Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | RUI MOURA | ||
Descritores: | FIXAÇÃO JUDICIAL DE PRAZO JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 11/06/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | - Os artigos 1026º e 1027º do CPC regulam a fixação judicial de prazo e destinam-se a adjectivar os artigos 411º, 777º, 2 e 3, e 907º, 2, do Código Civil. - Com o recurso a este processo especial de jurisdição voluntária visa-se o preenchimento de uma cláusula acessória omissa, indispensável para exigir o cumprimento da prestação e por isso determinar o início da mora. - Daí que o art. 1026º CPC consigne o objectivo da diligência - quando incumba ao tribunal a fixação de um prazo para o exercício de um direito ou para o cumprimento de um dever. - A expressão “na falta de estipulação” não reduz a previsão da norma àqueles casos em que as partes, embora negociando o prazo, não logram chegar a entendimento sobre o mesmo, mas engloba todos os casos em que simplesmente inexiste estipulação das partes, pressupondo-se ainda que inexiste prazo legal, e há interesse na fixação do mesmo. - Ao requerente cabe apenas justificar suficientemente o pedido de fixação de prazo e indicar o lapso de tempo que repute adequado e não fazer a prova dos fundamentos. - Este processo não comporta a discussão de questões de natureza contenciosa - estas questões têm que ser resolvidas no quadro de uma acção comum. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência do Tribunal da Relação de Lisboa:
I - RELATÓRIO J…, com sede na Rua …, intentou em 28 de Janeiro de 2014 acção de processo de jurisdição voluntária para fixação judicial de prazo contra A..., com sede … , alegando para tanto, e em síntese, o seguinte: - Em 3 de Janeiro de 2005 a Requerente e a Requerida firmaram entre si um acordo escrito pelo qual a Requerida prometeu vender à Requerente, e esta prometeu comprar à Requerida, quatro fracções autónomas, denominadas por lotes ou pavilhões nºs 3.16, 3.17, 3.18 e 3.19, correspondentes a prédios urbanos destinados a comércio ou indústria ligeira, sitos na Estrada Velha do Pico da Pedra, freguesia de Rosto de Cão, S. Roque, concelho de Ponta Delgada, integrantes do processo de loteamento nº 555-lote-570/04 da Câmara Municipal de Ponta Delgada e omissos na respectiva Conservatória do Registo Predial (doc. 1). - Foi também estipulado que a compra e venda então prometida se realizaria pelo preço global de 570.000,00 € (quinhentos e setenta mil euros), a pagar através das seguintes seis entregas: a) 57.000,00 € na data de assinatura do contrato-promessa, com a natureza de sinal e princípio de pagamento; b) 57.000,00 € até 90 dias após a assinatura do contrato-promessa, com a natureza de reforço de sinal; c) 85.500,00 € até 180 dias após a assinatura do contrato-promessa, com a natureza de reforço de sinal; d) 85.500,00 € até 270 dias após a assinatura do contrato-promessa, com a natureza de reforço de sinal; e) 85.500,00 € até 360 dias após a assinatura do contrato-promessa, com a natureza de reforço de sinal; f) 199 500,00 € na outorga da escritura pública de compra e venda, aprazada para 30 de Junho de 2006 (doc. 1). - Dessas seis entregas a Requerente efectuou as primeiras quatro, as quais totalizaram um valor de 285.000,00 € (duzentos e oitenta e cinco mil euros). - Por carta de 30 de Janeiro de 2006, a Requerente solicitou à Requerida a "rescisão" do referido contrato-promessa (doc. 2). - E, por carta de 31 de Janeiro de 2006, dirigida ao gerente da Requerente, a Requerida aceitou essa "rescisão por mútuo acordo na aquisição dos pavilhões nº 3.16, 3.17, 3.18 e 3.19" (doc. 3). - E nessa carta acrescentou o seguinte: “Desta forma, vamos dar início às diligências necessárias à colocação dos mesmos no mercado, bem como, na sequência do resultado destas, proceder à devolução das importâncias a singelo por si pagas a título de sinal” (doc. 3). - Todavia, até hoje, a Requerida não devolveu à Requerente a quantia de 285.000,00 €, não obstante haver sempre reconhecido que é devedora da Requerente por aquele montante, o que fez, designadamente, em carta de 26 de Janeiro de 2010, na qual pediu à Requerente que, no âmbito de uma auditoria realizada pelos seus revisores oficiais de contas, confirmasse junto destes o valor em causa (doc. 4). - Mais, em documento escrito de 28 de Março de 2012, tornou a Requerida a reconhecer-se devedora para com a Requerente pelo referido valor, a cuja devolução voltou a vincular-se, declarando "que irá proceder à devolução do montante de 285.000,00 € à empresa J..." (doc. 5). - Na mesma declaração acrescentou ainda "que a concretização da referida devolução aguarda apenas a formalização de escritura de compra e venda com o Município de Ponta Delgada relativo à venda dos referidos pavilhões, o qual se realizará no presente ano de 2012" (doc. 5). - Ora, nos meses imediatos à "rescisão por mútuo acordo" do contrato-promessa, a Requerida procedeu à venda dos lotes ou pavilhões nºs 3.18 e 3.19. Volvidos 8 anos, porém, a Requerida não vendeu ainda os lotes ou pavilhões nºs 3.16 e 3.17. - Privada ao longo desse tempo de uma soma que lhe pertence e que nem a própria Requerida questiona ser-lhe devida, a Requerente vem insistindo pela devolução em singelo do sinal entregue, como fez na carta que endereçou à Requerida em 10 de Abril de 2013, em que aludiu à circunstância de, há muito, se estar perante um "lapso de tempo suficiente para o cumprimento da obrigação de restituição do sinal” (doc. 6). - A Requerente não pode mais condescender com a passividade da Requerida em relação àquela venda, nem, muito menos, lhe pode ser exigido que aguarde indefinidamente pela iniciativa da Requerida para cumprir com a sua obrigação de devolução em singelo do valor do sinal. - Não tendo sido estipulado, na "rescisão por mútuo acordo", um prazo certo dentro do qual a Requerida devesse realizar aquelas vendas e devolver à Requerente o sinal em singelo, torna-se urgente e necessário estabelecer tal prazo. - Em abono da sua pretensão cita o judicado no Ac. do ST J de 15.05.2013, que dirimiu um caso semelhante ao presente, segundo o que "colocar o momento de vencimento da obrigação dos réus no momento em que estes procederem à venda do imóvel em causa sem limitação temporal para o fazer, seria permitir que estes se pudessem prevalecer de uma obrigação sem qualquer sanção, ou seja, permitira que aqueles cumprissem quando quisessem, sem qualquer limite temporal e sem possibilidade de a autora poder exigir o respectivo cumprimento" (in dgsi.pt). - Na esteira do entendimento seguido pelo mencionado acórdão, é de concluir que o cumprimento da obrigação, por parte da Requerida, de devolver em singelo o sinal que recebeu, exige uma fixação judicial de prazo (CC, art. 777°, nºs 2 e 3). - O facto de haverem sido vendidos dois dos quatro lotes ou pavilhões, o longo tempo entretanto decorrido e a afirmação, por parte da própria Requerida, de que a venda dos dois últimos lotes ou pavilhões se ia realizar ainda no ano de 2012, tornam suficiente e razoável um prazo não superior a 30 dias, contados do trânsito em julgado da decisão, para a devolução dos 285.000,00 €. Conclui pedindo que na sequência da procedência da acção seja fixado à Requerida o prazo de 30 dias, contados do trânsito em julgado da decisão proferida nos presentes autos, para a devolução em singelo do sinal entregue pela Requerente no âmbito do contrato-promessa de 3 de Janeiro de 2005 no montante duzentos e oitenta e cinco mil euros. Citada, respondeu a Requerida, dizendo, em suma: - Aceita o alegado nos artigos 1 a 7, 11 e 12 do requerimento inicial. - Confessa que, como resulta do teor da carta junta com o requerimento inicial como doc. 3, a Requerida aceitou a "rescisão por mútuo acordo" associada à condição de "proceder à devolução das importâncias a singelo pagas a título de sinal" após as diligências necessárias à colocação dos pavilhões no mercado, e "na sequência do resultado destas" (diligências). - Entende que a devolução das importâncias pagas a título de sinal em singelo ficou sujeita a duas condições: a venda dos pavilhões 3.16, 3.17, 3.18 e 3.19 e o resultado dessa venda. - Não aceita que a Requerida alguma vez tenha reconhecido que era devedora à Requerente do montante de 285.000,00€, nem esse facto resulta dos documentos juntos com o requerimento inicial sob os nos. 4 e 5. Justifica. - A Requerida mantém a intenção de cumprir a obrigação assumida no "acordo de rescisão" do contrato-promessa - ocorrendo a venda prevista, devolveria o sinal. Diz que por razões adiante explicitadas, a venda prevista não se concretizou. Explicita as razões. - Argumenta ter a Requerente omitido no seu requerimento vários factos relevantes para a decisão da causa. - Diz que foi recordado à Requerida que o Município tinha dado a conhecer verbalmente à Requerida e à Requerente, no final do ano de 2011, a sua intenção de adquirir os referidos pavilhões, sendo tal aquisição a concretizar no ano seguinte. Essa intenção fora, pois, formada e comunicada quando as novas