Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
392/2002.L1-6
Relator: MÁRCIA PORTELA
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
PROVA PERICIAL
EXCESSO DE PRONÚNCIA
PODERES DE ADMINISTRAÇÃO
CONDOMÍNIO
RESPONSABILIDADE CIVIL
INDEMNIZAÇÃO
PRINCÍPIO DISPOSITIVO
EXCEPÇÕES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/25/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: DECISÃO REVOGADA PARCIALMENTE
Sumário: 1. A faculdade conferida à Relação, prevista no artigo 712º, nº 1, CPC, de renovar os meios de prova produzidos em 1ª instância tem natureza excepcional, apenas devendo ser utilizada em caso de dúvida insanável sobre a correcção do decidido em 1ª instância, ou por as partes terem sido impedidas de possibilidade de exercer todas as prerrogativas que a lei lhes concede, quer em termos de interrogatório, quer em termos de instâncias.
2. Constitui entendimento corrente na doutrina e na jurisprudência que as respostas à matéria de facto, para além de afirmativas, negativas e restritivas, podem ser também explicativas.
3. No entanto, a explicação não pode integrar matéria que extravasa claramente o âmbito da pergunta.
4. Existe excesso de resposta quando o tribunal dá como provado mais do que é objecto de prova, ou algo diverso do que se perguntava.
5. Como tem sido entendimento dos tribunais superiores e da doutrina, a resposta excessiva deve ser considerada não escrita, por aplicação analógica do artigo 646º, nº 4, CPC.
6. Não é susceptível de figurar na matéria de facto provada a seguinte afirmação, por configurar questão de direito:
«A localização das caixas de esgoto no interior da fracção da A. não violou as regras relativas à drenagem pública e predial das águas residuais (relatório pericial de fls. 628 e ss.)».
7. Embora nem o Regulamento Geral das Canalizações de Esgoto, aprovado pela Portaria nº 11.338, de 8 de Maio de 1946, nem o Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU), aprovado pelo Decreto-Lei 38.882, de 7 de Agosto de 1951, em vigor à data da construção do edifício, nada disponham expressamente relativamente à localização das caixas de esgoto do prédio, é ilícita a sua localização no interior de uma fracção habitacional, por tal ser incompatível com as preocupações com a salubridade das habitações constantes do RGEU (artigos 92º e 94º), e por se tratar de uma parte comum.
8. Actua de forma negligente a administração do condomínio que, tendo tido conhecimento dos problemas com as caixas de esgoto situadas no interior da fracção da A. pelo menos em princípios de 1996, não logra resolver a situação, devendo por isso ressarcir o condómino dos prejuízos decorrentes de uma inundação devido a entupimento da caixa de esgotos situada no seu quarto de dormir, ocorrida em 26 de Agosto de 1999.
9. Processando-se o acesso a essa caixa de esgoto por uma garagem, cujo proprietário se encontra em parte incerta, cabe ao condomínio diligenciar no sentido de se garantir o acesso a tal garagem, independentemente de qualquer sinistro.
10. As dificuldades económicas dos devedores não constituem fundamento de exoneração da obrigação que sobre eles impendem. 11. Nas despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns devem incluir-se todas as que sejam indispensáveis para manterem essas partes em condições de poderem servir para o uso a que se destinam, independentemente do montante a que, em cada caso, ascendam.
12. Os factos extintivos do direito devem ser trazidos aos autos através dos meios próprios, mais concretamente através de articulado superveniente (artigo 506º CPC), sob pena de não poderem ser considerados, por a tal obstar o princípio do dispositivo.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

1. Relatório


B.... intentou acção declarativa, com processo comum ordinário, contra o Condomínio do prédio sito na Rua ...., Santo António dos Cavaleiros, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 23.551,85, acrescida de juros às taxas legais desde a citação até integral pagamento, bem como o montante das rendas futuras de que se verá privada de auferir, e ainda a condenação do R. a efectuar as obras necessárias para retirar a caixa de visita de esgotos situada no corredor de entrada da sua fracção.

Alegou, para tanto e em síntese, que é proprietária da fracção autónoma designada pela letra E, correspondente ao piso 0-E do prédio sito na Rua ...., Santo António dos Cavaleiros, e que desde que começou a habita-la tem visto a sua casa constantemente inundada por água e detritos, tomando então conhecimento da existência de duas caixas de visita de águas residuais situadas no interior da sua residência, sendo uma no quarto de dormir e outra no corredor de entrada, tendo apresentado várias reclamações no Centro de Saúde de Loures e na Câmara Municipal, bem como intentado contra a empresa vendedora da fracção e a construtora uma acção que se encontra pendente.
E que, em Outubro de 1996, uma vistoria da Câmara Municipal concluiu existirem irregularidades na canalização que provocaram os entupimentos com as inundações na sua casa, na sequência do que aquela entidade intimou, em 1997, o condomínio do prédio em causa a proceder às obras necessárias a correcção das deficiências detectadas no auto de vistoria, tendo este adiado sucessivamente a realização dessas obras, manifestando desinteresse sobre o assunto. Apesar de ter acabado por deliberar em Março de 1998 a realização das obras, não diligenciou pela localização do proprietário da garagem que dava acesso ao local das obras, nem se interessou em discutir alternativas que não passassem pela identificação do proprietário de tal garagem.
Disse ainda que no dia 26 de Agosto de 1999 viu a sua casa totalmente inundada com águas provenientes da caixa de visita de esgotos situada no interior do quarto de dormir, que entupiu e transbordou, causando diversos estragos na fracção e seu recheio, no valor global de Esc. 2.861.722$00 (€ 14.274,21), forçando-a a despender Esc. 60.OOO$00 (€ 299,28) com o desentupimento da caixa de esgoto. Esta inundação impediu-a de habitar a fracção e de a arrendar, no que teria auferido rendas no total de € 8.978,36.
E que, mesmo após esta inundação, só depois de o seu filho tomar a responsabilidade de arrombar a porta da garagem e de substituir a fechadura, o condomínio, em Setembro de 1999 acedeu a fazer obras, apenas retirando a caixa situada no quarto de dormir, não removendo a outra caixa situada no corredor de entrada.

Contestou o R., alegando em síntese que a situação das caixas de esgoto no tecto das garagens e por baixo do chão das fracções do piso O constituiu uma opção da construção, não imputável ao condomínio, pelo que não é legal a intimação da Câmara Municipal intimando-o realizar obras. No entanto, por razões de ordem prática e de saúde pública, após solicitar os esclarecimentos que entendeu necessários e de pagar o seu passivo, deliberou a quotização até Abril de 1999, para a realização da obra de remoção da caixa de esgoto do quarto da casa da A., o que acabou por não ser feito devido a impossibilidade de contactar o proprietário da garagem situada por baixo desta fracção, que dava acesso a referida caixa de esgotos, e inexistindo outra alternativa para a remoção da mesma caixa.
Disse ainda que a A. poderia ter tomado a iniciativa de realizar as obras e impugnou os prejuízos descritos na petição inicial, esclarecendo que o seguro das partes comuns do prédio não cobre tais prejuízos.

Replicou afirmando que o R. nunca reclamou ou demandou a construtora do prédio e não impugnou a intimação da Câmara Municipal, pelo que estava obrigada a dar-lhe cumprimento, e que ela não tomou a iniciativa de realizar as obras face a expectativa criada pelo R., com a não impugnação da intimação da Câmara Municipal e com as deliberações tomadas, para além de que as eventuais dificuldades económicas do R. lhe são imputáveis, por não ter cobrado as quotas aos condóminos e por não ter sido suficientemente diligente em localizar o dono da garagem que dava acesso à caixa de esgoto do quarto de dormir, não tendo realizado as obras necessárias para da remoção a outra caixa.

Foi proferido despacho saneador e fixada matéria de facto relevante.

Do despacho que deferiu a realização da prova pericial agravou o R., tendo apresentado as seguintes conclusões:
1) As perguntas formuladas pela A / recorrida aos senhores peritos nos nºs 1 a 22 do requerimento que em separado apresentou, não têm qualquer sustentação nos pontos da base instrutória invocados.
2. “A instrução tem por objecto os factos relevantes para a decisão e que devam considerar-se controvertidos…”, conforme o disposto no art. 513º do CPC sobre o objecto da prova.
3) Não se cingindo os quesitos 1 a 21 formulados pela A./recorrida aos factos constantes da base instrutória, não deveria o requerimento da perícia ter sido admitido, pelo menos nessa parte, por manifestamente impertinente, nos termos do disposto no nº 1 e nº 2 do art. 578º do CPC.
4) Admitir a realização da perícia, nos termos requeridos pela A./recorrida, implicará ainda admitir uma alteração do pedido para a qual o R./recorrente não deu o seu acordo, em violação das regras do artigo 273º do CPC.
5) Pelo que, decidindo como decidiu, o despacho recorrido violou, nomeadamente, o artigo 513º, o artigo 578º nº 1 e nº 2 bem como o disposto no artigo 273º do CPC e o princípio da estabilidade da instância consagrado no art. 268º, todos do CPC.
6) Acresce que os quesitos 22 a 44 formulados pela A./recorrida não se justificam no âmbito de uma prova pericial, por não serem aptos a ser respondidos por meio de uma vistoria técnica.
7) Pelo que, pelo menos nesta parte, a diligência não podia ter sido admitida, devendo o requerimento ter sido rejeitado, por manifestamente dilatório, nos termos do disposto no nº 1 e nº 2 do artigo 578º do CPC.
8) O objecto da perícia deve limitar-se às questões técnicas, de engenharia, atinentes à colocação das caixas de esgoto nas fracções do piso 0, à sua acessibilidade, às obras já efectuadas bem como às soluções técnicas viáveis para a resolução do problema.
9) A ser admitida a perícia requerida pela A./recorrida, o seu objecto deveria ter sido restringido, nos termos do artigo 578º nº 2 do CPC, limitando-se os senhores peritos a responder às questões formuladas nos quesitos 45 a 53º formulados pela A./recorrida.
10) Assim não decidindo, o douto despacho recorrido violou mais uma vez o artigo 578º nº 2 do CPC.
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas certamente suprirão, deverá o presente recurso de agravo merecer provimento, revogando-se o douto despacho recorrido, assim se fazendo a costumada
JUSTIÇA!»

Contra-alegou a A., concluindo como se segue:
«1. O recorrente não formulou quesitos e apresentou o nome do seu perito no prazo de 5 dias que lhe foi fixado pelo Tribunal, dando a sua concordância à peritagem. (Cfr. Artº 681 nº 2 e 3 do C.P.Civil).
2. A primeira conclusão do Recorrente improcede porque os quesitos formulados pelas partes para serem objecto de apreciação em prova pericial não têm, obrigatoriamente, que se cingir aos factos constantes do questionário. Art° 577 n° 2 do CPC.
3. A prova pericial é livremente apreciada pelo julgador, sendo certo que o Juiz do processo tem a faculdade de ampliar ou restringir a perícia e de determinar oficiosamente o respectivo objecto nos termos do Art° 579 do C.P.Civil, pelo que deverão improceder as conclusões 3). 5).
4. Carece de fundamento sério a alegação vertida em 4 e 5 das alegações, pela simples e meridiana razão de que a prova pericial é livremente apreciada pelo julgador.
5. Em face do disposto no Artº 265 nº 2 e 3 do C.P.Civil falecem derradeiramente as conclusões vertidas em 6) e 7).
6. Considerando que o Agravante também não se pronunciou sobre o objecto da perícia no prazo legal de 10 dias, deverão ser indeferidas as conclusões vertidas em 8), 9) e 10) das alegações de recurso.
7. O presente Agravo constitui um expediente dilatório que com recurso a argumentos destituídos de fundamento pretende impedir, a todo o custo, a descoberta da verdade material.
Termos em que deverão V. Exas, Venerandos Juízes Desembargadores, não conceder provimento ao presente recurso de Agravo e, em consequência manter o despacho recorrido
Assim decidindo farão V. Exas., Excelentíssimos Senhores Juizes Desembargadores como sempre a costumada
JUSTIÇA!»
Procedeu-se a julgamento.
A A. alegou de direito, pugnando pela procedência do pedido.

