Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4451/05.6TCLRS.L1-6
Relator: ANA PAULA A. A. CARVALHO
Descritores: DECLARAÇÕES DE PARTE
VALOR PROBATÓRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Tendo o primitivo réu reconhecido que, após a separação da autora, transferiu o valor de € 80.000 da conta de que eram titulares para uma conta associada, exclusivamente sua, as declarações de parte da sua filha, ré habilitada nos autos, são manifestamente insuficientes para demonstrar o contrário.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Seção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO

MC, residente da Rua X, em Caneças, intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra AR residente na Rua Y, Oeiras, alegando, em síntese (e com relevo para a pretensão deduzida), que viveu em união de facto com o R. e que na vigência dessa união A. e R. adquiriram pelo preço global de € 65.000,00 duas fracções autónomas num empreendimento sito em Sesimbra, correspondentes a fracção habitacional e a garagem, que o casal veio mais tarde a vender pelo valor global de € 84.795,64, tendo recebido a título de sinal a quantia de cerca de € 25.000,00 e aquando da escritura de compra e venda recebido um cheque no valor de € 59.855,78 que foi depositado numa conta da titularidade de A. e R. Acontece que aquando da separação o R. procedeu à transferência do valor de € 80.000,00 daquela conta de ambos para uma sua conta pessoal.

Na contestação, o réu alega que custeou diversas obras na casa de habitação da A. na qual o casal residiu e que procedeu à aquisição de diversos bens móveis de que esta ficou a beneficiar aquando da separação (factos dos quais não retirou quaisquer consequências em sede de eventual pedido), e relativamente ao pedido contra ele deduzido, no essencial, admitiu ter efectuado a transferência dos € 80.000,00 a que a A. alude porquanto os imóveis de cuja venda a A. pretende receber o correspondente a metade foram adquiridos exclusivamente com capital seu, e por isso entende não ter que proceder à divisão do valor realizado com aquela venda. Concluiu pela improcedência da acção, com a sua absolvição do pedido, e pela condenação da A. como litigante de má fé, em multa e em indemnização não inferior a € 2.500,00.

Após vicissitudes várias, e tendo o Réu falecido na pendência da acção, foram habilitadas como suas sucessoras, para prosseguirem os ulteriores termos da causa, a sua cônjuge e as suas filhas (cfr. sentença proferida a fls. 139 ss. do apenso).

Dispensada a realização de audiência prévia, foi elaborado o despacho saneador que se encontra a fls. 200 ss., no qual foi definido o objecto do litígio e fixados os temas de prova sem que tenham sido objecto de reclamações.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento e foi elaborada a sentença que julgou a acção procedente e, em consequência, condenou as RR. (habilitadas para prosseguirem os termos da causa na posição primitivamente ocupada pelo R. AR), a pagarem à A. a quantia de € 37.602,18 acrescida de juros de mora à taxa legal (juros civis) vencidos desde 20/02/2003 até à data de hoje no montante de € 21.294,20, bem como dos vincendos até efectivo e integral pagamento.

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Não se conformando, as rés ER e SR apresentaram recurso de apelação, pugnando pela revogação da sentença “a quo” e sua substituição por acórdão que julgue totalmente improcedente a ação.

A apelante ER formula as seguintes conclusões das alegações de recurso:

«a) A Autora nenhum valor despendeu na aquisição do imóvel.

  b) A Autora vivia com o pai da ora recorrente.

  c) A Autora não possuía rendimentos de trabalho para fazer face a qualquer despesa mas sobretudo para adquirir imóvel.

  d) Mas, mesmo que tal tivesse ocorrido, que não ocorreu, duas outras questões se levantam:

1) A Autora declarou na venda que recebeu o dinheiro, donde se poderá concluir que não pode vir agora reivindicar esses valores.

2) Se assim não tivesse sido, enquanto viveu com o pai da Recorrente usou e fruiu desse valor.

  e) O que faz com que não possa ter a menor possibilidade de reivindicar nada.

  f) Quando a A. sabe que o bem só esteve em seu nome por questão pessoal do pai da recorrente nada mais.

  g) Acresce ainda que a prova carreada para os autos, foi mal analisada salvo melhor opinião, pois os extractos bancários e os movimentos financeiros provam o que a recorrente menciona.

  h) Pelo que só poderia haver uma decisão que será certamente que V. Exas. irão proferir de absolvição da ora recorrente no pagamento do valor a que foi condenada e dos juros.

Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente, suprirão, deve a presente Apelação ser julgada procedente, alterando-se a resposta à matéria de facto e, em consequência, julgando-se a acção improcedente in totum, desta forma se fazendo, JUSTIÇA!.»

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Por sua vez, a apelante SR apresenta as seguintes conclusões:

1. A A . e R viveram união de facto entre 7 Dezembro e 22 Fevereiro 2003;

2- Dado assente que A e R, por escritura publica datada de 20 de Janeiro de 1999, a A e R declararam comprar o imóvel de Sesimbra mas incorrectamente julgado por incapacidade de apuramento da proveniência do dinheiro para a aquisição do imóvel identificado em 2 dos factos provados da Douta sentença,

e por consequência total impossibilidade de saber a titularidade das contas e propriedade dos dinheiros no 2º semestre do ano de 1998 e no mês Janeiro de 1999.

