por último, que, em sede de responsabilidade pré-contratual, só o interesse negativo ou de confiança é indemnizável. Ou seja, o lesado apenas pode ser ressarcido dos prejuízos sofridos com a actividade desenvolvida com vista à celebração do contrato e dos negócios que deixou de realizar pelo facto de se ter empenhado naquela celebração. Ao contrário, o lesado não pode ser ressarcido daquilo que auferiria se o contrato tivesse vindo a ser celebrado (dano positivo ou de cumprimento).
Termos em que julgo improcedente o pedido e dele absolvo a R.
Inconformada, apelou a A., formulando conclusões com as quais a Ré apelada não concorda, pugnando pela manutenção da sentença.
Foram colhidos os vistos.
Cumpre, ora, decidir .
Conclusões
1º - Foi pelo Mmo. Juiz dada como provada a matéria factual inserta no artigo 28º do Questionário, pelo que ficou assente que a R. cedia habitualmente a exploração dos postos de abastecimento por três anos renováveis por um ano.
2º - Contrariamente a essa prática negocial que se provou ser costumeira nos contratos da R., como a própria afirma no artigo 94º da sua contestação, a R. apresentou à Autora um contrato de cessão de exploração com a duração de cinco anos, renováveis por um.
3º - Impunha-se, assim, ao Mmo. Juiz analisar e valorar uma prática diferente nos contratos de cessão de exploração, como ficou provado nos autos.
4º - Como é que o Mmo Juiz interpretou ou valorou este comportamento da R.? Considerou este acréscimo ao prazo de duração do contrato, como um elemento fundamental para afastar a má fé na fase pré-negocial.
Parece assim que o Mmo Juiz confundiu os parâmetros de apreciação. É que uma coisa é a negociação do prazo do contrato, outra, bem diferente, é a questão da má fé negocial.
5º - Ora, o que resulta dos autos é que a R. alterou o prazo habitual de três para cinco anos, por três razões:
Primeiro, com o intuito de salvar o negócio;
Segundo, para atenuar as condições inicialmente propostas, mas ainda em termos tais que permitissem à R. concluir o negócio.
E por último, com a intensão de ultrapassar o seu comportamento incorrecto e ilegal, violador dos deveres pré-contratuais a que se vinculou.
A não se entender assim, apenas uma resposta resta: que a R. seja uma instituição de beneficência, que altera contratos para favorecer a contraparte, sem razão negocial aparente. Não nos parece que seja esta a razão.
6. - Não se tendo o Mmo Juiz pronunciado sobre esta questão, que devia apreciar e que poderia suscitar uma decisão diversa daquela que foi tomada, a sentença incorre na nulidade prevista no artigo 668º nº 1, alínea d) do Código de Processo Civil.
7º - Ao apresentar como fundamento para a improcedência do pedido, o facto de a R. ter proposto à A. para a cessão de exploração em causa um prazo superior ao habitualmente praticado pela R., viola também o Mmo Juiz o artigo 668º nº 1, al. c) do Código de Processo Civil.
Na realidade, e com o devido respeito, que é muito, o Mmo Juiz ao interpretar os factos em causa da forma que o fez; no sentido da pretensão da R., teve o que é denominado pela doutrina como "um vício real no raciocínio do julgador".
8º - A fundamentação de a R. ter proposto à A. um prazo superior ao que habitualmente contratava, apontava no sentido de proceder o pedido da A., e a decisão do Mmo Juiz seguiu o caminho oposto, o caminho que não poderia ter seguido com esta fundamentação.
9º - Nesse contrato (docs. 17, 18 e 19 com a. contestação), o prazo de cessão de exploração vai de Julho de 94 a Dezembro de 96! Porquê esta discrepância relativamente ao contrato proposto à A.? Sim, porque há aqui uma gritante diferença nos termos essenciais do contrato, que mais uma vez foi alheia ao Mmo. Juiz. E parece que também essa diferenças escaparam à R., que no artigo 123º da sua contestação, afirma que entregou a exploração a entidade diversa da A. , e que o fez nos precisos termos contratuais que foram recusados por esta! O que não é verdade, pois que o prazo contratado foi de dois anos (doc. nº 18, junto à contestação, a fIs. 218).
Também aqui, ao não se pronunciar sobre esta questão, violou o Mmo Juiz o disposto no artigo 668º nº 1, al. d) do CPC.
10º - Considerou o Mmo Juiz que os contratos e negociações havidos entre a A. e a R., inseridos numa fase pré-contratual, não revelaram a existência de comportamentos falhos de ética ou contrários à boa fé por parte da R.
11º - Nessa conformidade, concluiu o Mmo Juiz não ter incorrido a R. em responsabilidade na formação do contrato (artigo 227º do Código Civil).
12º - Contudo, não pode a A. concordar com o entendimento do Mmo Juiz quanto a esta matéria. Conforme foi referido no ponto II das presentes alegações, o Mmo Juiz não se pronunciou relativamente a questões sobre as quais se deveria ter pronunciado.
13º - Na realidade, a circunstância do contrato promessa de cessão de exploração proposto pela R. à A., ser no essencial (no prazo) diferente dos contratos habitualmente celebrados pela R., a ter sido objecto de análise pelo Mmo Juiz, poderia conduzir a uma decisão de diferente teor no que se refere à existência ou não de responsabilidade pré-contratual.
14º - Assim como o facto de a cessão de exploração que a R. realizou com outra entidade, em detrimento da A., revelar também uma diferença indubitável nos termos essenciais do contrato (novamente o prazo}, ao não ter sido objecto de pronúncia pelo Mmo Juiz, inquinou o juízo sobre a existência ou não de responsabilidade da R. na formação do contrato.
