Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9018/2003-4
Relator: DURO MATEUS CARDOSO
Descritores: DANOS MORAIS
COMISSÃO DE SERVIÇO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/02/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: Para haver lugar a indemnização por danos não patrimoniais é necessária a violação culposa pela entidade patronal de deveres emergentes do contrato de trabalho e que aquela violação cause danos ao trabalhador que mereçam a tutela do direito. Não são merecedores da tutela do direito os meros incómodos, as indisposições, preocupações e arrelias comuns.
Sendo nulo o acordo de comissão de serviço que vigorou entre o trabalhador e a entidade patronal durante quatro anos, após a cessação dessa comissão de serviço o trabalhador não tem direito a manter as remunerações que auferia enquanto vigorou esse regime, pese embora a sua nulidade, sendo de aplicar, nesses casos, o regime constante do nº 2 do art. 15º da LCT.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

I- (A), intentou no 4º Juízo - 1ª Secção do Tribunal do Trabalho de Lisboa, a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato de individual de trabalho, CONTRA,
ANA-AEROPORTOS DE PORTUGAL, SA.
II- PEDIU que a acção seja julgada procedente e provada e a ré condenada a pagar ao autor a quantia de 3.054.488$00 (sendo 1.480.888$00 devidos a título de diminuição arbitrária de subsídio de assistência no período de 1 de Agosto de 1994 a 31 de Março de 1998 e 1.573.600$00 correspondentes a verbas não pagas por diminuição arbitrária de remuneração base desde 31 de Março de 1998), sendo tal quantia acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos até integral pagamento.
Mais pediu a condenação da ré a pagar ao autor uma indemnização não inferior a 3.000.001$00 a título de danos morais, a liquidar em execução de sentença.
III- ALEGOU, em síntese, que:
- Em 7 de Setembro de 1987, outorgou um contrato de trabalho com a Ré;
- É Oficial de Operações Aeroportuárias (OPA);
- Os OPA's têm um Regulamento Autónomo;
- A Ré por razões que a ela dizem respeito determinou a existência de uma figura equívoca a que chamou " coordenador de terminal de bagagens";
- Tal figura coincidia nas suas atribuições com as funções de OPA;
- A Ré veio a proceder ao provimento de coordenadores de terminais de bagagem invocando uma "comissão de serviço";
- Permaneceu sob a designação de coordenador de terminal de bagagem de 1 de Agosto de 1994 até 31 de Março de 1998 recebendo pelo nível 20;
- Quando cessou a sua designação como coordenador de terminal de bagagens passou a auferir pelo nível 16 e posteriormente pelo 18;
- Tratou-se de uma inadmissível quebra de retribuição, tanto mais que a Administração da Ré havia deliberado que quando cessassem as comissões de serviço os trabalhadores manteriam os níveis remuneratórios;
- Tem direito a receber a retribuição base correspondente ao nível 20 desde 31 de Março de 1998 bem como à sua manutenção;
- A Ré deve ser condenada a pagar-lhe 1.573.600$00 de diferenças remuneratórias;
- Entre 1 de Agosto de 1994 e 31 de Março de 1998, não lhe foram pagos subsídios de assistência e pelo trabalho suplementar a que tinha direito nos termos do contrato colectivo aplicável;
- A tal título a ré ANA deve-lhe o montante de 1.408.888$00;
- A Ré tem o dever de preservar o bom ambiente de trabalho;
- Todavia não o tem feito, pois no âmbito dos processos laborais que contra ela são instaurados usa reunir com as suas testemunhas nas instalações da empresa às horas de serviço;
- Corre na Ré a notícia de que sobre os trabalhadores que testemunhem arrolados por colegas podem recair retaliações sobre a forma de quebra de prémios;
- O SINDOPA já formulou uma queixa à Comissão Parlamentar de Direitos, Liberdades e Garantias;
- Os trabalhadores da Ré não ousam aproximar-se dos dirigentes do SINDOPA;
- O Autor hesitou longo tempo antes de intentar a presente acção por ter receio das consequências perversas da respectiva interposição;
- Estamos perante ausência de condições morais do trabalho que são imputáveis à Ré;
- A Ré deve ser condenada a pagar-lhe um montante a título de danos morais em quantia a liquidar em execução de sentença.
IV- A ré foi citada e realizou-se Audiência de Partes em que teve lugar infrutífera tentativa de conciliação.
Nesta Audiência de Partes o autor requereu que a ré fosse tratada como faltosa à diligência, com as legais consequências nos termos e na letra da Lei, uma vez que a ré esteve apenas representada pelo respectivo Mandatário Judicial e por procurador da ré com poderes para representar a sociedade ré, sendo que a Audição de partes exige a presença de quem, nos termos do Pacto Social, for susceptível, em razão da qualidade, de vincular a pessoa colectiva em causa.
Sobre este requerimento recaiu o seguinte despacho: "O n° 3 do art° 540 do C.P.T. estatui que o Autor é notificado para Audiência de Partes e a Ré é citada, ambos para comparecerem pessoalmente ou, em caso de justificada impossibilidade de comparência, se fazerem representar por mandatário judicial com poderes especiais para confessar, desistir ou transigir.
Afigura-se-nos que o Autor, no seu douto requerimento, quando se refere a Depoimento de Parte, pretende fazer alusão às declarações previstas no art° 55° do aludido diploma.
Daí que extraia as conclusões e inerentes consequências referidas no douto requerimento.
Todavia, salvo o devido respeito por entendimento diverso, afigura-se-nos que, se a Lei permite que, em certos casos, tais declarações sejam inclusivamente prestadas por mandatário judicial munido dos poderes referidos no n° 3, do art° 54º do C.P.T., por maioria da razão, também permite aos legais representantes da Ré constituírem um Procurador para o efeito.
In casu, a Procuração do Sr. Dr. (NP) atribui-lhe expressamente poderes para comparecer à Audiência de Partes e emitir as declarações negociais que entender convenientes.