Foi proferida sentença que decidiu:
a) julgar extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide. relativamente ao pedido de remoção da caixa de esgoto situada no corredor da fracção da A.;
b) condenar o condomínio R. a pagar à A. a quantia de € 299,28 (duzentos e noventa e nove euros e vinte e oito cêntimos), acrescida de juros às taxas legais desde a citação até integral pagamento;
c) absolver o R. dos restantes pedidos formulados pela A..

Inconformada, recorreu a A., concluindo pela forma seguinte:
«1. Devem ser revogadas e alteradas as respostas aos quesitos n° 1, 2, 12, 13 e 15 com base na audição dos depoimentos das testemunhas Eng. D..., E... e F... nos termos do Art° 690-A n° 5 do CPC.
2. Quanto à resposta aos restantes quesitos 13 e 15 verifica-se que resulta dos depoimentos referidos que as respostas deveriam ter sido positivas considerando o teor dos já citados depoimentos em especial do Eng. D... e de E... pelo que se requer que seja dado integral cumprimento ao disposto no Art° 690-A n° 5 e 712 n° 3 do C.P.Civil.
3. Em relação ao quesito 12° a resposta positiva ao mesmo deve ser revogada porque o mesmo assenta em meras conclusões opinativas do Tribunal e não em factos concretos pois não se referem como foram realizadas as alegadas tentativas de contacto nem as datas das mesmas.
4. As testemunhas arrolada pelo R. pouco ou nada sabiam sobre a matéria do quesito 12° nem sabiam o nome do alegado proprietário da garagem nem referiram as letras da fracção correspondente à garagem pelo que o tribunal não sabe quem terá sido contactado ou se as tentativas de contacto foram mesmo para o proprietário, mesmo assim foi tudo dado como provado sem base factual
5. Não é legítimo que se deixe sem tutela a pretensão da Autora que pretende por termo ao risco de uma inundações da sua fracção com esgotos do prédio, pelo que não existe inutilidade superveniente da lide quanto ao pedido de remoção da 2ª caixa de visita situado no hall do apartamento da autora.
6. Conforme consta dos esclarecimentos dos peritos, se a tampa da caixa que está no hall de entrada da casa da Autora, não aguentar a pressão a agua de esgotos vai refluir pelas louças mais baixas da casa como sejam, a banheira, a sanita, o lava-loiça ou lavatório, sendo certo que os peritos apenas conjecturaram hipóteses uma vez que não abriram a caixa nem partiram o soalho para confirmar o tipo de caixa que se trata.
7. É meridianamente evidente que a tampa da segunda caixa de visita não está “formalmente" removida conforme se constatou pelos esclarecimentos dos peritos prestados em audiência de discussão e julgamento.
8. O facto ilícito gerador de responsabilidade civil é e violação do prazo para fazer a obra e não qualquer defeito de construção apenas imputável ao construtor.
9. Provou-se entupimento é defeito de conservação porque não houve alterações ao projecto.
10. O entupimento por defeito de construção não foi provado pelo Réu, nem foi alegado pelas partes, pela simples e meridiana razão que o R. não alegou que mesmo fazendo a manutenção não podia evitar as inundações por causa da construção mas não o fez.
11. O Tribunal pretende ignorar o facto provado em AB) do relatório da Sentença onde se pode ler o seguinte: “no dia 26 de Agosto de 1999 ocorreu um entupimento do tubo de queda de águas sujas e a caixa de esgotos situada no quarto de dormir da autora entupiu e transbordou."
12. Perante o facto dado como provado em AB) a sentença recorrida lavra num equivoco porque o ónus da prova de que o entupimento não foi provocado por deficiências de conservação ou de vícios de construção incumbia ao R uma vez que está provado que havia o perigo de inundação da fracção da autora e por isso a Câmara Municipal de Loures intimou a administração do condomínio a fazer a obras em 1996.
13. Consta dos autos as sucessivas administrações tiveram conhecimento da situação, mas as obras só foram feitas após a inundação.
14. Perante o quadro fáctico, e considerando que o condomínio R. não impugnou a intimação para fazer as obras incumbia à qualquer administração minimamente zelosa e cumpridora tomar o máximo de cuidado com a conservação dos esgotos do prédio, sendo certo que como ficou provado em AS), a administração do R. efectuou obras nas outras fracções do piso "O"
14. E essa situação enquadra-se também no disposto no Art° 493 do Código Civil, porque as instalações de esgotos são sempre portadoras de "intrínseca eficiência danosa" e, por via dela, susceptíveis de causar danos aos moradores proprietários.
15. Perante o problema da condómino A/Apelante, na fracção 0E, qualquer administração zelosa teria contratado um seguro para precaver-se contra estas situações, sendo certo que o contrato de seguro constante do ponto AU) a fls. 442, apenas foi celebrado em 1999, ou seja, três anos após a intimação camarária.
16. Todos estes factos reforçam que o R. deveria ter sido condenado a título de culpa presumida, nos termos do Artº 483º 487º e 493º, ou seja, no caso presente, só a prova da falta de culpa pode funcionar com causa de exclusão da responsabilidade, por elisão da presunção.
17. O Tribunal confundo o facto ilícito gerador da responsabilidade civil do condomínio, com a licitude ou ilicitude do acto administrativo que foi notificado ao Réu e que este não impugnou.
18. A omissão da realização atempada das obras é um facto ilícito e em consequência aumenta as probabilidades de uma inundação, porque o condomínio R. não respeitou a intimação da Câmara Municipal, mas conformou-se com a mesma, efectuou as obras apenas passado três anos e somente depois de ter ocorrido a inundação.
19. Para elidir a presunção do Art° 493 n° 1 do CC. não basta ao Réu alegar que não tinha acesso à garagem referida em AD) dos factos assentes.
20. Além da presunção, culpa, por omissão é real porque o condomínio réu teve quase três anos para interpor um procedimento cautelar ou acção judicial contra o proprietário da garagem e nada fez, sendo certo que poderia ter obtido uma citação edital ou um certidão negativa em notificação judicial avulsa nos termos dos arts° 261 ° e 262° do código do processo civil e assim comprovar, sem margem para dúvidas que tinha tentado assegurar o início das obras em tempo útil ou tentar localizar o proprietário da garagem referida em AD) dos factos assentes.
21. O Condomínio Réu, quando o teve a verba orçamental para as obras (cuja recolha deveria ter iniciado logo em 1997), podia também e desde logo ter lançado mão da acção directa invocando o disposto nos Artºs 336º e Artº 1349º do Código Civil para dar início às obras e também nada fez.
22. Tudo isto para dizer que estão provados todos os pressupostos legais da responsabilidade civil, nos termos do art° 483º do CC., o facto ilícito, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o dano e a omissão.
23. Deve ser revogada a decisão que condenou o Réu a pagar juros moratórios desde a data da citação por violar o disposto no Art° 805 nº 2 b) do C.Civil pois a obrigação de indemnizar provem de facto ilícito.
VIII – NORMAS VIOLADAS.
Foram violados: os Artºs 342 nº 2, Art° 492º, 493º Art° 805 nº 2 b) todos do C. Civil.
Artºs 265º, 653º, 664º e 665º todos do C.P Civil.
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso de Apelação e, em consequência ser revogado a decisão recorrida sendo o Réu condenado em todos os pedidos
Assim, decidindo, será feita a costumada
JUSTIÇA»