15º - Acrescendo às situações referidas, é firme convicção da A., que os factos provados no processo sub judice são suficientes para considerar que a R. agiu de forma ilícita e culposa na preparação e formação do contrato, causando danos graves à A..
Desta forma,
16º - O Mmo Juiz, ao considerar não provado a existência de responsabilidade na formação do contrato por parte da R., violou o artigo 227º do Código Civil.
Por outro lado,
17º - Considerou o Mmo Juiz, na douta sentença, que só o interesse negativo ou de confiança é indemnizável em sede de responsabilidade na formação do contrato.
18º - Não pode a A. concordar com essa interpretação restritiva e limitativa do preceito legal em causa (artigo 227º do CC).
Na verdade, é entendimento jurisprudencial e doutrinário que se a culpa na formação do contrato estiver na violação do dever de conclusão desse mesmo contrato, então é indemnizável o interesse positivo, ou seja, o interesse do cumprimento.
Nos presentes autos, é indiscutível que o que estava em causa era um dever de concluir um contrato, como o comprovam os elementos factuais.
19º - Ao considerar que só seria indemnizável o interesse negativo da A. , violou a douta sentença o artigo 227º do CC.
20º - Foi dado como provado, em resposta ao quesito nº 24 do douto questionário, que a A. se constituiu com o objectivo de explorar as instalações da bomba de gasolina referida nos autos.
21º - Portanto, considerou o Mmo Juiz que a finalidade que a A. teve ao constituir-se, ou seja, que as actividades comerciais e negociais desenvolvidas pela A., tinham como objectivo final a prossecução do negócio de exploração das bombas de gasolinas supracitadas.
22º - Em resposta à questão se a A. adquirira duas fracções de um imóvel, para aí instalar a sua sede e escritórios, entendeu o Mmo Juiz que não resultou provado que a aquisição das referidas fracções tivesse essa finalidade.
23º - No entanto, se a A. se constituiu, como resultou provado, com o objectivo único de explorar as instalações da bomba de gasolina referida nos autos, teria de se concluir que a aquisição das fracções do referido imóvel, só poderia ter como finalidade a instalação de infra-estruturas físicas indispensáveis para o normal funcionamento da A., e para a prossecução do objectivo para que se constituiu.
Essas estruturas são, obviamente, a sede da sociedade, e os escritórios mínimos exigíveis para o bom funcionamento da sociedade.
24º - Em face do exposto, resulta indubitavelmente, que o fim subjacente à aquisição pela A. das duas fracções referidas, teve o fim único e exclusivo de dotar a sociedade das infra-estruturas físicas indispensáveis.
25º - Tendo o Mmo Juiz considerado os quesitos nº 25 e nº 26 não provados, verifica-se a existência de uma contradição evidente na decisão sobre esses pontos da matéria de facto, em contraponto com a resposta dada ao quesito nº 24.
26º - Consequentemente, e de acordo com o disposto no nº 4 do artigo 712º do Código de Processo Civil, deve a douta sentença ser anulada, com base na contradição evidente entre a resposta dada ao quesito nº 24, e as respostas dadas aos quesitos nº 25 e nº 26.
Termos em que o presente recurso deverá merecer provimento, anulando-se a douta sentença recorrida.
A apelada contra alegou, pugnando pela manutenção de decisão recorrida. Mostram-se colhidos os vistos.
Cumpre, ora, decidir .
III - Matéria de Facto
Não obstante as observações feitas pela recorrente, nas conclusões 20ª a 25ª das alegações de recurso, relativamente à contradição que diz existir entre as respostas dadas aos quesitos 24º, 25º e 26º do questionário, este Tribunal considera assente a matéria de facto dada como provada na 1ª instância, de acordo com o disposto no art. 713º, nº 5, do Código de Processo Civil, por entender não haver lugar a qualquer alteração a efectuar a tal respeito, isto porque considera inexistente a contradição invocada pela apelante.
Na realidade, a contradição que a apelante diz existir entre as respostas dadas aos quesitos 24º, 25º e 26º do questionário, não passa de uma contradição aparente, tendo em conta o teor dos respectivos quesitos e as respostas que mereceram do Tribunal Colectivo.
Isto pelas seguintes razões:
1º Da resposta dada ao quesito 24º resultou a prova de "a A. se haver constituído com o objectivo de explorar as instalações da bomba de gasolina referida nos autos".
2º Da resposta dada aos quesitos 25º e 26º não resultou a prova de "a A. ter adquirido o imóvel referido em E 1) para aí instalar a sua sede e os seus escritórios".
Do cotejo destas respostas, constatamos que não existe contradição alguma.
É evidente que a apelante gostaria que a resposta aos quesitos 25º e 26º fosse diferente, o que é coisa distinta da eventual contradição que pudesse existir entre esta resposta e a resposta dada ao quesito 24º.
O tribunal a quo não se rege por regras de verosimilhança ou sequer de probabilidade.
Rege-se pelos meios de prova que as partes apresentam para fazer vingar as suas teses.
E, neste ponto - como em outros - a A. apelante não fez a prova de que o imóvel adquirido - constituído, aliás, por duas fracção autónomas destinadas a habitação - o tenha sido para ali instalar a sua sede e os seus escritórios.
Por isso, o Colectivo não deu como provada esta matéria.
A culpa cabe à apelante, que tinha o ónus de a provar, mas não a provou.
Não há, pois, qualquer contradição que imponha a utilização por este Tribunal do dispositivo indicado (art. 712º nº 4 do C PC), tendente a anular a decisão sobre a matéria de facto, na parte impugnada.
IV - Matéria de Facto e o Direito
Nulidade da sentença
A apelante discorda do Mmo Juiz a quo pela forma como ele interpretou os factos e os integrou no direito, para daí concluir pela nulidade da sentença recorrida.
Sem razão no entanto, como se irá demonstrar .
Os casos de nulidade da sentença são os enumerados no art. 668º do C PC, entre eles os que se relacionam com a não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, ou com os fundamentos que estejam em oposição com ela, ou quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Nada disto acontece na decisão tomada.
Como dela se constata, o Mmo Juiz a quo especificou os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, não conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento, conheceu das questões de que devia tomar conhecimento e os fundamentos da decisão não estão em oposição com ela.
O julgamento da matéria de facto que o Mmo Juiz fez, e a integração dos factos no direito, é que não são do agrado da apelante, porque não coincidem com a versão trazida ao tribunal.
"O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito", lê-se no art. 664º do citado C PC.
A haver, portanto, será erro de julgamento, e não eventuais nulidades, nos termos invocados pela apelante.
Mas terá havido erro de julgamento, como a apelante pretende?
A resposta não é simples, exigindo alguma ponderação.
Estamos em presença de questão a tratar no âmbito da responsabilidade pre-contratual.
Nisso, as partes estão de acordo, e apelam para a aplicação da norma legal que a contempla - o art. 227º do Código Civil.
Só que divergem na sua interpretação e no campo de aplicação desta norma.
Vejamos o que a tal propósito se retira das opiniões doutrinárias julgadas mais significativas e da jurisprudência dos tribunais superiores, designadamente do STJ .
As opiniões divergem em alguns pontos, concordando na generalidade, no dever de indemnizar quando a ruptura das negociações preliminares se processa, não desembocando na celebração de um negócio válido.
O conceito de responsabilidade pre-contratual ou pre-negocial, surgiu com IHERING em meados do sec. XIX, quando este jurista alemão defendeu que perante anomalias ocorridas na formação dos contratos que conduzissem à sua nulidade, poderiam ocorrer danos cujo não-ressarcimento seria injusto.
Perante tal situação, por via das regras gerais sobre danos e culpa, o responsável deveria indemnizar o prejudicado, pelo interesse contratual negativo, colocando-o na situação em que ele se encontraria se nunca tivesse havido negociações e contrato nulo.
A formulação desta teoria conheceu um desenvolvimento notável a nível de toda a Europa, com especial destaque para a jurisprudência alemã e pode considerar-se plenamente consolidada nos nossos dias, embora com as nuances dos diversos ordenamentos jurídicos nacionais, designadamente o português, como adiante se verá.
A culpa in contrahendo desempenha hoje um papel de relevo, quer pelas necessidades que veio satisfazer, quer pelos interesses que veio contemplar.
E um dos papéis que a culpa in contrahendo veio despenhar foi o estabelecimento de um dever de segurança nas negociações do contrato, para que ninguém saísse prejudicado com a sua não concretização.
Para além deste dever de segurança, na fase pre-contratual, outros deveres se perfilam como tanto ou mais importantes: o dever de informação e o dever de lealdade pre-contratuais, traduzidos, um e outro, na obrigação de os pre-contratantes não agirem com reserva mental, deixando de prestar toda a informação necessária à concretização do negócio, ocultando elementos importantes para o encontro de vontades, ou adoptando comportamentos desviantes em relação ao resultado final, quer assumindo atitudes que possam induzir em erro ou dificultar a apreensão do sentido do negócio, em suma, que possam causar danos injustificados à outra parte.
A actuação de ambas as partes nos preliminares do negócio deve ser segura, leal, informativa, confiante, atendendo às circunstâncias concretas do negócio e à qualidade dos seus intervenientes.
A tal propósito, fala-se em "tutela da confiança" e "primazia da materialidade subjacente", para concluir que, na fase da preparação dos contratos "as partes não devem suscitar situações de confiança que depois venham a frustrar ou, fazendo apelo ao direito de negociar livremente, permitirem actuações concretas, pelas quais não se julgam responsáveis".
Como escreve o Prof. Menezes Cordeiro(1), estudos que seguimos de perto, "a presença, através da boa fé, dos valores profundos do ordenamento, na fase negocial preparatória, faculta à culpa in contrahendo horizontes alargados, que apenas aos poucos tem vindo a ser isolados pela doutrina".
"In contrahendo, ocorre uma especial proximidade entre as partes, que as coloca à mercê uma da outra. Em tais condições, compreende-se que surjam deveres de segurança (física e patrimonial), de lealdade (incluindo o sigilo e a não concorrência) e de informação (completa e verídica)". A boa fé e o sistema a tanto conduzem.(2)
Estamos num momento de viragem histórica, num mundo em que se fala constantemente em globalização da economia e em que cada vez mais se justifica a aplicação de normas que defendam os mais fracos, frente ao poderio económico dos grandes grupos que, utilizando as mais modernas técnicas de marketing, os meios de comunicação social, com especial destaque para a televisão, isto para não falar dos negócios que se estão a estabelecer via Internet, em que as partes contratantes se conhecem apenas pelos respectivos saldos das contas bancárias, num mundo globalizado, dizíamos, há que ter redobrados cuidados na aplicação das normas vigentes, não fazendo delas interpretação extensiva, sem regras, mas não as restringindo, ao ponto de permitir os maiores desmandos, a coberto de total impunidade.