Igualmente lhe confere poderes para confessar, desistir ou transigir em qualquer estado do Processo, podendo, para o efeito, servir-se do Advogado que for, pela empresa, nomeado para a patrocinar no Processo, bem como, e ainda, praticar qualquer outro acto que entenda conveniente para o efeito da formação e declaração da vontade negocia) que à empresa venha a ser solicitado em Juízo.
Por outro lado, o Exmo Mandatário da Ré também detém poderes para confessar, desistir ou transigir.
Entendemos, pois, salvo o devido respeito por entendimento diverso, que a Ré se encontra devidamente representada na presente Audiência de Partes, pelo que não há lugar à aplicação da sanção prevista no C.P.C. para a litigáncia de má fé (vide art° 102° do C.C.J.)".
Desse despacho o autor recorreu (fls.) 59 a 65) interpondo recurso de agravo que foi recebido com subida diferida:
(...)
IV- A ré contestou concluindo pela improcedência da acção,
(...)
VI- O processo seguiu os seus termos, com elaboração de Factos Assentes e Base Instrutória, vindo, a final, a ser proferida sentença em que se julgou: "a presente acção parcialmente procedente por provada e em consequência decido condenar a Ré pagar ao Autor o montante que se liquidar em execução de sentença respeitante aos subsídios de assistência devidos desde 1 de Maio de 1995 e 31 de Março de 1998, montante do qual se deve descontar as quantias que o Autor recebeu nesse lapso de tempo a título de subsídio de turno.
Os montantes em dívida a tal título deverão ser acrescidos de juros de mora, à taxa legal, desde a data do respectivo vencimento até integral pagamento - vide art 2º do DL nº 69/85, de 18 de Março."
O autor voltou a interpor novo recurso, agora desta sentença (fls. 496 a 498, 541 e 585 a 586), apresentando as seguintes conclusões:
Quanto à matéria de facto e em relação ao constrangimento dos trabalhadores relativamente ao exercício de direitos fundamentais.
1. O Mmº Juiz do Tribunal a que não pode exigir a geométrica clareza quanto à demonstração e enquadramento das causas do medo, se o medo existir entre trabalhadores - e aqui tudo indica, infelizmente, que sim - quanto ao exercício de Direitos Fundamentais, ou até quanto ao exercício de deveres de cidadania, como sejam os de depor em juízo de trabalho e em processo de camarada de trabalho; nesta matéria, com efeito, demonstrando-se que a “hierarquia” (expressão infeliz por excessiva, pese embora o "non est enfim potestas nisi a Deo") provoca, voluntária ou involuntariamente, ignora ou utiliza a dissuasão, ou que contemporiza com factos aptos a gerá-la não é necessário, nem pode ser necessário, exigir a demonstração da coacção onde tem de bastar a razoabilidade do efeito dissuasor dos factos apurados;
2. A relevância de tais factos não é tanto dada pela previsão penal da coacção, mas pela realidade da tela de embaraços onde se sustentam ansiedades difíceis de definir sem o auxílio da psicologia das organização fenómeno que, não estando embora criminalizado entre nós, está todavia genericamente proibido quando se consagrou o dever de respeito pelas boas condições morais de trabalho que o empregador deve proporcionar" (na fórmula do futuro 120° do Código de Trabalho) à luz do princípio geral da "promoção humana" e do dever concreto de respeito pela pessoa do trabalhador... dever de respeito que à luz do Direito aplicável, é o devido a um co­laborador (expressão que, por si só, explica a ausência radical da palavra "subordinação" em toda a LCT detalhe em cujo sublinhado nos temos sentido um tanto sós);
3. O empregador não pode pois ignorar o medo dos trabalhadores quanto ao exercício de direitos fundamentais ou quanto ao cumprimento dos deveres de cidadania, nem alhear­-se dele, porque nem pode tolerar situações cuja equivocidade seja - à luz da experiência comum - apta a gerar a dissuasão quanto ao exercício de tais direitos ou ao cumprimento de tais deveres e esta seria talvez a via da reconciliação da razoabilidade em Direito de Trabalho com as exigências de clareza geométrica do criminalista, na Justiça do caso;
4. Em função desta perspectiva da relevância dos factos, há erro de julgamento na desvalorização - feita à luz da disciplina intelectual do penalista, como nos parece - dos depoimentos de (AP), de (CS) e de (B) quanto à matéria da dissuasão ou constrangimento moral relativamente ao exercício de direitos fundamentais (qual seja o de se apresentar em juízo pedindo o exame e decisão de causa) ou ao cumprimento de deveres de cidadania (qual seja o de comparecer em juízo depondo com verdade), desvalorização que tem de corrigir-se pela adopção da perspectiva ajustada e jus laboral que é a do dever de propiciar as boas condições morais de trabalho, perspectiva à luz da qual e salvo melhor opinião, devem voltar a ouvir-se e a reponderar-se tais depoimentos.
Quanto à ponderação dos efeitos da nulidade de uma comissão de serviço.