3- Por escritura publica datada de 17 Abril de 2002 a A e o R declaram vender a MB , que declarou comprar pelo preço de setenta e nove mil oitocentos e sete euros e noventa e oito cêntimos , a fracção designada pelas letras AD a que corresponde a habitação 82, segundo piso, corpo K, registada a aquisição a favor dos vendedores na conservatória Registo Predial Sesimbra.

4- No dia da Escritura referida em C (supra 3) A e R receberam um cheque no valor de 59855.78 euros.

5-O cheque referido em E. (supra 5) foi depositado na conta bancaria nº TT do Banco Nacional de Crédito, cujos titulares eram o A e o R.

6- Por escritura pública datada de 13 de Janeiro de 1999, o R AR declarou vender a JS que declarou comprar pelo preço de doze milhões e quinhentos mil escudos, a fracção autónoma designada pela letra C, corresponde ao r/c direito do prédio urbano sito EE do Estoril , concelho de Cascais, descrito CRP Cascais sob o nº 972 da freguesia do Estoril e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 6023.

7- A Douta Sentença não respeitou e nem permitiu às Rés, a mesmas armas e de forma a exercer o contraditório, coartando a possibilidade das Rés de provar que o dinheiro era só do falecido Reu pai da ora aqui recorrente , ou seja, as contas bancarias e movimentações desde ano 1993 até ano de 2002 , e opta ter a base e fundamento da decisão judicial na prova que o réu não conseguiu produzir.

8- A Autora não faz prova nenhuma da compropriedade relativamente à partilha das despesas e encargos, não faz prova nenhuma da sua comparticipação na aquisição dos bens imóveis.

9- Não foi feito o levantamento do sigilo bancário relativamente aos Bancos Caixa Geral de Depósitos e Banco Millenium BCP, apesar de solicitado atempadamente, e devido a isso também não conseguimos quantificar quais os rendimentos e dinheiros da autora à data dos factos e qual a sua comparticipação.

O levantamento do sigilo bancário junto CGD e BCP era meio probatório essencial para o apuramento e clarificação da titularidade e propriedade dos dinheiros junto da Banca e a omissão dessa prova configura um erro crasso na apreciação da prova.

10- A nulidade da sentença por falta e insuficiente fundamentação e insuficiente e total falta de elementos de prova e falta de exame crítico.

11- A Douta Sentença cinge-se de forma restritiva a somente a fazer a fundamentação da não prova, onde invoca e remete tal argumentação para as duas escrituras e para a certidão e nada mais resulta da Douta Sentença. Pergunta-se, Onde é que a Douta Sentença faz a prova?

12 - Veja-se que a mesma refere de forma peremptória que foi transferido o dinheiro de uma conta para outra conta, mas não indica nenhuma prova desse facto na Douta Sentença e nem junta sequer qualquer documento comprovativo do alegado.

13- A Autora alega o facto de ter vivido com o Réu AR porém não faz qualquer prova que tenha contribuído com dinheiro seu na aquisição do referido imóvel o qual vem agora reclamar metade do dinheiro.

14 - As Rés e ora recorrente provaram que o dinheiro para a compra do imóvel em apreço saiu do trabalho e esforço do seu pai e do produto da venda do prédio do Estoril nada despendendo a Autora para a compra do mesmo.

15- O processo de partilhas entre o Pai da Recorrente e a sua mãe estava em curso, facto esse que caracteriza a posse precária e fragilizada que a Autora detinha sobre o referido imóvel.

16- A Douta sentença condenatória peca por falta de objectividade e falta de fundamentação centrando o seu alvo de atenções na Recorrente Ré e demais Rés, fazendo crer que obtiveram benefícios do produto da venda desse imóvel quando na verdade nenhuns benefícios tiveram.

17-A Autora recebeu a parte que lhe seria devida eventualmente, sem que tenha contribuído para tal, pois não trabalhava não auferindo rendimentos; posteriormente á venda desse imóvel gozou do dinheiro da venda.

18- A prova tem de ser feita com base nos documentos, num exame critico dos factos, uma prova firme e concreta baseada em todos os elementos feita em audiência de julgamento.

19-A Douta Sentença padece de falta de fundamentação da prova e como tal nulidade da sentença uma vez que não se conseguiu apurar de forma plena se existiam contas e movimentos relativos ao Falecido e à Autora nos Bancos Caixa Geral de Deposito e Banco Espírito Santo por os mesmos se escudarem no sigilo profissional contrariando assim uma ordem do banco de Portugal, impedindo assim os esclarecimentos sobre da proveniência do dinheiro e de que conta ou contas saia o dinheiro para a aquisição do imóvel de Sesimbra (escritura publica datada de 20 de Janeiro de 1999, o qual foi comprado com o dinheiro resultante da venda do imóvel sito nas Areias do Murtal, freguesia do Estoril – São Pedro do Estoril.

20- A Douta sentença sublinha a importância da confissão; mas a confissão só pode ser obtida através do depoimento de parte. Diferentemente, as declarações de parte as quais são uma forma de descrição dos factos.

