Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRL00024699 | ||
Relator: | MARGARIDA BLASCO | ||
Descritores: | SUCESSÃO DE LEIS NO TEMPO PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL CHEQUE SEM PROVISÃO VALOR ELEVADO VALOR CONSIDERAVELMENTE ELEVADO | ||
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Nº do Documento: | RL199905250081725 | ||
Data do Acordão: | 05/25/1999 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL. | ||
Decisão: | PROVIDO. | ||
Área Temática: | DIR CRIM - TEORIA GERAL. | ||
Legislação Nacional: | DL 454/91 DE 1991/12/28 ART11 N1 A. CP82 ART313 ART314 A C. DL 48/95 DE 1995/03/15. CP95 ART202 A B ART217 N1 ART218 N1 ART317 N2 A B C. DL 316/97 DE 1997/11/19. DL 212/89 DE 1989/06/30. DL 14-C/91 DE 1991/01/09. | ||
Jurisprudência Nacional: | ASS STJ DE 1989/02/15 IN DR IS 1989/03/17. | ||
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Sumário: | Em caso de sucessão de leis penais no tempo, o interprete deve proceder à comparação global dos regimes aplicáveis e optar pelo mais favorável ao agente. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência na Secção Criminal (5ª.) do Tribunal da Relação de Lisboa: 1. 1.1. O Magistrado do Ministério Público deduziu, em 30/11/94, acusação em processo comum com intervenção do tribunal singular contra o arguido A., pela prática de dois crimes de emissão de cheque sem provisão p. e p. pelas disposições conjugadas do artigo 11º, nº.1, al. a) do Dec.-Lei nº. 454/91, de 28/12 e dos arts. 26º e 314º, al. c) do C. Penal “ex vi” arts. 28º e 29º da L.U.C., imputando-lhe a prática dos seguintes factos: Com a data de 14 e 21 de Junho de 1993 o arguido preencheu, assinou e entregou ao ofendido os cheques constantes de fls. 3 e, aqui reproduzidos para todos os efeitos, os quais foram emitidos sobre a correspondente conta bancária, existente numa dependência do Banco de Comércio e Indústria. Tais cheques, têm o valor facial de, respectivamente, Esc. 664.406$00 e 659.898$00 e destinavam-se ao pagamento de uma dívida de trato comercial pela qual o arguido é responsável. Apresentados tempestivamente a desconto numa dependência bancária desta Comarca, foi o pagamento de tais cheques recusado e, em consequência, foram estes devolvidos ao ofendido, pelos motivos exarados nos referidos documentos e, aqui dados como reproduzidos, para todos os efeitos. Ao emitir e abrir mão dos citados cheques, introduzindo-os na circulação fiduciária, bem sabia o arguido que na respectiva conta bancária não dispunha de fundos suficientes para garantir o pagamento das quantias neles tituladas. Em consequência, o arguido causou ao ofendido, um prejuízo de valor idêntico às ordens de pagamento tituladas pelos cheques constantes dos autos, a que acrescem juros de mora à taxa legal. Bem sabia o arguido que tal conduta não lhe era permitida, tendo emitido tais documentos, livre e conscientemente. Com este comportamento, o arguido cometeu em autoria material e sob a forma consumada, dois crimes de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelas disposições conjugadas do art. 11º, nº.1, al. a) do Dec.-Lei nº.454/91, de 28 de Dezembro e dos arts. 26º e 314º, al. c) do Código Penal “ex vi” arts. 28º e 29º da L.U.C.. 1.2. Distribuídos os autos ao 5º. Juízo Criminal do Tribunal Criminal da Comarca de Lisboa, o Meritíssimo Juiz recebeu a acusação nos seus precisos termos e designou dia para julgamento. 1.3. Depois de efectuadas várias diligências, o Magistrado do Mº. Pº. promoveu que se desse cumprimento ao preceituado no art. 335º do C.P.P. 1.4. A Meritíssima Juiz proferiu então o seguinte despacho datado de 29.6.98: Atenta a nova redacção introduzida pelo Dec.-Lei 316/97, de 19/11 ao Dec.