5. Dizer, como o faz a douta sentença em crise, que se a nulidade não produz efeitos não pode gerar um direito ao nível remuneratório, ou quaisquer outros direitos para o trabalhador, é um raciocínio claro, mas que, no caso, desviou o olhar no momento em que o olhar devia fixar-se;
6. A nulidade gerada pelo arbítrio ou astúcia do empregador que durante quatro anos mantém o trabalhador em exercício de funções a que corresponde maior remuneração ao pretenso abrigo de uma comissão de serviço nula, essa possibilidade não pode ser recompensada com a possibilidade de ao torpe passar a aproveitar a torpeza própria e de, dez anos depois, por hipótese, o empregador poder vir dizer que uma comissão de serviço por si determinada e que só no seu arbítrio radicava é nula e "portanto", o trabalhador voltaria ao ponto de partida, à situação remuneratória e profissional de há dez anos atrás;
7. Tal possibilidade não pode ser admitida por chocante e se o Direito não respondesse à intuição ética dos valores pelo homem comum, isso significaria apenas que a Lei tinha perdido a capacidade de traduzir as aspirações colectivas de Justiça, mas o Direito, justamente, respondeu desde sempre pelo Princípio Geral invocado, nos termos do qual ao torpe não pode aproveitar a torpeza própria... aliás, o dever de respeito pelo trabalhador como co-laborador - traduzindo a insusceptibilidade de gradação da dignidade humana - não é compatível com a perspectiva meramente instrumental do Homem a que uma tal lógica abriria, necessariamente, um caminho indesejável;
8. Podemos até, perfeitamente, seguir os mesmos passos lógicos do senhor Juiz: se a comissão de serviço é nula, ela não gera o direito ao nível remuneratório por ser comissão de serviço, o que gera esse direito é o alicerce do exercício efectivo de funções superiormente remuneradas durante quatro anos, exercício que subsiste como facto além de qualquer qualificação formal, não podendo aceitar-se que a nulidade da comissão de serviço possa gerar o retrocesso profissional do trabalhador, depois de quatro anos de exercício daquelas funções, porque assim o determina a exigência legal da valorização profissional com a qual deve articular-se, até, o exercício de funções que a possam fazer perigar (art. ° 22°/4 LCT), porque assim o determina também - e no caso de exercício de funções com remuneração mais elevada - o critério dos seis meses de exercício (e no caso forem quatro anos de exercício) - motivos pelos quais se mostra violada a proibição legal do artº 21°/1/c LCT, normas cujo respeito foi desatendido pela douta sentença em razão da interpretação já focada e que, por quanto acima fica dito, traz à douta sentença uma violação da Lei que deve ser corrigida, salvo melhor opinião.
VII- A ré contra-alegou (fols. 592 a 598) pugnando pela manutenção do decidido.
Foram dados os Vistos legais.
VIII- A matéria de facto considerada provada em 1ª instância, é a seguinte:
1- Autor e Ré outorgaram e mantêm um contrato de trabalho em vigor desde 7 de Setembro de 1987;
2- Em 29 de Julho de 1994, Autor e Ré celebraram o acordo cuja cópia constante de fols. 114 que aqui se dá por integralmente reproduzido;
3- O Autor é oficial de Operações Aeroportuárias (categoria que se passa a denominar apenas de OPA);
4- A Ré determinou a existência de coordenadores de terminal de bagagens;
5- Só foram providos como coordenadores de terminal de bagagens oficiais de operações portuárias;
6- Os coordenadores de terminal de bagagens venciam pelo nível 20;
7- O Autor permaneceu com a designação de Coordenador do terminal de bagagens desde 1 de Agosto de 1994 até 31 de Março de 1998;
8- De 1 de Agosto de 1994 a 31 de Março de 1998 a Ré não pagou ao Autor subsídio de assistência;
9- Antes de Agosto de 1994 o Autor auferia a remuneração mínima mensal de 146.200$00 acrescida de 30.702$00 de subsídio de turno e de 13.590$00 de subsídio de disponibilidade;
10- Em Agosto e Setembro de 1994 auferiu a remuneração mensal mínima de 225.400$00 acrescida de subsídio de turno de 31.760$00;
11- Em Março de 1998, na qualidade de Coordenador, o Autor auferiu a remuneração mínima mensal de 254.700$00 acrescida de 35.900$00 de subsídio de turno;
12- Em Abril de 1998, o Autor auferiu a remuneração mínima mensal de 198.600$00 acrescida 79.080$00 de remuneração operacional de OPA e de 72.260$00 de subsídio de assistência OPA;
13- A administração da Ré procedeu ao recrutamento de trabalhadores para exercer funções de coordenadores de terminal de bagagens em regime de Comissão de serviço nos termos do aviso de recrutamento interno constante de fols. 107, que aqui se dá por integralmente transcrito, sendo certo que o programa e regulamento do concurso foram os constantes de fols. 108 e 109 que aqui se dão por reproduzidas;
14- Tendo feito cessar a comissão de serviço do Autor como coordenador de terminal de bagagens a Ré passou a remunerá-lo pelo nível 16;
15- A Ré veio a imputar ao Autor uma progressão para o nível 18 em Setembro de 1999;
16- Em 1998 o tráfego aéreo subiu;
17- A Ré convocou trabalhadores que havia arrolado como testemunhas em dois processos do foro laboral, que corriam termos no Tribunal de Trabalho de Lisboa, para reuniões a realizar nas instalações da Direcção do Aeroporto de Lisboa;
18- Pelo menos dois dos trabalhadores referidos no facto nº 17 foram convocados telefonicamente, sendo certo que a pessoa que fez o telefonema se identificou como secretária do sr. Director do Aeroporto de Lisboa;
19- A convocatória referida em 17) foi efectuada para as horas de serviço;
20- Três trabalhadores da Ré, sendo certo que dois deles eram membros da Direcção do SINDOPA, depois de terem sido arrolados como testemunhas em processos do foro laboral intentados por colegas contra a Ré tiveram quebras num montante que lhes era pago sob a designação de prémio de desempenho operacional, sendo certo que associaram tal perda ao facto de terem prestado depoimento em Tribunal;
21- O Sindicato dos Oficiais de Operações Aeroportuárias remeteu à Comissão Parlamentar de Direitos, Liberdades e Garantias um requerimento/exposição de teor que não foi possível determinar;
22- Os factos referidos nos factos nºs 17) a 19) geraram um sentimento de desconfiança nalguns trabalhadores da Ré;
23- Antes de intentar a presente acção o Autor denotou hesitação e angústia;