21-As declarações de parte da R AC totalmente credíveis de uma filha que trabalhou mais de 30 anos ao lado do Réu seu Pai até ao seu falecimento, deviam ser apreciadas e valoradas como prova bastante e não o foram.

22- As declarações de parte da Ré AC acompanhada da prova dos extractos bancários existentes nos autos juntos pela Rés AC e SR que as suporta e as quais poderiam ainda ser mais sustentadas não fosse o obstáculo bancário presente dos bancos Caixa Geral Depósitos e do Millenium BCP, ao não disponibilizarem a informação solicitada por um órgão de soberania.

23- Tal não foi permitido, não tendo o Douto Tribunal averiguado todos os elementos exigíveis, nomeadamente extractos bancários anteriores Janeiro 1999 relativos á Autora e Réu.

24- É peremptório e conforme indicado na escritura publica que os vendedores nomeadamente o falecido Pai da ora Recorrente e a ora aqui Autora receberam o dinheiro dos compradores, tendo posteriormente a essa venda a Autora e falecido Réu, terem beneficiado, gozado, e despendido o dinheiro conforme bem quiseram e lhe apeteceram durante os largos meses que se seguiram a tal negócio.

25- Se a Autora recebeu o dinheiro, porque vem novamente pedir dinheiro agora às ora Rés? A mesma não tem quaisquer direitos sobre os direitos que se arroga uma vez que a ora Recorrente nada deve á Autora.

26- A Douta Sentença faz uma interpretação errada da prova, salvo melhor opinião, por falta de sustentação legal e falta de prova objectiva para condenar a ora Recorrente.

27- Conforme pontos 3,4,5,e 6 da Douta Sentença, a escritura pública de venda do imóvel datada de 17 de Abril 2002 nunca foi impugnada logo após ser realizada e concluído a venda nos termos do artigos 374º e seguintes do Código Civil. Atente-se que, passaram-se largos meses, onde Autora e Falecido pai da ora Recorrente fizeram e efectuaram dezenas de movimentações bancarias, tiveram total liberdade de movimentos do dinheiro sua propriedade dentro das suas próprias contas, pelo que nada mais existe para discussão, somente se enquadrando tal situação na possibilidade de enriquecimento sem causa por parte da Autora.

28 - A prova por declarações de parte, audição da Ré AR,sessão de audiência no dia 6/10/2016 , Transcrição da gravação áudio - Instância da Ilustre Mandataria Dr.ª Sandra Moreira Rodrigues

ao minuto 6.40 da gravação: onde trabalhava e morava e se estava a trabalhar?, Resposta da depoente e Ré AC: “foi morar para Caneças e depois mais tarde foi mostrar a casa em Sesimbra até foi um almoço da empresa e fomos todas ver, tinha vendido a outra e comprado aquela para férias.”

29 - Instância da Ilustre Mandataria Dr.ª Sandra Moreira Rodrigues: se tem ideia de lhe ter dito isso mesmo ? Resposta da depoente e Ré AC: “sim sim porque ele na altura estava a pagar também á minha mãe e era o ordenado dele que era bastante na altura e que a empresa pagava-lhe tudo”.

30 -Pergunta da Meritíssima Juíza ao minuto 6.28: Vendeu a outra e comprou a casa em Sesimbra? Tem ideia de ele ter dito isso? Resposta da depoente: “ sim” (minuto 6:32). Este depoimento identifica claramente qual a proveniência do dinheiro, vindo do negócio realizado e da conta e economias do Réu falecido.

31- Verifica-se pelas declarações de parte da filha ora aqui Ré neste processo que tinham (Autora e Falecido Réu) economias separadas apesar de viverem juntos. O dinheiro era só dele apesar de viverem juntos.

32 - Instância da Ilustre Mandataria Dr.ª Sandra Moreira Rodrigues ao minuto 14.57 da gravação: a casa de Sesimbra, conheceram naquele almoço, comentou como é que comprou a casa?, Resposta da depoente e Ré AC: “ diz que como tinha vendido a outra casa e não precisava de casa comprou a outra para ir de férias”

33 - Instância da Ilustre Mandataria Dr.ª Sandra Moreira Rodrigues ao minuto 16.17 da gravação: Alguma vez comentou consigo a relação com a dona Susana relativamente ao dinheiro?, Resposta da depoente e Ré AC: “ ele diz que pagava a renda, as obras diz que pagou as obras todas da casa inclusive o ar condicionado somos uma empresa de ar condicionado e saiu de lá para ser colocado na casa da Sra. Susana.

34 - Instância da Ilustre Mandataria Dr.ª Sandra Moreira Rodrigues ao minuto 17.21 da gravação: Alguma vez comentou consigo se a Sra. Susana entrou com algum valor para comprar a casa de Sesimbra? Resposta da depoente: “ não entrou, não, ele diz que sempre foi ele, que ela não entrou com dinheiro...não porque ele disse sempre que vendeu a outra e com dinheiro da outra comprou…eu só posso falar pela boca dele, ele não está aqui …”

35- Instância do Ilustre da Mandatário Autora Dr. Albertino Antunes à Depoente e Ré AC (minuto 21.41): nessa tarde em que lá no almoço da empresa quando o seu pai mostrou a casa de Sesimbra ele disse que tinha comprado, se foi sozinho?, Resposta da depoente e Ré AC: “não , ele disse que foi ele que comprou a casa…”

36- Instância do Ilustre da Mandatário da Autora Dr Albertino Antunes à Depoente (minuto 23.15):A mim há uma coisa que me faz alguma confusão é que tendo o seu pai pago a casa toda com dinheiro dele próprio, ele acabou por fazer uma escritura e declaram em que ambos (ele e a Dona Susana), declaram que compraram a casa ?, Resposta da depoente e Ré AC. “ mas também a mim, mas foi feita escritura e foi assinada a escritura em como ambos receberam o dinheiro.”

37 - Instância do Ilustre da Mandatário da Autora Dr Albertino Antunes à Depoente (minuto 23.57): eles ambos declaram que compraram, o seu pai também podia comprar em nome da dona Susana. Poderia ter dito que todo o dinheiro para aquisição é dinheiro próprio? Resposta da depoente: “E foi.”

38 –É claro que a casa de Sesimbra foi comprada com o dinheiro da casa do Estoril, consegue-se provar com a movimentação bancária de onde veio o dinheiro, meio probatório essencial que foi preterido.

39 - As declarações de parte da Ré Habilitada AC foram claras e concretas senão vejamos: à pergunta da sua Ilustre advogada Dr.ª Sandra Rodrigues: O seu pai adquiria ou não imóveis ? resposta da Ré AC: “ele quando se separou da minha mãe? Quando se separou talvez 90/91 e ele comprou uma casa e foi viver para são Pedro do Estoril. Ele vendeu a moradia e terreno, ficou com terreno e depois comprou a casa em São Pedro do Estoril.”

Drª Sandra Rodrigues pergunta: Comprou só ele?

Resposta da Ré AC: “Só ele, sim…”

40 - Pergunta da Ilustre Advogada Dra Sandra Rodrigues: vendeu a outra e comprou a casa em Sesimbra. Tem ideia de ele ter dito isso ? resposta : “sim”

41 - Dra Sandra Rodrigues: pergunta: alguma vez comentou consigo a relação com a Dona Susana relativamente ao dinheiro? resposta AC“ele diz que pagava a renda, as obras diz que pagou as obras todas da casa.

Nova pergunta da Dra Susana Rodrigues: alguma vez comentou consigo se a senhora Susana entrou com algum valor para comprar a casa de Sesimbra?

resposta da AC: “não ele diz que foi ele que ela não entrou com dinheiro comum.”

42- Tais declarações provam efectivamente provam que quem tinha o dinheiro era o Réu falecido e pai da ora Recorrente, o qual pagava todas as despesas e suportava na integra um agregado familiar, e que foi somente o seu dinheiro e não o da Autora, produto somente do seu trabalho, visto que autora estava desempregada, que serviu para fazer obras na casa da sra Susana, pagar rendas, sustentar o casal e para comprar o imóvel de Sesimbra.

43- Confirma-se com o ponto 10 da douta sentença que o produto da venda da fracção autónoma letra C, r/c direito sito nas Areias do Murtal, freguesia do Estoril (escritura publica 13 Janeiro 1999) foi o negócio onde o pai da ora recorrente Augusto Silva Ribeiro vendeu a JSé prova clara de que o dinheiro era só dele.

44- A juntar a isto a deficitária análise da prova por falta de elementos, nomeadamente extractos bancários dos bancos Caixa Geral de Depósitos e Banco Millennium BCP que se escudaram no sigilo profissional para não facultar os referidos e necessários e exigíveis elementos de prova.

45- Tal desiderato não foi possível cedendo e falecendo aqui a douta sentença por insuficiência de elementos de análise de prova para a tomada da decisão final devido à oposição clara das entidades bancarias a uma ordem do Douto Tribunal e do próprio Banco de Portugal.

46- A identificação das passagens da gravação supra identificadas e fundamentais para análise de toda a prova impunham decisão diversa da recorrida e provam que a origem do dinheiro provinha do falecido.

Réu, uma vez que da matéria de facto controvertida resulta provado que, o falecido réu pai da ora aqui recorrente adquiriu o imóvel com bens próprios e que a prova que a sentença recolheu foi insuficiente para ser dada como provada.

47- Não tem razão a autora porque já recebeu tudo o que tinha a receber.

48- A Douta Sentença não valorou a falta de provas indicadas pela autora, assim como não valorou em sede de apreciação de facto e de direito, os factos decorrente anteriores a Janeiro de 1999 e nem os decorrentes após a venda da casa de Sesimbra, ou seja após 17 de Abril de 2002.

49- A matéria de facto considerada como assente merece ser questionada e os factos controvertidos, a prova produzida ou melhor a falta de prova por parte da Autora para reivindicar a compropriedade nestes autos impõem decisão diversa; não existindo dúvidas fundadas, tendo em conta o nº 1 e nº 2 do art. 662º C.P.C.

50- A Recorrente não tem de pagar nada à autora por não se encontrar provada nenhum dos factos constitutivos do direito alegado pela mesma.

51- São evidentes os factos descritos nas declarações de parte da Ré AC, pois de uma forma clara relatam quem possuía dinheiro, quem trabalhava e quem comprava as coisas.