2. Fundamentos de facto
A 1ª Instância considerou provados os seguintes factos:
A) A fracção autónoma designada pela letra E, correspondente ao piso 0-E do prédio constituído em propriedade horizontal, inscrito na matriz predial urbana no artigo ... da freguesia de Santo António dos Cavaleiros e descrito no nº .../Santo António dos Cavaleiros da ... Conservatória do Registo Predial de Loures, esta aí inscrito a favor da A. (alínea A dos factos assentes).
B) Desde que começou a habitar a fracção em 20 de Maio de 1987, a A. tem visto a sua casa constantemente inundada por água e detritos, provenientes do soalho, acompanhados de um cheiro pestilento (alínea B dos factos assentes).
C) Ao indagar da proveniência do mau cheiro e da água suja que invadia a sua casa, a A. teve conhecimento a existência de duas caixas de visita de águas residuais situadas no interior da sua fracção, encontrando-se uma localizada no quarto de dormir e outra no corredor de entrada da habitação (alínea C dos factos assentes).
D) Em 23 de Julho de 1990 a A. apresentou no Centro de Saúde de Loures o requerimento de fls. 33, recebendo a resposta de fls. 34 (alínea D dos factos assentes).
D’) Na carta referida no artigo anterior lê-se, designadamente que
«O local onde reside foi adquirido como habitação própria à firma Estil..., S.A., por escritura efectuada a 20.05.1987 no ... Cartório Notarial de Lisboa, verificou agora que tem dentro de casa 2 caixas de esgoto, uma no quarto e outra no corredor, por entupimento da 1ª esta rebentou por pressão com o pavimento, transbordou e alagou o respectivo quarto, alagando a alcatifa aplicada, tendo de seguida sido necessário rebentar com o resto do pavimento para proceder à abertura completa da dita caixa para desentupir e limpar, o que naturalmente terá curta duração uma vez que dá passagem aos esgotos dos andares superiores (em número de fogos cerca de 23/24). Por ser incompreensível a construção da dita caixa no interior deste quarto, por ser um atentado às mais elementares regras de higiene e saúde pública. Dirigiu-se a signatária à firma construtora Tetra...., S.A., associada da firma que vendeu a dita fracção, tendo verificado por parte desta pouco interesse na solução do problema. Deste modo e porque se torna difícil a ocupação do referido quarto devido ao cheiro pestilento que existe, muito agradecia a visita de V. Exª para constatar in loco os factos narrados.» (facto considerado ao abrigo do artigo 659º, nº 3, ex vi artigo 713º, nº 2, CPC).
D’’) O ofício referido na alínea D) é do seguinte teor:
«Relativo à reclamação que V. Exa enviou a este Centro de Saúde, o local foi visitado por um técnico Sanitário em serviço neste Centro, tendo sido verificado que a queixa apresentada tem inteiro fundamento.
Como compete as Câmaras Municipais resolverem estes assuntos ao abrigo do Artº 12 do R.E.G.E.U. foi tirada fotocópia da mesma e enviada a entidade acima mencionada.» (facto considerado ao abrigo do artigo 659º, nº 3, ex vi artigo 713º, nº 2, CPC).
E) Foi enviada uma cópia do requerimento para a Câmara Municipal de Loures, que notificou a construtora Estil..., S. A., para proceder a obras cautelares no esgoto colectivo, a fim de se evitarem futuros entupimentos (alínea E dos factos assentes).
F) Como a Estil..., S. A., não resolveu o problema, a A. interpôs em 9 de Dezembro de 1992, uma acção declarativa de condenação contra a empresa vendedora e contra a Construtora Tetra..., S. A., na qual foi proferida sentença, transitada em julgado em 5.07.04, em que julgou procedente a excepção a caducidade e improcedente o pedido (alínea F dos factos assentes).
G) Nos anos de 1993 e 1994 as inundações e os problemas com os esgotos continuaram a ocorrer na casa da A., continuando a caixa de visita de água de esgotos situada no quarto de dormir a entupir ( 1ª alínea H dos factos assentes).
H) Em 4 de Julho de 1995 a A. apresentou nos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Loures um requerimento, na sequência do que foi emitido o parecer de fls. 86 (alínea G dos factos assentes)
H’) É o seguinte o teor do referido parecer:
«ASSUNTO: MAU FUNCIONAMENTO DA REDE INTERIOR DE ESGOTOS
Em referência ao assunto mencionado em epígrafe, informamos V Exa que se trata de mau funcionamento da rede interior de esgotos e que todas as obras de reparação na rede interior de esgotos são da responsabilidade dos proprietários ou neste caso dos condóminos».(facto considerado ao abrigo do artigo 659º, nº 3, ex vi artigo 713º, nº 2, CPC).
I) No dia 11 de Março de 1996 a A. entregou a administração do condomínio a carta de fls. 87 e 88 (2ª alínea H dos factos assentes).
I’) É o seguinte o teor da referida carta:
«Como é do vosso conhecimento, a minha casa encontra-se em estado lastimável devido a inundação pelas águas saídas das caixas de esgoto existentes no interior da minha habitação.
Não posso continuar nesta situação que se arrasta há meses, e que é a repetição do sucedido noutras alturas.
Como também é do conhecimento de V. Exªs expus ultimamente o caso à Câmara Municipal de Loures e aos Serviços Municipalizados e ambos me responderam que se trata de «mau funcionamento da rede interior de esgotos, da responsabilidade dos condóminos.
Nesta data solicitei ao Senhor Delegado de Saúde novo exame ao local.
Peço a V. Exº a melhor atenção para o meu caso e as providências necessárias para resolver o problema.» (facto considerado ao abrigo do artigo 659º, nº 3, ex vi artigo 713º, nº 2, CPC).
J) Não tendo obtido resposta da administração do condomínio, a A. requereu aos serviços camarários uma vistoria às condições de habitabilidade e salubridade da sua habitação (alínea I dos factos assentes).
K) Em 31 de Outubro de 1996 foi realizada pelos serviços de fiscalização da Câmara Municipal de Loures a vistoria à casa da A., aí constando o parecer de fls. 61 que conclui pela existência de irregularidades na canalização e pela necessidade de intimar a administração, do prédio para reparar as referidas deficiências no prazo 30 dias (alínea J dos factos assentes).
K’) É o seguinte o teor do parecer referido na alínea anterior:
«Vistoriada a referidas habitação verificou-se o seguinte: a caixa de esgoto localizada no quarto já entupiu diversas vezes, ocasionando estragos, devido à existência de irregularidades na canalização o que implica a obstrução desta até à dita caixa.
Face ao exposto, julga-se de intimar a Administração do prédio a reparar as deficiências acima assinaladas no prazo de trinta dias.» (facto considerado ao abrigo do artigo 659º, nº 3, ex vi artigo 713º, nº 2, CPC).
L) Na sequência dessa vistoria os serviços de fiscalização da autarquia remeteram administração do condomínio o ofício de 27.01.97, tendo sido enviada, por registo postal de 28.01.97, a carta dirigida para a Rua ..., Santo António dos Cavaleiros, que veio devolvida com a menção de “endereço insuficiente" (alínea K dos facto assentes).
M) Posteriormente foi novamente enviado o referido ofício ao condomínio réu, não tendo a respectiva carta sido reclamada, sendo depois reenviado para o domicílio profissional da administradora do condomínio (alínea L dos factos assentes).
N) Do referido ofício, que consta a fls. 62, era comunicado o seguinte: -Em cumprimento do despacho do Sr. Vereador G..., datado de 23.12.96 relativo a assunto mencionado em epígrafe, serve o presente para intimar V. Exa a proceder à execução das obras necessárias à correcção da deficiências mencionadas no auto de vistoria de que se junta fotocópia" (alínea M dos fatos assentes).
O) No dia 14.12.97 foi lavrada pela administração do condomínio a acta nº 14, que consta a fls. 89, onde se decidiu "escrever uma carta à Câmara Municipal de Loures para se tentar resolver o problema do esgoto do condómino do 0-E" (alínea N dos factos assentes).
P) Em 24 de Fevereiro de 1997 a administração do condomínio enviou à Câmara Municipal de Loures a carta de fls. 69 e 70 (alínea O) dos factos assentes).
P’) É o seguinte o teor da carta referida no artigo anterior:
«Na qualidade de administradora do edifício n° ... da Rua ..., em Santo António dos Cavaleiros, venho pela presente esclarecer o seguinte, sobre o processo acima indicado e no que se refere ao R/C - E daquele Edifício:
1 - O problema de esgotos que existe no edifício em causa, existe desde a sua construção.
2 - Há um processo no tribunal, colocado pelo condómino, contra a empresa construtora e contra essa Câmara.
3 - Todas as obras aquando da sua construção têm uma vistoria da Câmara, feito por um técnico responsável. Pergunto:
1º - O técnico não viu as condições da caixa de esgoto?
2º - Não compreendo como é que a Câmara agora diga que tem que ser a Administração a resolver o problema!
Agradeço a V Exa o favor de informar esta administração de como se pode remediar a situação. Penso que quem deliberou que o dever de resolução do problema cabe à Administração do prédio, terá também constatado o que a mesma deverá fazer. Fico a aguardar mais esclarecimentos.» (facto considerado ao abrigo do artigo 659º, nº 3, ex vi artigo 713º, nº 2, CPC).
Q) Em 27.06.97 a administração do condomínio enviou à Câmara Municipal de Loures a carta de fls. 75 (alínea P) dos factos assentes).
Q ’) É o seguinte o teor da carta referida na alínea anterior:
«Já entendi - muito embora discorde - que a Administração tem de fazer a obra, no que toca à remoção da caixa de esgotos do quarto.
Agora o que eu já solicitei na carta anterior e, volto a solicitar, é que a Câmara, através dum técnico responsável pela área de esgotos, me elucide de qual o local mais correcto para se poder solucionar o problema.
A administração está na disposição de resolver a situação, mas a Câmara não deve só mandar a administração fazer as obras, pois também tem a sua quota parte de responsabilidade. Então, que colabore também.
Estou à disposição de V.Exa., para uma reunião, para que, em conjunto e, pessoalmente, possamos pôr fim a esta questão.» (facto considerado ao abrigo do artigo 659º, nº 3, ex vi artigo 713º, nº 2, CPC).
R) Nas actas de reunião do condomínio nºs 15 e 17, de 19.09.97 e de 20.02.98, respectivamente, que constam a fls. 90 e a fls. 91 e ss., nada foi deliberado sobre o assunto (alínea Q dos factos assentes).
S) Na acta nº 18 de 6. 03.98, que consta a fls. 95 e ss., foi referida a necessidade de resolver, após reclamação escrita dos interessados, os problemas de algumas fracções, entre as quais a da autora "devendo a comissão após recepção das aludidas reclamações e outras, pedir o competente parecer técnico e se em consequência for demonstrado a responsabilidade da administração será elaborado o respectivo orçamento … (alínea R dos factos assentes).
T) A Câmara Municipal de Loures enviou ao condomínio o ofício de 30 de Abril de 1998, constante a fls. 77 (alínea S dos factos assentes).
T ’) É o seguinte o teor do ofício referido na alínea anterior:
« 1. Uma vistoria final, para emissão de licença de utilização, não permite muitas vezes, como notoriamente no caso em presença, detectar algumas anomalias que, por vezes, só passado algum tempo de utilização se manifestam.
2. É a Administração de condomínio, enquanto proprietária, a responsável perante o Município, pelas obras e reparações que hajam de fazer-se nas partes comuns do prédio, motivo porque, no caso presente é esse órgão do condomínio que tem de "resolver o problema";
3. O que se explica no nº 2 não prejudica a responsabilidade eventual do empreiteiro perante o condomínio, por graves defeitos de construção, nos termos da lei civil, no âmbito das relações do direito exclusivamente privado».(facto considerado ao abrigo do artigo 659º, nº 3, ex vi artigo 713º, nº 2, CPC).
U) No processo aberto pela Câmara Municipal já existia desde Outubro de 1994, o parecer elaborado pelo engenheiro civil D... que consta a fls. 47, relativo ao projecto de esgotos do prédio (alínea T dos factos assentes).
U ’) É o seguinte o teor do referido parecer:
«Canalização de esgotos do Edifício 9/10 da Urbanização Cidade Nova Unidade 8, em Santo António de Cavaleiros».
I
Processo nº 36.695/OPC, da Câmara Municipal de Loures, em nome da Estil..., S.A.
Na consulta directa a todo o processo nº ..., que se compõe de 6 volumes, verifiquei os seguintes elementos:
1- No 1º e 2º volumes não se encontra qualquer projecto de esgotos.
2- Liquidação da licença de construção (fls. 148 do 3º volume) licença que, com o nº ..., foi passada em 22.06.82.
3- Requerimento da Estil... de 15.05.83, pedindo junção do projecto de alterações (fls. 151 do 3º volume).
4- Plantas daquele projecto (fls. 156 a 161 do 3º volume).
5- Deferimento do pedido de construção do edifício em reunião da Câmara de 31.01.84 (fls. 168 do 3º volume).
6- Requerimento da Estil... de 09.03.84 juntando o projecto de canalizações de esgotos (fls. 170 do 3º volume).
7- Plantas das garagens e do piso 0 (fls. 174 do 3º volume).
8- Despacho de 31.10.84 de indeferimento do projecto de alterações (fls. 210 do 4º volume).
9- Requerimento da Estil...., de 10.11,84, juntando o 2º projecto de alterações (fls. 214 do 4º volume).
10- Ofício de 26.11.84 da CML informando a Estil... de que só seria considerada a pretensão após entrega dos vários traçados, entre eles o de esgotos (fls. 240 do 4º volume).
11- Requerimento da Estil..., de 18.12.84, juntando vários projectos, entre eles o de esgotos ( fls. 244 do 5º volume).
12- Cópias dos desenhos nºs 1 e 2, de 05.12.84, mostrando o traçado dos esgotos (fls. 246 e 247 do 5º volume).
13- Informação dos Serviços Técnicos de Obras da CML, referindo que foram enviados aos Serviços Municipalizados os traçados de esgotos e que os mesmos foram aprovados em 28.02.85 (fls. 279 do 5º volume).
14- Pedido de vistoria dos esgotos em 22.09.85 (fls. 325 do 6º volume).
15- Requerimento da Estil..., de Março de 1986, com novo projecto de alterações (fls. 326 do 6º volume).
16- Junção do projecto de esgotos (fls. 342 do 6º volume).
17- Declaração do Engenheiro responsável de se achar em conformidade com as disposições regulamentares o projecto de esgotos (fls. 343 do 6º volume).
18- Cópias dos desenhos nºs. 1 e 2 - projecto de esgotos - (fls. 344 e 345 do 6º volume).
19- Envio do projecto de esgotos aos Serviços Municipalizados (fls. 348 do 6º volume).
20- Ofício nº ... dos Serviços Municipalizados, de 27.05.86, comunicando à CML e aprovação do projecto de esgotos (fls. 361 do 6º volume).
21- Requerimento de 24.06.86, com novo projecto de alterações (fls. 364 do 6º volume).
22- Folha de fiscalização referindo que, em 17.07.86, foi feita a visita e que as canalizações de esgotos estão em condições e devidamente ligadas (fls. 380 do 6º volume).
23- Auto de vistoria dos esgotos, de 01.10.86, referindo que estão de acordo com o projecto aprovado e que está executada a ligação do colector (fls. 384 do 6º volume).
II
Comparando as peças do processo, nomeadamente as indicadas na parte 1, constatei que:
1- O projecto de esgotos foi inicialmente concebido de forma correcta.
2- Esse projecto evoluiu, à medida que foi sendo alterado o projecto de arquitectura, tendo este sofrido várias alterações (v. n°s. 3, 9, 15 e 21 da parte 1).
3- Tanto o desenho 7 de 12.04.83, que faz parte do projecto de arquitectura, a fls. 156 do 3º volume (nº 6 da parte I), como o desenho de 09.03.84 que faz parte do projecto de esgotos, a fls. 170 do 3º volume (nº 6 da parte I), como os desenhos 1 e 2 de 05.12.84, a fls 246 do 52 volume (nº 12 da parte I), cumprem as normas regulamentares.
4- Aqueles desenhos 1 e 2 de 05.12.84, a fls. 246 do 5º volume, foram os desenhos aprovados.
5- O projecto de esgotos desvirtua-se na alteração apresentada pela Estil... em Março de 1986.
6- O desenho 1 de 26.03.86 (fls. 344 do 6º volume), deste novo projecto, corresponde ao desenho 1 de 05.12.84 (fls. 246 do 5º volume) do anterior projecto, que foi aprovado.