condicionantes legais não existiam. A Requerida informou ainda que ficava a aguardar outro potencial interessado na aquisição do referido espaço. - Ou seja, a única oportunidade que a Requerida teve de vender os dois pavilhões pelo preço pretendido pela Requerente não se concretizou por impossibilidade legal. - A Requerida já explicou à Requerente a razão por que não se tinha concretizado a compra por parte do Município de Ponta Delgada, informando que a escritura de compra e venda dos pavilhões ao Município se tornara impossível por razões que não lhe eram imputáveis a ela nem à Câmara Municipal, pois essa impossibilidade resultava da entrada em vigor do regime instituído pela Lei nº 8/2012, de 21/02, conhecido como "lei dos compromissos", que criou condicionantes muito rigorosas de natureza contabilística e financeira para a realização de qualquer despesa, que aquele Município não conseguia cumprir para efectivar aquela aquisição, embora tivesse meios de tesouraria para tal. - A Requerente teve também, durante anos, aqueles pavilhões à venda através da mediadora imobiliária denominada E…, que neles teve anúncios afixados. - Das diligências da Requerida para venda dos dois pavilhões indicados resultaram propostas de compra, fora a do Município acima mencionada, que só não se concretizaram porque a Requerente não aceitou o preço proposto, por ser inferior ao valor do sinal pago. - Outros pavilhões inseridos no mesmo parque empresarial já foram vendidos entretanto, mas por preço inferior ao praticado na data da primeira venda daquele empreendimento, em 2005/2006, em resultado da alteração das condições do mercado imobiliário. - Apesar disso, a Requerida não ficou inerte nem deixou de tentar encontrar comprador para os pavilhões que a Requerente desistira de comprar; pelo contrário, sempre procurou encontrar interessados na compra. - Ou seja, a Requerida tem diligenciado pela criação de condições para cumprir o acordado, e só não efectuou a devolução do valor do sinal ou do que a esse título fosse devido, porque não conseguiu vender os pavilhões 3.16 e 3.17, por razões que lhe são totalmente estranhas, designadamente, por a Requerente não ter aceite o preço proposto pelos interessados que já fizeram propostas de compra. - E a dificuldade de venda também resulta do facto de, por opção e ordem da Requerente, ambos os pavilhões se encontrarem totalmente em aberto, constituindo um espaço único, sem qualquer divisória que os separe, embora constituam juridicamente duas fracções autónomas. - Nas circunstâncias actuais, de grande contracção do investimento e do crédito, é difícil encontrar comprador para dois pavilhões em simultâneo. - A situação dos autos é diferente da visada no Acórdão do STJ apontado pela Requerente. - De todo o modo, como já foi alegado e resulta do documento junto pela Requerente com o requerimento inicial sob o nº 3, a obrigação assumida pela Requerida, e aceite pelo Requerente, foi a de "dar início às diligências necessárias para a colocação dos mesmos no mercado! bem como! na sequência do resultado destas! proceder à devolução das importâncias a singelo pagas por si a título de sinal", o que foi a maneira que a Requerida encontrou para ir ao encontro da pretensão da Requerente de "rescindir" o contrato-promessa, sem ter de afectar a sua tesouraria enquanto entidade pública. - Isto é, a Requerida restituiria quando efectuasse a "nova" venda dos armazéns e apenas na medida em que a receita realizada o permitisse. - Ao aceitar, como aceitou as condições indicadas pela Requerida para a rescisão do contrato promessa, a Requerente reconheceu e aceitou a necessidade de fazer intervir terceiros (novos interessados na compra dos armazéns); e daí que ela própria tenha também procurado encontrar esses terceiros (novos compradores), através de empresa mediadora e de anúncios afixados nos pavilhões. - Não estão, por conseguinte, verificados os pressupostos para a fixação judicial de prazo, porque, para além do mais, a Requerida deu "início às diligências necessárias para a colocação dos mesmos no mercado" o que foi feito, tanto por iniciativa da Requerida, como por iniciativa do Requerente, sendo certo que não foi possível encontrar comprador por preço pretendido pela Requerente, pelo que o cumprimento da obrigação pela Requerida está, também, dependente daquela. Conclui pela improcedência da pretensão da Requerente. * O processo foi saneado. O valor da acção foi fixado em €30.000,01- fls. 101. Nos autos foi considerado – o que não está posto em causa, como infra se explicará - existirem já todos os elementos fácticos que permitem uma decisão do mérito da causa, e julgando-se despicienda a produção de qualquer prova, para além da prova documental já junta com os articulados, proferiu-se douto saneador-sentença. Deram-se como provados, por acordo das partes (artigo 574.°, nº2 do C.P. Civil) e relevantes os seguintes factos: 1. Em 3 de Janeiro de 2005 a Requerente e a Requerida firmaram entre si um acordo escrito pelo qual a Requerida prometeu vender à Requerente, e esta prometeu comprar quatro fracções autónomas, denominadas por lotes ou pavilhões nºs 3.16, 3.17, 3.18 e 3.19, correspondentes a prédios urbanos destinados a comércio ou indústria ligeira, sitos na Estrada Velha do Pico da Pedra, freguesia de Rosto de Cão, S. Roque, concelho de Ponta Delgada, integrantes do processo de loteamento nº 555-lote-570/04 da Câmara Municipal de Ponta Delgada e omissos na respectiva Conservatória do Registo Predial. 2. Foi estipulado que a compra e venda se realizaria pelo preço global de €570.000,00 (quinhentos e setenta mil euros), a pagar através das seguintes seis entregas: a) €57.000,00 (cinquenta e sete mil euros) na data de assinatura do contrato-promessa, com a natureza de sinal e princípio de pagamento; b) €57.000,00 (cinquenta e sete mil euros) até 90 (noventa) dias após a assinatura do contrato-promessa, com a natureza de reforço de sinal; c) €85.500,00 (oitenta e cinco mil e quinhentos euros) até 180 (cento e oitenta) dias após a assinatura do contrato-promessa, com a natureza de reforço de sinal; d) €85.500,00 (oitenta e cinco mil e quinhentos euros) até 270 (duzentos e setenta) dias após a assinatura do contrato-promessa, com a natureza de reforço de sinal; e) €85.500,00 (oitenta e cinco mil e quinhentos euros) até 360 (trezentos e sessenta) dias após a assinatura do contrato-promessa, com a natureza de reforço de sinal; f) €199.500,00 (cento e noventa e nove mil e quinhentos euros) na outorga da escritura pública de compra e venda, aprazada para 30 de Junho de 2006. 3. Dessas seis entregas a requerente efectuou as primeiras quatro, as quais totalizaram um valor de €285.000,00 (duzentos e oitenta e cinco mil euros). 4. Por carta de 30 de Janeiro de 2006, a Requerente solicitou à Requerida a "rescisão" do referido contrato-promessa. 5. Por carta de 31 de Janeiro de 2006, dirigida ao gerente da Requerente, a Requerida aceitou essa "rescisão por mútuo acordo na aquisição dos pavilhões n° 3.16, 3.17, 3.18 e 3.19". 6. Nessa carta acrescentou o seguinte: “Desta forma, vamos dar início às diligências necessárias à colocação dos mesmos no mercado, bem como, na sequência do resultado destas, proceder à devolução das importâncias a singelo por si pagas a título de sinal”. 7. Até hoje, a Requerida não devolveu à Requerente a quantia referida em 3. 8. Nos meses imediatos à "rescisão por mútuo acordo" do contrato-promessa, a Requerida procedeu à venda dos lotes ou pavilhões nºs 3.18 e 3.19. 9. Volvidos 8 (oito) anos, a Requerida não vendeu os lotes ou pavilhões nºs 3.16 e 3.17. No final, em sede de aplicação do direito a estes factos, decidiu-se o tribunal recorrido por julgar a acção totalmente procedente, por provada e, em consequência, foi fixado em 60 (sessenta) dias o prazo para a Requerida ... proceder à devolução em singelo do sinal entregue pela Requerente no âmbito do contrato-promessa celebrado entre ambas, no montante de €285.000,00 (duzentos e oitenta e cinco mil euros). * Inconformada, recorre a Requerida. O recurso é admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, e efeito meramente devolutivo da decisão – fls. 133. A Apelante alega. CONCLUSÕES DO RECURSO da Apelante: A Apelante conclui assim a motivação da sua apelação: A) Para além dos factos expressamente considerados na douta Sentença, haverá ainda que ter em conta outros factos alegados na Contestação e bem assim os documentos a ela juntos, nomeadamente, nos números 13 a 29, que, devidamente ponderados, conduziriam a decisão diferente da ora sob recurso; B) Não se encontram preenchidos os pressupostos legais para recurso à fixação judicial do prazo previstos, designadamente, no nº 2 do artigo 777º do Código Civil, segundo o qual apenas passa a incumbir ao tribunal a fixação do prazo se as partes não acordarem no estabelecimento do prazo. C) Nada indica nos autos que as partes tenham sequer discutido a definição de um prazo; pelo contrário, da troca de correspondência entre Recorrida e Recorrente e dos demais documentos juntos aos autos, resulta que a Recorrida nunca tomou qualquer iniciativa no sentido de acordar com a Recorrente o estabelecimel1to de um prazo. D) Não há lugar à fixação judicial do prazo quando o cumprimento da obrigação está dependente de terceiros, sendo que, caso em apreço, estamos perante uma obrigação que, por acordo de ambas as partes, está dependente do concurso da vontade de terceiros não determinados - os potenciais compradores dos pavilhões - pelo que também por este motivo não estão verificados os pressupostos para a fixação judicial de prazo. E) O recurso pela Recorrida ao procedimento da fixação judicial do prazo viola o princípio da boa-fé que modela a relação jurídica entre Recorrida e Recorrente, pelo que, ainda que o direito da Recorrida existisse, seria ilegítimo o seu exercício nas condições e circunstância em que foi exercido, por exceder manifestamente os limites impostos pela boa-fé - artigo 334º do Código Civil. F) Na eventualidade de não procederem as razões alegadas nos números precedentes, em face das circunstâncias específicas que decorrem dos autos, o prazo fixado em 60 dias é manifestamente insuficiente para que a ora Recorrente pudesse restituir o montante em causa; tal prazo, a ser fixado, não poderia ser inferior a seis meses. G) Assim, a douta Sentença violou ou não fez correcta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 777º e 334º do Código Civil e no artigo 1026° do Código de Processo Civil. Conclui pela revogação da sentença recorrida, ou, caso se entenda estarem reunidos os pressupostos legais atinentes, pela fixação de um prazo não inferior a seis meses. A Apelada contra-motiva. CONCLUSÕES da contra-motivação da Requerente: A Apelada conclui assim em sua defesa: 1ª - Nada do que consta dos arts. 13 a 29 da resposta tem a virtualidade de modificar o quadro do conjunto de factos dados por assentes pela sentença recorrida, não implicando qualquer decisão de sentido diverso da que foi tomada pelo Tribunal a quo. 2a - Uma entidade sujeita ao regime jurídico da Lei 73/2013, 03-09, não tem ao seu alcance a possibilidade legal de, por virtude dessa circunstância, desonerar-se unilateralmente das próprias obrigações. 3a - As partes estipularam, tão-somente, a "rescisão" do contrato promessa e a devolução em singelo do sinal entregue à Requerida pela Requerente; nada estipularam acerca do prazo para o cumprimento dessa obrigação. 4a - Ainda que se entendesse que as partes relegaram o prazo para o momento da venda dos pavilhões, nunca a venda dos pavilhões poderia ser considerada como dependente de terceiros, devendo antes ser considerada como dependente da vontade da própria Recorrente, no âmbito de uma obrigação sem qualquer prazo estipulado. 5ª - O entendimento propugnado pela Recorrente permitir-lhe-ia adiar indefinidamente o cumprimento, o que constituiria uma conduta violadora das regas de lealdade e de honestidade que o princípio da boa-fé exige a qualquer contratante. 6ª - Entender o acordado pelas partes no sentido de que a Recorrente cumpriria quando vendesse o imóvel, sem qualquer limitação de tempo para essa venda, seria permitir um claro desequilíbrio das prestações, em violação do princípio da equivalência material das contraprestações. 7a - Ao fixar o prazo, a sentença recorrida não só observou os princípios fundamentais do Direito Civil da boa-fé e da equivalência material das contraprestações, como aplicou correctamente o disposto no nº 2 do art. 777° do CC, a exemplo do Acórdão do STJ de 15.05.2013. Pugna pela manutenção da decisão recorrida. * Dispensados que foram os vistos, cumpre apreciar e decidir. II- ENQUADRAMENTO JURÍDICO III – objecto do recurso A questão a decidir implica saber que factos ter em conta; se estão ou não reunidos os pressupostos para a fixação judicial de prazo; se o prazo encontrado é o adequado às circunstâncias e se houve ou não abuso de direito por parte da Requerente. IV – mérito A Requerida na sua resposta – artigo 1º - aceitou expressamente o alegado nos artigos 1 a 7, 11 e 12 do requerimento inicial. São precisamente esses os factos dados como provados por acordo das partes e que servem de fundamento fáctico à decisão recorrida. Analisando. A Requerente parte dos seguintes factos, aceites pela Requerida: 1 – as partes acordaram na “rescisão” do contrato promessa por mútuo acordo, 2 – a Requerida obrigou-se a devolver à Requerente o montante em singelo passado a título de sinal - € 285.000,00, sem terem fixado prazo com vista ao cumprimento dessa obrigação, e 3 – tal montante ainda não