52- Terão, por isso, de improceder todas e cada uma das conclusões da Autora no tocante à matéria de facto e quanto à matéria de direito deverão ter igual sorte por partirem de facto não verificados ou de conclusões e conceitos errados.

53- Tornou-se agora mais do que evidente a ilegitimidade de todo o pedido da Autora.

54- A Recorrente e as restantes Rés demonstraram e provaram que o seu falecido Pai era o sustento da casa e pagava e comprava tudo ao contrário da Autora que não trabalhava e não tinha rendimentos nenhuns para comprar imóvel e se não foi feita mais prova dos factos foi porque não foi permitida pelos Bancos e Tribunal.

55- Sendo, igualmente destituídas de fundamento as conclusões da douta sentença, pois em face da prova testemunhal gravada e das declarações de parte da Ré AC, impunha-se decisão diferente.

56- Tudo ponderado, afigura-se-nos que a decisão recorrida se mostra incorrecta, não tendo ajuizado adequada e proporcionalmente face à total falta de razão e insuficiência de provas e falta de exame critico para contraditar o alegado pela Autora ao reivindicar um crédito inexistente face á recorrente.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, com todo o douto suprimento de V. Excelências deve a presente Apelação ser julgada procedente, alterando-se a resposta á matéria de facto e em consequência ser declarada a acção totalmente improcedente, como é de JUSTIÇA.»

Foram apresentadas contra-alegações, pugnando pela manutenção da sentença e improcedência do recurso.

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Obtidos os vistos legais, cumpre apreciar.

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Questões a decidir:

O objeto e o âmbito do recurso são delimitados pelas conclusões das alegações, nos termos do disposto no artigo 635º nº 4 do Código de Processo Civil. Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Similarmente, não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas (Abrantes Geraldes, Recursos no N.C.P.C., 2017, Almedina, pág. 109).

Importa apreciar as seguintes questões:

a). Se o recurso da apelante ER circunscrito à impugnação da matéria de facto deve ser rejeitado por falta de cumprimento dos requisitos impostos no artigo 640º do C.P.C.?

b). Se a decisão recorrida padece de nulidade por falta de fundamentação da prova?

c). Se o facto não provado deve ser julgado como provado, com a consequente modificação da decisão no sentido propugnado pela apelante SR?

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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A factualidade provada e não provada consignada na sentença recorrida é a seguinte:

1 - A. e R. viveram em união de facto entre 7 de Dezembro de 1994 e 22 de Fevereiro de 2003.

2 - Por escritura pública, datada de 20 de Janeiro de 1999, AC declarou vender à Autora MC e ao Réu AR que declararam comprar, a fracção autónoma designada pelas letras "AD" a que corresponde a habitação nº 82, segundo piso, corpo K, pelo preço de nove milhões e oitocentos mil escudos, e a fracção autónoma designada pelas letras "AA", que constitui garagem no primeiro piso, registada a aquisição a favor dos vendedores na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra nos termos da inscrição G-quatro, pelo preço de seiscentos mil escudos.

3 - Por escritura pública datada de 17 de Abril de 2002, a Autora MCe o Réu AR declararam vender a MB, que declarou comprar, pelo preço de setenta e nove mil oitocentos e sete euros e sessenta e seis cêntimos, a fracção autónoma designada pelas letras "AD" a que corresponde a habitação nº 82, segundo piso, corpo K, registada a aquisição a favor dos vendedores na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra nos termos da inscrição G-quatro, com o valor patrimonial de € 2.539,80, e pelo preço de quatro mil novecentos e oitenta e sete euros e noventa e oito cêntimos, a fracção autónoma designada pelas letras "AA" a que corresponde a garagem no primeiro piso, registada a aquisição na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra a favor dos vendedores nos termos da inscrição G-quarenta e sete, com valor patrimonial correspondente à fracção vendida.

4 - Anteriormente à escritura referida em C. [supra em 3] os compradores já haviam dado de sinal cerca de 25.000 € (vinte cinco mil euros).

5 - No dia da escritura referida em C [supra em 3], Autora e Réu receberam um cheque no valor de 59.855,78 € (cinquenta e nove mil oitocentos e cinquenta e cinco euros e setenta e oito cêntimos).

6 - O cheque referido em E. [supra em 5] foi depositado na conta bancária com o nº 006470200119, do Banco Nacional de Crédito, cujos titulares eram A. e R.. 7 - Em 20 de Fevereiro de 2003 o Réu fez uma transferência de € 80.000,00 da conta referida em F. [supra em 6] para uma conta pessoal com o nº 00100006260008 do Banco Espírito Santo.

8 - Na sequência da separação, A. e R. foram ao Banco Nacional de Crédito retirar a titularidade do R. da conta que havia sido conjunta (conta nº 006470200119).

9 - O Réu emitiu um cheque com o nº 0820589263, do Banco Espírito Santo, no valor de 8.780,00€ (oito mil setecentos e oitenta euros), que depositou na conta referida em H. [supra em 8], perfazendo o saldo o valor de €15.000,00.

