Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
338/13.7TJLSB.L1-7
Relator: MARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Descritores: CONTRATO DE LOCAÇÃO OPERACIONAL
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
CLÁUSULA CONTRATUAL
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/13/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. Tendo sido acordado que o incumprimento do contrato pela locatária permitia à locadora resolver o contrato, é de considerar ter sido convencionada uma cláusula resolutiva expressa.
2. O regime constante do art. 1045º, nº2, do CC não é aplicável ao contrato denominado de “locação operacional” de veículo.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:



I-RELATÓRIO:


1.“Banco B., S.A..” intentou ação declarativa de condenação, sob a forma comum, contra MF, pedindo a condenação desta:

-A restituir à Autora o veículo de matrícula ..-GN-..;
-A pagar à Autora a quantia de 5.156,04€, a que acrescem de €97,86 de juros de mora vencidos até à data da propositura da ação;
-A pagar à Autora os juros de mora que se vençam posteriormente, sobre o capital de 1.731,00€ e até integral pagamento, à taxa de juros comerciais e ainda os juros de mora, à taxa de 4% que se vencerem sobre 3.425,04€ desde a citação e até integral pagamento;
-A pagar à Autora a título de indemnização a quantia de EUR 570,84, por cada mês de atraso na restituição do veículo desde 20/2/2013 e até efetiva entrega;
-A pagar à Autora uma indemnização por eventuais danos que o veículo apresente aquando da entrega;
-A pagar à Autora uma sanção pecuniária compulsória até integral cumprimento da condenação, no valor diário de 50,00€ nos primeiros 30 dias, de 100,00€ nos 30 dias seguintes, e de 150,00€ nos dias subsequentes.

Para tanto alega, em síntese, que entre Autora e Ré foi celebrado um contrato de aluguer de um veículo que a autora adquiriu para o efeito, pelo prazo de 84 meses, sendo a prestação a cargo da ré no montante total de EUR 346,20, sendo EUR 285,42 o valor da amortização, a que acrescia o IVA, o premio de seguro e as despesas de cobrança.

A Ré, porém, na respectiva data de vencimento, não pagou as 80ª a 84ª renda, no montante global de EUR 1.731,00, razão pela qual a autora resolveu o contrato.

Desta forma, tem a autora direito a haver as prestações em falta e respectivos juros, bem como a receber o veículo locado e, a título de indemnização, uma quantia mensal igual ao dobro da renda (excluindo o IVA, o seguro e as despesas) até à sua entrega efetiva (o que peticiona ao abrigo do art. 1045º, nº2, do CC, alegando que a cláusula 10ª, nº4, do contrato foi declarada nula por acórdão do STJ, proferido em acção inibitória).

2. A acção foi contestada, tendo a ré excecionado a incompetência territorial da comarca de Lisboa, em cujos Juízos Cíveis a ação deu entrada. Além disso, alegou que, apesar de não ter pago nas datas dos vencimentos as prestações relativas às 80ª a 84ª rendas, a Autora aceitou que a ré fosse amortizando a dívida em montante inferior ao inicialmente previsto, o que a ré fez, tendo já pago cerca de EUR 1.400,00.

3. A autora respondeu, alegando, em síntese, que as quantias entregues pela ré já depois de incumprido e/ou resolvido o contrato dos autos se destinaram a amortizar a dívida existente relativamente a um outro contrato também celebrado entre as partes.

4. Foi proferido despacho julgando o Tribunal Cível de Lisboa territorialmente incompetente para a causa. Transitado, foram os autos remetidos à Comarca de Almada.

5. Realizado o julgamento, foi proferida sentença que, julgando a ação parcialmente procedente, condenou a ré:

-A restituir à autora o veículo da marca e modelo “Opel Astra” de matrícula ..-..-ZL.
-A pagar à autora as rendas em dívida no montante de EUR 1.731,00, acrescidos de juros de mora à taxa de juros supletiva legal para os juros comerciais desde a data de vencimento de cada renda e até integral pagamento;
-A pagar à autora a quantia mensal de EUR 570,84, a título de indemnização, ao abrigo do disposto no artigo 1045º, n.º 2 do Código Civil, desde 20/8/2012 e até à efetiva restituição do veículo, a que acrescem os juros de mora à taxa de juros supletiva legal para os juros civis sobre a indemnização já vencida aquando da propositura da ação no valor de EUR 3.425,04, desde a citação e até integral pagamento.
Quanto ao demais peticionado, absolveu a Ré do pedido.