-Lei 454/91, de 28/12, designadamente ao art. 11º ao crime de emissão de cheque sem provisão só pode ser aplicada pena de prisão até cinco anos. Os factos a que se reportam os presentes autos ocorreram em 14 e 21 de Junho de 93, sendo imputada ao arguido a prática de dois crimes de emissão de cheque sem provisão, verifica-se que já decorreram mais de cinco anos sobre a sua prática. Por força do disposto no art. 117º, nº.1, al. c) do Código Penal de 1982, não excedendo o limite máximo da pena abstracta de prisão de cinco anos forçoso é concluir-se que o procedimento criminal dos presentes autos se mostra prescrito atento a que entretanto não ocorreu qualquer causa de interrupção ou suspensão da prescrição. Em obediência ao disposto no art. 2º, nº.4 do Código Penal de 1995, aplica-se o regime do Código Penal de 1982 por ser em concreto o mais favorável ao arguido pois leva à extinção do procedimento criminal. Nestes termos julgo extinto o procedimento criminal dos presentes autos e em consequência determino o seu arquivamento. Notifique. 1.5. Inconformada com este despacho, recorreu a Magistrada do Ministério Público, apresentando, na sua motivação, as seguintes conclusões: 1 - O crime de emissão de cheque sem provisão relativo a cheques nos valores de 664.406$00 e 659.898$00, do ano de 1993, é punível com pena de prisão até 5 anos, face à redacção introduzida pelo Dec.-Lei nº.316/97, de 19 de Novembro ao Dec.-Lei nº.454/91, de 28 de Dezembro (art. 11º, nºs. 1 e 2), aplicável por ser mais favorável ao arguido (art. 2º, nº.4 do Código Penal), em virtude de ser de valor elevado. 2 - Tal moldura penal encontra-se prevista a abrangida pela alínea b) do art. 117º, nº.1, do Código Penal de 1982 e não pela alínea c) do mesmo preceito legal, contrariamente ao referido na decisão recorrida. 3 - A referência feita, na parte final da alínea c) do art. 117º do Código Penal de 1982, a um limite que não exceda os 5 anos de prisão, deve entender-se como um mero lapso de escrita, quando conjugado com o teor do preceituado na alínea b), que inclui expressamente, sem margem para dúvidas, os crimes puníveis com pena de prisão até 5 anos. 4 - A decisão recorrida, ao considerar como correspondente ao crime em apreço o prazo de prescrição de 5 anos violou o preceituado na alínea b) do nº.1 do art. 117º do Código Penal de 1982, actual art. 118º, nº.1, al. b) do Código Penal de 1995. 5 - Pelo exposto, sendo o prazo de prescrição de 10 anos e não de 5 anos e os factos de Junho de 1993, o procedimento criminal não se mostra extinto por prescrição. 6 - Termos em que a decisão recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos. 1.6. O recurso foi admitido e atribuído o efeito legal. 1.7. Notificado o recorrido, na pessoa do seu mandatário legal, nada veio dizer. 1.8. A Meritíssima Juiz sustentou a sua decisão, desenvolvendo o seu raciocínio no mesmo sentido da prescrição do procedimento criminal e transcreve-se: “Mantenho o despacho por entender que nenhum agravo foi feito ao recorrente. Referindo-se apenas as seguintes considerações: Como referido no despacho recorrido a moldura abstracta da pena aplicada ao crime de emissão de cheque sem provisão já não pode em qualquer caso ser superior a cinco anos, e nesta parte o Digno recorrente demonstra estar de acordo nas suas doutas alegações. O fundamento da discordância do recorrente situa-se apenas na interpretação das alíneas do nº.1 do art. 117º do C. Penal na redacção de 1982. Efectivamente o legislador fez constar tanto da al. b) como da al. c) as penas de prisão de limite máximo até cinco anos (al. c)) ou igual a cinco anos (al. b)) atribuindo-lhe prazos de prescrição diferentes - de cinco anos e dez anos, respectivamente. Pode entender-se que tenha havido lapso, mas não que o legislador tenha querido simplesmente seguir o critério usado relativamente às penas de limite máximo igual ou superior a um ano, como resulta das alíneas c) e d) neste caso claramente. É que relativamente às penas de limite máximo superior a dez anos o critério utilizado pelo legislador já foi inequivocamente diverso, afastando da al. a) do nº.1 do citado preceito legal as penas cujo limite máximo seja igual a dez anos e incluindo-as na al. b). Daqui resulta que, o legislador não pretendeu tratar da mesma forma para efeitos de prescrição os limites máximos das penas, quer sejam superiores ou iguais a um determinado número de anos. Nestes termos, se o limite máximo abstracto da pena for de dez anos o procedimento criminal prescreve em 10 anos e se for superior em 15 anos, mas se o limite máximo abstracto da pena for de um ano, o procedimento criminal prescreve em cinco anos e também prescreve nesse mesmo prazo se for superior a um ano (mas que não exceda os cinco anos). Esta conclusão retira-se facilmente da leitura de todas as alíneas do referido nº.1 do art. 117º do C. Penal de 1982. Em relação às penas de limite máximo igual a cinco anos ou que não ultrapasse os cinco anos verifica-se, seguindo apenas o elemento literal da interpretação que esta situação se encontra abrangida em ambas as alíneas b) e c) atribuindo-se prazos diversos de prescrição de 10 e 5 anos. Cotejando com as outras alíneas não resulta logo claro qual é o critério que deve ser usado, uma vez que como já referimos o legislador não usou um único, mas sim vários. Logo impõe-se a interpretação que se mostra mais favorável ao arguido, ou seja a da aplicação ao caso dos autos da al. c) do nº.1 do citado preceito legal (critério aliás idêntico ao usado na alínea a)). Também em termos literais se se atentar na redacção da parte final do nº.1 do art. 11º do D. L. 454/91, de 28/12 na redacção introduzida pelo D.L. 316/97, de 19/11 - “pena de prisão até 5 anos” - tem de se concluir que tal expressão é sinónima da que consta na referida al. c) do nº.1 do art. 117º - “pena de prisão ... que não exceda 5 anos”. Entendendo-se que ambas as expressões significam pena de prisão que não ultrapasse os cinco anos. Mas se porventura se considerar, que uma pena que não exceda 5 anos tem o significado de uma pena inferior a cinco anos, como refere o recorrente, então afigura-se que igualmente se tem de concluir, seguindo o mesmo raciocínio que uma pena até 5 anos é uma pena inferior a cinco anos. Indubitável é que existe uma identidade total entre as expressões usadas pelo legislador no art. 117º, nº.1, c) do citado C. Penal e a da parte final do nº.1 do citado art. 11º do D.L. 454/91 na nova redacção, sendo sinónimas, não se vislumbrando qualquer razão literal ou legal para as distinguir. Seguindo o mui douto acórdão do T. Rel. Lx. de 2/06/98, Rec. 3108/98 da 5ª. Secção. Mesmo para o caso de assim não se entender e seguindo a mais recente jurisprudência desse Venerando Tribunal da Relação de Lisboa tem de se concluir que atento o montante dos cheques de 664.406$00 e 659.898$00, e a data que consta como sendo a da sua emissão 6/93, tal valor não é tido agora como consideravelmente elevado uma vez que não excede as 200 unidades de conta avaliadas no momento da prática dos factos, nos termos da al. b) do art. 202º do C. Penal de 95 aplicável por força da nova redacção introduzida ao D.L. 454/91 de 28/12 pelo D.L. 316/97 de 19/11. Donde se conclui que o máximo da pena a aplicar em abstracto ao caso dos autos é de três anos, sendo assim indubitável que o procedimento criminal prescreve em cinco anos. (Neste sentido e a título exemplificativo os doutos Acs. do T. da Rel. de Lx. 3ª. Secção: de 14/10/98 Rec. nº.5183/98 e Rec. nº.4487/98 de 30/9/98). 