7- O desenho 2 de 26.03.86 (fls. 345 do 6º volume), do mesmo projecto de 1986, é que não corresponde ao desenho 2 de 05.12. 84 (fls. 246 do 5º volume), desenho que foi aprovado.
8- A consulta das peças desenhadas deste projecto, desenhos 1 e 2, de 26.03.86, a fls. 344 e 345 do 6º volume (nº 18 da parte I) evidencia uma contradição entre o que é mostrado na planta (desenho 1), por um lado, e no corte A-B (desenho 2), por outro.
9- O desenho 1 referido em 8 apresenta canalizações e caixas instaladas nas garagens (piso técnico), cuja cota é inferior à área exterior, isto é, as canalizações inferiores e caixas localizam-se em cave.
10- O desenho 2, também referido em 8, mostra, pelo contrário, as canalizações e caixas suspensas no tecto das garagens (piso técnico).
11- O que o construtor fez foi seguir a concepção do desenho 2, ficando, assim, as tampas das caixas à cota do piso 0.
12- O esquema adoptado - o indicado no desenho 2 - é profundamente errado e fere as disposições regulamentares, porque:
- obriga à inspecção e manutenção das canalizações interiores (colectores) utilizando áreas privadas, nomeadamente um dormitório no piso 0, e
- não acautela prejuízos resultantes de refluimentos, por obstrução nas canalizações inferiores.
13- Assim, o próprio projecto de comunicação à obra apresenta contradições com a planta (desenho 1).
14- Na impossibilidade de poderem ser cumpridas as disposições do desenho 1 (planta) por cota insuficiente no piso técnico (cave), devia ter sido criado poço de bombagem, ou, na alternativa, se a estrutura o consentisse,
15- Instalar dois colectores, sem caixas, correndo no tecto do piso técnico (cave) com bocas de limpeza.
16- Na alternativa referida em 15, um dos colectores serviria as instalações dos pisos elevados (1 e superiores), e o outro (devidamente ventilado) serviria as instalações do piso 0, afluindo ambos à mesma caixa final de jusante, com tampa apoiada e à superfície, assim se prevenido o risco de refluimento para o piso 0.
Anexos: cópias dos desenhos 1 e 2 de 26.03.86.
esquema das soluções indicadas» (facto considerado ao abrigo do artigo 659º, nº 3, ex vi artigo 713º, nº 2, CPC).
V) Na acta nº 19 de 23 de Outubro de 1998, que consta a fls. 105 e ss. foi estimado o valor de 750 contos para a execução da obra de correcção do sistema de esgotos do prédio e deliberado a realização da mesma apenas em Março ou Abril de 1999 devido à inexistência de recursos financeiros, bem como o pagamento de um quota adicional durante os meses de Novembro de 1998 a Abril de 1999 para suportar o respectivo custo (alínea U dos factos assentes).
V’) É o seguinte o teor da referida acta, na parte relevante:
«Verificada a regularidade da convocatória e a presença de um número de condóminos representativo dos votos necessários à tomada de deliberações, o elemento da Comissão H... fez então a apresentação do balanço relativo ao período de funcionamento da presente Administração, ou seja 20 de Fevereiro de 1998 a 30 de Setembro de 1998, do Orçamento para o período de 1 de Novembro de 1998 a 31 de Dezembro de 1999, dos montantes das quotizações propostas de acordo com o Orçamento mais a percentagem para o Fundo de Reserva Legal e das propostas quotas adicionais para as obras relativas a correcção do sistema de Esgotos, tudo com base em documentos que foram exibidos e entregues cópias aos condóminos presentes e que também ficam arquivados os respectivos originais.
No que se refere às propostas quotas adicionais e aos seus fundamentos, a Assembleia foi esclarecida da necessidade urgente de proceder a obras de correcção do sistema de esgotos do prédio, uma vez que o sistema existente resulta de um erro de execução que se traduz numa alteração ilegal ao projecto aprovado pela Câmara Municipal de Loures e que por esta não foi detectado aquando da vistoria final para concessão da licença de utilização. Após insistentes diligências da actual Administração junto da Câmara de Loures no sentido de ver esclarecido e resolvido o problema e que se traduz no facto da caixa de esgoto principal do prédio se encontrar fisicamente localizada entre uma das divisões da fracção 0 E e as garagens, o que motiva, e que infelizmente já motivou várias vezes ao longo dos últimos anos, que tendo a referida caixa de esgoto entupido a mesma transbordou e inundou a fracção 0 E e o seu desentupimento teve que se processar dentro da própria fracção 0 E, obteve finalmente esta Administração uma resposta da Câmara de Loures, através do ofício nº ...., de 21 de Julho de 1998, em arquivo, segundo o qual "Uma vistoria final, para emissão de licença de utilização, não permite muitas vezes, como notoriamente no caso em presença, detectar algumas anomalias que, por vezes, só passado algum tempo de utilização se manifestam. É a Administração de condomínio, enquanto proprietária, a responsável perante o Município, pelas obras e reparações que hajam de fazer-se ... o que não prejudica a responsabilidade eventual do empreiteiro perante o condomínio, por graves defeitos de construção ....
Face à dificuldade jurídica de, com rapidez accionar os meios judiciais necessários que levem à responsabilização da construtora "I...", (sic) desde logo face à sua situação de falência legal, ainda que se não abandone este propósito, entende esta Administração propor à Assembleia Geral de condóminos a realização daquelas necessárias e urgentes obras de correcção dos sistema de esgotos do prédio, por forma a garantir e a devolver a todos os condóminos que aqui residem, e em particular ao condómino da fracção 0 E que directamente vem sofrendo prejuízos ao longo dos últimos anos, a qualidade de vida que todos merecemos e melhores condições de saúde pública.
Com vista a formular uma proposta, as obras a realizar encontram-se estimadas num valor aproximado de 750 contos que incluem a execução da obra, licenças e projecto, mas cujo valor real ao momento não é possível apurar, desde logo porque devido à inexistência de recursos financeiros, as obras terão que ser diferidas para Março / Abril de 1999, altura em que, caso a quota adicional seja aprovada, o prédio já disporá dos recursos financeiros necessários à realização das obras.
A Administração propõe, assim, para o efeito, o pagamento de uma quota adicional durante os próximos seis meses (de Novembro de 1998 a Abril de 1999), calculada em relação ao valor orçamentado de 750 contos, em função da permilagem respectiva e incluídos os proprietários das fracções "Garagens" uma vez que se trata de obras de conservação do prédio.
(...)
Posta à votação a proposta de realização das obras relativas à correcção do sistema de esgotos prédio e as consequentes quotas adicionais, em seis prestações mensais, pelo período de Novembro de 1998 a Abril de de 1999, a proposta foi aprovada com 29 (vinte e nove) votos a favor (com uma das garagens representada) e 1 (um) voto contra, conforme se atesta através de documento anexo e que fica arquivado». (facto considerado ao abrigo do artigo 659º, nº 3, ex vi artigo 713º, nº 2, CPC).
X) Na acta nº 20, lavrada em 21 de Fevereiro de 1999, que consta a fls. 111, foi deliberado a substituição dos azulejos da casa do lixo, face à iminência da reunião de condóminos agendada para 19 de Março de 1999 e a ter lugar no referido local (alínea V dos factos assentes).
X’) É o seguinte o teor da referida acta na parte relevante:
«Face ao rigoroso Inverno e às baixas temperaturas que têm ocorrido desde, mais ou menos, Novembro de 1998, os azulejos que revestem a casa do lixo do edifício começaram a despegar-se das paredes e a cair em grandes quantidades, partindo-se na sua totalidade quando do embate no chão (...).
Assim, e desde logo face à iminência da reunião de condóminos agendada para o próximo dia 19 de Março de 1999, a qual, como sempre terá lugar na referida casa do lixo, e tratando-se de uma situação urgente, a comissão administrativa decidiu, como acto normal da sua gestão, promover a remoção dos poucos azulejos que se mantinham mais ou menos fixos e substitui-los, como solução definitiva por pintura a tinta de areia que, para além de embelezar aquele espaço, de propriedade comum, lhe garante melhor isolamento, maior durabilidade e menor custo.
Assim e para o efeito, consultou a comissão Administrativa dois pintores cujas propostas de orçamento, uma no valor de 160.000 escudos e outra de 140.000 escudos, constam da pasta da administração, tendo decidido adjudicar a pintura qao Sr. J... o qual apresentou o orçamento de valor mais baixo.
Uma vez tratar-se de uma obra de reparação e não de conservação cuja competência para decidir não necessita de homologação de Assembleia de condóminos, decidiu a comissão administrativa proceder às obras de reparação das paredes da casa do lixo do prédio, suportando a administração, através do seu orçamento, o custo referido de 140.000 escudos, sem qualquer encargo adicional para os condóminos.» (facto considerado ao abrigo do artigo 659º, nº 3, ex vi artigo 713º, nº 2, CPC).
Z) Na acta nº 21, lavrada a 19 de Março de 1999, que consta a fls. 112 e ss., refere-se que já se iniciaram os contactos com a empresa empreiteira escolhida para a execução das obras e com a Câmara Municipal no sentido de se avançar com o projecto e respectivas licenças camarárias, “estando todavia o processo condicionado à identificação e contacto do proprietário da garagem nº 4, uma vez que as obras requerem o acesso aquela garagem” (alínea X dos factos assentes).
AA) As obras não foram executadas pelo condomínio nos meses de Março e de Abril de 1999 (alínea Z) dos factos assentes).
AB) No dia 26 de Agosto de 1999 ocorreu um entupimento do tubo de queda de águas sujas e a caixa de esgotos situada no quarto de dormir da casa da A. entupiu e transbordou, ficando todas as divisões da fracção inundadas com água dos esgotos do prédio, provenientes da referida caixa e tendo tal água atingido a altura de 5 cm (alínea AA dos factos assentes).
AC) No dia 26.08.1999 a A. apresentou na Câmara Municipal de Loures o requerimento que consta a fls. 82 (alínea AB dos factos assentes).
AC ’) É o seguinte o teor do requerimento referido na alínea anterior:
«Após vistoria realizada a 31/10/96, foi intimada, pelo vosso ofício nº ..., de 27/01/97, a administração do condomínio na morada supra citada a realizar a obra de rectificação / correcção das deficiências mencionadas no auto de vistoria, não tendo até à data efectuado as mesmas.
Neste momento a habitação encontra-se inundada por águas de esgoto (putrefacta) com uma altura máxima de 5 cm, constituindo um grave perigo para a saúde pública. Este pedido tem por base a realização de um processo que permite obter a autorização judicial a fim de permitir o acesso à caixa de saída de esgoto, que se encontram na garagem nº 4, da supra citada morada, e cujo proprietário tem morada desconhecida há mais de 2 anos, responsabilidade que a administração do condomínio poderia assumir (entrada na garagem na ausência do proprietário) não o fazendo, e por isso não dá cumprimento à intimação acima citada.»
AD) Mesmo depois da inundação ocorrida em 26 de Agosto de 1999, o condomínio recusou-se a efectuar as obras e o desentupimento da caixa de visita situada no quarto de dormir da A., por ser necessário fazê-lo a partir da garagem situada no piso inferior e não ser possível aceder à mesma (alínea AC dos factos assentes).
AE) Foi o filho da A. que assumiu a responsabilidade de arrombar a porta da garagem que se situa por baixo da fracção, tendo procedido ao arrombamento da mesma e substituição da fechadura, para se poder aceder a caixa de visita de esgotos situada no quarto da casa da A. (alínea AD dos factos assentes).
AF) Em Setembro de 1999, aproveitando o arrombamento da garagem efectuado pelo filho da A., o condomínio procedeu às obras necessárias para desviar o cano que conduzia as águas sujas ao quarto de dormir da casa da A., mas nunca fez obras para retirar a outra caixa de visita, sita no corredor de entrada da mesma casa e para evitar futuras inundações (alínea AE dos factos assentes).
AG) A A. despendeu a quantia de 60 000$00 no desentupimento da caixa de esgoto efectuado a 3109/9, que o condomínio não lhe pagou (alínea AF dos factos assentes).
AH) Enquanto a fracção não foi limpa, não foi possível habitá-la (resposta ao quesito 3°).
AI) No corredor e na sala foram danificados:
- um roupeiro embutido na parede composto por duas portas, cujas caixas inferiores não encaixam, num valor de € 400.00 ;
- um móvel de entrada com espelho alto, que foi colado;
- três mesinhas de apoio de madeira maciça, cujos pés ficaram manchados na parte inferior:
- um móvel de casa de jantar, folheado, composto de três módulos, que ficou inutilizado;
- um móvel de canto de madeira maciça, cujos pés ficaram ligeiramente manchados na parte inferior:
- uma mesa de casa de jantar cujos pés ficaram manchados na parte inferior;
- dois sofás individuais forrados a tecido, que ficaram com a parte inferior desbotada;
- uma mesa redonda (camilha), cujos pés ficaram manchados na parte inferior:
- tapetes (resposta ao quesito 4º).
AJ) Na cozinha ficaram danificados um conjunto de móveis de valor não inferior a Esc. 100.000$00 e o fogão (resposta ao quesito 5º).
K) No quarto principal foram danificados:
- uma mobília de quarto, cujos pés e bases ficaram manchados;
- um armário roupeiro com três portas em espelho, tendo os espelhos e o caixilho interior ficado degradados na parte inferior;
- uma cadeira estofada em tecido, cujos pés ficaram com ferrugem na parte inferior;
- toda a alcatifa e tapetes (resposta ao quesito 6º).
AL) No quarto mais pequeno foram danificados:
- uma escrivaninha completa, que ficou com o folheado da parte inferior a descolar;
- duas cadeiras de costas e assentos forrados cujos pés ficaram manchados na parte inferior:
- toda a alcatifa (resposta ao quesito 7°).
AM) Foram danificados ainda os seguintes bens:
- tapetes da casa de banho;
- uma mesa alta rectangular de apoio, cujos pés ficaram manchados:
- as portas da casa de banho, dos quartos e da cozinha, que ficaram com a parte inferior inchada e descolada, no valor de cerca de € 500.00;
- pintura das paredes, no valor total de € 1.000,00;
- a porta de entrada e respectiva fechadura, que ficou empenada, no valor de cerca de € 100,00 (resposta ao quesito 8°).
AN) Em gavetas de nível inferior foram ainda danificados:
- álbuns de fotografias:
- espelho com moldura de madeira, que ficou partida (resposta ao quesito 9°).
AO) O valor das rendas para arrendamento praticado na zona de Loures não é inferior a € 250.00 por mês (resposta ao quesito 10°).
AP) No ano de 1998 o condomínio tinha passivo por liquidar (resposta ao quesito 11º).
AO) O condomínio tentou contactar o proprietário da garagem por baixo da casa da autora, sem o conseguir (resposta ao quesito 12°).
AR) Existiam alternativas para a obra realizada pelo condomínio referida em AP), sem ser mediante o acesso à garagem aí mencionada, as quais, porém, seriam muito mais dispendiosas e implicariam alteração ao projecto e necessidade de autorização camarária, bem como implicariam a invasão de zonas que constituem fracções autónomas de outros condóminos, que não são partes comuns do prédio e actualmente a caixa de esgoto situada no corredor da fracção da autora, já não é uma caixa de visita, tendo sido removida como tal, em virtude de ter a sua tampa selada com argamassa, não sendo acessível, nem cedendo a pressão interior (resposta ao quesito 13°).
AS) No ano de 2000 o condomínio efectuou obras nas outras fracções do piso 0 para resolver o problema dos esgotos dos restantes condóminos donos de fracções no referido piso (resposta ao quesito 14°).
AT) A localização das caixas de esgoto no interior da fracção da A. não violou as regras relativas à drenagem pública e predial das águas residuais (relatório pericial de fls. 628 e ss.).
AU) O contrato de seguro relativo ao prédio é o que consta a fls. 442 e ss. (documento de fls. 442 e ss.).

