Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10766/2004-4
Relator: PAULA SÁ FERNANDES
Descritores: HORÁRIO DE TRABALHO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/20/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Sumário: A infracção relativa à falta de afixação dos mapas de horário de trabalho nos locais de trabalho continua a ser tipificada como contra-ordenação no art. 179º do Código do Trabalho.
Apesar de ainda não ter sido publicada a Portaria para que remete o nº 3 do citado artigo, isso não significa que a referida norma não possa ser aplicada, pois mantém-se em vigor o Despacho Normativo nº 22/87 de 4.03, emitido em execução do nº 2 do art. 44º do DL 409/71, revogada pelo C´.T.
A doutrina e a jurisprudência têm entendido que a revogação da lei a que o regulamento sirva de complemento acarreta também a revogação deste. Mas, se essa lei é substituída por outra lei nova ainda não regulamentada, ela continua a ser regulamentada pelo regulamento antigo em tudo aquilo em que este a não contrariar - Sérvulo Correia, em Noções Elementares de Direito Administrativo, 1982, pag. 113;, Afonso Queiró, Teoria dos regulamentos, em Revista de Direito e Estudos Sociais, Ano I, 2ª série, 1986, nº 1 pag. 25 e ss.; Freitas do Amaral em Direito Administrativo, Lições !988/89, pag. Vol. II, pag. 56.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

M. F. Salvador & Vila, Lda, sediada na Rua D.Carlos Mascarenhas, 83, 1000 Lisboa, impugnou judicialmente a decisão do IDICT – Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho, que lhe aplicou uma coima de 300 euros, pela prática de um ilícito- contra-ordenacial, pela falta de afixação do mapa do horário de trabalho, p. e p. art. 44°, 2, 48°, 3, do Dec. Lei 409/71, de 27/9, e Despacho Normativo 22/87, de 4/3.

A arguida, inconformada, interpôs recurso de impugnação no Tribunal de Trabalho de Lisboa, que por decisão de fls. 72 a 74, julgou procedente o recurso e absolveu a arguida da prática da contra-ordenação.

O MP, inconformado, veio interpor recurso para este Tribunal, tendo nas suas alegações formulado as a seguir transcritas

Conclusões :

« A) - Da matéria de facto dada como provada inferiu-se, na douta decisão recorrida, que a arguida cometeu a contra-ordenação derivada de falta de afixação do mapa do horário de trabalho, p. e p. no art.° 44°, do Dec. Lei 409/71, de 27/IX;
B) - Mais se considerou correctamente que o disposto no mencionado art. 44°, n.° 2, do referido diploma se encontrava regulamentado pelo despacho normativo n° 22/87, de 4/111, das Secretarias de Estado dos transportes e Comunicações e do Emprego e Formação Profissional, onde se estipulava que, a exigência legal de horário de trabalho, deveria ser satisfeita através de uma cópia do respectivo mapa no estabelecimento da empresa e outra no interior de cada veículo e que, caso a empresa tivesse trabalhadores com horários móveis, tal documento deve ser substituído por um livrete individual;
C) - Porém, a douta decisão recorrida considerou que devia ser sempre aplicável o regime mais favorável - art. 2°, 4, do Cód. Penal, ex vi art. 32° do RGC ( Dec. Lei 433/82, de 27/10 );
D) - Após a prática da infracção, entrou em vigor o Código do Trabalho ( Lei 99/2003, de 27/8) que revogou o RGCL e o Dec.Lei n.º 409/71, que, como se disse, tipifica o comportamento dos autos como contra-ordenação.
E) - E, a conduta em causa continua igualmente a ser tipificada como contra-ordenação - art. 179°, n°s 1 e 3, do Cód. do Trabalho ( Lei 99/2003, de 27/8 );
F) - Contudo, concluiu a douta decisão recorrida que, não estando, ainda, definidas a forma e local de afixação do horário de trabalho, por ausência de Portaria, a tipicidade objectiva da contra-ordenação não se encontrava ainda completamente definida;
G) - E, consequentemente, face ao principio da legalidade e da aplicação da lei no tempo art.° 3, n° 2, do RGC, considerou que os factos praticados não constituiam ainda contra-ordenação, sendo aplicável a actual lei, porque mais favorável, concedendo provimento ao recurso e revogando a decisão administrativa, absolvendo a arguida da prática da contra-ordenação pela qual vinha acusada;
H)- Ora, com a entrada em vigor do Código do Trabalho, foi efectivamente revogado o Decreto-Lei n.° 409/71, de 27 de Setembro, nos termos do disposto no n.° 1 do artigo 21.° da Lei n.° 99/2003, de 27 de Agosto.
I) Contudo, relativamente aos Despachos Normativos n.°22/87 e n.°36/87, enquanto regulamentos do Governo, só caducariam com a revogação da lei habilitante, se a lei não tivesse sido substituída por outra;
J) - Como o foi, os regulamentos manter-se-ão em vigor em tudo o que não seja contrário à nova lei;
K)- Nos termos do disposto no artigo 615.° do Código de Trabalho, o regime a ser aplicado continua a ser o do Decreto-Lei n.° 433/82, de 27/10, o qual, no seu artigo 3.°, na redacção introduzida pelo DL n.° 244/95, de 14/09, dispõe que " a punição da contra­ordenação é determinada pela lei vigente no momento da prática do facto ou do preenchimento dos pressupostos de que depende ".
L) - E há que optar, em caso de regime de sucessão das leis penais, pela aplicação em bloco;
M)- Assim, relativamente à infracção em causa constata-se que o n.º3 do artigo 179. ° do Código de Trabalho contém uma norma idêntica à dos artigos 44.° e 46.° do Decreto- Lei n.° 409/71;
N)- Pelo que, e até publicação da Portaria prevista no n.° 3 do artigo 179.°, continua a vigorar o estabelecido pelos citados Despachos Normativos, constituindo agora a infracção dos autos uma contra-ordenação leve, nos termos do n.° 1 do artigo 179.° e n.° 2 do artigo 659°.
Em razão do que a douta sentença recorrida fez, portanto, uma incorrecta aplicação do disposto no art.° 2°, 4, do Cód. Penal, ex vi art. 32° do RGC (Dec. Lei 433/82, de 27/10 ), nos artigos 21.°, 179° e 659°, do Cód. do Trabalho ( Lei 99/2003, de 27/8 ) e, termos em que, de acordo com as conclusões enunciadas, deverá a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente o recurso da decisão administrativa, seguindo-se os demais trâmites até final.»