1.9. Nesta instância, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto acompanhou a motivação do recurso, sufragando em douto parecer a posição ali defendida. 1.10. Efectuado exame preliminar, foram colhidos os vistos. Cumpre decidir. 2. A questão controvertida resulta da interpretação sobre a sucessão e aplicação das normas legais que incriminam e punem a emissão do cheque sem provisão, e qual o regime prescricional aplicável: se 5 anos como é defendido no despacho recorrido, se 10 anos, como pretende o recorrente. Apreciemos: 2.1. À data dos factos, segundo a acusação, estava em vigor o Decreto-Lei nº.454/91, de 28/12, que veio instituir um novo regime penal do cheque, determinando no seu artigo 11º, nº.1 e alínea a), que será condenado nas penas previstas para o crime de burla, observando-se o regime geral de punição deste crime; quem, causando prejuízo patrimonial emitir e entregar a outrem cheque de valor superior a 5.000$00 que não for integralmente pago por falta de provisão, verificada nos termos e prazos da Lei Uniforme Relativa ao Cheque. A pena cominada para o crime de burla simples, segundo o Código Penal de 1982, então em vigor, era a de prisão até 3 anos - art. 313º - e a estabelecida para o crime de burla agravada era a de prisão de 1 a 10 anos - art. 314º -, verificando-se esta quando o agente se entregar habitualmente à burla ou o valor do prejuízo for consideravelmente elevado e não for reparado pelo agente sem dano ilegítimo de terceiro até ser instaurado o procedimento criminal (respectivamente, alíneas a) e c) daquele artigo, não interessando ao caso a circunstância prevista na alínea b)). Pelo que e não podendo, por um lado, deixar de se continuar a reputar nos termos expostos, “consideravelmente elevado” o valor do cheque e, logo, o prejuízo causado ao tomador com o não pagamento do título, e, por outro lado, ter-se verificado a causa de exclusão da agravação estabelecida na parte final da citada alínea c), torna-se evidente que os factos praticados pelo arguido se subsumem ao crime de emissão de cheque sem provisão agravado nos termos daquela alínea c). 2.2. O Decreto-Lei nº.48/95, de 15/3, que entrou em vigor em 1/10/95, veio alterar profundamente o Código Penal. Assim, o crime de burla simples, no Código revisto - artigo 217º, nº.1 - passou a ser punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa; e o crime agravado passou a ser punido num duplo escalão: prisão até 5 anos ou multa até 600 dias se o prejuízo patrimonial for de valor elevado - nº.1 do artigo 218º -; e prisão de 2 a 8 anos se o prejuízo patrimonial for de valor consideravelmente elevado, o agente fizer da burla modo de vida, ou a pessoa prejudicada ficar em difícil situação económica - respectivamente alíneas a), b) e c) do nº.2 do artigo 317º -. Excluída a aplicação ao caso das alíneas b) e c) do nº.2, pergunta-se se, no caso “sub judice” o prejuízo causado, o valor do cheque, deve qualificar-se de “consideravelmente elevado” e, como tal, integrar-se a conduta do arguido no disposto no nº.2, alínea a) do artigo 217º, ou simplesmente de elevado e, então, subsumir-se à regra do seu nº.1. Apreciemos: O Código revisto, consagrou três ordens de valores, a saber: valor “não elevado”, valor “elevado” e valor “consideravelmente elevado”, definindo os dois últimos expressa e implicitamente ou por exclusão de partes o primeiro. Assim, nos termos, respectivamente, das alíneas a) e b) do artigo 202º, valor elevado é “aquele que exceder 50 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto”; e valor consideravelmente elevado é “aquele que exceder 200 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto”. Por exclusão, valor não elevado será aquele que não se enquadre numa das duas primeiras classificações. A unidade de conta para o ano de 1993 era de 10.000$00 - cfr. artigo 6º, nº.2, do Decreto-Lei nº.212º/89, de 30/6 e Decreto-Lei nº.14-B/91, de 9/1. Pelo que, o valor dos cheques emitidos pelo arguido é “elevado” e, consequentemente, verifica-se que à sua conduta corresponde a pena de prisão até cinco anos ou pena de multa até 600 dias. E não como sustenta a Meritísssima Juiz “ a quo”. 