24- No tocante à propositura da presente acção o Autor foi aconselhado a proceder de acordo com a sua consciência pelo sr. (JM), dirigente do SINDOPA;
25- De 7-9-87 a 7-9-89 o Autor foi Assistente de Oficial de Operações Aeroportuárias (AOPA) na fase C;
26- Em 7-9-89 o Autor ascendeu à fase B de AOPA;
27- Em consequência do AE/92 o Autor ingressou na categoria de Oficial de Operações Aeroportuárias (OPA) na fase D;
28- Em 7-9-92 o Autor ingressou na fase C da categoria de OPA;
29- Em 7-9-94 o Autor ingressou na fase B da categoria de OPA;
30- Em Agosto de 1994 o Autor, com a categoria de OPA, nível 14, recebeu os montantes referidos a fols. 122 dos autos, que aqui se dão por transcritos, e que em Setembro de 1994 com a categoria OPA, nível 20, auferiu 225.400$00 de vencimento base, uma diuturnidade de 3.680$00 e 31.760$00 de subsídio de turno;
31- Em 10 de Outubro de 1991 a Ré emitiu a Instrução de Serviço nº 065 - 054 que teve o teor constante de fols. 8 e 9 dos autos, que aqui se dá por transcrita, que versava sobre a fiscalização de terminais de bagagem;
32- Através da Instrução de serviço referida no facto nº 31 e do exercício das funções ali mencionadas pretendeu-se implementar a fiscalização dos terminais de bagagens do Aeroporto, nomeadamente a utilização dos equipamentos, tais como tapetes, ali instalados;
33- Antes da selecção de 4 OPAS coordenadores, ocorrida em Agosto de 1994, o Autor com os demais OPAS exerciam rotativamente as tarefas de supervisão e controle dos terminais de chegadas e partidas para as quais o supervisor destacava um OPA que ficava responsável pelo terminal de bagagem de chegadas e partidas;
34- Esse OPA devia alocar os tapetes de bagagem de chegadas, antes da chegada da bagagem ao respectivo terminal, tendo em atenção o número de passageiros transportados e a previsão de chegada da 1ª bagagem ao terminal evitando a utilização simultânea dum tapete para os dois voos;
35- E devia providenciar a desmarcação dos voos logo após a utilização do tapete;
36- Após o último passageiro ter recolhido a sua bagagem devia certificar-se da existência de bagagem no tapete, providenciando junto da empresa transportadora ou seu representante a recolha da mesma;
37- E devia fazer o registo da utilização dos tapetes em impresso próprio;
38- E não devia permitir que fosse colocada bagagem nos tapetes enquanto estes não estivessem em movimento e garantir que houvesse espaço suficiente entre a bagagem seguida com vista a facilitar a sua entrada no denominado "race track" (expressão que se deve considerar traduzida pela expressão "tapete em carrocel");
39- Esse OPA devia certificar-se através das câmaras de circuito interno que não há congestionamento no "race track" (zona de passageiros) e actuar desligando o tapete alimentador linear através do comando próprio sempre que a situação o exigir;
40- E não devia permitir a utilização dos terminais de bagagem para estacionamento de viaturas e ou equipamento, providenciando o seu reboque sempre que a situação o justifique;
41- E devia fiscalizar a circulação de viaturas e ou equipamentos, fazendo cumprir as regras estabelecidas pelo Aeroporto e de acordo com a marcação no pavimento e ou sinalização apropriada;
42- Bem como comunicar ao supervisor de controle de gestão de equipamentos qualquer avaria nos equipamentos, registando em ocorrências eventuais tempos de paragem;
43- E fazer informação em impresso apropriado de situações anómalas ou que necessitavam de futuras medidas correctivas;
44- Aos OPAS que rotativamente eram destacados no turno para a fiscalização competia-lhes averiguar do modo como essa utilização era feita e verificar o estado de conservação de equipamentos (tapetes, elevadores) reportando tais factos ao supervisor de gestão;
45- Em Julho de 1993, a ANA, EP, pôs em funcionamento no Aeroporto de Lisboa uma estrutura que tinha dois Departamentos nas operações: Lado Ar e Lado Terra;
46- A Ré tem feito a gestão de todo o terminal de bagagens e passageiros;
47- Existe uma check list para apoio e verificação de toda a área de terminal de passageiros (aerogare e terminais de bagagem) (sendo certo que se deve considerar a expressão "check list" traduzida pela expressão "lista de verificação");
48- Até Agosto de 1994 o sistema transportador de bagagens existente encravava, levando à danificação de bagagens;
49- O encravamento verificava-se sempre que havia um pico de chegadas e partidas o que usualmente ocorria entre as 5h30m e as 8h, das 12h às 14h e cerca das 19/20h;
50- A danificação de bagagens dava lugar a queixas dos operadores e dos passageiros e ao pagamento de indemnizações que o ALS tinha de suportar;
51- Até 1994 a Ré foi formando a percepção de que era necessário estar alguém, afecto de forma exclusiva, no interior do terminal para optimizar o sistema e garantir as suas condições de operacionalidade, prevenindo e removendo de imediato as falhas;
52- Tendo em vista as necessidades verificadas para assegurar uma maior operacionalidade e funcionalidade do sistema transportador e uma melhor utilização das infra-estruturas a Ré entendeu ser necessária a afectação exclusiva de trabalhadores a uma função que denominou "de coordenação de terminais de bagagem";
53- Na perspectiva da Ré a função de coordenador de terminais de bagagem visava o controle e gestão directa e permanente do sistema transportador de bagagem;
54- Em 20 de Maio de 1994, a Ré publicitou o recrutamento interno ALS 1/94 para as funções de coordenador de terminal de bagagem cuja cópia constante de fols. 107 a 109 aqui se dá por reproduzida;
55- Em reunião realizada em 13 de Julho de 1994 entre o então Director do Aeroporto de Lisboa, Arquitecto Leopoldo Leal, e o dirigente do SINDOPA, sr. (JM), no tocante ao recrutamento de coordenadores de terminal foi acordado que tal função seria preenchida por Oficiais de Operações Aeroportuárias (OPA's) em comissão de serviço e regime de exclusividade por um período de dois anos, sendo-lhe atribuído um vencimento equivalente à remuneração mínima mensal do grau 2 - nível 20;
56- Tal remuneração seria acrescida de subsídio de turno por horários com amplitude de 16 horas;
57- O novo sistema de transporte de bagagens Siemens instalado em 1988 permitia a saída automática da mesma para o tapete destinado a cada voo de saída;