10 - Por escritura pública, datada de 13 de Janeiro de 1999, o Réu AR declarou vender a JS, que declarou comprar, pelo preço de doze milhões e quinhentos mil escudos, a fracção autónoma designada pela letra "C" a que corresponde o r/c direito, do prédio urbano sito na Praceta X concelho de Cascais, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais, sob o nº 972, da freguesia do Estoril, inscrito na respectiva matriz, sob o artº 6023.

Nada mais resultou provado com relevância para a decisão da causa, nomeadamente que:

O Réu pagou os valores referidos supra em 2 com dinheiro proveniente da venda do prédio referido supra em 10 e com dinheiro proveniente do seu salário.

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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

a). Se o recurso da apelante ERcircunscrito à impugnação da matéria de facto deve ser rejeitado por falta de cumprimento dos requisitos impostos no artigo 640º do C.P.C.?

Nas contra-alegações, é suscitada a omissão total por parte da recorrente Elisa Maria Ribeiro do ónus de indicar as menções exigidas no nº 1 do artigo 640º do C.P.C., embora pretenda a alteração da decisão sobre a matéria de facto.

Quando é impugnada a decisão sobre a matéria de facto, dispõe o artigo 640º do C.P.C. que deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição do recurso: (a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; (b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida; e (c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

O ónus de alegação quanto à indicação precisa dos pontos da matéria de facto que se pretende questionar, e a especificação dos meios de prova constantes do processo ou de registo ou de gravação nele realizada que imponham decisão diversa, foi criado pela necessidade de impor ao recorrente «uma delimitação objetiva do recurso» e uma «fundamentação» (Acórdãos do S.T.J. de 9.10.2008 e de 18.06.2009, disponíveis no sítio da internet do IGFEJ).

Com a reforma do Código de Processo Civil de 2013, o legislador teve a preocupação de «conferir maior eficácia à segunda instância para o exame da matéria de facto», conforme se pode ler na Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 113/XII apresentada à Assembleia da República (disponível no sítio da internet do parlamento).

 Assim, em sede de impugnação da matéria de facto, passou-se a exigir ao recorrente que especifique «a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas», bem como a indicação exata «das passagens da gravação em que se funda» o recurso, sob pena de rejeição imediata do recurso de facto.

A questão suscitada tem sido objeto de tratamento na jurisprudência do S.T.J., perfilhando-se o entendimento maioritário de que este ónus de indicação exata das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado «em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, não sendo justificada a imediata e liminar rejeição do recurso quando – apesar de a indicação do recorrente não ser, porventura, totalmente exata e precisa, não exista dificuldade relevante na localização pelo Tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento» (Acórdão de 29.10.2015, e em idêntico sentido os Acórdãos de 9.07.2015 e de 01.07.2014, disponíveis no sítio da internet identificado).

No caso vertente, a verdade é que a apelante não cumpre nenhum dos requisitos impostos pelas disposições citadas, quer nas alegações de recurso, como nas correspondentes conclusões, designadamente:

- Não concretiza os pontos de facto incorrectamente julgados;

- Não especifica os meios probatórios que no entender da recorrente imponham uma solução diversa;

- E não indica a decisão alternativa que é pretendida.

Não cumprindo as alegações e conclusões da recorrente este ónus, não é esta omissão passível de despacho de aperfeiçoamento.

Assim sendo, rejeita-se o recurso da apelante Elisabete Silva Ribeiro, que é circunscrito à impugnação da matéria de facto, por omissão total dos requisitos exigidos nas alíneas a), b) e c) do nº 1 do artigo 640º do C.P.C..

b). Se a decisão recorrida padece de nulidade por falta de fundamentação da prova?

Defende a apelante SRque a sentença recorrida é nula «por falta e insuficiente fundamentação e insuficiente e total falta de elementos de prova e falta de exame crítico», designadamente, porque  (1) o tribunal não determinou o «levantamento do sigilo bancário junto da CGD e BCP, apesar de solicitado atempadamente», motivo pelo qual a recorrente não conseguiu «quantificar quais os rendimentos e dinheiros da autora à data dos factos e qual a sua comparticipação»; (2) a decisão impugnada sublinha a importância da confissão, mas esta só pode ser obtida através do depoimento de parte e não através das declarações de parte como foi o caso.

A respeito das nulidades da sentença, dispõe o artº 615 nº 1 do C.P.C. que esta enferma de nulidade, no que ao caso importa, quando:

b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;”

Estão em causa vícios formais que respeitam à estrutura (alíneas b) e c) e aos limites da sentença (alíneas d) e e), cuja verificação afecta a sua validade.

Como refere Abrantes Geraldes (in obra citada, pág. 170), a «contradição entre os fundamentos e a conclusão e, mais ainda, a invocação de alegadas ambiguidades e obscuridades da sentença, não pode servir para justificar a discordância quanto ao decidido”, situação que se verifica no caso em apreço.

A fundamentação fáctica da decisão recorrida é a este respeito do seguinte teor:

«Sobre a matéria controvertida a única prova pessoal produzida reconduziu-se às declarações de parte da R. habilitada AC, e quanto a este novo meio probatório o nº 3 do artigo 466 do CPC esclarece que “O tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão”, ou seja, quer na afirmação dos factos favoráveis ou no reconhecimento dos factos desfavoráveis, o seu regime valorativo é processualmente equivalente ao do depoimento de parte (Rui Pinto, Notas ao Código de Processo Civil, Coimbra Editora, 2014, pág. 284) e substantivamente equivalente à prova por confissão (não pode esquecer-se que nos termos do artº 361º Código Civil mesmo os factos desfavoráveis, quando não possam valer como confissão, são livremente apreciados pelo tribunal, ou seja, constituem “um meio de prova a ser livremente valorado pelo tribunal” - José Alberto Gonzalez, Código Civil Anotado, Volume I, Quid Juris, 2011, pág. 479).