2.3. Por último e com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº.316/97, de 19/11, em 1/1/98, foi alterada a redacção do artigo 11º do Decreto-Lei nº.454/91, passando a dispor, na parte que nos interessa, do seguinte modo e transcreve-se: a) Emitir e entregar a outrem cheque para pagamento de quantia superior a 12.500$00 que não seja integralmente pago por falta de provisão ou irregularidade do saque; (...) se o cheque for apresentado a pagamento nos termos e prazos estabelecidos pela Lei Uniforme Relativa ao Cheque, é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias. 2. Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se valor elevado o montante constante de cheque não pago que exceda o valor previsto no artigo 202º, alínea a), do Código Penal. Que é o caso vertente - valor elevado - e não o expresso no despacho de sustentação (última parte) que considera que a pena abstracta no caso dos autos é de 3 anos, pelo que o prazo da prescrição é de 5 anos. Com efeito, confrontando a versão original do artigo 11º do Decreto-Lei nº.454/91 e do Decreto-Lei nº.316/97, verificam-se as seguintes diferenças: a) A norma passou a conter, além da incriminação também a punição, que anteriormente era estabelecida por remissão para as do crime de burla; b) O valor elevado do cheque passou a constituir circunstância agravante modificativa única; c) As penas do único tipo agravado passaram a ser iguais às estabelecidas anteriormente - por remissão para o artigo 218º, nº.1 do Código Penal - para o tipo qualificado menos grave. De referir ainda que estamos em presença de uma verdadeira sucessão de leis no tempo, a resolver pela aplicação ao agente, do regime que, em concreto, se mostre mais favorável. Aliás é jurisprudência pacífica que o “regime” de que fala a lei é o conjunto de normas que, num dado momento temporal, se encontra em vigor, e que por isso deve ser aplicado em bloco, como dizem os Exmos. Magistrados do Ministério Público na 1ª. instância e neste Tribunal, em contraposição ao pensamento de Taipa de Carvalho, in Sucessão de Leis Penais, 2ª. edição revista, Coimbra Editora, 1997, págs. 192 e segs.. Vejamos: Discutida a questão de saber se a ponderação deve ser unitária ou diferenciada, diz este autor : “a) a generalidade da doutrina e da jurisprudência tem optado pela “ponderação unitária”. Mas tal não significa que assim tenha de ser. Vou, precisamente, indicar as razões que me levam a considerar como mais defensável, politico- -criminalmente, a “ponderação diferenciada”. Antes de contestar a teoria dominante, esclareçamos o que se entende por “ponderação unitária” ou “global” e por “ponderação diferenciada ou discriminada” das leis em confronto. A primeira significa que é a lei na sua totalidade, na globalidade das suas disposições, que deve ser aplicada; a “ponderação diferenciada” considerada a complexidade de cada uma das leis e a relativa autonomia de cada uma das disposições, defende que deve proceder-se ao confronto de cada uma das disposições de cada lei, podendo portanto acabar por se aplicar ao caso sub judice disposições de ambas as leis (...) Creio que a solução razoável, politico- -criminalmente, não pode deixar de ser a de aplicar as disposições penais mais favoráveis da lei antiga e da lei nova; na verdade, só a “ponderação diferenciada” dos vários aspectos ou dimensões da responsabilidade penal - pena principal, pena acessória, efeito penal da condenação, condição de procedibilidade - impede resultados indesejáveis, sob o decisivo ponto de vista politico-criminal.