6. Inconformada, apelou a ré e, em conclusão, disse:
(…)
Pelo que, a R. não poderá ser condenada no pagamento da indemnização pretendida pelo A., por duas razões:
1º) Porque fere grosseiramente a Lei (Artº 19º, al. c) do DL 446/85, de 25/10; e Artºs 281º, 282º e 292º do Cód. Civil); e
2º) Porque o A. não fez qualquer prova dos elementos factuais necessários a obter essa indemnização.
Deste modo, foram, assim, violados, por erro interpretativo e aplicação os Artºs 19º, al. c) do DL 446/85, de 25/10; Artºs 281º, 282º e 292º do Cód. Civil e 615º, nº 1, als. b) c) e d) do Cód. Proc. Civil.

7. Nas contra alegações, pugna-se pela manutenção da sentença recorrida.

8. Cumpre apreciar e decidir se a sentença enferma de nulidade, se deve ser alterada a decisão de facto, se deve ser alterada a qualificação jurídica do contrato e se assiste à autora o direito a receber a quantia peticionada, a título de indemnização pelo atraso na restituição do veículo.

9. Das nulidades de sentença.
Nas alegações, alega-se que a sentença enferma das nulidades previstas no art. 615º, nº 1, als. b) c) e d), do Cód. Proc. Civil.
É patente a sem razão da apelante.
(…)

10. Da alteração da decisão de facto.
Invocando a prova documental junta aos autos, bem como o depoimento da ré e o da testemunha Fernanda Feiteira Durão, a recorrente pretende que se altere a decisão de facto dando-se como não provado que: “A ré não pagou os 80º a 84º alugueres, nas datas dos seus vencimentos, respectivamente: 20/03/2012, 20/04/2012,20/05/2012, 20/06/2012 e 20/07/2012.”
Sem razão, como veremos.
(…)

Mantém-se, pois, a decisão proferida sobre a matéria de facto, a qual se encontra bem fundamentada, não se evidenciando qualquer erro de apreciação e de valoração das provas que deva ser corrigido por esta Relação.

11. Os factos.

11. 1. Está provado que:

A Ré pretendia adquirir o veículo da marca “Opel”, modelo “Astra”, com a matrícula ..-..-ZL, tendo para o efeito contactado a firma “A., S.A.”.
A Ré solicitou à “A., S.A.” que lhe disponibilizasse o aluguer da referida viatura por um período de 84 meses, com a intervenção do Autor “Banco B., S.A.”.
Na sequência do solicitado, a Autora adquiriu pelo preço de 23.189,99€, com destino a dar de aluguer à Ré, o referido veículo automóvel de matrícula ..-..-ZL.
Por contrato particular, datado de 20 de julho de 2005, com o clausulado que consta de fls. 28 a 31 dos autos, a  Autora deu de aluguer à Ré o veículo acima identificado.
O prazo de aluguer foi de 84 meses, os alugueres tinham periodicidade mensal e eram no valor de 346,20€, dos quais: 285,42€ de aluguer propriamente dito, 54,23€ de IVA, 5,30€ de prémio de seguro e 1,25€ de despesas de cobrança.
Nos termos do contrato, os alugueres deviam ser pagos pela Ré até ao dia 20 do mês a que dissessem respeito, por meio de transferência bancária, tendo concedido autorização de débito no próprio contrato.

Constam, entre outras, das condições gerais do contrato, as seguintes cláusulas:

Cláusula 10ª - Rescisão e Denúncia pelo Locador.
1. O incumprimento pelo locatário de qualquer das obrigações por ele assumidas no presente contrato dará lugar à possibilidade da sua resolução pelo Locador, tornando-se efetiva essa resolução à data da receção, pelo locatário, de comunicação fundamentada nesse sentido.
2. (…)
3. A resolução por incumprimento não exime o Locatário do pagamento de quaisquer dívidas em mora para com o Locador, da reparação de danos que o veículo apresente e do pagamento de indemnização à Locadora.
4. A indemnização referida no artigo anterior destinada a ressarcir o Locador – que fará sempre suas todas as importâncias pagas até então nos termos deste contrato – dos prejuízos resultantes da desvalorização do veículo e do próprio incumprimento em si do contrato pelo Locatário – não sendo nunca inferior a 50% do total do valor dos alugueres referidos nas Condições Particulares.
5. Em caso de resolução do contrato o Locatário deverá entregar o veículo ao Locador imediatamente, no estado que deva derivar do seu uso normal e prudente.
6. (…)”.
A Ré não pagou os 80º a 84º alugueres, nas datas dos seus vencimentos, respetivamente: 20/3/2012, 20/4/2012, 20/5/2012, 20/6/2012 e 20/7/2012.
A Ré não restituiu ao Autor o veículo acima identificado.
A Ré efetuou pagamentos ao Autor, no valor de 200,00€ cada, totalizando 1.400,00€, nas seguintes datas: 3/10/2012, 5/11/2012, 30/11/2012, 4/2/2013, 27/2/2013, 4/3/2012, 26/3/2013.
O Autor comunicou à Ré, por carta registada e com aviso de receção, que foi recebida em agosto de 2012, que considerava resolvido o contrato por falta de pagamento de alugueres, exigindo a restituição imediata do veículo locado.
O Autor deu quitação dos pagamentos referidos na alínea J), e comunicou à Ré que imputava tais pagamentos à amortização da dívida emergente de outro contrato, a que respeitava a injunção n.º 4834/12.5YIPRT.

11.2. Factos não Provados:

A Autora, ao não recusar receber as quantias objeto de transferência bancária efetuada pela Ré, tenha aceite continuar com o contrato e a sua modificação.

12. Fundamentação de Direito.

12.1. Da qualificação do contrato.
Nas alegações de recurso, a apelante suscita a questão da qualificação jurídica do contrato, sustentando que se trata de um “contrato de empréstimo”, e não de locação operacional.
Esta problemática apenas foi suscitada nas alegações de recurso. Não obstante, por se tratar de questão de conhecimento oficioso (art. 608º, do CPC), cumpre dela conhecer, antes de mais.
As partes celebraram entre si um contrato denominado “Contrato de Locação Operacional", cujo clausulado consta do documento junto a fls. 28 e ss.

Como escreve Fernando de Gravato Morais,[1]“a locação operacional configura um "negócio através do qual o produtor ou o distribuidor de uma coisa, em regra standardizada ou de elevada incorporação tecnológica, proporciona a outrem o seu gozo temporário, mediante remuneração, prestando também, em princípio e de modo acessório, determinados serviços, v.g., de manutenção do bem .”

Trata-se de uma figura jurídica próxima da locação financeira, mas com a qual não se confunde, dadas as suas características próprias.

Efectivamente, na locação operacional é de realçar a específica natureza da coisa locada, dado que, na maior parte dos casos, se trata de bens móveis de natureza duradoura, com a particularidade de terem tendencialmente uma longa obsolescência técnica. Isto significa que a vida técnico-económica da coisa não se esgota no período de vigência do contrato, daí que a duração média do contrato seja de um a três anos, a fim de que, no seu termo, os bens restituídos ao locador sejam novamente colocados no mercado.

Por outro lado, neste tipo contratual há usualmente um conjunto de serviços acessórios a prestar pelo locador ou por alguém a ele ligado (v.g. manutenção ou reparação da coisa ou assistência técnica).

Além disso, o valor a pagar periodicamente pelo utilizador encontra-se relacionado, por um lado, com o gozo do bem e, por outro, com a prestação dos mencionados serviços, sendo que, em princípio, não cobre o preço da aquisição do bem locado, pago pelo locador.

Acresce que o locatário pode denunciar o contrato a qualquer momento, desde que respeite o prazo de “pré – aviso” fixado e , se  o não fizer, deve restituir a coisa locada no termo do contrato, ou prorrogar a sua vigência. Não lhe assiste, porém, a opção de compra do bem locado.

Sendo estes os traços essenciais da locação operacional, as diferenças em relação à locação financeira[2] são assinaláveis.