3. Do mérito do recurso
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 684º, nº 3, e 690º, nºs 1 e 3, CPC), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660º, nº 2, in fine), consubstancia-se nas seguintes questões:
- apreciação do agravo: âmbito da prova pericial efectuada;
- reapreciação da matéria de facto: resposta aos artigos 1º, 2º, 12º, 13º e 15ª; renovação da prova no Tribunal da Relação; alínea AT da matéria de facto (conhecimento oficioso);
- pressupostos da responsabilidade civil: problemática da presunção de culpa;
- inutilidade da lide relativamente ao pedido de remoção da caixa de esgotos situada no hall de entrada.

3.1. Apreciação do agravo: âmbito da prova pericial efectuada
Nos termos do artigo 710º, nº 1, CPC , a apelação e os agravos que com ela tenham subido são apreciados pela ordem da sua interposição; mas os agravos interpostos pelo apelado que interessem à decisão da causa só são apreciados se a sentença não for confirmada.
E o nº 2 dispõe que os agravos só são providos quando a infracção cometida tenha influído no exame ou na decisão da causa ou quando, independentemente da decisão do litígio, a decisão tenha interesse para o agravante.
Insurgiu-se o agravante contra a amplitude com que foi admitida a prova pericial, sustentando que apenas deveria ter sido admitida relativamente aos quesitos que se reportam a questões técnicas de engenharia (quesitos 45º a 53º).
Nos termos do artigo 388° CC, prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial.
Embora os conhecimentos especiais possam ser altamente técnicos, não é forçoso que assim seja, pois podem depender apenas de uma particular experiência em determinados ramos de actividade.
Reconhece-se que não seria necessário o recurso a engenheiros para a avaliação dos danos provocados pela inundação de esgotos na casa da apelante, mas não existe impedimento legal que assim seja, cabendo aos perito nomeados dizer se se sentem ou não habilitados a apreciar as questões que lhe são postas.
O artigo 578º CPC prevê o indeferimento da diligência quando é impertinente ou dilatória.
Se a perícia tivesse sido requerida apenas para a avaliação dos danos poderia questionar-se se não implicaria uma demora excessiva para aspectos menos técnicos. No entanto, tendo a perícia sido também requerida para aspectos que não foram questionados pelo agravante, não se pode questionar a prova pericial por esse ângulo.
No tocante à pertinência dos quesitos 1º a 44º não procedem as objecções do agravante.
Relativamente aos quesitos que os srs. Peritos não se julgaram habilitados a apreciar e aos respondidos negativamente verifica-se uma inutilidade do agravo.
Os demais, contrariamente ao sustentado pelo agravante, não extravasam o objecto do processo, como se alcança do teor dos artigos 4º a 9º da base instrutória, não se mostrando assim violado o artigo 513º CPC que dispõe que a instrução tem por objecto os factos relevantes para a decisão e que devam considerar-se controvertidos. Afigura-se irrelevante que se tenha perguntado se houve uma inundação – facto assente – pois tal quesito se destinou a introduzir os restantes.
Não se verifica, pois, qualquer alteração do objecto do processo, já que a prova pericial foi utilizada, segundo a livre apreciação do julgador, para responder à matéria da base instrutória, salvo na parte relativa ao segmento final do artigo 13º da base instrutória, que adiante se analisará.
No entanto, a matéria desse artigo 13º se reporta à parte da prova pericial que o agravante não questionou.
Deve, pois, ser negado provimento ao agravo.

3.2. Reapreciação da matéria de facto
Nos termos do artigo 712º, nº 1, alínea a), CPC, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser alterada pela Relação se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa, ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690ºA, CPC, a decisão com base neles proferida.
E, de acordo com o nº 2 do mesmo artigo, no caso a que se refere a segunda parte da alínea a) do número anterior, a Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
O artigo 690º A CPC estabelece os ónus que impendem sobre o impugnante, sob pena de rejeição do recurso:
- especificar quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados (nº 1, alínea a);
- especificar quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da recorrida (nº 1, alínea b);
- indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no nº 2, do artigo 522º C, quando tenham sido gravados (nº 2).
A apelante deu cumprimento aos ónus que sobre si impendiam, estando o tribunal em condições de reapreciar a matéria de facto.
3.2.1. Resposta aos artigos 1º, 2º, 12º, 13º e 15ª e renovação da prova no Tribunal da Relação
Manifestou a apelante a sua discordância relativamente às respostas aos artigos 1º, 2º, 12º, 13º e 15º da base instrutória, sugerindo a renovação do depoimento da testemunha Engº D....
Nos termos do artigo 712º, nº 2, CPC, a Relação pode determinar a renovação dos meios de prova produzidos em 1ª instância que se mostrem absolutamente indispensáveis ao apuramento da verdade, quanto à matéria de facto impugnada, aplicando-se às diligências ordenadas, com as necessárias adaptações, o preceituado quanto à instrução, discussão e julgamento na 1ª instância e podendo o relator determinar a comparência pessoal dos depoentes.
Trata-se de uma faculdade de natureza excepcional, a utilizar com grande parcimónia pelos custos que implica, designadamente em termos de arrastamento do processo.
Como sublinha Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Almedina, vol. I, 2ª edição, pg. 609, nota IV,
«Trata-se, como é evidente, de uma faculdade conferida aos juízes da Relação para, em casos necessariamente excepcionais, remover a dúvida insanável sobre a correcção do decidido em 1ª instância quando a ponderação e integral audição dos registos e demais elementos do processo não tiver logrado esclarecer integralmente o julgador».
A produção de prova se desenrolou com normalidade, tendo as partes tido a possibilidade de exercer todas as prerrogativas que a lei lhes concede, quer em termos de interrogatório, quer em termos de instâncias, tendo o julgamento se desenrolado com serenidade e respeito por parte de todos os intervenientes. O depoimento da testemunha não é de molde a suscitar dúvidas insanáveis na sua apreciação, naturalmente conjugado com a demais prova.
Se, por hipótese, as partes tivessem sido impedidas de questionar a testemunhas relativamente a factos ou circunstâncias que o tribunal superior reputasse relevantes, seria obviamente de ponderar a reinquirição de testemunhas se se concluísse que isso seria indispensável para o apuramento dos factos.
Não foi o caso, como já se referiu, nem a apelante justifica minimamente essa pretensão de renovação da prova.
Face ao exposto, carece de fundamento a pretensão de reinquirição da testemunha D.....
Passemos então à reapreciação da prova gravada, nos termos suscitados pela apelante.
São os seguintes os artigos cujas respostas foram impugnadas pela apelante:

O condomínio não fez qualquer diligência para localizar o proprietário da garagem situada por baixo da fracção da autora?
R: Não provado.