58- O novo sistema de transporte de bagagens Siemens instalado em 1988 aumentou a capacidade de recepção de bagagem, sendo concebido num sistema informático;
59- No âmbito do concurso para coordenador os candidatos, nomeadamente o Autor, foram submetidos a uma prova escrita e a uma entrevista sendo o júri constituído entre outros por representantes da comissão de trabalhadores;
60- Por o número de candidatos exceder o número de vagas postas a concurso a selecção ficou circunscrita aos candidatos com experiência na área operacional;
61- Na lista de candidatos o Autor ficou apurado em segundo lugar;
62- A partir de Agosto de 1994, 4 coordenadores, entre eles o Autor, que passaram, em exclusividade, a fazer a gestão directa e diária do sistema transportador de bagagem num gabinete localizado no terminal de chegadas onde existiam monitores de vídeo que mostravam algumas zonas de tapetes transportadores de bagagem;
63- Competia ao Autor e aos outros coordenadores detectar o local onde se encontravam as possíveis falhas no sistema;
64- O Autor e os outros coordenadores solicitavam aos funcionários do SPC que diligenciassem por remover as falhas que se verificassem no sistema;
65- Os coordenadores deviam optimizar o sistema de transporte de bagagem;
66- E também lhes competia contactar a Alfândega de Lisboa a fim de providenciar pela destruição de bens perecíveis;
67- Os coordenadores preenchiam um relatório diário sobre as ocorrências verificadas no terminal de bagagens que entregavam ao chefe de Departamento;
68- No início de 1995, o Autor e os outros coordenadores passaram a exercer as suas funções num gabinete localizado no interior do terminal de bagagem de partidas;
69- Onde o Autor e os seus três colegas supervisionavam todo o sistema transportador de bagagens com o uso de um sistema de controlo interno vídeo;
70- Através do sistema interno de vídeo era visionado o sistema transportador ao longo do seu percurso, por forma a detectar falhas, anomalias que se verificassem e de imediato as solucionar dando ordens para a sua reparação, sendo certo que no período de tempo transcorrido entre 1994 e 1998 o número de câmaras aumentou;
71- Em finais de 1995 os quatro coordenadores, incluindo o Autor, passaram a introduzir dados actualizados no sistema de informação visual ao público sobre dados dos voos;
72- O exercício das funções de coordenador foi concebido num sistema de 16 horas em dois turnos entre as 7 h e as 22 horas, sendo certo, no entanto, que por norma o período de trabalho era antecipado para as 6h e terminava pelas 24 horas;
73- Sendo paga remuneração suplementar ao Autor e aos três colegas sempre que iniciavam o trabalho mais cedo ou saíam mais tarde;
74- Quando os coordenadores saíam de serviço entregavam as chaves do gabinete ao supervisor de pessoal;
75- Os outros OPA, que não o Autor e os outros 3 ordenadores, exerciam as funções que lhes estavam cometidas tais como despacho, coordenação à torre, revista à pista integrados em equipas dirigidas por um supervisor operacional, sendo certo que no período entre as 22h ou 24h e as 6h ou 7h também exerciam funções no terminal de bagagens;
76- Os OPA que não exerciam funções de coordenação trabalhavam por turnos concebidos em regime de 24 horas;
77- O Autor e os outros três coordenadores tinham uma escala de serviço de assistência desagregada da escala dos OPA;
78- O serviço do Autor enquanto coordenador de terminal de bagagens, bem como o dos outros três coordenadores, era rotineiro;
79- O serviço do Autor e dos outros três coordenadores foi exercido num local sem iluminação natural e sujeito a gases das viaturas que ali circulavam;
80- Bem como às poeiras derivadas do transporte e deslocação de veículos e bagagens;
81- O serviço do Autor como coordenador de terminal de bagagens implicava um visionamento, que não era permanente, dos ecrãs colocados no gabinete do terminal;
82- Em 1998 concluíram-se as obras do novo terminal e o novo sistema de transporte de bagagens Siemens passou a estar em condições de funcionar;
83- Este sistema é assistido por engenheiros informáticos da empresa instaladora;
84- O exercício, em exclusivo, das funções de coordenador de terminal de bagagens pelo Autor e pelos outros três coordenadores cessou em 31 de Março de 1998;
85- O que foi comunicado ao Autor através de carta endereçada em Janeiro de 1998;
86- Em Abril de 1998 o Autor auferiu os montantes constantes do recibo inserido a fols. 167 dos autos, que aqui se dão por transcritos, sendo 198.600$00 de vencimento base, duas diuturnidades de 4.610$00, 79.080$00 de Remuneração Operacional OPA e 72.260$00 de subsídio de assistência OPA;
87- O terminal de bagagens está fora do alcance da visão dos passageiros, sendo certo que os utentes do terminal de bagagens, tal como as companhias aéreas, ali trabalham;
88- Em 1994 verificavam-se falhas e avarias no terminal de bagagens;
89- Até Agosto de 1994 não se encontrava ninguém afecto exclusivamente aos pontos críticos do sistema de transporte de bagagens;
90- Em 1994 o Comité de Operadores de Linhas Aéreas do Aeroporto Internacional de Lisboa queixava-se de demoras a resolver problemas no sistema;
91- Por vezes eram os OPA a assegurar a operacionalidade do sistema;
92- Em 1994 os tapetes do terminal de bagagens, nomeadamente o tapete A, eram considerados pelo Comité de Operadores de Linhas Aéreas do Aeroporto Internacional de Lisboa como sendo responsáveis por bagagens danificadas;
93- A reparação dos tapetes dependia de autorização.
IX- Nos termos dos arts. 684º-3, 690º-1, 660º-2 e 713º-2, todos do CPC, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação; os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas pelas partes, salvo se importar conhecê-las oficiosamente.
Tratando-se de recurso a interpor para a Relação (como é o caso), como este pode ter por fundamento só razões de facto ou só razões de direito, ou simultaneamente razões de facto e de direito, assim as conclusões incidirão apenas sobre a matéria de facto ou de direito ou sobre ambas (v. Fernando Amâncio Ferreira, "Manual dos Recursos em Processo Civil", 3ª ed., pag. 148).
Atento o disposto no art. 710º-1 do CPC, apreciar-se-á em 1º lugar o recurso de agravo interposto a fols. 52.
A) DO AGRAVO. (...)

B) DA APELAÇÃO.
Dado o teor das conclusões das alegações apresentadas pelo apelante/autor, são 3 as questões fundamentais que se colocam na presente apelação:
A 1ª, se matéria de facto pode ser alterada face aos depoimentos das testemunhas (AP), (CS) e (B);
A 2ª, se os factos provados permitem uma condenação da ré a título de danos morais
A 3ª, quais os efeitos jurídicos posteriores, à cessação da comissão de serviço nula, em que se encontrava desde há 4 anos.
Quanto à 1ª questão.
Sendo o objecto do recurso definido pelas respectivas conclusões, retira-se que a recorrente, no caso que nos ocupa, se rebela também contra a decisão sobre a matéria de facto constante da decisão recorrida.
Assim, há que apreciar as questões colocadas respeitantes à matéria de facto e verificar se resulta outra factualidade que leve a diferente decisão da proferida em 1ª instância.
No respeitante à impugnação da matéria de facto, de acordo com o nº 1 do art. 690-A do CPC quando impugne a matéria de facto deve o recorrente obrigatoriamente especificar – sob pena de rejeição:
A) quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados – o que se traduz na necessidade de circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso indicando claramente qual a parcela ou segmento da decisão proferida que considera viciada por erro de julgamento;
B) quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação realizados que impunham decisão diferente sobre os pontos da matéria de facto impugnados - o que se traduz no ónus de fundamentar, em termos concludentes, as razões porque discorda do decidido, indicando ou concretizando quais os meios probatórios que implicam decisão diversa da tomada pelo tribunal (cfr. Lopes do Rego, «Comentários ao Código de Processo Civil», pag. 465).
Por força do exposto tinha o apelante o ónus de indicar claramente quais os concretos pontos da matéria de facto (reconduzíveis aos factos considerados provados ou não provados) que considerava viciados por erro de julgamento, bem como o de fundamentar as razões da sua discordância, concretizando quais os meios que implicavam decisão diversa, bem como indicar.
Atentemos então ao modo como o apelante põe em causa a matéria de facto considerada provada e não provada.
No que concerne aos depoimentos das testemunhas (AP), (CS) e (B), o apelante, nas conclusões, refere haver "erro de julgamento na desvalorização - feita à luz da disciplina intelectual do penalista, como nos parece - dos depoimentos de (AP), de (CS) e de (B) quanto à matéria da dissuasão ou constrangimento moral relativamente ao exercício de direitos fundamentais, (qual seja o de se apresentar em juízo pedindo o exame e decisão de causa) ou ao cumprimento de deveres de cidadania (qual seja o de comparecer em juízo depondo com verdade), desvalorização que tem de corrigir-se pela adopção da perspectiva ajustada e jus laboral que é a do dever de propiciar as boas condições morais de trabalho, perspectiva à luz da qual e salvo melhor opinião, devem voltar a ouvir-se e a reponderar-se tais depoimentos."
Já anteriormente nas suas alegações, referira que "A testemunha (B) foi clara no seu depoimento que em acta consta referenciado a rotações…A testemunha (B) foi clara quando disse ter recebido por telefone a indicação de que por ter deposto em processo contra o empregador tinha perdido o seu prémio de produtividade;".
Ainda nas alegações sustenta que o "que se trata aqui é de saber se sim ou não há coisas estranhas demais e se essa excessiva estranheza é não apta à lesão das boas condições morais de trabalho cuja manutenção são estrito dever do empregador". Assim, quanto às testemunhas (CS) e (AP) referiu que "Nesse sentido, o depoimento de (CS) - que na Acta consta com referência às rotações…- relatando que «as pessoas» os seus camaradas de trabalho se sentiam inibidos de abordar os dirigentes do sindicato em público, o depoimento de (AP), actual presidente do Sindicato (Sindopa/Sindav), que na acta consta com referência às rotações … são suficientemente elucidativos para que o magistrado dê como provados alguns elementos de facto e não dê outros por lhe faltar o rigor da prova que um juiz penal exigiria ao crime de coação. Mas estes depoimentos provam o clima de dissuasão, ainda que não provem o crime de coacção".
Ora o apelante, pese embora invoque depoimentos de 3 testemunhas, remete-se a referências vagas e genéricas dos depoimentos (com excepção do depoimento da testemunha (B), na medida que indica em concreto uma parte do depoimento que considera relevante), não precisando em que termos e em que pontos tais depoimentos devem contrariar o decidido quanto à matéria de facto.
Mas, para além disto, relativamente aos 3 depoimentos invocados, acaba mesmo por não concretizar, com mínima clareza, que factos não deviam ter sido dados como provados, ou que factos dados como não provados, deveriam ter sido considerados provados.
Pedir o simples "re-exame da prova materialmente produzida" ou dizer-se que "devem voltar a ouvir-se e a reponderar-se tais depoimentos", é manifestamente pouco e inviabiliza a reapreciação da matéria de facto nesta 2ª instância.
A matéria de facto fixada em 1ª instância é, assim, mantida e aqui integralmente recebida.
Quanto à 2ª questão.
Sustenta o autor que mesmo os factos que foram dados como provados em 1ª instância são suficientes para uma condenação da ré na pretendida indemnização por danos morais, já que não teriam sido "devidamente enquadrados".
Vejamos se assim é.
Com interesse para a decisão desta questão provou-se que a Ré convocou, para as horas de serviço, trabalhadores que havia arrolado como testemunhas em dois processos do foro laboral, que corriam termos no Tribunal de Trabalho de Lisboa, para reuniões a realizar nas instalações da Direcção do Aeroporto de Lisboa, sendo que pelo menos dois desses trabalhadores foram convocados telefonicamente, e a pessoa que fez o telefonema se identificou como secretária do sr. Director do Aeroporto de Lisboa, o que gerou um sentimento de desconfiança nalguns trabalhadores da Ré; (factos nºs 17, 18, 19 e 22).
E três trabalhadores da Ré, sendo certo que dois deles eram membros da Direcção do SINDOPA, depois de terem sido arrolados como testemunhas em processos do foro laboral intentados por colegas contra a Ré tiveram quebras num montante que lhes era pago sob a designação de prémio de desempenho operacional, sendo certo que associaram tal perda ao facto de terem prestado depoimento em Tribunal (facto nº 20).
O autor, antes de intentar a presente acção, denotou hesitação e angústia e quanto à sua propositura foi aconselhado a proceder de acordo com a sua consciência pelo sr. (JM), dirigente do SINDOPA (facto nº 24).
Sendo dano "todo o prejuízo, desvantagem ou perda que é causado nos bens jurídicos, de carácter patrimonial ou não, de outrem"- Prof. Vaz Serra, BMJ- 84, pag. 8 - apuremos se ao autor sobreveio o alegado dano de natureza não patrimonial.
Nos termos do art. 496º-1 do CC deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Estes danos, tradicionalmente designados por danos morais, resultam da lesão de bens estranhos ao património do lesado (a integridade física, a saúde, a tranquilidade, o bem-estar físico e psíquico, a liberdade, a honra, a reputação), verificando-se quando são causados sofrimentos físicos ou morais, perdas de consideração social, inibições ou complexos de ordem psicológica, vexames, etc., em consequência de uma lesão de direitos, maxime, de personalidade (ver Mota Pinto, Teoria geral do direito Civil, pag. 85 e 86, ed. de 1976).
Embora com divergências - cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, pag. 103-104 - vem-se entendendo que tal disposição é de aplicar, analogicamente, à responsabilidade contratual - v. Almeida Costa, Direito das Obrigações, pag. 485-486 e Acórdão do STJ de 30/1/81, BMJ- 303, pag. 212.
No direito laboral tem-se entendido haver casos de indemnização por danos não patrimoniais, designadamente no caso de violação culposa pela entidade patronal de deveres emergentes do contrato de trabalho, quando aquela violação cause ao trabalhador danos que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito - v., por exemplo, o Ac. do STJ de 14/10/87, BMJ nº 370, pag. 445; Ac. do STJ de 22/9/93, Col. STJ, 1993, T. 3, pag. 269; e Ac. da Rel. de Lisboa de 29/9/99, T. 4, pag. 166.
Não são, porém, merecedores da tutela do direito os meros incómodos, as indisposições, preocupações e arrelias comuns.
Obviamente, a obrigação de indemnizar a que nos reportamos terá de se fundamentar num facto ilícito e culposo da ré causador de danos (não patrimoniais) ao autor.
São pressupostos exigidos pelo art. 483º do CC, para que exista obrigação de indemnizar, a violação de um direito ou interesse alheio, a ilicitude, o vínculo de imputação do facto ao agente, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano- v. Prof. A. Varela, Obrigações, I Vol., pag. 445.
Competia ao autor a prova da factualidade que integrasse os pressupostos que permitisse a verificação da existência da obrigação de indemnizar. Porém, como se alcança da matéria de facto acima provada, a mesma é inconclusiva e manifestamente insuficiente para o desiderato pretendido pelo autor.
De facto, a convocatória de testemunhas da ré para reuniões com a ré, sem que se saiba o seu conteúdo, nada tem de ilícito ou mesmo de invulgar, sendo prática corrente as partes reunirem-se com as testemunhas que arrolam, mais não seja para as informarem disso mesmo.
Se outras ilícitas finalidades eram pretendidas, como por exemplo "afinação de depoimentos" ou “atemorização do autor ou dos seus colegas”, não sabemos porque não se provaram. Mas tal ignorância não nos autoriza a pressupor objectivos malévolos, sendo perfeitamente inócuos os sentimentos de desconfiança que tenham gerado nalguns trabalhadores da ré (desconhece-se se também no autor).
Quanto aos 3 trabalhadores da ré que depois de serem arrolados como testemunhas em processos intentados por colegas contra a ré, tiveram quebras num montante relativo a prémio de desempenho operacional, apenas se provou que eles próprios associaram tal perda ao facto de terem prestado depoimento em Tribunal. Ora uma coisa é aquilo que tais testemunhas pensam que aconteceu, outra pode ser a verdadeira razão da quebra no prémio de desempenho.
Não estando demonstrado, com o mínimo de segurança, que a ré procedeu à redução do valor do prémio porque aqueles trabalhadores aceitaram depor num processo judicial intentado contra a mesma ré, não é lícito extrair as conclusões que o autor faz quanto a manobras de pressão por parte da ré.
Resta, com eventual relevância, o facto de o autor ter denotado hesitação e angústia antes de intentar a presente acção. Mas quem é que não se angustia e hesita antes de intentar uma acção judicial ? Quem é que não hesita perante o enorme rol de incertezas, enervamentos, perdas de tempo, canseiras e gastos que uma demanda judicial sempre acarreta, ainda que da mesma se saia triunfante ? Quem não hesitará e não se angustiará perante a perspectiva de intentar uma acção judicial, na vigência da relação laboral, contra a sua entidade patronal ?
De qualquer forma, não está provado tal hesitação e angústia seja imputável a comportamento da ré, nem as mesmas envolvam gravidade que suscitem o respaldo do direito.
Faltando, à partida, a demonstração de comportamento ilícito por parte da ré, não pode proceder o pedido indemnizatório formulado a título de danos não patrimoniais, pelo que bem andou o Mmº Juiz a quo ao julgar improcedente o pedido indemnizatório com tal fundamento.
Quanto à 3ª questão.
Defende o autor que a nulidade da comissão de serviço em que o autor trabalhava não pode ter como efeito o regresso à situação remuneratória anterior ao início da comissão de serviço.
O Trabalho em Regime de Comissão de Serviço está regulado no Dec.-Lei nº 404/91 de 16/10, o qual veio dar resposta a necessidades prementes da vida moderna das empresas (veja-se o preâmbulo do Dec.-Lei nº 404/91 de 16/10 e Bernardo da Gama Lobo Xavier, Curso de Direito do Trabalho, ed. 1992, pag. 344 e s.), bem como a dar suporte jurídico a situações de facto já abundantemente existentes (v. art. 7º do D.L. nº 404/91 de 16/10).
Estabelece o art. 1º do referido diploma os cargos que podem ser exercidos em regime de comissão de serviço. No que a tal concerne, concluiu-se na sentença recorrida, e tal não foi posto em causa nem por apelante nem por apelada, que o cargo que foi acometido ao autor através do contrato celebrado a 29/7/94 (facto nº 2) não era susceptível de ser exercido em termos de comissão de serviço como configurado naquele dispositivo legal.