Com efeito, o esquema típico da locação financeira é o seguinte:

O prazo do contrato abrange a maior parte da vida útil do bem; a renda paga pelo locatário destina-se a cobrir os montantes pagos pelo locador com a aquisição da coisa, mas também o lucro que o mesmo se propõe obter com o negócio; o locador não suporta os riscos inerentes a um “verdadeiro” proprietário, designadamente o da perda ou de deterioração da coisa; existe sempre a faculdade de aquisição da coisa locada no termo do contrato pelo locatário, mediante o pagamento de um valor residual.

Por sua vez, quer a locação financeira, quer a locação operacional não se confundem com a locação ordinária ou com o aluguer de longa duração (ALD) ainda que se reconheça existir afinidade entre estas figuras jurídicas.[3]

Deve, finalmente, sublinhar-se que a doutrina em geral[4]afasta a assimilação da locação financeira (e por maioria de razão, também a locação «não financeira») ao contrato de mútuo e/ou ao contrato de crédito, dado o significado das obrigações específicas do locador na relação contratual e as diferentes estruturas jurídicas de cada tipo contratual.

Se procurarmos agora enquadrar as características da relação jurídica em análise num dos tipos contratuais em confronto vemos que a mesma não se reconduz integralmente a nenhum deles.

É, portanto, de concluir estarmos perante um contrato (atípico), cujo regime jurídico não está legalmente compilado e que se rege, em primeiro lugar, pelas cláusulas acordadas entre os contraentes e, supletivamente, pelas normas do Código Civil que consagrem regras gerais, e ainda, com as necessárias adaptações, pelas normas da locação, previstas nos arts. 1022º e ss., do CC.[5]

12.2. É sabido que o preceito basilar que serve de introito à teoria dos contratos é o da liberdade contratual previsto no art. 405º, nº1, do CC, segundo o qual ”dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver.”
Daqui decorre que o contrato tem força vinculativa entre as partes, valendo como lei em relação aos contraentes: é a denominada lex privata ou lex contractus.

Nesta conformidade, é de concluir que a pretensa alteração do contrato (alegada pela locatária, ora ré) estava condicionada pela obtenção do assentimento da locadora (ora autora), pelo que, nada se provando a esse respeito, é manifesto estar a ré adstrita ao cumprimento das obrigações para si emergentes do contrato celebrado, nos seus precisos termos.

12.3. A questão da indemnização pela não restituição imediata do bem locado.
No caso dos autos, as partes acordaram que, verificado o incumprimento do locatário, o locador podia resolver o contrato (clª 10ª, nº1).
Nesta conformidade, é seguro que as partes, ao abrigo do disposto nos arts. 406º e 432º, ambos do CC, introduziram no contrato uma cláusula resolutiva expressa.

In casu, como decorre da matéria de facto provada, não tendo a ré pago as 80º a 84º prestações, nas datas dos seus vencimentos, a autora – por carta registada e com aviso de receção, recebida pela ré – declarou resolvido o contrato.

A resolução operou, assim, imediatamente, de pleno direito, no momento em que essa declaração chegou ao poder da parte inadimplente, ou é dela conhecida (art. 224º, n.º 1, do CC).

Nos termos clausulados, resolvido o contrato, a locadora tem direito à restituição imediata do veículo (clª 11ª, nº1), obrigação que a locatária, ora ré, não satisfez.

Nesta acção, a autora, ao abrigo do disposto no art. 1045º, nº2, do CC, e não da cláusula 10ª, nº4, das condições gerais do contrato[6], veio pedir a condenação da ré a pagar-lhe, a título de indemnização pelo atraso na restituição do veículo locado, uma quantia igual ao dobro do valor de cada aluguer, por cada mês que, após a resolução do contrato, demorar a entregar-lhe aquele veículo.

A apelante insurge-se contra este segmento decisório, alegando que a indemnização arbitrada é desproporcionada aos danos a ressarcir.

Tudo está, portanto, em saber se a norma do art. 1045º, do CC pode ser convocada para fundar a atribuição da indemnização ao locador operacional quando o locatário não proceda à restituição do bem locado.