Não foram apresentadas contra-alegações pela arguida.

Subidos ao autos a esta Relação foi aberta vista ao Exmº Procurador-geral-adjunto, que remeteu para audiência as alegações a proferir.

Foram colhidos os vistos legais.

II - Fundamentos de facto

Foram considerados provados os seguintes factos:
1° - Em 21.09.03, pelas 4h e 30 m, o veículo ligeiros de passageiro, serviço de táxi, XH-...-71, conduzido por (J), e propriedade da arguida, circulava na via pública, em Lisboa, na Praça Duque da Terceira, em regime de táxi, com os letreiros " livre " e "taxi"'iluminados.
2° - 0 referido condutor veículo não possuía verbete ou mapa de horário de trabalho ou documento equivalente.
3° - A arguida sabia que o condutor conduzia a viatura ao seu serviço, no seu interesse e sob a sua direcção, mediante remuneração, nas condições supra referidas, admitindo que o mesmo o fizesse.

III - Fundamentos de direito

A única questão suscitada pelo MP nas sua alegações de recurso é a de saber se a infracção imputada à arguida, relativa à falta de afixação dos mapas de horário de trabalho nos locais de trabalho, deixou de ser punível por falta de tipicidade objectiva, com a entrada em vigor no novo código do trabalho.
Na sentença recorrida foi perfilhado o entendimento de que o novo Código do Trabalho revogou o RGCL e o DL n.º 409/71, este tipificava a infracção imputada à arguida no seu art. 44º, passando a mesma infracção a ser tipificada no art. 179º do novo código; só que como ainda não foi publicada a portaria de regulamentação a que se refere o seu n.º3, conclui que não estão definidas a forma e o local de afixação do horário de trabalho, pelo que a tipicidade objectiva da contra-ordenação não se encontra completamente definida e consequentemente, face aos princípio da legalidade e da aplicação da lei no tempo, os factos praticados não constituem ainda contra-ordenação .
O MP insurgiu-se com este entendimento, alegando que relativamente à infracção em causa constata-se que o n.º3 do artigo 179º do Código de Trabalho contém uma norma idêntica à dos artigos 44.° e 46.° do Decreto- Lei n.° 409/71, pelo que, e até publicação da Portaria prevista naquela n.° 3, continua a vigorar o estabelecido pelos Despachos Normativos que regulamentavam a lei anterior, constituindo agora a infracção dos autos uma contra-ordenação leve, nos termos do n.° 1 do artigo 179.° e n.° 2 do artigo 659° do CT.
Vejamos então :
A contra-ordenação imputada à arguida está prevista e punida no art. 44°, do Dec. Lei 409/71, de 27/9, que dispunha:
"l. Em todos os locais de trabalho abrangido pelo presente diploma deve ser afixado, em lugar bem visível, um mapa de horário de trabalho, elaborado pela entidade patronal, de harmonia com as disposições legais e com os instrumentos de regulamentação colectivas aplicáveis.”
2. As condições de publicidade dos horários de trabalho do pessoal afecto à exploração dos veículos automóveis propriedade de empresas de transporte ou privativos de outras entidades sujeitas às disposições do presente diploma serão estabelecidas em despacho conjunto do Ministro das Corporações e da Previdência Social e do Ministro das Comunicações...".
Este dispositivo legal encontrava-se regulamentado pelo Despacho Normativo n° 22/87, de 4/3, das Secretarias de Estado dos Transportes e Comunicações e do Emprego e Formação Profissional, onde se estipula que, a exigência legal de horário de trabalho, deve ser satisfeita através de uma cópia do respectivo mapa no estabelecimento da empresa e outra no interior de cada veículo e que, caso a empresa tenha trabalhadores com horários móveis, tal documento deve ser substituído por um livrete individual.
No caso, o condutor não se fazia acompanhar de horário de trabalho, nem de documento equivalente, o livrete.