Atendendo à “natureza essencialmente supletiva” (João Correia/Paulo Pimenta/Sérgio Castanheira, Introdução ao Estudo e à Aplicação do Código de Processo Civil de 2013, Almedina, 2013, pág. 57) das declarações de parte, vários autores, directa ou indirectamente, apontam a sua “previsível insuficiência probatória” ou fraca fiabilidade (Estrela Chaby, O Depoimento de Parte em Processo Civil, Coimbra Editora, 2014, pág. 50, nota 124).

Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, distinguindo a validade do meio de prova da sua suficiência referem (em “Primeiras Notas ao Código de Processo Civil – Os Artigos da Reforma”, 2.ª edição, 2014, pág. 395) que “A experiência sugere que a fiabilidade das declarações em benefício próprio é reduzida. Por esta razão, compreende-se que se recuse ao depoimento não confessório força para, desacompanhado de qualquer outra prova, permitir a demonstração do facto favorável ao depoente.” Paulo Pimenta realça a natureza supletiva da prova por declarações de parte, dizendo que será um meio a que as partes recorrerão “nos casos em que, face à natureza pessoal dos factos a averiguar, pressintam que os outros meios probatórios usados não terão sido bastantes para assegurar o convencimento do juiz (ob. cit., pág. 257).

Já Luís Filipe Pires de Sousa (Prova Testemunhal, Almedina, 2013, págs. 364/366), abordando a valoração das declarações prestadas pelas partes, quando não constituam confissão, remete para considerações aplicáveis ao próprio depoimento testemunhal e assinala que “Um segundo parâmetro particularmente relevante é o da existência de corroborações periféricas que confirmem o teor das declarações de parte”, corroborações que “consistem no facto das declarações de parte serem confirmadas por outros dados que, indirectamente, demonstrem a veracidade da declaração.”

Compreende-se, pois, que tendencialmente e como não deixam de afirmar os autores anteriormente citados, as declarações das partes, sem qualquer corroboração de outra prova, ou seja, quando desacompanhadas de qualquer outra prova que, para além delas mesmas, a suporte ou mesmo a indicie, não apresentem - pese embora sempre num juízo de liberdade de apreciação pelo Tribunal - a suficiência bastante à demonstração positiva do facto pretendido provar, até porque a entender-se a admissão da prova por declaração de parte num sentido interpretativo de onde decorresse, em qualquer circunstância, a prova dos factos constitutivos do direito invocado pelo próprio declarante por mero efeito das suas declarações favoráveis, tal interpretação não deixaria de violar a norma constitucional da salvaguarda da tutela efectiva do direito (artigo 20º nº 5 da CRP), na medida em que, num processo de partes como é o processo civil, deixaria sem possibilidade de defesa – e portanto, sem tutela efectiva – a parte contrária.

Sem perder de vista o que acabamos de explanar acerca das características peculiares das declarações de parte como meio probatório, as declarações da R. habilitada AC limitaram-se a reiterar a factualidade já assente nos autos, acrescentando que o primitivo R., seu pai, tinha desafogo financeiro, por ser empresário, único sócio e gerente de uma sociedade unipessoal da qual auferia um bom salário, e dessa circunstância por ela conhecida – por ter sido secretária administrativa nessa empresa do pai – deduz, a declarante e a família, que a casa de Sesimbra [as duas fracções : a habitacional e a garagem] foi adquirida com capitais apenas do falecido R..

Ora, as deduções e convencimentos das partes declarantes, tal como ocorre relativamente às testemunhas, são manifestamente insuficientes para sustentar uma resposta afirmativa à matéria controvertida.

E mesmo os extractos bancários juntos pelo R. como docs. 4, 5 e 6 são insusceptíveis de revelar qualquer facto do qual se pudesse extrair que foi apenas com dinheiro próprio do R. que as fracções foram adquiridas.

É certo que tais documentos foram juntos com outra finalidade, que não está em discussão e que irreleva para os autos (mas que o R. entendeu trazer à liça), qual seja a de demonstrar que a A. fazia uso indevido do dinheiro do R.. Mas nem isso tais documentos conseguem demonstrar, porquanto o documento nº 4, atinente ao período de 03/03/2003 a 31/03/2003, respeita portanto a período já posterior à separação de A. e R., e os documentos nºs 5 e 6, ainda relativos a período da união de facto, quando comparado com aquele doc. 4, já posterior à separação, o que demonstram é que os movimentos a débito no período anterior e no período posterior à separação são equivalentes, não apresentando alterações significativas.