E , de facto, assim é, pois que nos termos do contrato celebrado entre autor e ré, aquele iria exercer as funções de Coordenação de Terminais de Bagagem do Aeroporto de Lisboa, o que não se enquadra num cargo de direcção directamente dependente da Administração, ou de secretariado pessoal relativo a titulares desses cargos ou outras funções previstas em CCT cuja natureza se fundamente numa especial relação de confiança. Tal retira-se sem dificuldade se atentarmos nos factos provados nºs 52, 53, 62, 63, 64, 65, 66, 67, 68, 69, 70, 71, 72, 74, 77, 78 e 81, relativos às tarefas a desempenhar pelo Coordenador de Terminal de Bagagem.
Considerou-se na sentença recorrida, e bem, que tal inadequação determinava a nulidade da comissão de serviço acordada entre autor e ré.
Mas que efeitos tem esta nulidade ?
Entende-se, como na sentença recorrida, que ter-se-á de proceder à aplicação do disposto no art. 15º da LCT, produzindo o acordo nulo efeitos como se fosse válido enquanto perdurou.
O Ac. do STJ de 3/10/01, Processo nº 2694/01, disponível em www.dgsi.pt/jstsj, aborda de forma exaustiva e com sabedoria as consequências de um acordo modificativo (nulo) de um contrato de trabalho validamente celebrado pelas parte em data anterior, como é o caso da presente comissão de serviço, pelo que nos escusamos de aqui repetir, desnecessariamente, a brilhante exposição que do mesmo consta.
Citaremos, todavia, uma passagem que nos parece de especial relevo. Ali se escreve que "se os actos modificativos inválidos praticados com respeito a um anterior contrato de trabalho inválido produzem efeitos, como se fossem válidos, "salvo se, em si mesmos, forem feridos de nulidade", então, e por maioria de razão, a referida norma do n.° 2 do artigo 15.° da LCT também não pode deixar de ser aplicada aos casos em que os actos modificativos inválidos tenham incidido sobre um contrato de trabalho anterior e válido, produzindo esses actos efeitos, como se fossem válidos, salvo se, em si mesmos, forem feridos de nulidade.
Isto quer dizer que a norma do n.° 2 do artigo 15.° da LCT, ao excluir que possam produzir efeitos, como se fossem válidos, os actos modificativos de anterior contrato de trabalho feridos de nulidade, está a afastar que se possa aplicar à nulidade desses mesmos actos modificativos o regime especial da invalidade do contrato de trabalho e, em consequência, a submeter os efeitos da nulidade de tais actos ao regime geral da nulidade do negócio jurídico, devendo, por isso, ser restituído tudo o que tiver sido prestado, por força desses actos modificativos nulos ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.
Portanto, embora por razões diferentes das apontadas pelos autores acima citados, também se entende que o regime aplicável à nulidade dos actos modificativos do contrato de trabalho é o da nulidade dos negócios jurídicos, não porque o artigo 15.° da LCT seja omisso a esse respeito, mas sim porque, expressamente, exclui dos efeitos específicos da invalidade do contrato de trabalho os actos modificativos de anterior contrato de trabalho (válido ou inválido) que, em si mesmos, se encontrem feridos de nulidade.". No mesmo sentido veja-se ainda o Ac. do STJ de 28/5/03, Processo nº 9795/00, também disponível em www.dgsi.pt/jstsj.
Invoca o apelante a perversidade de tal entendimento, uma vez que "A nulidade gerada pelo arbítrio ou astúcia do empregador que durante quatro anos mantém o trabalhador em exercício de funções a que corresponde maior remuneração ao pretenso abrigo de uma comissão de serviço nula, essa possibilidade não pode ser recompensada com a possibilidade de ao torpe passar a aproveitar a torpeza própria e de, dez anos depois, por hipótese, o empregador poder vir dizer que uma comissão de serviço por si determinada e que só no seu arbítrio radicava é nula e "portanto", o trabalhador voltaria ao ponto de partida, à situação remuneratória e profissional de há dez anos atrás".
Está o autor, porém, equivocado. Na verdade não se está perante qualquer nulidade gerada pelo arbítrio ou astúcia do empregador ou perante uma comissão de serviço determinada pela ré e radicada no seu arbítrio, pela simples razão de que a mesma resultou de um acordo de vontades recíproco entre autor e ré, e não de uma imposição unilateral da ré (situação em que poderia ter cabimento o invocado art. 21-1-c da LCT), como se retira dos factos provados nºs 2, 13, 54 e 55.
Não tem o autor, pois, direito a manter as remunerações que auferia enquanto vigorou o acordo de comissão de serviço, pese embora a sua nulidade.
Perante tanta arbitrariedade ou astúcia imputada à ré até seria interessante saber qual a opção que o autor tomaria se aquela lhe tivesse colocado, ou voltasse a colocar duas hipóteses: Uma, a de, durante 2, 3 ou 4 anos ir auferir maiores rendimentos executando outras tarefas e depois regressar às tarefas e remunerações iniciais; Outra, a de manter-se com as mesmas tarefas e com a mesma retribuição inferior, durante os mesmos 2, 3 ou 4 anos.
Tirando casos e situações especialíssimas, normalmente, mais vale estar a ganhar mais durante alguns anos, do que nunca ganhar mais do que o de todos os dias. Também por este prisma e decorrente da interpretação perfilhada pela 1ª instância e por esta 2ª instância, não se vê que tamanha vilania cometeu a ré, ao proporcionar ao autor, temporariamente, réditos que, de outra forma nunca chegaria a ter.
Desta forma, a sentença recorrida não merece censura, pelo que a apelação tem de improceder.
X- Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao agravo e julgar improcedente a apelação, confirmando integralmente a sentença recorrida.
Custas do agravo e da apelação, nesta instância, a cargo do autor.
Lisboa, 2 de Fevereiro de 2005
Duro Mateus Cardoso
Guilherme Pires
Sarmento Botelho