foi restituído. Por sua vez a Requerida invoca terem as partes acordado que a Requerida restituiria esse montante se e quando efectuasse a venda desses armazéns a outrem, e apenas na medida em que a receita realizada o permitisse. Argumenta depois no sentido de que diligenciou pela colocação dos pavilhões em venda (o que releva em termos do dever de proceder segundo a boa fé após a “rescisão”); que encontrou um interessado com a qual não se concretizou o negócio por motivos de constrangimentos orçamentais não controláveis nem pela Requerida nem pelo interessado; que as características dos pavilhões da responsabilidade da Requerente impedem uma saída no mercado, tanto mais que a Requerente não aceita que os pavilhões sejam alienados por valor inferior ao montante a restituir. O termo ou prazo é o evento futuro e certo de que dependem os efeitos de um acto ou facto jurídico. Pode ser inicial, dies a quo, ou final, dies ad quem, conforme suspende ou extingue esses efeitos. Em matéria de cumprimento das obrigações – por exemplo como é o caso da restituição do montante passado a título de sinal – o que interessa é o termo inicial, o que suspende esse cumprimento. Estando a obrigação sujeita a tal espécie de termo o devedor normalmente não poderá ser compelido a cumpri-la senão decorrido um lapso de tempo, maior ou menor, a partir da sua constituição. O termo ainda se diz certo, ou incerto, consoante o período que demarca tem duração determinada ou indeterminada. No termo certo sabe-se antecipadamente quando esse período findará, pois é fixado por indicação de dia de calendário. No termo incerto, o termo depende de um acontecimento futuro, de verificação certa, mas data incerta. Neste sentido Inocêncio Galvão Telles, in Direito das Obrigações, 2ª edição, 1997, pág.200 e ss. Por outras palavras, o termo é certo, se se sabe quando se verificará, e é incerto quando se não se sabe quando se verificará. Se estivermos perante um caso de dies incentus na incertus quando, como será o caso de dizer “no dia do casamento de C”, o que equivale a dizer “se C se casar”, estamos sempre perante, não um termo, mas perante uma condição. Neste sentido Abel Pereira Delgado, in Do Contrato Promessa, 1978, Lisboa, Petrony, pág. 111. Há condição quando a eficácia da clausula da restituição do montante é posta na dependência de um acontecimento futuro e incerto, por maneira a que só verificado tal acontecimento é que a cláusula produz os seus efeitos (condição suspensiva) ou então só nesse eventualidade é que a cláusula ou o negócio deixará de os produzir (condição resolutiva). Cfr. a obra última citada a fls. 102. Vem esta explicação a terreno para chegarmos à conclusão de que a Requerente alega factos que vão no sentido de não terem as partes estabelecido termo no âmbito da liberdade de estipulação de cláusulas quanto à obrigação de restituição por parte da Requerida do montante em causa. Não se sabe quando a Requerida está obrigada a restituir o montante. Por seu turno a Requerida alega factos que vão no sentido de invocar que as partes acordaram numa condição quanto à restituição do montante pela Requerida à Requerente. Acordaram num estado de pendência ou incerteza. Só se e quando realizada a venda dos pavilhões a terceiros e percebido o valor é que havia lugar à restituição. Termo e condição são portanto coisas diferentes, cláusulas acessórias diferentes, com regime juscivilístico distinto, que pressupõem a alegação e prova de factos igualmente distintos – cfr. artigos 270º a 279º do C. Civil. A Requerida na sua resposta – artigo 1º - aceitou expressamente o alegado nos artigos 1 a 7, 11 e 12 do requerimento inicial. São precisamente esses os factos dados como provados por acordo das partes e que servem de fundamento fáctico à decisão recorrida. Face a eles é possível dizer que se pode conhecer imediatamente do mérito, sem produção de mais provas, nos termos previstos do artigo 595º, 1, b) do CPC, asserção a que o julgador no 1º grau igualmente chegou. O estado da causa, face aos factos considerados assentes por acordo das partes, não exige conhecer da invocada condição suspensiva. Os factos aceites pela Requerida não estão em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, porque, como se viu, condição e termo são cláusulas acessórias que operam em pontos diferentes da obrigação contratual. O termo, como evento futuro e certo de que dependem os efeitos de um acto ou facto jurídico, releva para se saber qual o momento do cumprimento da obrigação, no nosso caso de restituir. A