Por outro lado, das inúmeras informações colhidas junto de entidades bancárias (através do Banco de Portugal) o que se apurou foi que A. e R. foram titulares de contas bancárias e co-titulares de uma outra junto do Banco Popular (que sucedeu ao BNC Banco Nacional de Crédito Imobiliário) (cfr. fls. 273 ss.), aspecto já conhecido nos autos pela própria documentação junta pela A. e cujo extracto de movimentos enviado nada mais revela do que o extracto pela A. junto (fls. 56 e vº).

Assim, pelo que antecede a matéria controvertida não resultou provada.»

Não se verifica qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão. O raciocínio exposto conduzia logicamente ao resultado alcançado, tendo o tribunal recorrido avaliado a prova de forma crítica e em conformidade com a distribuição do ónus da prova.

        Além disso, a decisão também não é ambígua ou obscura, no sentido de que se «preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos.», nas palavras de Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, V Volume, p. 151).

       Finalmente, quando está em causa uma nulidade de procedimento ou processual, o interessado deve proceder à sua arguição perante o juiz, nos termos dos artigos 196º e 197º do C.P.C., e da decisão que vier a ser proferida poderá interpor recurso, se contender «com princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios», por via da ressalva feita no artigo 630º nº 2 do C.P.C. (Abrantes Geraldes, obra citada, pág. 25).

   A falta de arguição tempestiva da aludida nulidade secundária impede o respetivo conhecimento em sede de recurso. Assim o entenderam, em situações similares, e a título meramente exemplificativo, os Acórdãos da Relação de Lisboa de 20.05.2010 e de 21.06.2007, e da Relação de Coimbra de 10.07.2007 (disponíveis no sítio de internet do IGFEJ).

Decorre das próprias alegações de recurso que a apelante não reagiu contra a decisão do tribunal recorrido que não determinou o «levantamento do sigilo bancário junto da CGD e BCP, apesar de solicitado atempadamente», sendo ainda certo que na sessão da audiência de julgamento foram indeferidos os requerimentos anteriormente feitos, precisamente, porque a parte, devidamente notificada do resultado das diligências obtidas junto das diversas instituições bancárias (por ofício de 24.05.2016, a fls. 291), nada requereu no prazo supletivo de dez dias.           

c). Se o facto não provado deve ser julgado como provado, com a consequente modificação da decisão no sentido propugnado pela apelante SR?

Em sede de impugnação, a apelante pretende que o seguinte facto não provado seja julgado provado, com base nas declarações de parte prestadas pela ré AR, que transcreve:

“O Réu pagou os valores referidos supra em 2 com dinheiro proveniente da venda do prédio referido supra em 10 e com dinheiro proveniente do seu salário.”

A questão suscitada mostra-se devidamente equacionada na fundamentação jurídica da decisão recorrida nos seguintes termos:

«Relativamente ao produto dessa venda a A. alega que os compradores entregaram a título de sinal cerca de € 25.000,00, cujo destino não menciona qual tenha sido, e que aquando da compra e venda entregaram um cheque no valor de € 59.855,78 que foi depositado na conta da titularidade de A. e R., da qual o R. veio depois, aquando da separação, a transferir € 80.000,00 para uma conta sua.

O reconhecimento pelo R. de que procedeu à transferência do valor de € 80.000,00 da conta de que A. e R. eram titulares para uma sua conta associado à justificação de que assim actuou porque a aquisição das fracções havia sido efectuada exclusivamente com dinheiro seu, encerra igualmente a aceitação de que o montante objecto daquela transferência seria proveniente e por conta do produto da venda das fracções, e por conseguinte será nessa base que devemos prosseguir com a análise dos factos e sua sujeição ao Direito.»

No nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção, face ao qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção firmada acerca de cada facto controvertido, tendo porém presente o princípio a observar em casos de dúvida, consagrado no artigo 414º do C.P.C., de que a «dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita». Conforme é realçado por Ana Luísa Geraldes («Impugnação», in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Vol. I. Coimbra, 2013, pág. 609 e 610), em «caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela 1ª instância, em observância dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte». E mais à frente remata: «O que o controlo de facto em sede de recurso não pode fazer é, sem mais, e infundadamente, aniquilar a livre apreciação da prova do julgador construída dialeticamente na base dos referidos princípios da imediação e da oralidade.»

Nesta sequência, para que a decisão sobre a matéria de facto seja alterada, haverá que demonstrar que na formação da convicção do julgador de 1ª instância, retratada nas respostas que se deram aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, ou com outros factos que foram considerados como assentes.

No caso vertente, a formação da convicção é rigorosa e corresponde à análise crítica dos elementos probatórios, conjugados com a posição assumida no litígio e plasmada nos articulados apresentados pelas partes. Conforme é salientado nas contra-alegações, a valorização das declarações de parte mostra-se exaustivamente analisada na motivação exarada na fundamentação fáctica que já foi reproduzida e os trechos transcritos deste depoimento têm como única razão de ciência não o conhecimento direto dos factos, mas o que a parte ouviu dizer ao pai (primitivo Réu).

Não há, assim, fundamento para alterar a decisão fáctica, improcedendo a pretensão da recorrente.

*

DECISÃO

Em face do exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e em manter a decisão recorrida.

Custas a cargo das apelantes, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário concedido.

Lisboa, 08.03.2018,

Ana Paula Albarran Carvalho

Maria Manuela Gomes

Maria de Deus Correia