O condomínio não procurou discutir com a autora ou com a Câmara Municipal outras alternativas para desvio do tubo das águas e remoção da caixa de esgoto que não pelo acesso através dessa g aragem?
R: Não provado.
(…)
12º
O condomínio tentou contactar o proprietário da garagem por baixo da casa da autora sem o conseguir?
R: Provado.
13º
Não havia alternativas para a remoção da caixa de esgoto sem ser mediante o acesso a essa garagem?
R: Provado que existiam alternativas para a obra realizada pelo condomínio referida em AP), sem ser mediante o acesso à garagem aí mencionada, as quais, porém, seriam muito mais dispendiosas e implicariam alteração ao projecto e necessidade de autorização camarária, bem como implicariam a invasão de zonas que constituem fracções autónomas de outros condóminos, que não são partes comuns do prédio e actualmente a caixa de esgoto situada no corredor da fracção da autora, já não é uma caixa de visita, tendo sido removida como tal, em virtude de ter a sua tampa selada com argamassa, não sendo acessível, nem cedendo a pressão interior.
(…)
15º
A situação económica do condomínio no inicio do ano de 1998 resultou da sua inércia ao não cobrar as quantias devidas pelos condóminos para as despesas para conservação das partes comuns e fundo de reserva legal?
R: Não provado.
Apreciando:
A apelante pretende a reapreciação do depoimento do Engº D... (artigos 2º e 13º da base instrutória), e de E.... (artigos 1º, 2º, 13º e 15º da base instrutória) e F... (artigos 1º e 2º da base instrutória), os dois últimos respectivamente filho e companheiro da apelante. E ainda do depoimento das testemunhas que depuseram ao artigo 12º da base instrutória.
Relativamente à problemática das diligências que o condomínio efectuou (ou não) para localizar o proprietário da garagem situada por baixo da fracção da apelante (artigos 1º e 12º da base instrutória) nada de seguro se apurou, num sentido ou outro.
O depoimento da testemunha E... limitou-se àquilo que lhe terá sido comunicado por pessoas que na altura estavam à frente do condomínio, designadamente o Sr. K..., já falecido, mais concretamente terem deixado uma carta na garagem, pensa que para cobrança de quotas. E a testemunha F... afirmou apenas que nada tinha sido feito pelo condomínio, não circunstanciando minimamente a afirmação.
Deficiência idêntica afectou o depoimento das testemunhas L..., M..., N... e O..., condóminos que, tendo embora referido a realização de diligências para localização do referido proprietário da garagem, não conseguiram concretizá-las, não demonstrando conhecimento directo da matéria em discussão.
Pelo exposto, entende este Tribunal que nem o artigo 1º, nem o artigo 12º da base instrutória, resultaram provados, mantendo assim a resposta ao artigo 1º e alterando a resposta ao artigo 12º para «Não provado».
À matéria do artigo 2º da base instrutória a testemunha Engº D... declarou nada saber; e E... e F... responderam afirmativamente, mas nada disseram quanto à sua razão de ciência, não se podendo abstrair que são filho e companheiro da apelante, respectivamente.
É, pois, de manter a resposta ao artigo 2º da base instrutória.
Nenhuma prova foi feita à matéria do artigo 15º da base instrutória, sendo de manter a resposta negativa que lhe foi dada.
Resta a resposta ao artigo 13º da base instrutória.
Constitui entendimento corrente na doutrina e na jurisprudência que as respostas à matéria de facto, para além de afirmativas, negativas e restritivas, podem ser também explicativas.
Com a resposta explicativa pretende-se dar uma ideia mais rigorosa daquilo que foi efectivamente provado. No entanto, há limites.
Confrontando o artigo 13° da base instrutória com a sua resposta, ressalta de imediato que o segmento «e actualmente a caixa de esgoto situada no corredor da fracção da autora, já não é uma caixa de visita, tendo sido removida como tal, em virtude de ter a sua tampa selada com argamassa, não sendo acessível, nem cedendo a pressão interior» nada tem a ver com a pergunta.
Este segmento, utilizado para fundamentar a inutilidade relativamente à remoção da caixa de esgoto situada no hall de entrada da fracção da apelante, é absolutamente alheio ao objecto do artigo da base instrutória: pretendia-se saber da existência de soluções alternativas que não implicassem o acesso pela garagem situada por baixo da fracção da apelante. Não se perguntava se a referida caixa cuja eliminação foi pedida tinha sido removida enquanto caixa de passagem.
Existe excesso de resposta quando o tribunal dá como provado mais do que é objecto de prova, ou algo diverso do que se perguntava (Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2ª edição, pg. 663).
Como tem sido entendimento dos tribunais superiores e da doutrina, a resposta excessiva deve ser considerada não escrita, por aplicação analógica do artigo 646º, nº 4, CPC (acórdãos do STJ, de 2008.12.11, Alberto Sobrinho, de 2008.03.27, Pereira da Silva, e de 2006.12.19, Sebastião Póvoas, www.dgsi.pt.jstj, proc. 08B3602, 07B4149, 06A4115, respectivamente; da Relação de Lisboa, de 2006.07.06, Salazar Casanova, www.dgsi.pt.jtrl, proc. 4031/2006, e da Relação do Porto, de 2005.05.19, Amaral Ferreira, www.dgsi.pt.jtrp, proc. 0530508; Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, op. cit., vol. II, 2ª edição, pg. 639; Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Almedina, vol. II, 2ª edição, pg. 239, com indicações doutrinárias e jurisprudenciais para que se remete).
Também o segmento relativo à onerosidade / dificuldade das soluções alternativas
[seriam muito mais dispendiosas e implicariam alteração ao projecto e necessidade de autorização camarária, bem como implicariam a invasão de zonas que constituem fracções autónomas de outros condóminos] excede o âmbito da pergunta, sendo certo que, por um lado, pouco esclarece, e por outro não corresponde à prova que foi feita, designadamente através do depoimento do Engº D....
Pouco esclarece quando diz, de forma conclusiva, que seria «muito mais dispendioso», sem que tenhamos qualquer parâmetro que nos permita aferir a ordem de grandeza dos valores envolvidos.
Não corresponde à prova feita na parte em que se afirma que tais soluções implicariam a invasão de zonas que constituem fracções autónomas de outros condóminos, já que o Engº D... falou na possibilidade de se fazer ligação autónoma à rede pública, sem passar pela fracção da apelante, ou criação de uma câmara de bombagem.
Esta testemunha, que foi o autor e subscritor do parecer referido na alínea U'[existe um lapso relativo à sua identificação na alínea U], demonstrou conhecimento dos factos e depôs de forma esclarecedora.
Aliás, custa a crer que a moderna engenharia portuguesa não seja capaz de encontrar soluções alternativas.
Nessa conformidade, altera-se a resposta ao artigo 13° da base instrutória para «Provado».
3.2.2. Alínea AT da matéria de facto (conhecimento oficioso)
É o seguinte o teor da alínea AT da matéria de facto:
«A localização das caixas de esgoto no interior da fracção da A. não violou as regras relativas à drenagem pública e predial das águas residuais (relatório pericial de fls. 628 e ss.)».
Trata-se claramente de matéria de direito, que não deve ser respondida por peritos. Em matéria de direito, o perito é o juiz.
Refira-se, aliás, que os srs. Peritos que fizeram a afirmação vertida na alínea AT da matéria de facto confessaram não ter tido acesso a uma Portaria da década de 40 do século passado, que era o diploma que estava em vigor à data da construção do edifício em que se insere a fracção da apelante.
É Portaria nº 11.338, de 8 de Maio de 1946, que aprovou o Regulamento Geral das Canalizações de Esgoto, que foi revogada pelo Decreto-Regulamentar 23/95, de 23 de Agosto.
Assim, considera-se não escrita a matéria constante da alínea AT da matéria de facto (esta questão não constava, e bem, da base instrutória).
3.3. Pressupostos da responsabilidade civil
O recurso versa sobre uma situação de responsabilidade civil extra-contratual: a apelante sofreu danos decorrentes de uma inundação ocorrida na fracção autónoma de que é proprietária, inundação provocada pelo entupimento de uma caixa de esgoto situada num dos quartos da sua fracção.
Nos termos do artigo 483º, nº 1, CC, aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem, ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.E, de acordo com o artigo 486º do mesmo diploma, as simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos quando, independentemente de outros requisitos legais, havia por força de lei ou de negócio jurídico o dever de praticar o acto omitido.
Constituem, pois, requisitos da responsabilidade civil extra-contratual, o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Vejamos qual foi o tratamento que a 1ª instância dispensou a estes elementos.
Lê-se na sentença recorrida:
«Dos factos provados resulta que a autora é proprietária de uma fracção autónoma e que no dia 26 de Agosto de 1999 ocorreu uma inundação nessa sua fracção, proveniente de um entupimento de uma caixa de esgoto situada num dos quartos da habitação, causando diversos estragos na casa e no seu recheio.
Pretendendo a autora ser ressarcida desses estragos, levanta-se a questão de saber se o condomínio do prédio é ou não responsável civilmente por esses danos, nos termos do artigo 483 do CC.
A caixa de esgoto constitui parte comum do prédio (artigo 1421 n° 1 d) do CC) e, como tal, a sua conservação é da responsabilidade do condomínio (artigo 1424 do CC).
Contudo, não se apurou a causa do entupimento e, por isso, não se provou se esse entupimento resultou de deficiência da conservação da canalização ou se resultou de acto de terceiro (nomeadamente de uma má utilização da canalização por algum dos condóminos).
Por outro lado, mesmo que se entenda que a este entupimento e consequente inundação é aplicável o regime do artigo 492 n°1 do CC, sendo o condomínio responsável por eventual vício de construção que tivesse dado causa à inundação, a verdade é que, tal como não se provou se houve deficiência na conservação, também não se provou que houvesse vício de construção.
E certo que não é desejável que a caixa de esgoto esteja situada dentro das divisões das habitações, mas não se provou que esta localização da caixa constituísse um defeito de construção, tendo-se concluído na peritagem realizada nestes autos que tal localização não violou as regras aplicáveis.
E, embora o artigo 492 do CC atribua ao dono do prédio (no presente caso das partes comuns do prédio) o ónus de provar que não agiu com culpa, tal presunção de culpa só existe depois de se provar que os factos resultaram de vício da construção ou de conservação, o que caberia sempre à autora provar e não se provou (artigo 342 do CC).
Assim, apenas se provou que, por solicitação da autora, a Câmara Municipal realizou uma vistoria, na sequência do que, no princípio do ano de 1997, intimou o condomínio realizar obras no prazo de 30 dias, para reparar as "irregularidades na canalização"
Embora nessa vistoria não se discrimine quais são as irregularidades em causa, não tendo o condomínio impugnado esta decisão da Gamara Municipal, ficou obrigado a realizar as obras ordenadas.
Só que, ainda dentro do prazo fixado para a realização das obras, o condomínio solicitou esclarecimentos à Câmara Municipal (nomeadamente pelo facto de estar na altura pendente uma acção da autora contra a construtora do prédio devido à mesma questão), que acabou por responder aos esclarecimentos apenas em 30 de Abril de 1998.
Entretanto, provou-se que nesse ano de 1998 o condomínio não dispunha de dinheiro para a realização das obras, por ter passivo por liquidar, razão pela qual, em deliberação de 23 de Outubro de 1998, fixou um valor para fazer as obras, no sentido de desviar o cano com as águas da caixa situada no quarto da casa da autora e fixou uma quota suplementar para os condóminos pagarem até Abril de 1999, altura em que haveria dinheiro para tais obras serem efectuadas.
Provou-se, porém, que, chegada a altura prevista para a realização das obras se verificou a impossibilidade de aceder a caixa de esgoto em questão, em virtude de ser desconhecido o paradeiro do proprietário da garagem situada por baixo dessa caixa.
Por essa razão e não obstante as diligências para contactar este condómino, não foi possível efectuar as obras, que só tiveram lugar depois de se verificar a inundação em casa da autora e de o filho desta ter assumido a responsabilidade de arrombar a porta da garagem.
Não pode, assim, considerar-se imputável ao condomínio a não realização das obras, sendo certo que, não sendo possível contactar o dono da garagem em causa, a única forma de ultrapassar a dificuldade seria a propositura da acção de suprimento do consentimento a que se refere o artigo 1426 do CPC, que, por muito célere que fosse, provavelmente não estaria decidida antes da data em. que ocorreu a inundação e que, de qualquer forma, poderia ter sido intentada pela própria autora.