aposição da condição suspensiva tem a ver com a eficácia da própria cláusula da restituição do montante. Assim, não há que considerar os factos alegados pela Requerida na sua resposta, designadamente nos números 13 a 29, e não é correcto sopesar o argumento de que tais factos, devidamente ponderados, conduziriam a decisão diferente da ora sob recurso, uma vez que esses factos não foram objecto de prova, nem esta espécie da processo o consente. Improcede a conclusão da al. A) da minuta recursória. O termo, quando existe, é em regra fixado pelas partes no contrato – artigo 777º, 1 do C. Civil. Outras vezes há um prazo fixado pela lei. Pode, porém, acontecer que nem o contrato nem a lei fixem o prazo para o cumprimento, mas ele se torne necessário, quer pela própria natureza da prestação quer por virtude das circunstâncias que a determinaram, quer por força dos usos - Inocêncio Galvão Telles, obra referida, pág. 201. Na falta de estipulação do prazo pelas partes ou pela lei, cai-se na regra geral estabelecida no nº 1 do artigo 777º do C. Civil: o credor tem o direito de exigir a todo o tempo o cumprimento da obrigação e o devedor pode a todo o tempo exonerar-se dela. Mas nem sempre a falta de estipulação de um prazo pode importar para o credor a possibilidade de exigir imediatamente o cumprimento da obrigação. Até por exigências da própria boa fé. Para obviar às situações existentes antes da vigência do presente Código Civil em que o credor parecia ter de aguardar que decorresse um prazo razoável para que a obrigação pudesse ser considerada como vencida, é que se prevê agora o direito de, na falta de acordo, deferir ao tribunal a fixação do mesmo. A expressão “na falta de estipulação” não reduz a previsão da norma àqueles casos em que as partes, embora negociando o prazo, não logram chegar a entendimento sobre o mesmo, mas engloba todos os casos em que simplesmente inexiste estipulação das partes, pressupondo-se ainda que inexiste prazo legal, e há interesse na fixação do mesmo. Onde a lei não distingue, não cabe ao intérprete distinguir e não se vêm razões imperiosas que não nos levem a pensar assim. Improcedem as conclusões das al. B) e C). A previsão do nº 2 do artigo 777º do C. Civil não afasta portanto os casos em que, como este, e segundo a Apelante alude na al. C das conclusões, nada indica nos autos que as partes tenham sequer discutido a definição de um prazo; pelo contrário, da troca de correspondência entre Recorrida e Recorrente e dos demais documentos juntos aos autos, resulta que a Recorrida nunca tomou qualquer iniciativa no sentido de acordar com a Recorrente o estabelecimento de um prazo. As partes revogaram o contrato promessa celebrado. Trata-se de uma forma de cessação do contrato. Corresponde a um acto bilateral, carecendo do assentimento das partes, mediante o qual estas decidem fazer cessar a relação contratual. Extingue-se o vínculo e as respectivas obrigações nos termos acordados. Em qualquer contrato o vínculo pode dissolver-se por vontade das partes – artigo 406º, 1 do C. Civil. Relativamente ao acordo de revogação vale a regra geral de liberdade da forma constante do artigo 219º do C. Civil, não estando sequer sujeito à forma do contrato a que se pretende pôr termo. Quanto aos efeitos da revogação, consoante a vontade das partes, o acordo de revogação pode produzir efeitos imediatamente após a sua celebração, ou em momento ulterior. A revogação, atendendo à vontade das partes, pode determinar a constituição de outro contrato, sucedâneo do primeiro. Ou podem as partes negociar o pagamento de uma contrapartida. Trata-se de uma revogação com cláusula compensatória, cujo incumprimento segue o regime geral. Deste modo, se foi negociada a revogação de um contrato, obrigando-se uma das partes a pagar à outra determinada quantia, a falta de cumprimento, em última análise, permitirá a resolução do acordo revogatório, repristinando o vínculo extinto. Cfr. Pedro Romano Martinez, in Da Cessação do Contrato, 2ª Edição, Almedina, pág. 50, 111 a 113. No caso dos autos a revogação consta designadamente de documento escrito – correspondência trocada, mas nada se sabe quanto aos efeitos queridos pelas partes, para lá da obrigação de restituir o montante do sinal em singelo. Não sabemos se houve tradição da coisa com o contrato promessa e se os pavilhões ainda por vender estão ou não na posse da Requerente, por exemplo. Para concluir que não possuímos a totalidade do acordo de revogação que as partes celebraram. Nem, em boa verdade, para a economia