Falamos de negócios cada vez mais complexos e difíceis, em que a fase pre-negocial se reveste de carácter decisivo na concretização; de negócios que envolvem verbas astronómicas, processos de engenharia financeira, como hoje é corrente dizer-se; negociações que exigem grande disponibilidade de tempo e de recursos financeiros que, se para uns, o dinheiro não conte, para outros, de modestos recursos, pode representar a ruína total.
As negociações preliminares revestem-se, sempre, mas hoje com maior acuidade, de capital importância para os intervenientes no negócio, cujo interesse, estando de boa fé, é o da sua concretização final.
(1) Cf. Prof. Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, Vol. I - Almedina 1984, 582 e segs. e Tratado de Direito Civil Português, Parte Geral Tomo I, 331 e segs..
(2) Cf. Ac. do TRL de 18.01.90, CJ XV, Tomo I, 144-146; Prof. Menezes Cordeiro, Ob. Cit. pag.
E tão importantes são, que o legislador lhes atribuiu dignidade legal, ao ponto de proteger os intervenientes contra os eventuais riscos da não concretização do negócio, respeitando, embora, a liberdade de não contratar, liberdade que não pode colidir com a obrigação de indemnizar os interveniente de boa fé, que tenham sido prejudicados com a desistência do negócio.
Ora, a boa fé que o legislador refere no art. 227º citado, não é mais que um conceito a preencher com outros elementos de onde ela se pode (deve) extrair: a segurança, a informação correcta, a lealdade.
É ao julgador, em presença de situações objectivas, que compete apreciar a conduta de cada uma das partes, na fase preliminar do negócio, e decidir em conformidade.
As realidades da vida serão as grandes orientadoras das decisões a tomar .
O julgador não pode estar alheio a essas realidades, se quiser ser equilibrado e justo.
Agressividade negocial, as técnicas de venda (marketing), o uso indiscriminado dos meios de comunicação social, com especial destaque para a TV, e agora a INTERNET, insiste-se, são meios poderosos de convencimento que, mal utilizados ou orientados, podem causar graves prejuízos ao cidadão menos experiente.
Foi por isso que o legislador nacional, em boa hora, resolveu tomar posição, defendendo a parte mais fraca, dos constantes abusos dos grandes e poderosos grupos económicos, e criando, por exemplo, legislação adequada à declaração de nulidade de clausulas contratuais abusivas e outras (Dec. Lei nº 446/85, de 25/10 e Lei nº 24/96, de 31/7).
Foi com base na extensão do princípio da boa fé negocial a todas as situações que se relacionem com a formação dos contratos, que o legislador tomou especiais cautelas.
A este propósito, citamos o Ac. do STJ, de 5/2/81 - Autos de Revista nº 69021, sob recurso do Ac. do TRP, de 26/2/80, publicado na CJ; Ano V - 1980 - Tomo 1, 58 e segs., anotado pelo Prof. Almeida Costa.
Aí se decidiu:
I - O dever de os negociadores agirem de boa fé, expressamente previsto no art. 227º, nº 1 do Código Civil, vigora tanto para os contratos consensuais como para os contratos formais. II - Viola esse imperativo da lei a conduta que traduza uma reprovável falta de consideração pelos legítimos interesse da outra parte. III...
IV - A indemnização abrange os danos emergentes e os lucros cessantes sofridos pelos lesados em consequência das negociações decorridas e da sua ruptura, devendo ser liquidados em execução de sentença nos termos do art. 661º nº 2 do CPC, aqueles cujo quantitativo não se encontre ainda determinado".
Foi a propósito deste acórdão, que o Prof. Almeida Costa teceu judiciosas considerações sobre a culpa in contrahendo, aplaudindo a decisão tomada, confirmatória do Ac. do TRP que, por sua vez, revogara a decisão da 1º instância, que julgou improcedente o pedido, baseada em que o art. 227º do CC não se aplicava aos negócios formais, em que as partes tinham firmado, nas negociações, um contrato promessa, nulo por falta de forma.
O Tribunal da Relação assim não entendeu, e o Supremo confirmou o Ac. da Relação, decisão que o Prof. Almeida Costa aplaudiu, e que o levou a ir mais longe na sua anotação.(3)
Escreveu então o Ilustre Prof. "Sabe-se que o direito moderno vem operando a superação da rigidez dos tradicionais postulados individualistas e voluntaristas, com uma consequência do relevo atribuído ao interesse público e colectivo, de tal modo que o instituto da responsabilidade civil se tem deslocado de um entendimento subjectivista para concepções de marcada índole objectiva: ou admitindo que se responda sem culpa; ou mercê de uma evolução verificada na própria esfera desta, quanto ao critério da sua determinação, ónus da prova, etc.... Apura-se em suma a revisão dos aspectos essenciais da responsabilidade civil, ao lado de um enorme incremento das situações geradoras de danos indemnizáveis. Ambos os aspectos decorrem da consciência ético-jurídica de nossos dias, colocada em face da dinâmica característica da realidade contemporânea. É neste quadro que surge o tema da protecção da confiança dos contratantes durante as negociações e da sua recíproca subordinação ao princípio da boa fé. Trata-se da responsabilidade na formação dos negócios jurídicos".
Vemos assim, que o pensamento deste Ilustre Prof. gira à volta da responsabilidade que os negociadores devem assumir ao longo das negociações, tendentes à formação do contrato, visão que não é alheia às novas correntes jurisprudenciais e doutrinárias, quanto à apreciação das chamadas relações pre-contratuais ou pre-negociais.