(...)”. Não é esta a posição da generalidade da jurisprudência e da doutrina que tem optado pela ponderação unitária: De referir o Assento do Supremo Tribunal de Justiça, publicado em 17 de Março 1989, que defende a posição tradicional, ou seja, a “ponderação global” e a correspondente aplicação em bloco de uma das leis em confronto. 2.4. Por outro lado, quanto à contenda jurisprudêncial gerada a propósito do âmbito de incidência normativa das alíneas b) e c) do nº.1 do art. 117º do C.P./82, reportada aos casos em que a moldura abstracta da pena de prisão tem o limite máximo de 5 anos, como é o caso da norma incriminadora actualmente vigente, há a dizer o seguinte: Perante a disparidade de determinações das alíneas b) e c) do nº.1 do art. 117º do C.P./82, a jurisprudência dominante, seguiu o ensinamento de Eduardo Correia segundo o qual, perante duas interpretações de valor igual, deve recorrer-se ao princípio de que “a liberdade é a regra e a limitação a excepção” (“Direito Criminal”, Reimpressão, 1971, vol. I, p. 150), pensamento esse retomado por Figueiredo Dias ao afirmar que se impõe uma interpretação que dê prevalência à alínea c) do nº.1 do art. 117º do C.P./82, fazendo corresponder à pena de prisão com o limite máximo abstracto de 5 anos o prazo prescricional de 5 anos: é esta a solução decorrente do princípio segundo o qual se duas possibilidadees (ou imposições) de punição contraditórias tem de escolher-se a mais favorável à liberdade pessoal. - (“Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas dos Crime”, Aequitas, p. 704; V., também, os Acs. aí citados). Todavia, esta solução “de jure constituendo” preconizada por Figueiredo Dias não foi a adoptada pelo legislador na Reforma Penal de 1995, pois o “lapso evidente” assinalado por aquele Autor (op. e loc. cits.) veio a ser “rectificado” no actual art. 118º, nº.1, c), o que alguns têm considerado como uma interpretação autêntica da anterior norma do art. 117º, nº.1, c), do C.P./82, para o que convocam os trabalhos preparatórios, v.g., as Actas da Comissão Revisora e, maxime, o art. 108º do Projecto da Parte Geral, discutido na 32ª sessão, bem como a regra interpretativa do art. 9º do C. Civil (vide o Ac. de 28/4/98, no Proc. 2655/98, desta 5ª secção). Assim, o preceito do art. 117º, nº.1, c) do C.P./82 deverá ser objecto de uma interpretação correctiva, no sentido de que a expressão “que não exceda 5 anos” significa “inferior a 5 anos” (vide a jurisprudência citada desta Relação). De qualquer modo, trata-se de questão sem relevância no caso, uma vez afastado o método da ponderação diferenciada na avaliação do regime concretamente mais favorável, não podendo pois colher a tese da Meritíssima Juiza “a quo”. 2.5. Em conclusão: a) O Código Penal de 1995 instituiu, no que respeita a valores monetários, uma qualificação tripartida: valor não elevado, valor elevado e valor consideravelmente elevado. E a punição do crime de emissão de cheque sem provisão, na vigência da versão originária do Decreto-Lei nº.454/91 e dada a remissão que ali se fazia para as penas da burla, era moldada a partir dessa qualificação, correspondendo o crime simples ao cheque de valor não elevado, o crime qualificado de 1º. grau ao cheque de valor elevado e o crime qualificado de 2º. grau ao cheque de valor consideravelmente elevado. b) Com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº.316/97, não se justificou consagrar para a emissão de cheque