Sendo imprevisível a ocorrência da inundação ou a data em que a mesma poderia ocorrer, o recurso à acção de suprimento do consentimento seria a única forma de ultrapassar o impasse, pois o arrombamento da porta da garagem constitui acção directa, prevista no artigo 335 do CC, que não se poderia considerar lícita enquanto não houvesse uma ameaça actual do dano para os direitos a defender, como acabou por ocorrer quando já estava a decorrer a inundação, só então sendo justificado o arrombamento levado a cabo pelo filho da autora.
Provou-se ainda que, como alternativa a estas obras que pressupunham o acesso a incerto consentimento de condóminos cujas fracções teriam de ser invadidas.
Tais alternativas, para além de serem mais dispendiosas e dependerem do consentimento incerto de terceiros, teriam necessariamente levado muito mais tempo e nunca teria sido concluídas antes da data em que ocorreu a inundação".
De todo o exposto, conclui-se que os danos sofridos pela autora não são imputáveis ao comportamento do condomínio, mas sim a uma localização da caixa de esgoto que, não sendo ilegal, não é desejável, mas constitui uma característica da fracção da autora (e de outras fracções situadas no mesmo piso, e em relação à qual a autora poderia ter reagido contra a vendedora, pedindo a anulação do contrato de compra e venda se atempadamente a tivesse demandado com fundamento no vício da vontade negociai, demonstrando, nos termos legais, que não teria outorgado o negócio se soubesse da localização da caixa de esgoto e dos inconvenientes daí resultantes.
(... )
Não se tendo provado que os danos sofridos pela autora são imputáveis ao condomínio, não estão verificados os requisitos da responsabilidade civil previstos no artigo 483 do CC, não estando este obrigado a indemnizar os estragos que se verificaram na fracção da autora».
Não se acompanha a sentença recorrida.
As caixas de esgoto, constituindo parte comum do prédio, como se reconheceu na sentença, deveriam estar instaladas em partes comuns do edifício e não no interior de fracções autónomas destinadas a habitação.
É do senso comum que tal situação, mais do que não ser desejável, não é aceitável.
Diz-se na sentença que não se provou que a localização constituísse um defeito de construção, tendo os srs. Peritos concluído que a localização não violou as regras aplicáveis.
Como se referiu supra, a propósito da eliminação da alínea AT, à data dos factos estava em vigor a Portaria nº 11.338, de 8 de Maio de 1946, que aprovou o Regulamento Geral das Canalizações de Esgoto.
A circunstância de a localização das caixas de esgoto não violar o disposto no referido Regulamento não significa que não padeça de ilegalidade.
Este Regulamento que, para além do seu texto, contém notas explicativas e desenhos, nada dispõe acerca da localização das caixas de esgoto, limitando-se a regular os aspectos técnicos das redes de esgoto (natureza e qualidades dos materiais, aparelhos sanitários, conservação das canalizações, traçados e inspecções, penalidades, reclamações e recursos).
Tal Regulamento, contudo, não esgota toda a regulamentação desta matéria, havendo ainda que considerar o Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU), aprovado pelo Decreto-Lei 38.382, de 7 de Agosto de 1951, cujo capítulo IV (artigos 83º a 100º) é dedicado às instalações sanitárias e esgotos.
Embora não encontremos qualquer norma relativa à localização das caixas de esgoto, é patente a preocupação com a salubridade do interior das habitações.
Assim, o artigo 92º dispõe que «Serão tomadas todas as disposições necessárias para rigorosa defesa da habitação contra emanação dos esgotos susceptíveis de prejudicar a saúde ou a comodidade dos ocupantes», e o artigo 94º que «Os dejectos e águas servidas deverão ser afastados dos prédios prontamente e por forma tal que não possam originar quaisquer condições de insalubridade».
Ora, estas preocupações com a salubridade das habitações é incompatível com a localização de uma caixa de esgoto no interior de uma fracção autónoma, pois, para além dos riscos de inundação patenteados nos autos, há sempre a necessidade de manutenção, com a abertura das mesmas.
Afigura-se que os imperativos de salubridade, por um lado, e a natureza comum das caixas de esgoto, por outro, são suficientes para concluir que, contrariamente ao afirmado pela 1ª instância, a localização das caixas de esgoto no interior da fracção autónoma da apelante não respeita as normas em vigor.
Se é certo que o apelado não foi o construtor do edifício, tratando-se que questão relativa a um parte comum, não se pode eximir de responsabilidade, não se afigurando curial que se afirme, como na sentença da 1ª instância, que os danos sofridos pela apelante não são imputáveis ao apelado (condomínio) mas sim a uma localização indesejável mas não ilegal das caixas de esgoto. E que a apelante poderia ter reagido contra a vendedora com fundamento em vício da vontade negocial demonstrando que não teria outorgado o negócio se soubesse da localização das caixas de esgoto.
A verdade é que a apelante intentou uma acção contra a construtora e a vendedora, mas tal acção foi julgada improcedente por caducidade (alínea F da matéria de facto).
A instauração de acções judiciais, para além do tempo que demoram e dos custos que implicam, estão sujeitas à contingência da prova e são de desfecho imprevisível. Não se afigura, pois, curial a afirmação de que a apelante poderia ter intentado uma acção de anulação contra a vendedora.
Não se pode endossar à apelante qualquer parcela de responsabilidade pelo sucedido. Os autos são eloquentes quanto ao calvário a que tem estado sujeita e das inúmeras diligências que fez para a resolução do problema.
A acção que a apelante intentou foi uma acção de responsabilidade civil contra o condomínio, e é neste âmbito que o seu direito tem de ser apreciado.
A responsabilidade do apelado assenta claramente numa omissão: a de não ter atempadamente realizado obras na fracção da apelante por forma a solucionar o problema das caixas de esgoto situadas no interior da sua fracção autónoma.
A obrigação da realização de tais obras radica em duas fontes distintas: por um lado uma intimação camarária para corrigir as deficiências da canalização de esgotos no prazo de trinta dias (alínea N da matéria de facto, e alíneas G a U) e, por outro, a deliberação do próprio condomínio (alíneas V e V '). E, em última análise, radica na lei, por estarem em causa questões relativas a partes comuns (cfr. 1421º, nº 1, alínea d) e 1436º, alínea d), parte final, CC).
A intimação camarária não foi objecto de impugnação, estando por isso o condomínio obrigado a dar-lhe cumprimento.
Embora as irregularidades da canalização não estejam devidamente identificadas, o condomínio não as ignorava, tanto mais que deliberou a realização de obras de correcção dos esgotos do prédio (último parágrafo da acta de 23 de Outubro de 1998, transcrita em V ‘).
Recorde-se que a intimação da Câmara Municipal surgiu na sequência de uma vistoria desencadeada por queixas da apelante, que desde 1987 suporta inundações na sua fracção, provenientes das caixas de esgoto (alíneas B a N da matéria de facto).
Tal intimação data de princípios de 1997 (alíneas L, M e N da matéria de facto), mais de dois anos e meio antes da inundação que deu origem aos prejuízos cujo ressarcimento a apelante pretende. E pelo menos desde de 11 de Março de 1996 o apelado tinha conhecimento formal da situação da fracção da apelante (alíneas I e I ‘ da matéria de facto).
Estamos, pois, perante um comportamento omissivo do apelado, que esteve na origem dos danos sofridos pela apelante e cujo ressarcimento pretende.
A responsabilidade civil extracontratual assenta na culpa, sendo a responsabilidade pelo risco de natureza excepcional (artigo 483º, nº 2, CC).
É ao lesado que compete provar a culpa do lesante, salvo havendo presunção de culpa (artigo 487º, nº 1, CC).
A sentença recorrida afastou a aplicação das presunções de culpa constantes do artigo 492º CC por não se ter provado que os factos resultaram de vício de construção ou conservação.
O próprio apelado, no artigo 11º da contestação, invoca o parecer elaborado pelo Engº D... do LNEC, e que se encontra transcrito na alínea U ‘, para dizer que que houve erro de construção por o projecto ter sofrido alterações.
Não se torna, no entanto, necessário dissecar a presunção de culpa constante do artigo 492º CC, e questionar, designadamente se ao apelado se aplica a presunção prevista no nº 1 para o proprietário ou possuidor, caso em que responderia por vício de construção ou defeito de conservação, ou apenas a prevista no nº 2 do mesmo artigo para aquele que está obrigado por lei ou negócio jurídico a conservar o edifício ou a obra, caso em que apenas responderia se os danos derivassem exclusivamente de defeito de conservação.
Com efeito, afigura-se que a prova produzida permite concluir por culpa do apelado, tendo em conta que a culpa é apreciada pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso (artigo 487º, nº 2, CC).
A culpa implica um juízo de censurabilidade dirigido ao agente.
Nas palavras de Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Almedina, vol. I, 10ª edição, pg. 566-7,
«A culpa exprime um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente: o lesante, em face das circunstâncias específicas de cada caso, devia e podia ter agido de outro modo. É um juízo que assenta no nexo existente entre o facto e a vontade do autor, e pode revestir duas formas distintas: o dolo (a que os autores e a lei dão algumas vezes o nome de má fé, e a negligência ou culpa (culpa em sentido estrito)».
Como já se referiu, tinha conhecimento da situação da fracção da apelante desde 11 de Março de 1996 e foi intimada a realizar obras em princípios de 1997.
Diz-se na sentença recorrida que apenas em 30 de Abril de 1998 a Câmara Municipal respondeu aos pedidos de esclarecimento do apelado.
O pedido de esclarecimento do apelado consta da alínea P ‘ da matéria de facto:
«Na qualidade de administradora do edifício n° ...da Rua ..., em Santo António dos Cavaleiros, venho pela presente esclarecer o seguinte, sobre o processo acima indicado e no que se refere ao R/C - E daquele Edifício:
1 - O problema de esgotos que existe no edifício em causa, existe desde a sua construção.
2 - Há um processo no tribunal, colocado pelo condómino, contra a empresa construtora e contra essa Câmara.
3 - Todas as obras aquando da sua construção têm uma vistoria da Câmara, feito por um técnico responsável. Pergunto:
1º - O técnico não viu as condições da caixa de esgoto?
2º - Não compreendo como é que a Câmara agora diga que tem que ser a Administração a resolver o problema!
Agradeço a V Exa o favor de informar esta administração de como se pode remediar a situação. Penso que quem deliberou que o dever de resolução do problema cabe à Administração do prédio, terá também constatado o que a mesma deverá fazer. Fico a aguardar mais esclarecimentos.» (facto considerado ao abrigo do artigo 659º, nº 3, ex vi artigo 713º, nº 2, CPC).
A resposta da Câmara Municipal consta da alínea T ‘:
« 1. Uma vistoria final, para emissão de licença de utilização, não permite muitas vezes, como notoriamente no caso em presença, detectar algumas anomalias que, por vezes, só passado algum tempo de utilização se manifestam.
2. É a Administração de condomínio, enquanto proprietária, a responsável perante o Município, pelas obras e reparações que hajam de fazer-se nas partes comuns do prédio, motivo porque, no caso presente é esse órgão do condomínio que tem de "resolver o problema";
3. O que se explica no nº 2 não prejudica a responsabilidade eventual do empreiteiro perante o condomínio, por graves defeitos de construção, nos termos da lei civil, no âmbito das relações do direito exclusivamente privado».(facto considerado ao abrigo do artigo 659º, nº 3, ex vi artigo 713º, nº 2, CPC).
Desta troca de correspondência nada de útil resultou, em nada ficou alterada a obrigação do apelado de dar cumprimento à intimação camarária.
Aliás, a deliberação do condomínio no sentido de se pedir parecer técnico para, se se concluísse pela responsabilidade da administração, se elaborar orçamento é de 6 de Março de 1998, data anterior à resposta da Câmara Municipal (alínea S da matéria de facto), embora nada tenha sido feito nas assembleias de 19 de Setembro de 1007 e 20 de Fevereiro de 1998 (alínea R da matéria de facto).
A circunstância de em Abril de 1998 o apelado não dispor de meios financeiros (a intimação da Câmara era de princípios de 1997) só à sua deficiente gestão é imputável.
Recorde-se que o artigo 4º do Decreto-Lei 268/94, de 25 de Outubro, criou a obrigatoriedade de constituição de um fundo comum de reserva destinada a custear as despesas de conservação do edifício.
Era exigível ao apelado que tivesse actuado de forma mais diligente na obtenção dos meios financeiros.
As dificuldades económicas dos devedores não constituem fundamento de exoneração da obrigação que sobre eles impendem.