E identifica algumas características de tal responsabilidade, apontando alguns deveres dos negociadores, como sejam, "comunicar ao outro uma causa de invalidade do negócio, não adoptar uma posição de reticência perante o erro em que a parte lavre, evitar a divergência entre a vontade e a declaração, abster-se de propostas de contratos nulos, por impossibilidade do objecto".
A nossa lei consagra, ainda, a fórmula clássica de "culpa na formação dos contratos" (art. 227º CC), visando proteger a confiança depositada por cada uma das partes na boa fé da outra, e consequentes expectativas que esta lhe cria durante as negociações.
(3) Cf. Prof. Almeida Costa, Responsabilidade Civil pela Ruptura das Negociações Preparatórias de Um Contrato, Coimbra Editora, 1994 - 23 e segs..
Almeida Costa distingue três grupos básicos de factos constitutivos de responsabilidade pre-negocial:
1) Ausência ou não conclusão de um contrato, cujas negociações se iniciaram;
2) Celebração de um contrato ferido de invalidade ou ineficácia;
3) Conclusão de um contrato válido e eficaz, em que surgiram, das respectivas negociações, danos a indemnizar .
Centremo-nos na característica hipótese da responsabilidade pre-contratual fundada na ruptura das negociações, aquela que agora directamente mais nos interessa, referida como constituindo modernamente uma figura generalizada, com franco acolhimento da doutrina e da jurisprudência de vários países, designadamente o nosso, a que lei fornece arrimo no nº 1 do art. 227º do Código Civil.
Cunha Gonçalves tinha uma posição muito curiosa a este respeito, que o Prof. Almeida Costa não deixou de trazer à colação no estudo que vimos citando: "Não havendo contrato, é claro que não pode haver a chamada responsabilidade pre-contratual, no caso das rupturas das negociações, ainda que uma das partes estivesse convencida de que o contrato se realizaria, nem cabe distinguir entre ruptura arbitraria e ruptura por motivo legitimo (...) pois o que a uma das partes parece arbitrário pode à outra parte parecer legítimo, e para isto basta que esta alegue não lhe convir o negocio".(4)
Esta visão, desfasada da realidade actual, era temperada pela admissão de que essa responsabilidade pudesse ter lugar "quando a pessoa que rompeu as negociações houvesse procedido com culpa ou deslealdade, por exemplo, deixando à outra parte fazer importantes despesas e trabalhos, quando não tinha uma séria intenção de negociar com esta, ou tinha aceitado ou aceitou depois ofertas de concorrentes, aproveitando dos estudos e trabalhos de quem ficou logrado na sua expectativa".
Esta visão, mesmo assim, parece "assentar, que nem uma luva", ao caso sub judicio, como adiante se verá.
Também o Prof. Vaz Serra, este no âmbito dos trabalhos preparatórios do Código Civil vigente, abriu caminho, entre nós, à consagração moderna do instituto, ao preconizar uma "solução cercada de cautela, para não limitar a liberdade de rotura de negociações além do que parece razoável", preocupação que o saudoso Prof. Mota Pinto iria buscar à teoria do abuso de direito, fazendo com que a doutrina portuguesa se mostrasse verdadeiramente receptiva o problema e à sua compreensão actualizada.
(4) Cf. Prof. Almeida Costa, Ob. Cit., 23 e segs..
Concentrando a sua atenção na responsabilidade pre-contratual por ruptura das negociações preparatórias, Almeida Costa refere que "no meio industrializado e tecnológico contemporâneo, são de facto e cada vez mais frequentes os negócios em que os respectivos preliminares se alongam e pormenorizam. Tal resulta, quer da importância e complexidade crescentes dos bens e serviços, assim como dos valores e esquemas financeiros envolvidos no comércio jurídico, quer dos mecanismos através dos quais este se realiza. O desenvolvimento da publicidade, da mercadologia (marketing) e dos meios de comunicação social, ao mesmo tempo que produziu a ampliação do âmbito dos contratantes potenciais, tornou necessária um a progressão mais ou menos demorada das negociações anteriores ao acordo definitivo.
Daí a frequência sempre maior dos contratos antecedidos de um processo genético, que se inicia aos primeiros contactos das partes com o objectivo da realização de um negócio e se prolonga até ao momento da sua efectiva celebração".
Necessidade de segurança sentida pelos negociadores, que exige um controlo jurídico que garanta as suas posições negociais, questão que se coloca quanto aos actos pre-negociais, quando destituídos de qualquer garantia contratual específica, como bem se compreenderá, refere aquele Professor.
Almeida Costa, tal como outros autores, distingue duas fases essenciais na formação do contrato: a fase negociatória, incluindo esta os actos preparatórios realizados sem marcada intenção vinculante, desde os primeiros contactos das partes até à formação de uma proposta contratual definitiva, e a fase decisória, constituída por duas declarações de vontade vinculativas, a proposta e a sua aceitação".
A própria lei - art. 227º - traduz essa dicotomia: refere-se sucessivamente á observância das regras da boa fé, tanto nos preliminares (fase negociatória) como na formação do contrato (fase decisória).
Pode um dos contraentes abandonar as negociações preliminares em qualquer momento e sem motivo justificado? Surge, nessa hipótese, alguma obrigação de indemnizar a contraparte?
As respostas não oferecem dúvidas: pode em alguns casos haver lugar a indemnizações pelos danos decorrentes da ruptura das negociações, mesmo tendo em conta a liberdade de não contratar, a liberdade de ruptura.