de valor consideravelmente elevado, uma moldura penal mais grave do que a estabelecida para a emissão de cheque de valor simplesmente elevado. c) É isto o que resulta inequivocamente do disposto no nº.2 do artigo 11º do Decreto-Lei nº.454/91, na redacção do Decreto-Lei nº.316/97: considera-se valor elevado, para efeitos de agravação do crime de emissão de cheque sem provisão, o montante constante de cheque não pago que exceda o valor previsto no artigo 202º, alínea a), do Código Penal, ou seja, que exceda 50 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto. E, não como fez a Meritíssima Juiza “a quo” que defende que não ultrapassando o cheque o valor de 200 unidades de conta, se aplica sem mais, a pena máxima de 3 anos. 2.6. Cumpre ainda apreciar o problema da prescrição, que a Meritíssima Juiz, no seu despacho, considerou ter-se completado. Tendo em conta a sucessão de leis no tempo, terá, em obediência ao disposto no artigo 2º. nº.4, do Código Penal vigente, que aplicar-se o regime que, em concreto se mostre mais favorável para o arguido, pelo que recordemos os vários regimes aplicáveis desde a data em que ocorreram os factos: - Ao crime p. e p. na redacção originária do artigo 11º, nº.1, al. a), do Decreto-Lei nº.454/91 e no artigo 314º, al. c), do Código Penal de 1982, corresponde pena de prisão de 1 a 10 anos, sendo o prazo de prescrição de 10 anos nos termos do disposto no citado artigo 117º do Código Penal; - Ao crime p. e p. no mencionado preceito do Decreto-Lei nº.454/91 e no artigo 218º, nº.2, do Código Penal de 1995 corresponde pena de prisão de 2 a 8 anos, sendo o prazo prescricional de 10 anos, nos termos do disposto no artigo 118º, nº.1, al. a), do Código Penal de 1995; - Ao crime p. e p. no artigo 11º, nº.1 e sua alínea a), do Decreto-Lei nº.454/91, na redacção do Decreto-Lei nº.316/97, corresponde pena de prisão até 5 anos ou multa até 600 dias, sendo o prazo de prescrição de 10 anos, nos termos do disposto no artigo 118º, nº.1, al. b) e nº.3 do Código Penal de 1995. Ora, para se alcancar o prazo de 5 anos a que o despacho recorrido chegou era necessário, desde logo, que à pena abstracta actualmente correspondente ao crime de emisão de cheque sem cobertura se pudesse aplicar o regime prescricional que na vigência do Código Penal de 1982, antes da revisão de Outubro de 1995, coubesse, nos termos literais do art.117, nº.1 c), aos crimes a que corresponda pena de prisão com o limite máximo igual ao superior a 1 ano, mas que não exceda 5 anos. E como diz Figueiredo Dias in “As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, 1993, parágrafo 1134 “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico e as circunstâncias em que foi elaborada”; pelo que o intérprete presume “que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” - vide art.9º do Código Civil - não poderá pois duvidar-se que o legislador, depois de fixar o prazo prescricional de “10 anos para os crimes a que corresponda pena de prisão com um limite igual a 5 anos” pressuporia, para o prazo prescricional imediatamente menos longo - o de 5 anos - a panóplia dos “crimes puniveis com pena de prisão (...) de limite máximo inferior a 5 anos”. Por tudo o exposto resulta claramente que o prazo prescricional é, em todas as hipóteses, de 10 anos. Pelo que, tendo o crime sido cometido em 14/6/93 e 21/6/93, há que concluir que a prescrição ainda não se completou, não podendo, pois, colher a tese da Meritíssima Juiz “a quo”. 3. DECISÃO: Pelo exposto, acordam os Juizes desta Secção em julgar procedente o recurso e, em consequência, revogar a decisão recorrida que deverá ser substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos. Não há lugar a tributação. Lisboa, 25 de Março de 1995 |