da causa, tal é necessário. Efectivamente os artigos 1026 e 1027 CPC regulam a fixação judicial de prazo e destinam-se a adjectivar várias disposições do Código Civil, como sejam os artigos 411º, 777º, 2 e 3 e 907º, 2. Com o recurso a este processo especial de jurisdição voluntária visa-se o preenchimento de uma cláusula acessória omissa, indispensável para exigir o cumprimento da prestação e por isso determinar o início da mora. Daí que o art. 1026 CPC consigne o objectivo da diligência - quando incumba ao tribunal a fixação de um prazo para o exercício de um direito ou para o cumprimento de um dever. A lei parte do princípio que a obrigação é certa, sendo incerto o prazo de cumprimento, daí a simplicidade do procedimento/processo. Ao requerente cabe apenas justificar o pedido de fixação de prazo e indicar o lapso de tempo que repute adequado. Não lhe cabe fazer a prova dos fundamentos. A questão a decidir é tão somente a fixação judicial do prazo. A causa de pedir consubstancia-se tão só na falta de acordo entre o credor e o devedor quanto ao momento em que se vence a obrigação. Este processo não comporta a discussão de questões de natureza contenciosa, nomeadamente a discussão sobre a existência ou não da condição suspensiva da cláusula de restituição do montante do sinal, ou outras levantadas pela Requerida. Estas questões têm que ser resolvidas no quadro de uma acção comum e não já no âmbito deste processo de jurisdição voluntária. O contrato promessa celebrado pelas partes dada de Janeiro de 2005. As partes vieram a revogar o contrato promessa em Janeiro de 2006. A ora Requerida aceitou restituir à ora Requerente em singelo o montante passado a título de sinal. Esta obrigação de restituição tem causa, os factos necessários à sua prova foram alegados e aceites nos autos. Não estipularam as partes prazo para a efectivação da prestação de restituição do montante do sinal. O facto da Requerida alegar uma condição resolutiva para a obrigação de restituição do sinal, qual seja a de que as partes acordaram que a Requerida restituiria esse montante se e quando efectuasse a venda desses armazéns a outrem, e apenas na medida em que a receita realizada o permitisse – não mexe com a existência da obrigação de restituição, nem tem que se averiguada nestas autos, nem o pode ser. A Requerida já vendeu a terceiros alguns armazéns objecto do contrato promessa. A Requerida já foi invectivada a restituir à Requerente o montante. Mas ainda não restituiu. É até razoável que a Requerente esperasse algum tempo pela venda dos armazéns pela Requerida. O que já não é razoável é que a Requerente continue passados 8 anos sobre a data da revogação do contrato promessa à espera da restituição do valor do sinal que passou. É evidente que a obrigação de restituição do valor carece de fixação de prazo. Até para obviar à constante desvalorização do dinheiro. O argumento da actuação segundo os ditames da boa fé depois da revogação do contrato promessa alegado pela Requerida e de que ela se vangloria, não é consequente uma vez que a Requerida ao ter alienado, como alienou alguns dos armazéns, já teve oportunidade de, querendo cumprir a totalidade da obrigação, ou pelo menos parte (artigo 777º, 1, parte final, do C. Civil), o que não fez. A Requerente vem actuar nos precisos limites do direito de exigir a fixação judicial do prazo, inexistindo abuso de direito e inexistindo intenção de actuar em detrimento da contraparte. A Requerente justifica suficientemente a sua pretensão e aponta um prazo que reputa razoável a fixar judicialmente. A Requerida é que não justifica o pretendido prazo de seis meses que contrapõe. Estará em condições de cumprir findos esses 6 meses? Estará em melhores condições para isso? Não o diz. Atendendo ao tempo ( 8 anos ) decorrido desde o acordo das partes na restituição do valor, sem que a mesma tenha sido efectuada; atendendo a que alguns armazéns já foram alienados sem reflexos no cumprimento da obrigação de restituição, o prazo apontado de 60 dias na decisão recorrida é justo, razoável e acertado. Improcedem as conclusões D) a G). A apelação é de improceder. V-DECISÃO: Pelo que fica exposto, acorda-se neste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida. Custas na 2ª instância pela Apelante ora Requerida. Valor da causa: € 30.000,01 (cfr. fls. 101). Lisboa, 2014.11.06 …………………………………………. (Rui António Correia Moura)
……………………………………………… (A. Ferreira de Almeida)
……………………………………………. (Catarina Arêlo Manso)
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