As negociações preliminares desempenharão tanto melhor o seu papel quanto mais as partes permanecerem livres para realizar ou não o contrato e para a modelação do correspondente conteúdo.
Pelo contrário, o interesse do contratante em face do qual a ruptura se produza, consiste em que seja poupado a actividades desnecessárias e a dispêndios inúteis.
Exacto se afigura o critério que, por um lado, não implique uma demasiada restrição à capacidade deliberativa das partes e que, por outro, garanta um mínimo equilibrado de certeza e segurança nas negociações, sempre tendo em conta que, se aquele que rompe as negociações não provoca prejuízos à contraparte, não pode por eles ser responsabilizado, ou se, ainda que haja prejuízo, falta outro dos pressupostos do ilícito civil, ou seja, o nexo de causalidade entre o dano e o facto ilícito praticado.
Portanto, para que haja responsabilidade pre-contratual é necessário que: a) - existam efectivas negociações e que elas tenham permitido ao contratante em relação ao qual se realiza a sua interrupção formar uma razoável base de confiança; b) - que a ruptura das negociações seja ilegítima.
Impõe-se, assim, um rigoroso juízo quanto à identificação dos actos que devam considerar-se autênticas negociações, distinguindo actos preliminares do negócio, daqueles que o não são, verdadeiramente.
Através da responsabilidade pre-contratual, o que directamente se tutela é a confiança reciproca de cada uma das partes, em que a outra conduza as negociações num plano de probidade, lealdade e seriedade de propósitos, podendo chegar-se à formação de uma legítima expectativa da conclusão de um contrato válido e eficaz, e da consequente obtenção futura dos proveitos ao mesmo ligados.
São a legítima confiança e lealdade negociatórias que estão na base da boa fé negocial e que podem conduzir a uma indemnização pelos prejuízos causados à parte que tenha actuado lealmente.
Mas não basta uma confiança configurada como um simples estado psicológico ou convicção, com puras raízes subjectivas, salienta Almeida Costa.
Torna-se necessário proceder a uma apreciação casuística das situações, socorrendo-se o julgador de todos os elementos disponíveis, e para o efeito relevantes, como "a duração e o adiantamento das negociações, a natureza e o objecto do negócio, os valores nele envolvidos, a qualidade dos contratantes e a sua conduta".
Julgamos ter deixado explanado o pensamento de dois doutrinadores, importantes em relação ao tema da culpa in contrahendo, que vimos analisando.
É chegado o momento de aplicar a teoria à prática, da doutrina apontada, ao caso sub judicio.
E aqui, relevam os factos dados como assentes. É neles que irá encontrar-se arrimo para as teses em confronto.
Vejamos, então.
No ano de 1991 a firma (Q) e a R., estabeleceram negociações para a instalação de um posto de abastecimento de gasolina em Faro, cedendo-lhe a R. a exploração do dito posto, tendo a primeira requerido à CM Faro informação sobre a viabilidade da construção de uma bomba de gasolina no terreno designado por (C), na Av. (X) - Faro, que pretendia adquirir.
Foi respondido pela Câmara que parte dos terrenos são propriedade da Câmara, mas que é viável a instalação de uma bomba de gasolina, emitindo parecer favorável à pretensão, devendo ser apresentado estudo de ocupação da zona.
Em Agosto de 1991 a sociedade (Q) cedeu à A. os interesses negociais do dito posto de gasolina, bem como as suas obrigações quanto aos mesmos, o que foi comunicado à Ré e à Câmara Municipal de Faro, prosseguindo a A. as negociações em curso, que se prolongaram até 3 de Maio de 1994, altura em que as negociações se romperam, apenas por haver divergência quanto ao prazo de exploração da concessão.
A A. pretendia um prazo de 10 anos. A Ré contrapôs um prazo de 5 anos.
Foi esta a razão da ruptura das negociações, pelo menos a que resultou provada.
A quem cabe, então, a culpa na ruptura das negociações preliminares do negócio?
Aplicando a doutrina que acima se expôs, aos factos provados, não restam dúvidas de que a Ré não negociou de boa fé com a A..
E não negociou, porque não lhe prestou toda a informação, durante o tempo decorrido na fase pre-contratual (mais de 3 anos!), de modo a que a A. pudesse ficar a saber qual seria o prazo que a Ré admitiria como aceitável para a cedência da exploração do posto de gasolina, à A.
Este dever de informação e de lealdade nos preliminares do negócio não foi respeitado pela Ré, levando a que a A. não aceitasse as condições impostas, com as quais se viu confrontada, depois de cerca de três anos de negociações e gastos feitos com o negócio.
É de notar, como acima se referiu, que a A. é a parte mais fraca no negócio, confrontada com uma multinacional poderosa e com grande experiência neste tipo de negócios.
O facto de a A. não ter feito a prova de que o negócio seria concretizado pelo período de 10 anos, e que os terrenos reverteriam para si após 25 anos, não desculpabiliza a Ré pela não realização do negócio.
A esta impunha-se a obrigação, como parte mais forte e experiente no negócio - a Ré é uma multinacional, cuja actividade se prende com negócios deste tipo, combustíveis e negócios afins - de informar com clareza a A. - sociedade formada exclusivamente com o fim de explorara a concessão do posto de abastecimento de combustíveis de Faro, sem experiência no negocio - do período de tempo da concessão e de todos as demais condições do negócio, para que esta decidisse se queria ou não prosseguir com as negociações.