Face à entrada em vigor do novo Código do Trabalho, (Lei 99/2003, de 27.8) que revogou o RGCL e o Dec. Lei 409/71, continua a ser tipificada a conduta da arguida como contra-ordenação, no art. 179°, n°s 1 e 3, estipulando o seu n° 3 que :
" As condições de publicidade dos horários de trabalho do pessoal afecto à exploração dos veículos automóveis, propriedade de empresas de transporte ou privativos de outras entidades sujeitas às disposições do presente diploma são estabelecidas em Portaria dos Ministro responsáveis pela área laboral e pelo sector de transportes, ouvidas as organizações sindicais e de empregadores necessárias".
É certo que ainda não foi publicada a referida Portaria. Mas isso não significa que a norma do art. 179º do CT não possa ser aplicada, embora ainda não através da Portaria para que remete o seu n.º3, mas antes através do Despacho Normativo emitido ao abrigo da lei anterior - o já citado Despacho Normativo n.º 22/87 de 4.3, emitido, em execução do n.º2 do art. 44 do DL n.º 409/71- pois, apesar de revogada a lei que se destinava a regulamentar, ele não caducou pelo facto daquela lei ter sido substituída por outra, uma vez que o conteúdo do regulamento não é contrário à nova lei.
Na verdade, a doutrina e a jurisprudência que a acompanha têm entendido que a revogação da lei a que o regulamento sirva de complemento acarreta também a revogação deste. Mas, se essa lei é substituída por outra lei nova ainda não regulamentada, ela continua a ser regulamentada pelo regulamento antigo em tudo aquilo em que este a não contrariar, conforme escreve Sérvulo Correia, In Nocões de Direito administrativo, Lisboa, 1982, pág. 113); vide ainda Afonso Rodrigues Queiró “Teoria dos Regulamentos (2ª, In Revista de Direito e Estudos Sociais, ano 1, 2ª Série (1986), n.º1 pág.25 e segts. . Mas, também, nos ensina o Prof. Freitas do Amaral que: “O regulamento caduca se for revogada a lei que ele veio executar, caso não seja substituída por outra. Portanto, se havia um regulamento de execução ou complementar de uma lei e essa lei foi revogada e não foi substituída por outra, o regulamento caduca, se a lei foi substituída por outra , o regulamento manter-se-á em vigor em tudo que não seja contrário à nova Lei.” In Direito Administrativo ( Lições aos alunos do Curso de Direito em 1988/89), Vol.II, pág. 56.
Afigura-se-nos, assim, que o entendimento perfilhado na sentença recorrida sobre a alegada falta do tipo objectivo não tem suporte legal, dado dever entender-se que, no caso, ainda está em vigor o Despacho Normativo que regulamentava, nesta matéria, a lei que foi agora substituída.
Este entendimento já fora consignado por este Tribunal da Relação no acórdão proferido em 28.06.04, em recurso do processo de contra-ordenação n.º 4369/4 -04.
Assim, a violação das normas sobre afixação de horários de trabalho, maxime no sector rodoviário, não deixou de ser punível, continuando a ser classificada como contra-ordenação leve (artigo 659ºn.º2 do CT) o que, em conformidade com o disposto pelo artigo 620 n.ºs 1, 2 b) e 8 (dado que a recorrente não indicou à IGT o volume de negócios) do CT, significa que ela é punível com uma coima entre 6 a 9 Ucs, ou seja entre 534 euros e 801, portanto, mais gravosa do que na lei vigente à data da infracção, não havendo fundamento para aplicar a nova lei.
Deste modo, merece procedência o recurso interposto pelo MP, devendo ser revogada a sentença recorrida, confirmando-se a coima aplicada pelo IDICT no montante de 300 euros .

IV – Decisão

Face ao exposto, julga-se procedente o recurso interposto, e revogando-se a sentença recorrida, confirma-se a coima aplicada à arguida pelo IDICT, no montante de 300 euros.

Custas pela arguida.

Lisboa, 20 de Abril de 2005
Paula Sá Fernandes
José Feteira
Filomena Carvalho