Com efeito, para que uma obrigação se extinga por impossibilidade é necessário que a prestação se tenha tornado verdadeiramente impossível, por determinação da lei, por caso fortuito ou de força maior, ou por acção do homem, não sendo suficiente que a prestação se tenha tornado extraordinariamente onerosa ou excessivamente difícil para o devedor. A simples difficultas praestandi configura uma situação de impossibilidade relativa, insusceptível de desencadear a extinção da obrigação (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Almedina, 6ª ed., vol. II, pg. 67).
De todo o modo foi fixada uma quota suplementar a pagar até Abril de 1999, e, chegada a altura da obra, eis que se verificou a impossibilidade de se aceder à caixa de esgoto em questão em virtude do desconhecimento do paradeiro do proprietário da garagem através da qual se deveria aceder à caixa em questão.
Não se provou que o condomínio tivesse feito diligências para localizar o proprietário da referida garagem, como resultou da alteração da resposta ao artigo 12º da base instrutória.
Recorde-se que pelo menos em 11 de Março de 1996 a apelante deu conta ao apelado da situação da sua fracção, e que estamos em Março de 2010 sem que a situação se encontre resolvida.
Não se concebe a inércia do apelado, já que não é concebível que não se tenha acesso às caixas de esgoto que se encontram no interior da garagem cujo proprietário não foi possível localizar, durante tão longo espaço de tempo. É manifesta necessidade de se ter acesso ao interior da referida garagem, em cujo interior se encontram caixas de esgoto, tanto mais que o historial de problemas da apelante em matéria de inundações fala por si.
Não se pode ficar à espera que ocorra uma inundação para que, ao abrigo do estado de necessidade previsto no artigo 335º CC se proceda ao arrombamento da garagem para se ter acesso às caixas de esgoto.
Por isso não se pode acompanhar a sentença quando desculpabiliza o apelado devido à dificuldade de acesso à garagem em causa. Designadamente quando afirma que a única forma de ultrapassar a dificuldade de acesso à garagem seria a de intentar uma acção de suprimento do consentimento a que se refere o artigo 1426º CPC, e que a mesma, por muito célere que fosse, não estaria decidida antes da data em que ocorreu a inundação, e que de qualquer forma poderia ser intentada pela apelante.
Com efeito, e independentemente de se discutir se era este o meio idóneo de resolver o problema, não se pode decidir com base na probabilidade de a referida acção não ser decidida a tempo de evitar a inundação. E a verdade é que, até ao momento, não consta que tal acção tenha sido intentada!
A impossibilidade de acesso à garagem, tanto quanto se sabe, se mantém, e se nada foi feito entre o momento em que a apelante deu conta dos problemas da sua fracção ao apelado (em 11 de Março de 1996) e a inundação (26 de Agosto de 1999), a situação se manteve após a inundação até ao presente, e já lá vão 11 anos.
A afirmação de que a apelante poderia intentar a referida acção em nada diminui a culpa do apelado, pois é a ele que incumbe diligenciar pelo acesso à referida garagem, não se afigurando razoável que se transfira essa obrigação para a apelante.
A apelante é a vítima de todo este processo, não lhe sendo exigível que ande a intentar acções de suprimento de consentimento, com os custos e transtornos que isso implica.
Que fique bem claro: a culpa da não localização do proprietário da garagem e da ausência de busca de soluções alternativas é do apelado, não da apelante.
Também se dissente da sentença quando afirma que a ocorrência da inundação era imprevisível em absoluto. Se era imprevisível a data concreta em que a inundação iria ocorrer, era altamente provável que viesse a acontecer, como ocorreu, e o apelado não podia ignorar tal facto, tanto mais que estava intimado pela Câmara Municipal a realizar obras na rede de esgotos, intimação que surgiu na sequência de vistoria desencadeada pelas queixas da apelante, como supra se referiu.
A circunstância de as soluções alternativas, que não passem pelo interior de fracções autónomas, como é correcto, serem eventualmente mais dispendiosas ou pressuporem alteração do projecto e autorização camarária, não é razão para o seu afastamento.
Afiguram-se pertinentes as considerações de Pires de Lima e Antunes Varela, em anotação ao artigo 1424º CC, Código Civil Anotado, Coimbra Editora, vol. III, 2ª edição, pg. 431, aplicáveis mutatis mutandis ao caso vertente:
«Nas despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns devem incluir-se todas as que sejam indispensáveis para manterem essas partes em condições de poderem servir para o uso a que se destinam, independentemente do montante a que, em cada caso, ascendam. Tanto pode tratar-se de pequenas despesas de manutenção ordinária, como de despesas impostas por qualquer evento que tenha provocado danos extensos nas coisas a reparar (avaria grave nos ascensores ou na instalação eléctrica; destruições causadas por tempestades, tremores de terra, acontecimentos bélicos, etc.).
A responsabilidade dos condóminos pelas despesas de conservação e fruição é uma responsabilidade ex lege e subsiste mesmo nos casos em que tais despesas tenham sido originadas por facto imputável apenas a um deles ou a terceiro. É evidente, no entanto, que, nestes casos, aos condóminos será lícito agir contra o autor do dano, de acordo com os princípios gerais da responsabilidade civil».
Também não se afigura curial dizer que tais soluções nunca teriam permitido concluir as obras antes da inundação de 26 de Agosto de 1999, atendendo à cronologia que se estabeleceu supra.
Não se compreende também por que razão é que não se aproveitou o arrombamento da porta da garagem pelo filho da apelante aquando da inundação para se resolver o problema da segunda caixa.
Do exposto importa concluir que o apelado deve ser responsabilizado pelos danos que a apelante sofreu em consequência da inundação.
Estão em causa os danos alegadamente causados no mobiliário (€ 14.272,21) e rendas que a apelada teria deixado de receber em consequência da inundação (€ 8.978,36).
Relativamente ao mobiliário a apelante provou:
AI) No corredor e na sala foram danificados:
- um roupeiro embutido na parede composto por duas portas, cujas caixas inferiores não encaixam, num valor de € 400.00 ;
- um móvel de entrada com espelho alto, que foi colado:
- três mesinhas de apoio de madeira maciça, cujos pés ficaram manchados na parte inferior:
- um móvel de casa de jantar, folheado, composto de três módulos, que ficou inutilizado;
- um móvel de canto de madeira maciça, cujos pés ficaram ligeiramente manchados na parte inferior:
- uma mesa de casa de jantar cujos pés ficaram manchados na parte inferior;
- dois sofás individuais forrados a tecido, que ficaram com a parte inferior desbotada;
- uma mesa redonda (camilha), cujos pés ficaram manchados na parte inferior:
- tapetes (resposta ao quesito 4º).
AJ) Na cozinha ficaram danificados um conjunto de móveis de valor não inferior a Esc. 100.000$00 e o fogão (resposta ao quesito 5º).
K) No quarto principal foram danificados:
- uma mobília de quarto, cujos pés e bases ficaram manchados;
- um armário roupeiro com três portas em espelho, tendo os espelhos e o caixilho interior ficado degradados na parte inferior;
- uma cadeira estofada em tecido, cujos pés ficaram com ferrugem na parte inferior;
- toda a alcatifa e tapetes (resposta ao quesito 6º).
AL) No quarto mais pequeno foram danificados:
- uma escrivaninha completa, que ficou com o folheado da parte inferior a descolar;
- duas cadeiras de costas e assentos forrados cujos pés ficaram manchados na parte inferior:
- toda a alcatifa (resposta ao quesito 7°).
AM) Foram danificados ainda os seguintes bens:
- tapetes da casa de banho;
- uma mesa alta rectangular de apoio, cujos pés ficaram manchados:
- as portas da casa de banho, dos quartos e da cozinha, que ficaram com a parte inferior inchada e descolada, no valor de cerca de € 500.00;
- pintura das paredes, no valor total de € 1.000,00;
- a porta de entrada e respectiva fechadura, que ficou empenada, no valor de cerca de € 100,00 (resposta ao quesito 8°).
AN) Em gavetas de nível inferior foram ainda danificados:
- álbuns de fotografias:
- espelho com moldura de madeira, que ficou partida (resposta ao quesito 9°).
Apurou-se danos no recheio e na fracção no valor de € 2.498,80 (400,00 + 500.00 + 1.000.00 + 498,80), tendo a apelante decaído na prova dos demais danos invocados (artigo 342º, nº 1, CC).
No tocante às rendas, não ficou demonstrado que a apelante tenha deixado de poder habitar a fracção desde a inundação, mas apenas que não a pôde habitar enquanto a mesma não foi limpa (alínea AH da matéria de facto), desconhecendo-se quando tal ocorreu.
Nessa medida, não é possível estabelecer qualquer indemnização a este título.
O recurso procede relativamente à quantia de € 2.498,80, a que acrescem juros desde a citação, como peticionado.
3.4. Inutilidade da lide relativamente ao pedido de remoção da caixa de esgotos situada no hall de entrada
Entendeu a sentença que se verificava inutilidade superveniente da lide relativamente ao pedido de remoção da segunda caixa de esgoto situada no hall da fracção da apelante por tal caixa actualmente não ser uma caixa de visita, tendo sido removida como tal, estando a sua tampa selada com argamassa, não sendo acessível nem cedendo a pressão anterior.
Estes factos, que tinham sido introduzidos na resposta ao artigo 13º da base instrutória foram eliminados na sequência de reapreciação da matéria de facto.
Nessa medida, esta parte da decisão carece de fundamento fáctico.
Tais factos, por serem alegadamente extintivos do direito da apelante, deveriam ter sido trazidos aos autos através dos meios próprios, mais concretamente através de articulado superveniente (artigo 506º CPC).
O juiz apenas pode servir-se de factos que tenham sido alegados pelas partes (artigo 664º CPC), a quem cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiem as excepções (artigo 264º, nº 1, CPC).
Apenas em situações excepcionais pode o juiz considerar oficiosamente factos não alegados: quando se trate de factos instrumentais que resultem da decisão da causa (artigo 264º, nº 2, CPC), ou, tratando-se de factos essenciais à procedência das pretensões ou das excepções deduzidas, que sejam complemento ou concretização de factos oportunamente alegados e resultem da instrução da causa, desde que a parte interessada manifeste a vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório (artigo 264º, nº 3, CPC).
Trata-se de corolários do princípio do dispositivo, um dos princípios estruturantes do processo civil, na vertente do princípio da controvérsia.
Segundo Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais à luz do Código Revisto, Coimbra Editora, pgs. 122-3, o princípio do dispositivo se desdobra em dois: o princípio do dispositivo hoc sensu, e o princípio da controvérsia.
O princípio do dispositivo hoc sensu, recondutível à ideia da disponibilidade da tutela jurisdicional, comporta a disponibilidade da instância (disponibilidade do início, termo e suspensão do processo) e a disponibilidade da conformação da instância (disponibilidade do objecto e das partes).
Já o princípio da controvérsia reconduz-se, nas palavras do mesmo autor, à responsabilidade pelo material fáctico da causa, evocando os princípios da preclusão e da auto-responsabilidade das partes.
Assim, os factos que integravam o segmento final da resposta ao artigo 13º da base instrutória - «e actualmente a caixa de esgoto situada no corredor da fracção da autora, já não é uma caixa de visita, tendo sido removida como tal, em virtude de ter a sua tampa selada com argamassa, não sendo acessível, nem cedendo a pressão interior» - não podem ser considerados no processo.
E sempre se dirá que, a ter-se admitido tais factos, seria então de acrescentar, a bem da verdade, que em caso de entupimento os esgotos não sairiam pela caixa do hall de entrada da fracção da apelante, mas refluiriam nos sanitários (sanita, banheira) da fracção da apelante.
Por outras palavras, em vez de a apelante sofrer uma inundação de esgotos a partir da caixa situada no hall de entrada, sofreria tal inundação através dos sanitários.
Por todo o exposto, o recurso tem de proceder nesta parte, cabendo ao apelado buscar a melhor solução para o problema da caixa de esgotos da fracção da apelante.
4. Decisão
Termos em que se nega provimento ao agravo e, julgando a apelação parcialmente procedente, condena-se o apelado a pagar à apelante a quantia de € 2.498,80, a que acrescem juros desde a citação, bem como a efectuar as obras necessárias para retirar a caixa de esgotos situada no corredor de entrada da fracção da apelante.
Custas do agravo pelo agravante e da apelação por apelado e apelante na proporção de ¾ e ¼ respectivamente.
Lisboa, 2010.03.25
Márcia Portela
Carlos Valverde
Granja da Fonseca