Se o fez, tal não resultou provado. O que apenas resultou provado foi o prazo que era normal a Ré adoptar nestes casos - 3 anos. Mas nem sequer foi alegado e provado que a A. conhecia esta pratica da Ré, alegação e prova que a esta competia, para afastar a ideia de que ocultou à A. um facto de primordial importância para esta: o prazo da concessão.
Permitiu, portanto, o arrastar das negociações, que a A. fizesse investimentos e efectuasses despesas - embora a maior parte delas tivesse sido suportada pela Ré, como resultou provado - para finalmente confrontar a A. com prazos que não eram do seu agrado.
A razão foi esta, mas poderia ser outra qualquer ou muito simplesmente coisa nenhuma: A Ré não quis realmente contratar com a A., vindo a fazê-lo mais tarde com outra sociedade e apenas pelo período de dois anos.
Convenhamos, a Ré não é lá muito segura quanto a prazos.
E, neste ponto, tem pleno cabimento as observações de Cunha Gonçalves, a que acima fizemos referência: a Ré deixou de negociar com a A., para negociar com outra sociedade, aproveitando o trabalho anteriormente por esta desenvolvido, e do qual a A. não veio a beneficiar. Muito pelo contrário.
A Ré apelada é, assim, responsável pela ruptura das negociações, inviabilizando um negócio, que tudo indicava dever chegar a bom termo.
A ruptura das negociações resultou da violação do dever de informação, por parte da Ré para com a A., permitindo que esta iniciasse negociações de diversa ordem, e que não chegaram a bom termo, tal como consta dos factos provados.
A boa fé pre-contratual, consubstanciada nos deveres de segurança, informação e lealdade, fol violada culposamente pela Ré. Deve responder pelos prejuízos causados à A..
O facto de resultar provado que a Ré fazia contratos, normalmente, pelo período de 3 anos, não implica que, em outras circunstâncias, os não pudesse efectuar por prazos diferentes, como se veio a constatar, o que estava dentro da liberdade negocial das partes.
Dos Danos lndemnizáveis
A questão dos danos indemnizáveis tem sido objecto de divergência jurisprudencial e doutrinal.
É a vexata quaestio da responsabilidade pelo ressarcimento dos danos, a propósito da culpa in contrahendo.
Convergem, no entanto, doutrina e jurisprudência, em um ponto: o de se estar em presença de uma responsabilidade obrigacional. A indemnização abrangerá danos emergentes e lucros cessantes.
Vejamos as duas correntes doutrinárias mais salientes na matéria, consubstanciadas, por um lado, na posição do Prof. Menezes Cordeiro, e por outro, na posição do Prof. Almeida Costa.
Escreve Menezes Cordeiro, que "na sequência da tradição de IHERING, algumas doutrina e jurisprudência tem procurado limitar a indemnização a arbitrar por culpa in contrahendo, ao chamado interesse negativo: o dano a considerar não se identificaria com o ganho que derivaria do contrato - interesse positivo - mas apenas com as despesas e as perdas provocadas pelas negociações malogradas".
E acrescenta o Ilustre Professor: "Esta construção tem dogmaticamente subjacente a ideia de que na culpa in contrahendo se violaria um hipotético contrato pre-contratual. A determinação do âmbito da indemnização deve fazer-se de acordo com as regras próprias da causalidade normativa, e em especial: perguntando quais os bens protegidos pela boa fé violada".
"Tratando-se da confiança, teremos de ver o âmbito desta, designadamente, ponderando o círculo do investimento da confiança. Se por via da confiança suscitada, uma parte perdeu uma ocasião de negócio, a indemnização deve abranger o dano positivo".
"Em suma: a tarefa da determinação da indemnização não deve ser solucionada conceptualmente com base na culpa in contrahendo: antes há que ponderar as regras gerais da responsabilidade civil".
Para este Jurista, na esteira aliás do Prof. Ruy de Albuquerque, "o prevaricador responde por todos os danos causados, nos termos gerais, tendo em conta, segundo a causalidade adequada, os lucros cessantes. Em jogo estão os arts. 562º e ss. do Código Civil".(5)
Para o não menos Ilustre Prof. Almeida Costa, acompanhado por grande parte da doutrina, a questão coloca-se de maneira um pouco diferente: há que estabelecer, em matéria de
(5) Cf. Menezes Cordeiro, Ob. Cit. da Boa Fé no Direito Civil, pág. 585.
obrigação de indemnização, entre o interesse negativo ou da confiança e o interesse positivo ou do cumprimento.(6)
Assim, será ressarcível, apenas o dano negativo, conexionado com a violação dos princípios orientadores da boa fé negocial, e já não o dano positivo, este relacionado com o cumprimento do contrato propriamente dito.
Concordamos com esta última orientação, seguida, aliás, pela maioria da jurisprudência dos Tribunais Superiores, e pela decisão recorrida.
É que, embora a norma em apreço, do art. 227º do CC, não distinga entre danos positivos e negativos, ela distingue as duas fases da formação dos contratos e, como tal, também os danos a ressarcir deverão corresponder às duas fases em que a formação do contrato se desdobra.(7)
Compreende-se, portanto, que a cada fase correspondam danos diferenciados.(8)
Os contraentes estão obrigados, tanto na celebração dos contratos, como nos seus preliminares, ao princípio da boa fé, tendo direito a ser indemnizados dos danos que venham a sofrer, por culpa da outra parte.
É este principio genérico que deve presidir á realização contratual, nela reflectindo a confiança que as partes mutuamente se depositaram, exigência que, a não ser respeitada, pode provocar graves danos à parte defraudada, que terão de ser indemnizados.
Mas, para que possam ser ressarcidos danos, é necessário que eles existam e que a defraudada os invoque, relacionados com as negociações frustradas na conclusão do contrato.
Este Tribunal não pode "inventar danos" onde eles não existem.
Aliás, resulta mesmo dos factos assentes, que a Ré satisfez as despesas inerentes ao projecto e seu desenvolvimento, e deu à Câmara Municipal de Faro as contrapartidas por ela exigidas.
(6) Cf. Prof. Almeida Costa, Ob. Cit., 73 e segs..
(7) Cf. Acs. do STJ, de 03/10/89, pag. da Web 1 de 1; de 09/02/93, BMJ 424º - 607; de 11/11/97, pag. da Web 1 de 1; de 09/07/98, pág. da Web 1 de 4; de 12/10/99, pag. da Web 1 de 1; de 14.03.2000, Rev. 1142/00-6º Sec.- Web 1 de 1; da Relação de Lisboa, de 12/05/92 e de 29/10/96, Web 1 de 1; da Rel. Porto, de 14.06.93, Web 1 de 2 e de 17.01.2000, Web 1 de 1; da Rel. Coimbra, de 13.02.91, CJ AnoXVI - Tomo - I - 1991, 71; da Rel. Évora, de 11.11.99, CJ Ano XXIV - Tomo V -1999,262. Com posição contrária, cf. Ac. do TRL, de 29/10/98, in CJ AnoXXIII; Tomo-IV-1998, pag. 132.
(8) A. Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 5ª Ed. Revista e Act., Almedina - 1986, pag. 260 e segs.; Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. lI, 2ª ed. 1996,216 e 217; Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. I, Lex - Lisboa 1999 - 237 e segs.; Prof. Galvão Telles, Direito das Obrigações, 3ª Ed. CEd., 57-58.
Tanto a doutrina como a jurisprudência, salvo raras e honrosas excepções, a que não são alheias as teorias dos Prof. e Ruy Albuquerque e Menezes Cordeiro, confluem no sentido de dever ser indemnizado o dano negativo, incluindo os lucros cessantes com ele relacionados, mas não o positivo, como se o contrato tivesse sido, realmente, celebrado.
A A. invoca grandes prejuízos positivos (lucros cessantes relacionados com o cumprimento do contrato e não com os preliminares do mesmo).
Mas, como dano negativo, a apelante invoca, apenas, a compra de duas fracções, em regime de propriedade horizontal, onde afirma ter instalado a sua sede.
O dano positivo, como já salientámos, é um dano de cumprimento do contrato.
Trata-se de prejuízos eventuais, que só o futuro poderia, ou não, confirmar, e que uma condenação da Ré no seu pagamento antecipado, constituiria uma solução que a lei não contempla - ou de forma duvidosa o faz - que se poderia revelar de uma injustiça flagrante, face a todas as condicionantes contratuais.
Este Tribunal não defende essa posição, nem preconiza a sua aplicação no caso concreto, por entender que uma condenação deste tipo abriria caminho a uma justiça alienatória, feita à distância, jogando com premissas infundadas, o que ofenderia a lei ordinária e mesmo os próprios princípios constitucionais,
Entendemos que o legislador deixou a porta demasiado aberta, com a redacção do art. 227º do CC, no que a este respeito concerne, o que levado ao exagero, pode constituir grave entrave ao livre exercício do comércio jurídico, em violação da própria liberdade de contratar.
Talvez uma reformulação do preceito, que não deixasse dúvidas quanto ao tipo de danos a indemnizar, se impusesse, de molde que as partes contratantes soubessem, de antemão, aquilo que as esperava, no caso de as negociações do contrato se gorarem.
Enquanto tal não acontecer, o avançarmos para uma indemnização total dos danos, como se o contrato não celebrado, o fosse na realidade, seria contrariar o não menos importante princípio da liberdade negocial, do direito de celebrar ou não celebrar o contrato, colocando sobre a cabeça do causador da ruptura, qual espada de Dâmocles, que sempre o obrigaria a contratar, com o receio de vir a ter que suportar eventuais prejuízos inerentes à não celebração do contrato.
Afigura-se-nos pouco razoável esta atitude, causadora não só de uma injustiça relativa, como também de grande insegurança no comércio jurídico, precisamente a insegurança que se pretendia evitar com os termos da disposição citada no art. 227º do CC.
Daí o considerarmos, como de facto consideramos, que a decisão recorrida, embora menos correcta do ponto de vista formal e quanto aos seus fundamentos, esteja correcta quanto ao juízo que faz, a final, das indemnizações pretendidas pela apelante, relacionadas apenas com o ressarcimento do dano negativo.
Quanto a esta espécie de dano, como acima se referiu, relacionado com os gastos efectuados, pela apelante, com a compra das fracções adquiridas para a sua sede, ele não resultou provado.
Na verdade, o que resultou provado foi apenas e tão só que a A., ora apelante, se constituiu com o objectivo de explorar as instalações objecto do negócio.
Perguntado se a A. adquiriu o imóvel (duas fracções) para aí instalar a sua sede, o Tribunal Colectivo respondeu negativamente.
Não existindo nexo de causalidade entre a compra e as negociações em curso, não pode haver responsabilidade da Ré apelada em, por esse facto, indemnizar a apelante.
V - Decisão
Perante o exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, embora por razões e com fundamentos distintos da sentença em análise, razão pela qual a mesma vai confirmada.
Custas pela apelante, tendo-se em conta o beneficio do apoio judiciário.
Lisboa, 03 de Julho de 2001
Sr. Dr. Rua Dias