A jurisprudência tem vindo, reiteradamente, a entender que o regime constante do art. 1045º, nº2, do CC não é aplicável aos contratos de aluguer de veículo automóvel (ALD) e de locação financeira, dado que a indemnização pelo atraso na restituição da coisa locada prevista no artigo 1045°, do CC se justifica por ser a renda correspondente ao valor da coisa locada, sendo este o prejuízo do locador. Contudo, no contrato de ALD e/ou de locação financeira a renda é calculada em função do capital investido no bem locado, encargos, risco do locador, margem de lucro e amortização. O valor assim apurado é, pois, alheio ao valor locativo do imóvel (v. o ac. do STJ de 8 Abr. 2010, relatado pelo Juiz Conselheiro Lopes do Rego, Processo 3501/06.3TVLSB.C1.S1, JusNet 1692/2010, o ac. do STJ de 9/7/2002, proferido na revista 1630/02, in www.itij.pt e o ac. da Rel. Lisboa de 16/1/2007, processo 8518/2006, JusNet 1066/2007, relatado pelo Juiz Desembargador Torres Vouga, respectivamente).

As razões que nos levam a perfilhar o mesmo entendimento são também aplicáveis ao caso dos autos, pois também aqui a “renda” não se destina meramente a retribuir o gozo da coisa locada por parte do locatário, antes engloba o pagamento dos encargos suportados pelo locador, bem como o lucro por este auferido com a operação em causa. Aliás, talvez por isso mesmo, os termos da indemnização por incumprimento tenham sido especificamente previstos no contrato[7], ao estipular-se nele que a indemnização ali fixada se destinava, além do mais, a ressarcir a locadora dos prejuízos que do incumprimento do contrato lhe resultassem, sendo certo que uma das formas do incumprimento era precisamente a falta de restituição do veículo em caso de resolução contratual. Deve, pois, concluir-se que as partes afastaram a aplicação da norma supletiva do art.º 1045º, n.º 2, mesmo que tal disposição fosse aplicável na hipótese dos autos.

Nestas condições, o facto de o bem locado não ter sido entregue após a resolução do contrato poderia fazer incorrer o devedor na obrigação de reparar os prejuízos assim causados ao credor (artigo 798°,n°1 do Código Civil).

Verifica-se, porém, que a autora nada alegou quanto à existência de prejuízos resultantes da falta de entrega do imóvel, pelo que o julgador não poderia tê-los em consideração. No que respeita à cláusula penal prevista na clª 10ª, nº 4, do contrato, sendo nula, como é, também não poderá constituir fundamento do pedido.

Procede, pois, o recurso.

13. Nestes termos, concedendo provimento ao recurso, acorda-se em absolver a ré do pedido de condenação a pagar à autora “a título de indemnização a quantia de EUR 570,84, por cada mês de atraso na restituição do veículo desde 20/2/2013 e até efetiva entrega” e respectivos juros de mora, nessa parte se revogando a sentença recorrida.
As custas da acção serão suportadas por ambas as partes, na proporção do decaimento.
As custas da apelação ficarão a cargo da apelada.


Lisboa, 13.10.2015


Maria do Rosário Morgado
Rosa Ribeiro Coelho
Maria Amélia Ribeiro


[1] Cf. Manuel da Locação Financeira, Almedina, 2011, 2ª ed., 62-64, exposição que seguiremos de perto.
[2] O DL nº 149/95, de 24 de Junho (com as alterações que lhe foram sucessivamente introduzidas) concentra a regulamentação do contrato de locação financeira dispondo-se no seu art. 1º que a locação financeira é o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados – cf. art. 1º, do Dl nº 149/95, de 24 de Junho.
[3] Cf., para mais desenvolvimentos, Gravato Morais, ob. cit., págs. 61-62 e 71-74.
[4] Cf. Leite de Campos, A Locação Financeira, 1994, 138 e Calvão da Silva, A Locação Financeira e Garantia Bancaria, Estudos de Direito Comercial, Coimbra, 1999, 20 e ss. Gravato Morais, Manuela da Locação Financeira, Almedina, 2011, 2ª edição, pag. 326 e ss defende que a locação financeira configura um contrato de crédito com características específicas.
[5]Sobre a qualificação jurídica de contratos como o dos autos, cf. os acs. da Relação de Lisboa de 26/6/2008 e de 21/1/2010, in www.itij.pt.
[6] Como já se disse, para servir de fundamento a este pedido de indemnização, a autora afastou expressamente esta cláusula, por a mesma ter sido, como efetivamente foi, declarada nula por acórdão do STJ, proferido em acção inibitória.
[7] Cláusula penal que foi, como já referido, declarada nula, em acção inibitória.

Decisão Texto Integral: