Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | GILBERTO JORGE | ||
Descritores: | CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA INCUMPRIMENTO DEFINITIVO PERDA DE INTERESSE DO CREDOR INTERPELAÇÃO MORA RESOLUÇÃO IMPUGNAÇÃO MATÉRIA DE FACTO LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 04/01/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | ALTERADA A SENTENÇA | ||
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Sumário: | 1. Na resolução do contrato-promessa de compra e venda, as sanções de perda do sinal ou da sua restituição em dobro (art. 442.º do C.Civil) só têm lugar no caso de incumprimento definitivo do mesmo contrato. 2. A simples mora da parte de algum promitente não determina a aplicação do disposto no art. 442.º n.º 2 do citado diploma legal, mas apenas confere o direito ao promitente lesado a uma reparação pelos danos causados, nos termos gerais do art. 804.º do citado Código. 3. É definitivo o incumprimento da obrigação quando, não tendo o devedor cumprido na data do respectivo vencimento, o cumprimento já não é possível ou nele perdeu o credor interesse. 4. Se, embora não tivessem sido eliminados integralmente os defeitos e anomalias resultantes do incêndio, a promitente-vendedora aceitou sempre os pedidos de reparação dessas deficiências apontadas pelo promitente-comprador/autor, a promitente-vendedora não se constituiu em mora. 5. Acresce que entre os contraentes não foi acordado qualquer prazo para a conclusão dessas reparações, nem tão pouco houve interpelação para fixação de prazo certo e determinado para o efeito. 6. O interesse do credor tem de ser um interesse sério, justificativo da tutela jurídica (art. 398º nº2 do CCivil). O interesse subjectivo do promitente-comprador em não outorgar a escritura pública não integra um caso de falta de interesse para efeitos do art. 808.º do C.Civil. 7. Quem litiga sem direito, mas o faz convicto de que tem razão substancial, ainda que a não tenha, não comete qualquer ilícito, respondendo apenas objectivamente pelas custas. (F.G.) | ||
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Decisão Texto Integral: | I – Relatório. J instaurou e fez seguir contra “S, S.A.” a presente acção declarativa na forma sumária pedindo que a mesma seja julgada provada e procedente e, em consequência, condenando-se a ré a pagar ao autor a quantia de dois milhões duzentos e quarenta e nove mil oitocentos e sessenta e três escudos, acrescida de juros de mora à taxa supletiva comercial de 12 % até efectivo e integral pagamento, custas e procuradoria como de lei. Para tanto e em síntese alegou o autor ter celebrado, em 20.11.1998, com a ré um contrato promessa de compra e venda de duas fracções autónomas do prédio urbano, designadas por “RR” e “QQ”, correspondendo ao sétimo andar direito, lados nascente e poente, respectivamente, do edifício sito na Avenida General… Torres Vedras. De acordo com o aludido contrato, o autor prometia comprar à ré e esta prometia vender pelo preço global de onze milhões e quinhentos mil escudos, livres de quaisquer ónus ou encargos bem como devolutas as supra referidas fracções. Tendo o autor pago à ré, em 20.11.1998, a quantia de um milhão de escudos a título de sinal e princípio de pagamento, ficando o remanescente de ser pago no acto da escritura pública de compra e venda. Competindo ao promitente comprador, ora autor, notificar o promitente vendedor, ora ré, para aquele acto notarial. Alega o autor ter promovido o registo predial provisório da promessa, o qual enfermou de demoras por se terem verificado divergências na denominação social da ré e falta de prova do regime de casamento do autor, divergências essas removidas pelos respectivos interessados, autor e ré, dando origem aos competentes averbamentos. A ocorrência de tal situação veio a impedir o cumprimento do prazo contratual imposto pela cláusula 4.ª n.º 1, in fine, do contrato em apreço. Em 10.05.1999, o autor deslocou-se a Torres Vedras para proceder pessoalmente ao levantamento da certidão da Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras, tendo apurado, então que, por volta da Páscoa de 1999, deflagrou um incêndio nas duas fracções prometidas. Adianta o autor que a ré, apesar da ocorrência destes factos e deles ter tido conhecimento, veio a notificar o autor, por carta de 17.05.1999, com vista à celebração do contrato definitivo. Sendo que as portas de entrada para as fracções prometidas exibiam, nessa data de 17.05.1999, sinais de deterioração em resultado de terem estado submetidas a fogo e temperaturas elevadas como acontecia com as paredes exteriores das ditas fracções. O autor não dispunha das chaves de acesso ao interior das fracções desconhecendo, por outro, a gravidade e extensão de eventuais deteriorações no interior daquelas. O que levou o autor a enviar uma carta à ré, em 18.05.1999, a solicitar uma inspecção ao local e uma fiscalização camarária para aferir a funcionalidade pós incêndio das fracções prometidas. Decorrido mais de um mês sem ter havido qualquer resposta, o autor enviou à ré nova carta a comunicar que considerava o incumprimento definitivo do contrato por não se mostrarem satisfeitas as condições mínimas exigíveis. Por carta de 29.06.1999, a ré respondeu pretendendo que fosse o autor a fazer as obras necessárias com dedução do seu valor no preço. Perante a recusa presumida do autor, veio a ré, em 20.11.1999, a notificá-lo da marcação da escritura pública de compra e venda. Finalmente, sustenta o autor que, volvidos dois meses e meio após o incêndio e mais um mês sobre o pedido de informações e reparação dos danos causados pelo sinistro, perdeu interesse no negócio. A ré contestou defendendo-se por impugnação, pugnando pela total improcedência da acção com a sua consequente absolvição do pedido. E deduziu pedido reconvencional pugnando pela procedência do mesmo e, consequentemente, que seja declarado e reconhecido o direito da ré a reter e fazer sua a quantia de 1.000.000$00 entregue pelo autor a título de sinal. Formulou ainda contra o autor o pedido de condenação deste, como litigante de má-fé, a pagar-lhe a indemnização que for calculada nos termos do art. 457.º n.º 1 alínea b) do C.P.Civil. Sendo ainda o autor condenado em custas e procuradoria condigna. Alega a ré em síntese que, nos termos da cláusula 4.ª n.º 1 do referido contrato promessa, a escritura pública de compra e venda deveria ser marcada pelo promitente comprador, ora autor, “para data não posterior a 31 de Março de 1999”. Devendo o autor comunicar à ré, por carta registada com aviso de recepção, “com a antecedência mínima de dez dias”, o dia, hora e local da realização da referida escritura. Alega a demandada que o autor requereu, em 15.03.1999 – portanto quinze dias antes da data a que estava obrigado a proceder à realização da escritura pública – o registo de aquisição provisória das fracções em causa, a seu favor, sem que estivesse estipulado entre as partes contratantes que ao autor “competisse” a realização do registo de aquisição provisória. Adianta também que, em 10.05.1999, não existiam vestígios de incêndio nas portas das duas fracções prometidas vender porque, nessa data, as mesmas já se encontravam reparadas por iniciativa da ré, pois que mal tomou conhecimento do incêndio, em 09.04.1999, mandou de imediato reparar integralmente as danificações resultantes do mesmo, encontrando-se tal reparação concluída desde 21.04.1999. Sendo que tal ocorrência mais não foi do que um pequeno foco de incêndio ao nível do 7.º piso, na caixa da escada junto às portas dos apartamentos referenciados, pelo que a sua reparação se tornou relativamente simples. Alega ainda a demandada que o autor foi informado do aludido incêndio e apesar de ter sido facultado àquele a possibilidade de visitar as fracções em causa, sucede que o autor apenas se dispôs a visitar tais fracções e o respectivo interior em 09.06.1999. Alega também que, após ter sido interpelado pela ré para a realização da escritura publica de compra e venda das fracções, o autor, em 18.05.1999, enviou à ré uma carta invocando como pretexto o incêndio para se eximir à sua obrigação de comparecer no dia e hora marcados para a outorga da escritura pública de compra e venda. Na sequência da visita feita pelo autor às fracções prometidas vender, este enviou à ré uma carta em que dá conta das reparações que ainda pretendia que a ré efectuasse, tais como, limpeza e pintura na parede da caixa da escada, nas aduelas das portas chamuscadas, substituição dos puxadores das portas por serem desiguais, secagem das alcatifas e substituição dos fios das campainhas por se encontrarem queimados. Tendo a ré, em 09.06.1999, proposto ao autor que este procedesse às ditas reparações, ficando os custos por conta da ré que seriam abatidos no preço das fracções a pagar por aquele, sendo que o autor nunca se pronunciou sobre esta proposta, tendo apenas, em 24.06.1999, por carta dirigida à ré, invocado o incumprimento do contrato promessa de compra e venda pela ré por força da não realização das reparações e solicitando o pagamento do sinal em dobro. Em sede reconvencional alega a ré/reconvinte que o autor não compareceu, por duas vezes, nas datas, locais e horas marcadas para a realização da escritura pública de compra e venda das fracções objecto do contrato-promessa, uma vez que o autor não tinha efectuado tal marcação até ao prazo limite fixado contratualmente. Tendo a primeira data para a outorga da escritura pública sido marcada para o dia 15.06.1999 e a segunda data para o dia 03.11.1999; sendo que, em 17.05.1999 – data em que a ré deu a conhecer ao autor o dia 15.06.1999 para a realização da escritura pública – as portas e as paredes exteriores das fracções em causa já não apresentavam sinais de deterioração ou de exposição a fogo e temperaturas elevadas. Finalmente, sustenta a ré que o autor sempre soube que não tinha qualquer fundamento para deduzir a pretensão a que se reporta os presentes autos, tendo inclusivamente omitido a carta de 09.06.1999 que enviou à ré e da qual constam pequenas reparações que pretendia que fossem efectuadas e que a ré alegadamente efectuou. O autor replicou pugnando pela improcedência do pedido reconvencional, dando-se provimento à petição do autor, condenando-se a ré como litigante de má-fé, em multa e reembolso ao autor das despesas liquidadas a final com as legais consequências em matéria de custas. Em síntese, alegou o autor que as deficiências nas fracções persistiam depois da pretensa reparação dada por concluída pela ré em 21.04.1999. Que o autor se tivesse outorgado a escritura notarial ver-se-ia com aquisições de fracções em estado de conservação diverso, para pior, do que havia sido prometido. Adianta também que as deficiências emergentes do incêndio não haviam sido integralmente eliminadas como verificou o autor no local e resulta confessado através do despacho manuscrito de um quadro da ré que expressamente diz “ Julgo que o melhor será a mediadora acordar uma verba c/o promitente comprador para fazer face às obras apontadas que será descontado a final”. Sendo que os defeitos e anomalias resultantes do incêndio não se encontravam eliminadas em 28.06.1999. Posteriormente (fls. 99-102), a ré veio requerer: - que o valor da causa obedeça aos critérios legais previstos no art. 308.º n.º 2 do C.P.Civil; - a ampliação do pedido reconvencional que consiste no cancelamento do registo de aquisição provisória efectuado a favor do autor com a inscrição G 6 que abrange os dois prédios em causa: fracções “RR” e “QQ”; - e, finalmente, que devem ser consideradas como não escritas as considerações constantes dos arts. 6.º e 8.º da resposta à contestação. Por despacho (fls. 108-109) proferido pelo Mm.º Juiz decidiu-se fixar o valor da causa em 3.249.863$00, ordenando-se que os autos fossem remetidos ao Tribunal competente, no caso as Varas Cíveis de Lisboa, a fim de aí prosseguirem os seus trâmites legais, na forma ordinária. Mais adiante teve lugar a audiência preliminar na qual se tentou em vão o acordo das partes. Elaborou-se despacho saneador no qual o Mm.º Juiz a quo decidiu considerar como não escritos os factos articulados nos arts. 7.º a 22.º da réplica; tendo também admitido a requerida ampliação do pedido reconvencional – vide fls. 128-130. Seleccionou-se a matéria de facto dada como assente e organizou-se a base instrutória de que não houve reclamações. * O autor não se conformando com o despacho proferido pelo Mm.º Juiz a quo, a fls. 128-129, que determinou dar como não escritos os factos articulados nos arts. 7.º a 22.º da réplica, dele recorreu, recurso que foi admitido como de agravo, a subir com o primeiro recurso que, depois deste interposto, tivesse de subir imediatamente (vide fls. 149). Nas alegações que apresentou, formulou o agravante as seguintes conclusões: a) – O alegado em sede de réplica pelo ora agravante nos arts. 7.º a 22.º, refere-se a factualidade emergente do pedido reconvencional – o que havia sido previamente declarado pelo agravante – necessária e, mesmo, indispensável, à boa percepção da factualidade que sustenta o presente litígio judicial; b) – Não devendo ser dadas como não escritas, sob pena de deficiente exposição da factualidade relevante para a correcta e justa apreciação da causa; c) - Ferindo, desde logo, o pleno direito à defesa nos precisos moldes aplicados à contestação; d) – O mesmo se dizendo quanto à defesa sobre a imputada litigância de má-fé; e) – Donde resulta violado o disposto no art. 502.º n.º 1, segunda parte, do C.P.Civil; f) – A nulidade arguida pela ré refere-se apenas aos arts. 6.º e 8.º, devendo a douta decisão a quo limitar-se a essa matéria, em obediência ao disposto, conjugadamente nos arts. 202.º, 666.º n.º 3 e 668.º n.º 1 alínea d) do C.P.Civil; g) – Normas que resultam violadas; h) – O que carece de reparação, proferindo-se superior decisão que, revogando o douto despacho sob recurso, o substitua por outro que admita na íntegra o articulado de réplica apresentado nos autos pelo agravante, ou, quando muito, se limite a dar procedência, total ou parcial, ao pedido da ré, se este eventualmente for de proceder, o que não parece. Contra alegou a ré/agravada sustentando que: “1ª. O despacho do Tribunal a quo recorrido considerou como não escritos os arts. 7.º a 22.º da réplica apresentada pelo autor por a sua matéria extravasar os limites legais de admissibilidade desse articulado, entendendo o recorrente que na réplica se defendeu «do pedido reconvencional, da má-fé deduzida pela ré», e ser importante «alegar matéria de carácter histórico, por forma a que o juiz a quo dispusesse de um acervo factual alargado tendente a uma boa e justa decisão da causa»; 2ª. O objecto do presente recurso consiste na apreciação da admissibilidade da réplica (”resposta”) apresentada e do poder do juiz de, independentemente do alegado pelas partes, decidir da inadmissibilidade (neste caso, parcial) da referida réplica. 3ª. O pedido de litigância de má-fé não consubstancia qualquer pedido reconvencional nem nenhum pedido autónomo e não pode o autor, a pretexto de resposta ao pedido de condenação por litigância de má-fé, vir responder a matéria da contestação não susceptível de resposta, como o faz nos arts. 7.º a 22.º da sua “resposta”. 4ª. O pedido reconvencional apresentado pela ré tem por base, única e exclusivamente, a não comparência do autor em duas escrituras formalmente marcadas para concretização do contrato-promessa, alegando que as fracções em causa se encontravam nas mesmas condições que detinham à data do contrato-promessa; o autor, ora agravante, não impugnou nem deduziu quaisquer excepções relativamente a estes factos nos arts. 7.º a 22.º da sua “resposta”, mas antes alegou outros factos que se destinariam a completar o que (não) disse na sua petição inicial. 5ª. Tais factos (os constantes dos arts. 7.º a 22.º da sua “resposta”) nem sequer podem ser considerados como supervenientes, como o autor expressamente reconhece. 6ª. A apresentação (e consequente admissão) da réplica fora dos casos permitidos por lei, consubstancia uma nulidade processual, influindo no exame da decisão da causa e representaria, claramente, uma violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, caso fosse admitida, sendo para além disso uma violação do princípio da legalidade dos actos processuais que incumbe ao juiz, no âmbito do seu poder de direcção do processo, evitar. 7ª. Assim, não resulta com o despacho recorrido qualquer violação do disposto no art. 202.º do C.P.Civil, contrariamente ao invocado pelo agravante. 8ª. Também não violou o despacho recorrido o constante do art. 666.º n.º 3 do C. P. Civil que, aliás, nada tem a ver com a matéria que discute no presente recurso. 9ª.E tendo o juiz o dever de conhecer da admissibilidade de qualquer articulado, independentemente da arguição de nulidade pelas partes, não existe, sequer, qualquer excesso de pronúncia no despacho recorrido, sendo a referência feita pelo recorrente à violação do disposto no art. 668.º n.º 1 alínea d) do C.P.Civil completamente descabida. Deve, pois, ser mantido o despacho recorrido”. O Mm.º Juíz a quo sustentou o despacho agravado mantendo-o nos seus precisos termos – vide fls. 197. * Posteriormente, a ré requereu a intervenção provocada de C esposa do autor/reconvindo (vide fls. 155-156), pretensão essa que veio a ser indeferida por despacho proferido a fls. 171-172. * Teve lugar a audiência de discussão e julgamento e no decorrer da mesma foram proferidos dois despachos de indeferimento relacionados com documentos que o autor pretendia juntar aos autos (vide actas de audiência a fls. 361, 362, 365 e 366). Inconformado com tais decisões recorreu o autor, recurso que foi admitido como de agravo, com subida diferida, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo (vide fls. 370). Nas alegações que apresentou, formulou o agravante as seguintes conclusões: 1.ª O requerimento para requisição oficiosa de prova a outros autos cíveis que, inequivocamente, contém matéria factual conexa com a dos presentes autos continha indicação precisa sobre a matéria a que respeitava, por simples indexação aos factos resultantes dos depoimentos da testemunha que lhe deram origem quais sejam os dos quesitos 14.º a 18.º e 20.º a 22.º, matéria ao alcance de aferição pelo Tribunal a quo e expressa no texto desse requerimento; 2.ª Bastando, de resto, que ao Tribunal seja dado conhecimento de factos susceptíveis de poderem consubstanciar contributo real para a descoberta da verdade para que possa ser requisitada tal prova, em submissão aos deveres processuais emergentes dos arts. 514.º n.º 2, 515.º, 519.º n.º 1, todos do C.P.Civil; 3.ª Ademais porque, indiciariamente, tal prova se mostraria necessária em face do que já constava em relação à conexa acção cível nos apensos A e B destes autos principais, ao alcance de exame, o que não foi tido em consideração na douta decisão em crise; 4.ª Sendo ainda que a extracção da requerida certidão judicial sempre constituiria um encargo com o processo subsumível em custas, conforme o art. 89.º do Cód. Custas Judiciais, que estaria no alcance da insuficiência económica em que se sustenta o instituto de apoio judiciário concedido ao agravante nos presentes autos ao abrigo da Lei n.º 30-E/2000, de 20.12, sendo despiciendo aqui verificar se nessa circunstância seria contabilizável nos termos do art. 32.º n.º 2 alínea a), se como custas de parte previstas no n.º 2 do art. 33.º desse mesmo diploma legal; 5.ª Por outro lado, a prova poderia ser produzida até final da audiência de discussão e julgamento, segundo as regras do n.º 2 do art. 523.º da lei adjectiva civil e não se revelava pelas razões supra aduzidas, acto inútil, como invocado na douta decisão sindicada através da referência ao art. 137.º; 6.ª Pelo que a diferente interpretação de todos estes normativos, resultante da decisão sob recurso, viola o direito do agravante ao acesso ao direito e aos tribunais, devidamente assegurado por estes, que, concomitantemente, os arts. 20.º nºs 1 e 5 e 202.º n.º 2, da Constituição da Republica Portuguesa, impõem de forma peremptória, considerando-se correcta a que emana de tudo o expendido nas conclusões supra; 7.ª Por sua vez o douto despacho que não admite a cópia simples da sentença proferida nos referenciados autos factualmente conexos em matéria de obras reparadoras do incêndio, sua discriminação e valor, a qual não atenta contra o dispositivo do n.º 1 do art. 522.º da lei processual civil, assenta numa notoriamente errada apreciação da prova indiciária, que os contraditórios documentos de fls. 62 e aqueloutro que foi admitido nessa mesma sessão de audiência judicial por despacho de fls. 363, em correlação com toda a matéria factual constante dos apensos A e B e do próprio incidente de intervenção provocada destes autos, ao alcance de exame e atendíveis segundo as regras do art. 514.º n.º 2 e 515.º do mesmo Código; 8.ª Na realidade, toda essa prova, atendível sem expressa alegação, conforme emana do supra aludido n.º 2 do art. 514.º, carreia, em consonância com as discrepâncias dos dois referidos documentos intitulados “Folha de Obra” e dos que o acompanham, uma carta e uma factura, uma série de indícios bastantes no sentido de se revelar imprescindível para a boa decisão final dos presentes autos, aqueles cuja sentença se pretendia juntar em cópia simples e com valor indiciário até por não estar transitada em julgado; 9.ª No auge desse erro de valoração e apreciação se anota que o douto despacho em crise usa a expressão “recibo” para se referir à factura que acompanha a folha de obra certificada e escamoteia o sentido verdadeiro, em português corrente e usado no comércio, quer dessa diferente qualidade jurídica e comercial, quer ainda das expressões “executados” e “realizados” dados à estampa na carta que acompanha a “Folha de Obra” de fls. 62; 10.ª De facto, enquanto factura é o elemento de débito emitido nos termos do art. 35.º do Código de Imposto sobre o valor Acrescentado, vulgo IVA, o “recibo” é o correspondente documento de quitação com fundamento no art. 787.º do Código Civil e das normas e boas práticas comerciais, quitação essa que a referida factura não dá; 11.ª Por outro lado a imputação de “estimativa” dada à “Folha de Obra” de documento de folhas 62 é patentemente errada porquanto estimativa é uma potencialidade de custos anterior ao conhecimento do rigor da obra feita e a carta que acompanha tal documento refere expressamente “trabalhos executados” e “trabalhos realizados” palavras não compagináveis com estimativa pré-realização e/ou orçamento anterior à sua execução; 12.ª O que resulta ainda mais claro do texto do art. 30.º da douta contestação da ré: “Encontrando-se no dia 21 de Abril de 1999 (doze dias depois) todas as reparações efectuadas, conforme resulta do documento que se junta com o n.º1 (…)”, sendo que este cita a data de “23.04.99” enquanto o agora “aparecido” se mostra sem qualquer data; 13.ª Sendo que a inadmissão deste último documento condicionou a necessária prova indispensável aos incidentes de contradita de testemunha (s) e consequente impugnação de genuinidade de documento, previstas nos arts. 640.º e 544.º da lei processual, respectivamente; 14.ª Importaria, pois, ter admitido essa cópia de sentença, resultando da sua inadmissão grave e relevante violação do disposto nos mesmos arts. 514.º n.º 2, 515.º, 519.º n.º 1 e 523.º n.º 2 do C.P.Civil; 15.ª Cuja interpretação diferente, em todas as sobreditas normas legais, resultante do teor desse despacho viola o imperativo constitucional do art. 202.º n.º 2 e 203.º da Lei Fundamental, considerando-se correcta a que implicaria a sua admissão, como se alegou nas conclusões supra; 16.ª Como viola outro imperativo, este do art. 242.º n.º 1 do Cód. de Processo Penal que impõe com carácter obrigatório, ao mais abstracto funcionário, eventualmente juiz, o dever de participar os indícios de ilícito criminal de que tome conhecimento em razão das suas funções; 17.ª Destarte e por toda essas razões alegadas exaustivamente, carecem as doutas decisões de revogação e substituição por outra, superior, que defira as peticionadas provas, quer as requisitadas oficiosamente, quer as de simples junção, com as legais consequências, quais sejam a da nulidade dos subsequentes actos conforme impõe o art. 201.º n.º 2 do C.P.Civil, sob pena de, em interpretação diferente, se estar violando os já citados imperativos do n.º 2 do art. 202.º e 203.º, in fine, da Constituição da Republica Portuguesa, considerando-se como correcta a que anula o processado subsequente por falta de acto essencial qual seja a prova denegada. Não foram apresentadas contra alegações. * Regressando à audiência de discussão e julgamento e decidida que foi a matéria de facto controvertida de que não houve reclamações (vide acta de fls. 374), posteriormente foram apresentadas pela ré alegações de direito (vide fls. 388-401). Seguidamente, foi proferida sentença cuja parte decisória é do seguinte teor: “(…) Como decorre do supra exposto, não comprovou a ré ter efectuado o registo do pedido reconvencional formulado, no prazo assinalado para o efeito, pelo que o autor deverá ser absolvido da instância reconvencional. De acordo com o exposto, absolvo o autor José Manuel Pereira Rodrigues da instância reconvencional. Custas da reconvenção pela ré “S, S.A.”. E, Nos termos expostos e de harmonia com os preceitos legais supra citados, julgo a presente acção improcedente e, em consequência, absolvo a ré S, S.A. do pedido formulado pelo autor J. Julgo não verificada qualquer litigância de má-fé, no comportamento processual das partes. Custas pelo autor (…)”. Inconformado recorreu o autor de tal decisão sendo o recurso admitido como de apelação com efeito meramente devolutivo. Nas alegações que apresentou, formulou o apelante as seguintes conclusões: «A – Existe notório erro na apreciação da prova constante nos autos, em especial da configurada em documentos autênticos ou autenticados e na demais não impugnada especificamente, devidamente concatenada como os depoimentos das testemunhas inquiridas, sublimando-se as apresentadas pela apelada e tudo segundo as normas de direito aplicáveis aos casos de actuação das entidades notarial e conservatória, como se detalha de seguida, em resumo do que em sede das alegações que antecedem cujas se têm aqui por integralmente reproduzidas e fazendo parte integrante das presentes conclusões, para os efeitos previstos no art. 690.º-A nºs 1 e 2 do C.P.Civil. a.1 – A resposta a dar ao quesito 1.º da base instrutória tem que se ter por Provado, resultando o erro de julgamento essencialmente do direito aplicável em matéria registral, uma vez que a discrepância de denominação social da apelada constante no contrato de promessa de compra e venda de fls. 19-22 e aqueloutra que se encontrava registada com a inscrição G-5 em sede de registo predial, como está documentado em certidão de fls. 11 a 18, bem como a falta de prova quanto ao regime de casamento do aqui apelante implicava a real impossibilidade de efectuar a escritura pública de compra e venda e correspondente inscrição tabular por via dos concomitantes e conjugados dispositivos dos arts. 92.º n.º 1 alínea g) e 93.º n.º 1 alíneas e) e n.º 2 do Código de Registo Predial e dos arts. 62.º n.º 1 alíneas c) a e) e 64.º n.º 2 estes do Código do Notariado, como também do art. 3.º do Código do Registo Comercial, em especial as suas alíneas o) a q), para além das correspondentes prescrições impostas no Código das Sociedades Comerciais, matéria de direito de conhecimento oficioso. Tal certidão registral é documento autêntico segundo a norma do art. 369.º n.º 1 do C.Civil e tem força probatória plena de acordo com o dispositivo dos arts. 371.º n.º 1 e 383.º da mesma lei substantiva, mostrando também que ambos os litigantes promoveram celeremente a remoção das dúvidas que a cada um competia, como vem provado com os documentos de fls. 11 a 18 e 95 e 96, por força do disposto nos arts. 513.º e 514.º n.º 1 do C.P.Civil. a.2 – Impõe-se resposta Provado à questão do quesito 2.º porquanto o mesmo documento autêntico de fls. 11 a 18 está datado de 10 de Maio de 1999, sem que conste ter sido solicitado e remetido por correio, constituindo uma presunção legal, confirmada pelo depoimento da testemunha (…), deles resultando que foi nessa data levantada em mão pelo apelante, seu requisitante. a.3 – Em consequência, também os quesitos 3.º, 4.º e 5.º carecem de resposta Provado por via desse facto e também do mesmo testemunho de (…) que localizou temporalmente essa deslocação a Torres Vedras como tendo ocorrido a cerca de um mês após a Páscoa para levantar certidão de registo predial e tendo-se deslocado com o apelante ao 7.º andar do edifício e encontrado as portas exteriores com sinais de terem sido chamuscadas e ulteriores diligências e preocupações, para além das mais básicas regras da experiência comum da consulta de um calendário do ano de 1999 e ainda dos depoimentos sobre esta matéria das testemunhas (…). a.4 – Também o quesito 6.º se terá que ter necessariamente por Provado, mormente por força dos documentos e testemunhas anteriores, de um modo geral, mas particularmente dos depoimentos de (…) que declarou expressamente que parte da alcatifa mudada pós sinistro era muito parecida, do mesmo tom, só se podendo concluir, por isso, que as fracções imobiliárias prometidas não se encontravam no mesmo estado de conservação que tinham à data da promessa. a.5 – Outrossim no que toca ao quesito 7.º a resposta terá que ser totalmente Provado, sem qualquer restrição, porquanto o simples facto de ter sido assente que o apelante não dispunha das chaves de acesso aos imóveis implica necessáriamente que não podia conhecer a gravidade e extensão de eventuais danos interiores, matéria confirmada pela testemunha … e resultante também da alínea b) da carta a que se refere o facto 11 da douta sentença. a.6 – De igual sorte o quesito 8.º não pode deixar de ter resposta positiva, provado, pois que ressalta do teor da alínea b) da missiva referida no facto 11 da matéria assente pela sentença as preocupações do recorrente com o estado do interior das fracções incendiadas, pelo que para as avaliar com algum rigor necessário se tornava a realização das diligências ali solicitadas, mormente a vistoria técnica pelos serviços camarários, indispensável em razão das prováveis consequências do sinistro ao nível das instalações de água e electricidade, eventualmente dilatadas, roturadas e/ou fundidas pelo excesso de calor resultante de um qualquer e abstracto incêndio, como se aduziu quanto aos quesitos anteriores, sendo que a averiguação séria destes pormenores era essencial para quem não viu o local sinistrado após o incidente e temia pelas consequências ocultas dele emergentes. Nesse sentido apontam, de modo determinante quando conjugados com as regras mais elementares de experiência do cidadão comum, os depoimentos das testemunhas …, confirmando a ampla troca de correspondência dos autos, levada a factos assentes, nas suas várias alíneas. a.7 – Também no que tange aos quesitos 9.º e 10.º, com questões interligadas, resulta das datas das epístolas a que se referem os documentos de fls. 27 (facto 11) e de fls. 29 (facto 13), únicas missivas da sociedade apelada contemporâneos à questão a resolver apelada trouxe aos autos e dos depoimentos já aludidos das testemunhas …, que a resposta a estes quesitos seja necessáriamente provado. a.8 – E são as mesmas regras de experiência do “bonus pater famílias” que fazem com que a resposta ao quesito 12.º tenha de ter como solução provado na justa medida em que é sabido que para qualquer obra de reparação ficar adequada à sua função a que se destina a intervenção é, pelo mínimo, precavido que seja acompanhada e fiscalizada pelo interessado, o designado “dono da obra” o que gera despesas e ocupação de tempo, in casu também deslocações entre Loures e Torres Vedras. a.9 – Já a resposta ao quesito 14.º se impõe como não provado porque, a testemunha …, resultando inequívoco que o objecto da promessa não se encontrava no mesmo estado de conservação que tinham à data do inicial contrato, que existiam vestígios do sinistro. a.10 – A expressão “de imediato” constante no quesito 15.º deverá ser retirada da matéria dada como provada uma vez que nada nos autos, nem sequer as testemunhas arroladas pela recorrida (…) fazem concluir que o “de imediato” constante no texto deste quesito se possa ligar à data nele expressa “dia 9 de Abril de 1999” pelo contrário localizam eles que a reparação dos danos ocasionados pelo sinistro terá ocorrido entre Maio e 9 de Junho de 1999 (…) , dois ou três dias depois do incêndio (…), antes de 10 de Maio possivelmente (M) sendo certo que a “Folha de Obra” de fls. 62 está datada de 23.04.99 e reporta dias 12 e 13 como os da sua realização , como também aqueloutro de fls. 359, ainda que sem data faz referência àqueles dias. a.11 – Como retirada se tem que ter a expressão “todas” constante no quesito 16.º e referida às obras realizadas, como consequência última das respostas encontradas agora para os quesitos 6.º, 9.º, 10.º e 14.º como emerge dos depoimentos concomitantes das testemunhas (…) para além das demais e bem assim dos documentos de fls. 64 nas suas anotações pelos administradores e funcionários da apelada e fls. 30 com data de 1999.06.28 , na relevante parte que expressa:”(…) esta sociedade irá, de imediato, proceder às reparações em falta e, logo que as mesmas se encontrem efectuadas, procederá à marcação da correspondente escritura pública”, pois que se todas as obras estivessem devidamente efectuadas em finais de Abril não poderia haver lugar a esta missiva nestes precisos termos. a.12 – A resposta a dar ao quesito 19.º impõe-se como não provado pois que o relatório dos Bombeiros Voluntários de Torres Vedras de fls. 63 está datado de “14 de Junho de 1999” e a contestação da recorrida de cujo artigo 32.º sai o quesito ora em apreço e a que se refere foi dada a juízo em “31Out.2000” (cfr. fls. 46), decorrendo um lapso temporal de mais de dezasseis meses e meio que não se compagina com o termo “recentemente” ali plasmado com relevância. a.13 – Por fim o quesito 31.º também está carecido de resposta de provado pois que da conclusão última da missiva de fls. 64 no que tange à relevante confissão da sociedade recorrida de que em 1999.06.28, “(…) esta sociedade irá, de imediato, proceder às reparações em falta e, logo que as mesmas se encontrem efectuadas, procederá à marcação da correspondente escritura pública”, outra resposta se não poderá retirar constando-se com a necessária clareza que a partir dessa data ainda se iriam efectuar as obras reivindicadas pelo apelante na sua carta de fls. 64, cujas anotações são explicitamente elucidativas , donde que se o contrato definitivo de compra e venda houvesse sido outorgado quando a apelada pretendia o apelante estaria recebendo as fracções autónomas compradas em estado de conservação diferentes, para pior, designadamente com puxadores diferentes , manchas de chamuscado nas portas e alcatifas remendadas em tons diferentes, como se apurou pelos depoimentos das testemunhas (…) para além das demais, bem como de (…), para além do que resulta de elucidativamente confuso e estranho no confronto das duas folhas de obra com valores díspares, a fls. 62 e 259, indiciando, com bastante segurança que ante a reclamação do apelante a apelada exigiu explicações e correcção ao empreiteiro como emerge da anotação do mesmo documento de fls. 64 deixando depois tudo como estava, com proposta de ser o apelado a efectuar as reparações, como é patente dessas anotações/despachos da administração da apelada. B) – Razões que conduzem à necessidade de uma superior reapreciação da prova, no seu conjunto, crendo-se estarem nos autos todos os elementos probatórios que serviram de sustentação à sentença recorrida e bastantes para poder ser modificada a matéria assente, nos termos do disposto no art. 712.º nºs 1 e 2 da lei adjectiva, sem prejuízo do reenvio dos autos se julgado necessário, segundo a melhor adequação de aferição dos critérios traduzidos na sentença em confronto com o expandido na conclusão anterior como corolário das respectivas alegações, tendo por base: b.1 – Factos indevidamente julgados: os quesitos nºs 1 a 10, 12, 14 a 16, 19 e 31. b.2 – Para além das regras de experiência comum e da verificação do calendário do ano de 1999, impõe solução diversa toda a prova constante nos autos e, em especial, a seguinte: - os documentos autênticos de fls. 11 a 18, 95, 96 e 359; - os documentos autenticados de fls. 19 a 22; - os documentos levados previamente a matéria assente de fls. 27, 29, 30 e 63; - os restantes documentos particulares, em especial, os de fls. 62, 64 e 83 a 90 e 91; - todos conjugados com uma correcta apreciação e valoração dos depoimentos prestados pelas testemunhas: (…). C) – O erro de julgamento com errada apreciação e valoração da prova, cuja liberdade de apreciação prevista no n.º 1 do art. 655.º da lei adjectiva, não pode ser confundida com arbitrariedade, é notória, carecendo de modificação nesta sede superior segundo as regras do art. 712.º do C.P.Civil. D) – Sendo que a interpretação diferente da supra explanada quanto aos dispositivos dos arts. 655.º n.º 1 e 712.º, ambos do C.P.Civil, sempre violará os imperativos constitucionais dos arts. 20.º nºs 1 e 5, 202.º n.º 2 e 203.º todos da Constituição da Republica, tendo-se por correctas as que ressaltam, sumariadas, da conclusão anterior. E) – Outrossim no que concerne às normas invocadas supra, as dos arts. 92.º n.º 1 alínea g) e 93.º nºs 1 e 2 do Cód. do Registo Predial e dos arts. 62.º n.º 1 alíneas c) a e) e 64.º n.º 2 estes do Cód. do Notariado, como também do art. 3.º do Cód. de Registo Comercial, em especial as duas alíneas o) a q), todas nas versões em vigor à época dos factos em juízo, devidamente conjugadas com as consentâneas do Cód. das Sociedades Comerciais e ainda as dos arts. 369.º n.º 1, 371.º n.º 1 e 383.º n.º 1 do Cód. Civil e arts. 513.º e 514.º n.º 1 do C.P.Civil que foram violadas pela interpretação que resulta emanente da solução jurídica na decisão em crise e que violam, nessa interpretação, os mesmos imperativos constitucionais invocados na conclusão anterior, considerando-se correctas as que vêm expandidas ao longo da conclusão A) do presente recurso, que aqui se tem por integralmente reproduzida para esse efeito. F) – Segundo os ditames dos arts. 75.º e 77.º do Cód. Registo Predial o efeito do registo predial produz-se na data da apresentação respectiva, sendo, no entanto, de quinze dias o prazo para serem lavrados. G) – Por outro lado os registos não podem ser lavrados em desconformidade com os elementos constantes na matriz predial ou nos anteriormente tabulados, designadamente quanto à identidade do prédio, legitimidade dos interessados, regularidade formal dos títulos e validade dos actos dispositivos, tudo segundo as regras dos arts. 28.º n.º 1 e 68.º do Cód. de Registo Predial, pelo que estas regras impediam a outorga e registo do contrato definitivo antes da remoção das dúvidas daí emergentes. H) – A mora no incumprimento da data inicialmente contratada para a realização do contrato definitivo de compra e venda é imputável a ambos os contraentes na justa medida em que os elementos irregulares nas suas identificações se referia a ambos, como está expresso no despacho conservatório de fls. 23. I) – E ambos promoveram celeremente a remoção das dúvidas registrais, cujo processo se concluiu em 1999.05.05 com a notificação de fls. 95 e 96, tendo sido o aqui apelante quem requisitou e levantou em mão própria no dia 10.05.1999 a certidão de registo predial de fls. 11 a 18, necessária à instrução do processo notarial de escritura pública. J) Faltando aos deveres de informação e boa-fé, impostos peremptoriamente pelos arts. 8.º e 9.º n.º 1 da Lei n.º 24/94 de 31.07, na senda do n.º 1 do art. 227.º do Cód. Civil, a sociedade apelada e sua representante negocial, a mediadora F, Sociedade de Mediação, Ld.ª, só em 14.05.1999 (cfr. fls. 25), após ser questionada pelo apelante em 12.05.1999 (cfr. fls. 24) confirmou a ocorrência de um incêndio nas fracções prediais prometidas. K) – Desse incêndio resultaram danos conhecidos e visíveis cuja reparação não foi integralmente efectuada pela apelada como resulta em especial do conjunto de anotações/despachos efectuadas pelos corpos administrativos da apelada a fls. 64, em particular a que refere “J..: Enviar cópia desta carta à R… com o pedido de que proceda à eliminação das deficiências assinaladas pelo promitente comprador (assinatura ilegível) 28.04.99”, complementada pelas demais e coroada com a missiva de fls. 30, datada de 1999.06.28 “(…) esta sociedade irá, de imediato, proceder às reparações em falta e, logo que as mesmas se encontrem efectuadas, procederá á marcação da correspondente escritura pública”, pois que se todas as obras estivessem devidamente efectuadas não se justificariam tais anotações e declarações de intenção. L) – Como poderão ter resultado danos invisíveis ao nível das instalações de água e electricidade, no interior das paredes, passíveis de roturas e/ou fusões com a alta temperatura resultante do incêndio e só detectáveis por vistoria técnica adequada, necessáriamente pelos serviços camarários, como solicitado de imediato pelo apelante em 18.05.1999, nos precisos termos da epístola de fls. 27, a qual dependia exclusivamente da apelada uma vez que o apelante não possuía as chaves dos imóveis sinistrados. M) – Tais diligências cautelares jamais foram promovidas pela apelada que foi chamando o apelante a celebrar o contrato definitivo sem cuidar da integral reparação dos danos, apesar de denunciados por este em tempo oportuno e segundo as regras do art. 913.º e seguintes do Cód. Civil. N) – Essa primária chamada ao acto notarial correspondente não tem qualquer valor legal por ceder ante a sobredita confissão de falta de reparação integral plasmada a fls. 30. O) – Pelo que, ante tal desinteresse e falta de eficácia da apelada em resolver definitivamente essas questões prévias e relevantes, de sua exclusiva competência e responsabilidade, o apelante viu-se obrigado a resolver o contrato solicitando a devolução do sinal entregue em dobro segundo a norma do art. 442.º do Cód. Civil, como se mostra expresso a fls. 29. P) – Resolução válida e legalmente sustentada, o que torna nulo e de nenhum valor a posterior chamada à escritura de fls. 31 e subsequente resolução de fls. 34, esta de imediato impugnada por escrito de fls. 35. Q) – A primária resolução contratual efectuada pelo apelante, válida e sustentada na lei substantiva civil, produziu seus efeitos e cumpre todos os requisitos legais para consubstanciar o dever da apelada restituir em dobro o sinal dele recebido, uma vez que incumpriu absolutamente as obrigações contratuais, mormente a que emerge do § final da cláusula 2.ª do contrato promessa de compra e venda de fls. 19 a 22 “As fracções são vendidas no estado de conservação em que as mesmas se encontram”. R) – Diferente interpretação de todas as normas legais invocadas nas conclusões anteriores, as dos arts. 28.º n.º 1, 68.º, 75.º e 77.º do Cód. de Registo Predial, dos arts. 8.º e 9.º n.º 1 da Lei n.º 24/94 de 31.07, do art. 227.º n.º 1, 442.º e 913.º do Cód. Civil, sempre violará os imperativos dos arts. 18.º n.º 1, 20.º n.º 1 e 5, 81.º alíneas a), b) e h), 86.º nºs 1 e 2, 202.º n.º 2 e 203.º da Lei Fundamental, considerando-se correctas as que resultam das conclusões que antecedem, corolário das alegações correspondentes e que todas elas se têm aqui por integralmente reproduzidas para estes efeitos e se resumem no direito do apelante à tutela do seu direito básico a ser ressarcido, na forma legalmente estipulada, dos prejuízos emergentes do incumprimento culposo da apelada em remover os danos causados pelo incêndio no objecto da promessa incumprida. S) – Inconstitucionalidade interpretativas, suscitadas nas conclusões D), E) e R) acima, que aqui se argúem expressa e cautelarmente para todos os efeitos legais, designadamente os do art. 72.º n.º 2 da lei n.º 28/82 de 15.11. T) – A tudo isto acresce a clarividente litigância de má-fé da apelada que veio a juízo deduzir pretensões que sabe não terem fundamento bastante, criando incidentes desnecessários e recursos dilatórios, alguns inadmissíveis e inadmitidos, entorpecendo a acção da justiça e adulterando a prova, sendo exemplo maior a falsificação grosseira dos documentos constantes nos autos a fls. 61 e 62 confrontado com o de fls. 356 a 359. U) – Prática processual que consubstancia litigância de má-fé segundo o conceito do art. 456.º do Cód. C.P.Civil e passível de sanção cominativa que se crê dever ser exemplar, para além da eventual responsabilidade criminal e de indemnização ao apelante a liquidar sábia e prudentemente a final segundo as regras do art. 457,º da mesma lei adjectiva civil. V) – Por todo este conjunto de factos, carece a douta sentença de revogação e substituição por outra que, reapreciando a prova modifique a decisão sobre a matéria de facto erradamente assente e condene a sociedade apelada ao pagamento da obrigação pecuniária pedida, a devolução em dobro ao apelante do sinal dele recebido e como litigante de má-fé em multa exemplar e indemnização consentânea, a liquidar a final, como de melhor Direito. Assim decidindo se estará, na óptica do apelante, fazendo a habitual justiça, mais declarando expressamente manter interesse na totalidade dos recursos de agravo pendentes». Não foram apresentadas contra alegações. Colhidos os vistos legais dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre agora apreciar e decidir ao que nada obsta. II – Fundamentação de facto. São os seguintes os factos dados como provados na decisão recorrida: 1) Por escrito particular, intitulado «contrato promessa de compra e venda», celebrado em 20.11.1998 e com as assinaturas dos respectivos subscritores reconhecidas presencialmente no 26.º Cartório Notarial de Lisboa, foi declarado pelo 1.º outorgante, S, na qualidade de Sociedade Gestora e em representação do Fundo de Investimento …. e pelo 2.º outorgante, J, subscreverem o teor constante das cláusulas primeira a oitava do documento junto aos autos com a petição inicial como documento n.º 3, constante de fls. 19 e segs. e para o qual aqui se remete, dando-se o seu conteúdo por integralmente reproduzido - alínea A) da matéria de facto dada como assente; 2) Encontram-se inscritos a favor do “Fundo de Investimento”, com a data de 18.02.1997, as fracções 7.º andar, direito lado poente e 7.º andar, lado nascente, às quais correspondem as letras «QQ» e «RR», do prédio urbano sito na Avenida, Corpo C, descritos na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras, freguesia de S. Pedro sob o n.º– alínea B) idem; 3) O autor promoveu o registo predial da aquisição das fracções «QQ» e «RR» identificadas em 2) – alínea C), idem; 4) Tal aquisição foi registada em 15.03.1999 e ficou a constar como provisória por natureza e por dúvidas – alínea D), idem; 5) As dúvidas em causa derivavam da falta de prova do regime do casamento do autor e por divergência na denominação social do “Fundo de Investimento” – alínea E), idem; 6) Dúvidas cuja remoção foi promovida pelos respectivos interessados, o autor e a ré, dando origem aos averbamentos constantes da certidão junta com a petição inicial, como documento n.º 2, constante de fls. 11 e segs. para o qual aqui se remete na íntegra – alínea F), idem; 7) Houve um incêndio no 7.º piso do edifício onde se encontram as referidas fracções «QQ» e «RR» em 09.04.1999 – alínea G), idem; 8) A ré utilizou como mediadora do negócio a que se alude em 1), a sociedade “F – Sociedade de Mediação, Ld.ª”, a qual se encarregava dos contactos com o autor – alínea H), idem; 9) Contactada a mediadora “F – Sociedade de Mediação, Ld.ª”, veio esta confirmar perante o autor a ocorrência a que se alude em 7), mediante o “fax” junto com a petição inicial como documento n.º 6, constante de fls. 25 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido – alínea I), idem; 10) A ré, não obstante a ocorrência destes factos e deles ter tido conhecimento, veio a notificar o autor, por carta de 17.05.1999, com vista à celebração do contrato definitivo – alínea J), idem; 11) O autor enviou à ré a carta junta com a petição inicial como documento n.º 8, constante de fls. 27, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido – alínea L), idem; 12) Com a data de 17.05.1999, a ré enviou ao autor a carta junta com a petição inicial como documento n.º 7, constante de fls. 26, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido – alínea M), idem; 13) Com a data de 24.06.1999, o autor enviou à ré a carta junta com a petição inicial como documento n.º 9, constante de fls. 29, cujo teor aqui se dá por integramente reproduzido – alínea N), idem; 14) Com a data de 28.06.1999, a ré enviou ao autor carta junta com a petição inicial como documento n.º 10, constante de fls. 30, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido – alínea O), idem; 15) Com data de 13.10.1999, a ré enviou ao autor a carta junta com a petição inicial como documento n.º 11, constante de fls. 31, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido – alínea P), idem; 16) Com a data de 03.11.1999, a ré enviou ao autor a carta junta com a petição inicial como documento n.º 13, constante de fls. 34, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido – alínea Q), idem; 17) Por certidão, emitida em 26.11.1999, pela 1.ª Repartição de Finanças de Loures, declarou-se que o autor se encontra colectado como empresário em nome individual, com a actividade de compra e venda de imóveis adquiridos para esse fim – alínea R), idem; 18) Mais se certificou que, no ano de 1997, o autor não exerceu a actividade de compra de prédios para revenda – alínea S), idem; 19) Foi emitido pelos Bombeiros Voluntários de Torres Vedras o relatório junto com a contestação como documento n.º 2, constante de fls. 63 e segs., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido – alínea T), idem; 20) O autor não compareceu, por duas vezes, nas datas, locais e horas marcadas pela ré para a realização da escritura de compra e venda das fracções objecto do escrito a que se alude em 1) – alínea U), idem; 21) O autor não efectuou a marcação da escritura pública até ao prazo fixado na cláusula 4.ª do escrito a que se alude em 1) – alínea V), idem; 22) O autor não dispunha das chaves de acesso – resposta ao quesito 7.º da base instrutória; 23) À carta a que se alude em 13) respondeu a ré com a carta a que se alude em 14) – resposta ao quesito 11.º, idem; 24) No dia 10.05.1999 não poderiam existir vestígios de incêndio nas portas das duas fracções prometidas vender, porque nessa data, as mesmas já se encontravam reparadas por iniciativa da ré – resposta ao quesito 14.º, idem; 25) Com efeito, a ré, mal tomou conhecimento do incêndio – dia 09.04.1999 – mandou, de imediato, reparar integralmente as danificações resultantes do mesmo – resposta ao quesito 15.º, idem; 26) Nos finais de Abril todas as reparações encontravam-se efectuadas – resposta ao quesito 16.º, idem; 27) Ocorreu um pequeno incêndio ao nível do 7.º Piso, no átrio de entrada junto às portas dos apartamentos referenciados (cfr. resposta dada ao artigo 17.º) da base instrutória, pelo que a sua reparação se tornava, como se tornou, relativamente simples – resposta ao quesito 18.º, idem; 28) Tendo a ré tomado conhecimento do incêndio a que se alude em 7), no dia 09 de Abril, comunicou tal facto, de imediato, à referida sociedade mediadora, tendo esta ficado incumbida de informar desse facto o autor – resposta ao quesito 20.º, idem; 29) O autor visitou as fracções e o respectivo interior em 09.06.1999 – resposta ao quesito 21.º, idem; 30) A ré, após o incêndio, repôs as fracções nas exactas condições em que se encontravam à data da celebração do contrato promessa – resposta ao quesito 22.º, ide; 31) Foi enviada pelo autor à ré a carta junta por cópia a fls. 64 dos autos – resposta dada ao quesito 24.º, idem. III – Fundamentação de direito. Os recursos são meios de impugnação de decisões, através dos quais se obtém o reexame da matéria apreciada pela decisão recorrida. Donde o tribunal de recurso não deve conhecer de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha de cuidar, a não ser que sejam de conhecimento oficioso. Para além desta limitação, o âmbito do recurso determina-se pelas conclusões do recorrente, de harmonia com o disposto nos arts. 684.º n.º 3 e 690.º n.º 1, ambos do C.P.Civil; só abrangendo as questões que nelas se contém, ainda que outras tenham sido afloradas nas alegações propriamente ditas, salvo tratando-se de questões que o tribunal deva conhecer oficiosamente, conforme dispõe o art. 660.º n.º 2, aplicável “ex vi” do art. 713.º n.º 2, ambos do citado diploma legal. * No caso presente, três são os recursos pendentes, dois de agravo e um de apelação, todos eles interpostos pelo autor, J. Sendo que o apelante declarou expressamente manter interesse na totalidade dos recursos de agravo pendentes – vide fls. 554. Preceitua o art. 710.º n.º 1 do C.P.Civil que “A apelação e os agravos que com ela tenham subido são julgados pela ordem da sua interposição; (…)”. * Quanto ao primeiro agravo interposto pelo autor (fls. 142) do despacho proferido pelo Mm.º Juíz a quo (fls. 128-129). Atento o teor das conclusões formuladas pelo autor/agravante podemos concluir que estão em causa, no âmbito do recurso de agravo, o conhecimento das seguintes questões: - Nulidade do despacho prevista na alínea d) do n.º 1 do art. 668.º do C.P.Civil; - Admissibilidade da matéria de facto alegada nos arts. 7.º a 22.º da réplica, factualidade essa emergente do pedido reconvencional. * Primeira questão: - Nulidade do despacho prevista na alínea d) do n.º 1 do art. 668.º do C.P.Civil. Vejamos. Compulsando os autos constata-se que a ré, por requerimento de fls. 99-102, veio pedir, para além do mais, que fossem considerados como não escritos os factos constantes nos arts. 6.º e 8.º da réplica. Alegando, em síntese, que “(…) No art. 6.º da resposta à reconvenção, vem o autor tecer comentários sobre o conteúdo dos documentos juntos pela ré na sua contestação em sede de impugnação. Ora, muito embora o autor se possa pronunciar sobre os documentos apresentados pela ré, apenas o pode fazer quanto à sua genuinidade, o que não é, manifestamente, o caso. No art. 8.º, o autor apresenta um facto isolado sem o relacionar com qualquer circunstância ou situação que consubstancie defesa relevante ou impugnação dos factos apresentados no pedido reconvencional (…)”. No despacho agravado, de fls. 128-129, o Mm.º Juíz a quo decidiu do seguinte modo: “(…) Assim sendo, têm de se dar por não escritos os factos articulados nos arts. 7.º a 22.º da réplica. E já quanto ao art. 6.º e ao contrário do que a ré pretende ver, entende-se que ao autor é perfeitamente legítimo responder ao documento n.º 1 da contestação nos termos em que o faz pois o autor apenas se limita a comentar a veracidade do teor do referido documento, impugnando o que ele documenta. Assim, mantém-se o teor do art. 6.º da réplica (…)”. Relendo as conclusões da alegação de recurso, na parte que agora nos ocupa, constata-se que o agravante não concorda com o despacho proferido pelo Tribunal a quo, pois, na sua óptica, «(…) A nulidade arguida pela ré refere-se apenas aos arts. 6.º e 8.º (da réplica), devendo a douta decisão a quo limitar-se a essa matéria, em obediência ao disposto, conjugadamente nos arts. 202.º, 666.º n.º 3 e 668.º n.º 1 alínea d), do C.P.Civil (…)» - vide fls. 165. Como vimos, a ré apresentou contra alegações nas quais pugna pela manutenção do despacho recorrido – vide fls. 186-187. Ora, afigura-se-nos que o agravante não tem razão. Com efeito, dispõe o art. 668.º n.º 1, alínea d), do C.P.Civil, que é nula a sentença quando o Juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. De acordo com o art. 156.º n.º 1, do C.P.Civil, o Juiz tem o dever de administrar justiça, proferindo sentença sobre as matérias pendentes, (…). Devendo o Juiz resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, de harmonia com as regras estabelecidas no art. 660.º n.º 2, do C.P.Civil. Ora, o pressuposto do processo é a existência de um conflito real de interesses. Digamos que o demandante há-de querer pôr fim a uma situação concreta que o prejudica. Os limites da actividade do Tribunal são definidos pelo fim que prossegue: a solução desse conflito. No entanto, impõe-se referir, à luz do preceituado no art. 664.º do C.P.Civil, que o Juiz não está sujeito às alegações das partes no que concerne à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, ou seja, o Juiz não se encontra limitado, na escolha do direito aplicável, ao caso concreto, pelos erros e omissões das partes. Como escreve Alberto dos Reis, in C.P.Civil Anotado, 5.º vol., pág. 453, “… O Juiz pode ir buscar regras diferentes daquelas que as partes invocaram; pode atribuir às regras invocadas pelas partes sentido diferente do que estas lhe deram; pode fazer derivar das regras de que as partes se serviram efeitos e consequências diversas das que estas tiraram …”. Ou, como escreveu Castro Mendes, “Direito Processual Civil”, I Vol., págs. 218 e segs. «Estabelece-se que o Juiz não está sujeito à vontade das partes quanto às soluções de direito (art. 664.º). Isto porque, em princípio, se pretende que a solução dada à hipótese presente ao Tribunal seja a realmente verdadeira (princípio da verdade material) e não apenas aquela que se justifica em face da maneira como decorreu o processo (princípio da verdade formal). Neste campo o Juiz só é limitado pela lei, não pela vontade das partes». Finalmente, decorre ainda da articulação do preceituado nos arts.668.º n.º 1, alínea d) e 660.º n.º 2, ambos do C.P.C., que o Tribunal não está obrigado a apreciar todas as razões invocadas pelas partes em defesa do que julgam ser o seu direito. Ponto é que decida as questões que lhe são colocadas e justifique as suas decisões. Se tal acontecer, não comete erro algum de actividade jurisdicional, designadamente, aquele que constitui causa de nulidade da sentença prevista na citada alínea d) do n.º 1 do art. 668.º, do C.P.Civil. O que poderá suceder é erro de julgamento, isto é, quando embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre. Ora, no caso “sub judice”, não se verifica a nulidade invocada pelo agravante, a que alude o art. 668.º n.º 1, alínea d), do C.P.C., porquanto a actividade do juiz, no caso vertente, desenvolveu-se no âmbito do princípio da legalidade dos actos processuais e do poder-dever que lhe cabe na direcção do processo, plasmado no art. 265.º do C.P.Civil. Dispondo o n.º 1 daquele preceito legal que “Iniciada a instância, cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, providenciar pelo andamento regular e célere do processo, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção e recusando o que for impertinente ou meramente dilatório”. Dito isto e tendo em conta que o Mm.º Juíz a quo ao decidir como decidiu – mantendo o teor do art. 6.º da réplica e tendo considerado como não escritos os factos articulados nos arts. 7.º a 22.º da réplica – teve em vista disciplinar e regularizar a instrução do processo a fim de, oportunamente, elencar os factos que entende ser relevantes para a solução do litígio (especificando-os ou levando-os à base instrutória), naturalmente que não cometeu a nulidade prevista no art. 668.º n.º 1 alínea d) do C.P.Civil (excesso de pronúncia). Pelo exposto, improcede, pois, a arguida nulidade do despacho – arts. 666.º n.º 3 e 668.º n.º 1 alínea d), ambos do C.P.Civil. * Segunda questão: - Admissibilidade da matéria de facto alegada nos arts. 7.º a 22.º da réplica, factualidade essa emergente do pedido reconvencional. Vejamos. O autor intentou a presente acção contra a ré pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de 2.249.863$00 acrescida de juros de mora, sendo que 2.000.000$00 corresponde ao dobro do sinal entregue pelo demandante à ré, a título de sinal nos termos de um contrato-promessa de compra e venda de duas fracções autónomas de um prédio urbano sito na freguesia de S. Pedro, concelho de Torres Vedras, celebrado entre ambos, em virtude do alegado incumprimento contratual por parte da demandada. A ré contestou por impugnação e deduziu pedido reconvencional pugnando pela procedência do mesmo, sendo declarado e reconhecido o direito da ré a reter e fazer sua a quantia de 1.000.000$00, entregue pela autora a título de sinal. Em sede reconvencional e em síntese alegou que o autor não compareceu, por duas vezes, nas datas, locais e horas marcadas para a realização da escritura pública de compra e venda das fracções objecto do contrato-promessa, uma vez que o autor não tinha efectuado tal marcação até ao prazo limite fixado contratualmente. Tendo a primeira data para a outorga da escritura pública sido marcada para o dia 15.06.1999 e a segunda data para o dia 03.11.1999; sendo que, em 17.05.1999 – data em que a ré deu a conhecer ao autor o dia 15.06.1999 para a realização da escritura pública – as portas e as paredes exteriores das fracções em causa já não apresentavam sinais de deterioração ou de exposição a fogo e temperaturas elevadas. Sustenta a ré ainda que o autor sempre soube que não tinha qualquer fundamento para deduzir a pretensão a que se reporta os presentes autos, tendo inclusivamente omitido a carta de 09.06.1999 que enviou à ré e da qual constam pequenas reparações que pretendia que fossem efectuadas e que a ré alegadamente efectuou. Em resposta à matéria de reconvenção – tendo-se em conta a factualidade que o Mm.º Juíz a quo entendeu como não escrita e com a qual não concordou o autor – alegou este, em síntese, o seguinte: - «(…) As deficiências nas fracções persistiam depois da pretensa reparação dada por concluída pela ré em 21.04.1999 – art. 6.2 da resposta do autor; - Um despacho manuscrito efectuado por um quadro da ré no fax dirigido pelo autor à ré em 09.06.1999 (doc. 3 da contestação) está redigido “Enviar cópia desta carta à R com o pedido de que procedam à eliminação das deficiências assinaladas pelo promitente-comprador”, datado de 28.06.99 – art. 6.1, idem; - A ré recebeu o relatório de fogo dos Bombeiros Voluntários de Torres Vedras mas não fez chegar ao autor, como havia sido solicitado e se impunha por imperativos éticos – art. 8, idem; - Solicitadas, em 23.11.98, pelo autor as cadernetas prediais relativas às fracções prometidas à empresa “F, Sociedade de Mediação Ld.ª” que, na época, operava na intermediação do negócio por contratação da ré, só vieram a ser entregues ao autor, em 12.02.99, como resulta da conferência efectuada nas mesmas pela competente Repartição de Finanças (doc. 21 e 22 que se juntam em fotocópia) – art. 9, idem; - Esta demora acarretou atrasos na efectivação dos registos provisórios de aquisição que careciam das mesmas devidamente conferidas ou visadas – art. 11, idem; - Que nos dias de hoje são uma prática habitual, constituindo uma segurança acrescida no negócio imobiliário – art. 12, idem; - O autor solicitou, por fax datado de 15.03.99, dirigido a “F – Sociedade de Mediação, Ld.ª” que intermediava a operação, um conjunto vasto de elementos “Com vista a proceder à marcação da escritura pública de compra e venda das fracções”, que se junta como doc. 23 – art. 14, idem; - A documentação solicitada é completada quinze dias depois – em 30.03 – com o fax da empresa “F – Sociedade de Mediação, Ld.ª” que nessa data envia cópia da certidão da licença de utilização emitida pela Câmara Municipal das fracções prometidas, conforme se prova pelos doc. 24 e 25 que se juntam – art. 15, idem (…)» - vide fls. 71-74. No despacho agravado, decidiu o Mm.º Juíz a quo manter o teor do art. 6.º e dar como não escritos os factos articulados nos arts. 7.º a 22.º, todos da réplica – vide fls. 128-129. Ora, afigura-se-nos que, nesta questão, o agravante tem razão. Dispõe o art. 501.º n.º 1 do C.P.Civil que “A reconvenção deve ser expressamente identificada e deduzida separadamente na contestação, expondo-se os fundamentos e concluindo-se pelo pedido, nos termos das alíneas d) e e) do n.º 1 do art. 467.º”. Por sua vez, preceitua o art. 502.º n.º 1 do C.P.Civil que “À contestação pode o autor responder na réplica, se for deduzida alguma excepção e sómente quanto à matéria desta; a réplica serve também para o autor deduzir toda a defesa quanto à matéria da reconvenção, mas a esta não pode ele opor nova reconvenção”. Com efeito, o pedido do autor baseou-se na resolução contratual por si comunicada à ré fundamentada no facto de as duas fracções prometidas não se encontrarem alegadamente no estado de conservação anterior ao incêndio ocorrido no imóvel onde se localizam tais fracções. Porém, relativamente à acção reconvencional deduzida pela ré, cuja fundamentação de facto se mostra interligada com a factualidade alegada na contestação, o autor para se defender do pedido reconvencional teve de responder, em parte, à matéria da contestação. Efectivamente, tendo a Ré/reconvinte alegado que o autor não cumpriu o contrato-promessa por não ter comparecido nas duas vezes em que a ré marcou data para a celebração da escritura pública, o autor/reconvindo teve necessidade, para se defender de tal matéria reconvencional, de alegar que, não procedeu ele à marcação da data da escritura pública, como ficara acordado para data não posterior a 31.03.1999, em virtude dos atrasos verificados na obtenção dos documentos por si solicitados (vide artigos 9, 11, 12, 14 e 15 da resposta à reconvenção/réplica), bem como para se defender de que, ultrapassada tal data, ainda assim não compareceu àquelas duas marcações efectuadas pela ré/reconvinte, uma vez que, segundo alegou, as duas fracções ainda não tinham sido devidamente reparadas (vide artigos 6 e 8 do mesmo articulado). Dito isto, afigura-se-nos que a resposta à matéria reconvencional/réplica não extravasou do legalmente permitido. Sucede que prosseguindo os autos os seus ulteriores trâmites processais, na devida altura, foi proferida sentença cuja decisão, na parte que agora nos ocupa, é do seguinte teor: «(…) Como decorre do supra exposto, não comprovou a ré ter efectuado o registo do pedido reconvencional formulado, no prazo assinalado para o efeito, pelo que o autor deverá ser absolvido da instância reconvencional. De acordo com o exposto, absolvo o autor José Manuel Pereira Rodrigues da instância reconvencional, (…), e julgo não verificada qualquer litigância de má-fé no comportamento processual das partes (…). Custas da reconvenção pela ré “S, S.A.(…)». Desta decisão não recorreu a ré/reconvinte com ela se conformando. Ora, dispõe o art. 710.º n.º 2 do C.P.Civil que os agravos só são providos quando a infracção cometida tenha influído no exame ou decisão da causa ou quando, independentemente da decisão do litígio, o provimento tenha interesse para o agravante. Em anotação a este preceito legal, ensina o Prof. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil, Anotado, vol. 3.º, pág. 92 que “(…) O n.º 2 estabelece o regime de conhecimento e provimento dos recursos retidos que subiram com a apelação da decisão de mérito, estabelecendo que eles só serão providos em duas situações: quando a infracção cometida tiver influído no exame ou decisão da causa (caso em que fica prejudicado o conhecimento da decisão de mérito, por serem anulados os trâmites subsequentes ao despacho revogado); quando, independentemente da decisão do litígio, o provimento tenha interesse para o agravante (por exemplo, revoga-se o despacho agravado que condenara o agravante em multa) (…)”. Assim, tendo o autor/reconvindo sido absolvido, por sentença transitada em julgado, da instância reconvencional e do pedido de condenação em indemnização por litigância de má-fé, naturalmente que o provimento do agravo deixou de ter interesse para o agravante. Por outro lado, tal despacho a considerar não escritos os factos articulados nos arts. 7.º a 22.º da réplica, não influenciou o exame ou decisão do pedido principal uma vez que aqueles factos diziam respeito ao pedido reconvencional. Assim sendo, não há que conceder provimento ao recurso de agravo interposto pelo autor, a fls. 142 dos autos. * Apreciemos, agora, o segundo agravo interposto pelo autor (fls. 368) dos despachos proferidos pelo Mm.º Juiz a quo (fls. 362 e 366). Atento o teor das conclusões formuladas pelo agravante podemos concluir que estão em causa, no âmbito do recurso de agravo, o conhecimento das seguintes questões: - Requisição judicial de documentos a pedido do autor; - Junção de documento: sua pertinência. * Primeira questão: - Requisição judicial de documentos a pedido do autor. No decorrer da audiência de discussão e julgamento, de 16.05.2006 (vide fls. 361), o autor requereu ao tribunal que se ordenasse a extracção de certidão completa do processo 119/01 que corre termos na 8.ª Vara Cível de Lisboa, alegando para tanto que “… tal se torna necessário ao esclarecimento da verdade material, uma vez que a testemunha e também a anteriormente ouvida, parecem enfermar de alguma confusão, relativamente a negócios jurídicos distintos, tendo por base as fracções aqui em apreço e para prova de que a situação ora avançada no depoimento da testemunha relativa a um adiamento da escritura a pedido do promitente comprador se terá passado, não com o ora autor e sim com outro promitente comprador, de nome A…”. Requerimento esse que, em plena audiência de julgamento, foi objecto de indeferimento por despacho, proferido a fls. 362, segundo o qual: “… Indefere-se o requerido pelo ilustre mandatário do autor, uma vez que não vislumbramos a sua pertinência, não sabemos a que factos da base instrutória pretende fazer prova, não invoca impedimento algum para que de modo próprio não carreie para os autos os documentos que, segundo diz, constituem um processo que corre termos na 1.ª secção da 8.ª Vara Cível de Lisboa. Esclarece-se que até ao fim da audiência de discussão e julgamento e se o autor o entender que tal se torna necessário ao esclarecimento da verdade, poderá juntar aos autos os documentos que entenda por conveniente…”. Cumpre, pois, conhecer do objecto do recurso, delimitado como está pelas conclusões das respectivas alegações – art. 684.º n.º 3 do C.P.C. – constantes de fls. 9 e 10 deste acordão. Vejamos. Num sentido lato, prova é a demonstração da realidade de um facto ou da existência de uma acto jurídico. Em sentido mais restrito, como aquele que é usado no art. 341.º do C. Civil, prova como processo que tem por fim tal demonstração. Ensina o Prof. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, pág. 364-365 que “… O direito processual constitui um encadeamento de actos com vista à consecução de um determinado objectivo, qual seja o de se obter uma decisão judicial que componha determinado litígio, o que, consequentemente, impõe que as «partes» assumam posições equiparadas para desfrutarem de igualdade processual para discretear sobre as razões de facto e de direito apresentadas por uma e outra a fim de se alcançar uma justa e equitativa decisão…”. Quanto à prova documental – demonstração da realidade de um ou mais factos através de documento – os arts. 523.º a 551.º-A do C.P.Civil regulam pormenorizadamente a produção de prova documental em juízo, nos processos cíveis. Em processo civil, a junção de documentos aos autos pode ter por origem um destes factos: - oferecimento espontâneo pelas partes (art. 523.º); - requerimento da parte interessada (art. 528.º e segs.); - requisição judicial (art. 535.º). Com efeito, incumbe ás partes juntar aos autos o acervo probatório que considerem pertinente para fazer valer os seus direitos, cabendo ao Tribunal interferir apenas quando às partes seja negado o acesso a documentos ou outras provas que se reputem indispensáveis para os autos. Por outro, os documentos são pertinentes quando se destinam a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa, pelo que devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes; embora tais documentos possam ser apresentados ainda até ao encerramento da discussão em 1.ª instância – art. 523.º nºs 1 e 2 do C.P.C. Sendo que os factos que devem ser objecto de prova em julgamento, serão aqueles que constam da base instrutória. Como refere a ré/agravada “… percorrendo a base instrutória, não se lobriga a que factos dela pretende acorrer com o seu requerimento, até porque o autor/agravante não fez o favor de o esclarecer, por uma remissão à base instrutória…”. O autor, ora agravante, ao requerer que o Tribunal ordene a extracção de certidão completa do processo nº 119/01, pendente na 8.ª Vara Cível de Lisboa, não identificando/individualizando as peças processuais, não invocando obstáculo algum que o impedisse de adquirir tais documentos e os juntasse aos presentes autos – sendo que ainda estava a tempo, como referiu o Mmº. Juiz a quo no despacho agravado “… esclarece-se que até ao fim da audiência de discussão e julgamento, e se o autor o entender que tal se torna necessário ao esclarecimento da verdade, poderá juntar aos os documentos que entenda por conveniente…” – e não indicando a que factos da base instrutória pretende fazer prova, não preencheu os requisitos para que se pudesse ajuizar da pertinência de uma certidão completa dum processo cível pendente na 8.ª Vara Cível de Lisboa e consequentemente da sua admissibilidade. Por tudo quanto se deixou dito e porque o autor, ora agravante, nem sequer estava impedido de apresentar mais provas se assim o entendesse, ao abrigo do disposto no art. 523.º n.º 2 do C.P.Civil – sendo, aliás, o autor notificado nesse sentido, conforme consta na parte final do despacho recorrido, a fls. 362, a que já aludimos neste acordão – afigura-se-nos não merecer censura o dito despacho agravado de fls. 362. * Segunda questão: - Junção de documento: sua pertinência. Em sede de audiência de discussão e julgamento (vide fls. 365) requereu o autor a junção aos autos de cópia de fls. 749-764, extraída do processo n.º 119/01 pendente na 8.ª Vara Cível de Lisboa, “… para prova de que foi feito um desconto no preço das duas fracções autónomas ao promitente comprador no montante 500 mil escudos, valor aproximado das obras necessárias, por este realizadas e que corresponde, com uma diferença de cerca de oito contos, à agora chamada estimativa, que a ré juntou com a contestação como documento n.º 1 da mesma…”. Para tanto, alegou o autor, nesse requerimento, que “… não resultou totalmente claro dos testemunhos prestados se terão sido ou não efectuadas as obras, em que datas e a terem sido feitas se com a qualidade necessária à manutenção do negócio jurídico que aqui se discute. A testemunha encarregada da mediação diz que visitou as duas fracções autónomas após o dia 10.05 e que tais obras não se encontravam ainda realizadas e, por outro, a testemunha M diz que tais obra estariam concluídas no final de Abril …”. Tal pedido de junção da aludida cópia extraída dos autos n.º 119/01, pendentes na 8.ª Vara Cível de Lisboa, veio a ser indeferido por despacho proferido nessa audiência de discussão e julgamento (vide fls. 366), nos seguintes termos: “… O documento ora apresentado é uma cópia não certificada de uma sentença elaborada pelo Mm.º Juíz da 1.ª secção da 8.ª Vara Cível desta Comarca, em que são partes A como autor e S, como ré. A presente sentença, ao que nos diz o ilustre mandatário que a apresenta, não transitou em julgado. Desconhecemos todo o processo de que a mesma faz parte, assim como toda a prova que naquele processo foi produzida e em que contexto. Por ser assim e por não vislumbrar a pertinência de tal documento para a boa decisão desta causa, não se admite a sua junção aos autos…”. Descrita a dinâmica processual, importa agora conhecer do objecto do recurso delimitado pelas respectivas conclusões que constam de fls. 10-12 deste acordão. Vejamos. Embora algo confuso o teor do requerimento do autor efectuado na audiência de discussão e julgamento, de 16.05.2006 (a fls. 365) – como igualmente confusas as conclusões da alegação do agravante, designadamente a partir da 7.ª e segs. (a fls. 10-12 deste acordão) já que, para além do mais, se reportam a matérias que nada têm a ver com o teor do dito requerimento que foi objecto de indeferimento – pretendia o demandante juntar aos presentes autos cópia, de fls. 749-764, extraída do processo n.º 119/01 que corre termos na 8.ª Vara Cível de Lisboa, destinada, segundo ao autor/agravante “… a provar que foi feito um desconto no preço das duas fracções autónomas ao promitente comprador no montante de 500 mil escudos, valor aproximado das obras necessárias, por este realizadas e que corresponde, com uma diferença de cerca de oito contos à agora chamada estimativa que a ré juntou com a contestação como documento n.º 1 da mesma…”. Ora, o documento que o autor pretendia juntar aos autos destinava-se a fazer prova de factos que não constam da matéria quesitada; sendo certo que o art. 523.º do C.P.Civil refere-se a documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa e não a fazer prova de outros factos ou de factos ocorridos noutros processos. É sabido que a prova é normalmente indirecta, daí que aquele preceito legal abarque também os documentos destinados a fazer prova de factos instrumentais (probatórios ou acessórios), em face dos factos principais da causa. Contudo, o dito documento trata-se de uma cópia de uma sentença não transitada em julgado proferida numa outra acção em que a ré, ora agravada, era ré nessa outra acção e em 1.ª instância absolvida. Tal sentença mesmo que tivesse trânsitado em julgado – caso em que a ré S foi absolvida – apenas vincularia as partes, seria obrigatória para os litigantes que como vimos, nesses autos são A como autor e S, como ré. Dito isto, não constituindo objecto do processo – da relação jurídica subjacente controvertida – os factos que com tal documento o autor pretende demonstrar, tal fotocópia da sentença não é meio legítimo de prova e, por isso, não admissível. A ré/ agravada, quando lhe foi dada a possibilidade de se pronunciar sobre aquela pretensão do autor, disse: “… é evidente que uma sentença não é prova de coisa nenhuma, salvo dela própria… Quanto ao facto que o autor meramente insinua, de um desconto fundado numa diferença de preço e numa referência a uma relação com um dos orçamentos dos autos para daí extrair, não se sabe bem o que seja, trata-se de uma afirmação infundada e infundamentada que não merece a mais pequena consideração. Opõe-se à junção da referida sentença…”. Escrevendo o Mm.º Juíz quo, no despacho agravado, “desconhecemos todo o processo de que a mesma (a sentença referida) faz parte, assim como toda a prova que naquele processo foi produzida e em que contexto…”. Ora, em face do exposto, afigura-se-nos que também este despacho agravado, proferido a fls. 366, não merece reparo. * Quanto ao terceiro recurso interposto pelo autor. Atento o teor das conclusões formuladas pelo apelante podemos concluir que estão em causa, no âmbito do recurso de apelação, o conhecimento das seguintes questões: - Alteração da decisão da matéria de facto; - Erro de julgamento. Mérito da sentença. * Quanto à primeira questão: - Alteração da decisão da matéria de facto. De acordo com as conclusões da alegação de recurso o apelante não se conforma com a resposta dada aos quesitos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 12.º, 14.º, 15.º, 16.º, 19.º e 31.º da base instrutória. * Porém, antes de entrar na análise das respostas dadas aos referidos quesitos da base instrutória, agora questionadas, importa proceder a uma abordagem dos pressupostos da alteração da decisão sobre a matéria de facto. Preceitua o art. 515.º, do C.P.C. que o tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las, sem prejuízo das disposições que declarem irrelevante a alegação de um facto, quando não seja feita por certo interessado. Ou seja, o Juiz deve tomar em conta todas as provas produzidas, quer tenham emanado da parte a quem competia o ónus da sua produção, quer da parte contrária. Dispõe ainda o art. 712.º n.º 1, do C.P.Civil que a decisão do tribunal da 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690-A, a decisão com base neles proferida; b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou. Embora a lei faculte, em termos gerais, que as partes peticionem a modificação da decisão da matéria de facto, exige, no entanto, que observem o ónus da discriminação fáctica e probatória – conforme art. 690.º-A – e o ónus conclusivo – conforme arts. 684.º n.º 3 e 690.º n.º 4, todos do C.P.Civil. Com efeito, preceitua o art. 690.º-A n.º 1, alíneas a) e b), do citado diploma legal que, quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. No caso presente, foram gravados os depoimentos das testemunhas e existe prova documental. Determinando ainda o art. 690.º-A n.º 2, do citado diploma legal que, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 522.º-C. Ora, todos estes condicionalismos legais mostram-se preenchidos, conforme se alcança da leitura das alegações e conclusões do apelante que constam de fls. 544-554. * Analisemos, agora, a pretendida alteração da decisão sobre a matéria de facto: Quesito 1.º: Foram as dúvidas constantes do registo provisório a que se alude em D) e E) que veio impedir o cumprimento do prazo contratual imposto pela cláusula 4.ª do escrito a que se alude em A)? Respondeu o tribunal de 1.ª instância: Não provado. O apelante pretende que a resposta seja: provado. Ora, a resposta negativa dada a tal quesito não merece censura, uma vez que sobre tal matéria não recaiu prova, nomeadamente testemunhal. * O quesito 2.º: Em 10.05.1999, o autor deslocou-se a Torres Vedras para proceder pessoalmente ao levantamento da certidão? Respondeu o tribunal de 1.ª instância: Não provado. O apelante pretende que a resposta seja: Provado. Mas sem razão. É certo que o pedido de certidão, a fls. 11 dos autos, se encontra datado de 10.05.99 e – admite-se – preenchido pelo autor e que a certidão correspondente a esse pedido foi passada na mesma data – vide fls. 18. Todavia, na ausência de prova testemunhal que o corrobore não é possível concluir-se com inteira segurança que tenha sido o autor quem, pessoalmente, procedeu ao levantamento de tal certidão. Por outro lado, os documentos de fls. 95-96 nem aludem à data em causa nem respeitam ao levantamento pessoal de qualquer certidão, mas sim reportam-se a um envio postal. * Quesitos 3.º e 5.º. Perguntava-se no 3.º o seguinte: Tendo aproveitado essa especial circunstância para subir ao piso 7.º do edifício em causa, apurando então a existência de indícios de incêndio nas portas das duas fracções prometidas? E no 5.º perguntava-se: As portas de entrada para as fracções prometidas exibiam na altura sinais de deterioração em resultado de terem estado submetidas a fogo e temperaturas elevadas como, de resto, acontecia com as paredes exteriores das sobreditas fracções? Resposta do tribunal a quo a ambos os quesitos. Não provado. Pretende o apelante que as respostas fossem: provado. Vejamos. (…) Por sua vez, de acordo com o “Relatório de Fogo”, datado de 14.06.1999, elaborado pelos Bombeiros Voluntários de Torres Vedras – vide documento de fls. 63 – consta que tal ocorrência consistiu num pequeno foco de incêndio ao nível do 7.º piso, na caixa da escada junto às portas dos apartamentos referênciados que ficaram ligeiramente danificadas; não se tendo apurado qual a origem do fogo, no entanto, aponta-se para a possibilidade de fogo posto, uma vez que o mesmo começou do lado de fora (caixa de escada). Ora, tendo em consideração o teor dos depoimentos das testemunhas e o teor do “Relatório de Fogo” elaborado pelos Bombeiros Voluntários de Torres Vedras, naturalmente que a resposta terá de ser, em parte, afirmativa. Pelo que, a resposta a tais quesitos passará a ser do seguinte teor: “Provado que, em 10 de Maio de 1999, o autor deslocou-se ao 7.º piso em causa, tendo-se apercebido de que os puxadores das portas tinham sido mudados e o interruptor da campainha da porta estava queimado”. * Quesito 4.º: Tomou a iniciativa de inquirir os vizinhos do mesmo piso que lhe confirmaram ter deflagrado um incêndio nas duas fracções prometidas por “volta da Páscoa” de 1999? Ao quesito respondeu-se: Não provado. Entendimento diferente retira o apelante na medida em que a resposta deveria ser: provado. Ouvido o depoimento da testemunha, prestado em audiência, tal depoimento não nos convenceu. Com efeito, tal depoimento não foi convincente porque exagerou nos defeitos uma vez que não poderiam existir naquela altura, o que insinua fortemente um depoimento parcial. E, assim sendo, a nossa convicção coincide integralmente com a da primeira instância. Não havendo motivo para alteração, deverá a resposta negativa a tal quesito manter-se. * Quesito 6.º: Por força disso, as fracções prometidas não se encontravam nas condições físicas que levaram à celebração do negócio? Respondeu o tribunal de 1.ª instância: Não provado. Uma vez mais entende o apelante que tal quesito deveria ser objecto de resposta afirmativa: Provado. Sucede que a matéria descrita no quesito é conclusiva. Sendo matéria conclusiva a que tem a ver com “ilações”, “juízos de valor ou outros”. E, como é sabido, ao Tribunal só cabe responder sobre factos. Donde tal resposta deve ser considerada como não escrita, nos termos do art. 646.º n.º 4 do C.P.Civil, aplicável por analogia. * Quesito 7.º: Desconhecendo-se então a gravidade e extensão de eventuais deteriorações no interior das mesmas, atendendo a que o autor não dispunha das chaves de acesso? Respondeu o tribunal de 1.ª instância: Provado que o autor não dispunha das chaves de acesso. Pretende o apelante que a resposta a tal quesito fosse “totalmente provado”. Vejamos. Com efeito, se o autor não dispunha das chaves de acesso ao interior das fracções era de presumir que desconhecia se o interior das mesmas havia sido afectado de alguma forma pelo incêndio. Acresce que, ao desconhecimento alegado pelo autor, nada contrapôs a ré. Termos em que se altera a resposta dada a este quesito, da forma que segue: “Provado apenas que, no dia 10.05.1999, o autor desconhecia a gravidade e extensão das eventuais deteriorações no interior das referidas fracções, atendendo a que não dispunha das respectivas chaves de acesso”. * Quesito 8.º: Foi a situação descrita em 6.º e 7.º que levou o autor a enviar à ré a carta a que se alude em L)? Respondeu o tribunal de 1.ª instância: Não provado. Pretende o apelante que a tal quesito seja dada resposta: Provado. Afigura-se-nos assistir razão ao apelante. Com efeito, a testemunha Maria, da sociedade “F – Sociedade de Mediação, Ld.ª”, relatou que, no dia 10.05.99, o autor lhe comunicou telefonicamente a ocorrência do incêndio, mais confirmando o teor dos faxes de fls. 24 e 25. Corresponde, pois, às regras da experiência comum que a carta referida em L), tenha sido enviada pelas dúvidas que ao autor se colocaram em face da resposta dada ao quesito 7.º. Nesta conformidade, a resposta ao quesito 8.º passa a ter a seguinte redacção: “Provado apenas que foi a situação descrita na resposta ao quesito 7.º que levou o autor a enviar à ré a carta referida em L)”. * Quesito 9.º: Decorreu mais de um mês sobre a emissão da carta a que se refere em L) sem se ter verificado qualquer resposta da ré? Respondeu o tribunal a quo: Não provado. Entende o apelante que a resposta deveria ser: Provado. Ora, compulsando os autos constata-se que, após a emissão da referida carta, houve contactos verbais entre o autor e a mediadora. Na verdade, impõe-se responder a este quesito como “não provado”, por não ser seguro tendo em conta as visitas do autor ao local. Neste sentido, vide a carta de 09.06.1999 (documento de fls. 64) enviada pelo autor à ré na qual aquele refere que “… a reposição dos locais no estado anterior à ocorrência não se verifica minimamente satisfatória, pelos seguintes motivos: - falta de limpeza e pintura na parede da caixa da escada; - falta de limpeza e pintura nas aduelas das portas chamuscadas; - alcatifas com indícios de encharcamento; - fios da campainha queimados. Muito agradecemos de mandarem proceder às obras necessárias e adequadas à reposição no estado anterior (o prometido) com vista ao rápido andamento dos ulteriores termos do processo escritural …”. Bem como as respectivas anotações manuscritas de um quadro da ré que o autor declarou aceitar e que expressamente dizem “ Julgo que o melhor será a mediadora acordar uma verba c/o promitente-comprador para fazer face às obras apontadas que será descontado a final” e “Enviar cópia desta carta à R com o pedido de que procedam à eliminação das deficiências assinaladas pelo promitente-comprador”, datado de 28.06.99. Acresce ainda o texto da carta de 28.06.1999 (documento de fls. 30) enviada pela ré ao autor, na qual se diz que “ … porque não existem razões objectivas para que se considere ter a S incumprido o contrato promessa que celebrou com o autor, esta sociedade irá, de imediato, proceder às reparações em falta e, logo que as mesmas se encontrem efectuadas, procederá à marcação da correspondente escritura pública…”. Em face do exposto, deverá a resposta dada pelo tribunal a quo ao quesito como “não provado”, manter-se. * Quesito 10.º: Pelo que decidiu então o autor enviar a carta a que se alude em N)? Resposta do tribunal de 1.ª instância: Não provado. Na perspectiva do apelante a resposta a tal quesito deveria ter sido: Provado. Ora, face ao que se deixou dito na resposta ao quesito 9.º cujo teor aqui se dá por reproduzido, a nossa convicção relativamente à resposta a dar ao quesito 10.º coincide com a da 1.ª instância. Consequentemente, com a mesma fundamentação dada ao quesito 9.º, não há razão para alterar a resposta ao quesito 10.º que é de manter como “não provado”. * Quesito 12.º: Como se o montante de obras em prédio localizado em Torres Vedras dirigidas por quem está domiciliado em Loures, a mais de 30 km, se resumisse ao preço e a sua fiscalização carecesse de valor? Resposta do tribunal a quo: Não provado. Pretende o apelante resposta afirmativa a tal quesito: Provado. O quesito em causa é irrespondível, pois que se trata de afirmação exclamativa e apreciativa de proposta feita pela ré ao autor na carta de fls. 30. Donde tal resposta deve ser considerada como não escrita, nos termos do art. 646.º n.º 4 do C.P.Civil, aplicável por analogia. * Quesito 14.º: No dia 10.05.1999 não poderiam existir vestígios de incêndio nas portas das duas fracções prometidas vender porque, nessa data, as mesmas já se encontravam reparadas por iniciativa da ré? Resposta do tribunal de 1.ª instância: Provado. Pretendia o apelante que tal quesito tivesse sido dado como: Não provado. Afigura-se-nos que a pretensão do apelante não pode ser acolhida, embora a primeira parte do quesito seja manifestamente irrespondível dado que a formulação de perguntas têm de incidir sobre factos e não sobre hipóteses. Porém, se atentarmos nos depoimentos das testemunhas (…) exame ao documento “folha de obra”, impõe-se a alteração da resposta dada ao quesito. Com efeito, ouvidas as gravações dos depoimentos: - da testemunha, Maria … delas consta, para além do mais que “… garante que, em 14.05.1999, as obras de reparação das fracções estavam concluídas, não restando sinais de incêndio, tendo nessa data sido enviado ao autor um fax dando-lhe conhecimento da conclusão das reparações, …, sendo que, em 09.06.1999, a testemunha acompanhado do autor foi a Torres Vedras ver como estava o prédio onde se situavam as fracções em causa tendo ambos constactado que já tinha havido intervenção nessas fracções, embora o autor não tenha concordado com a reparação tal como estava, dado que as portas tinham puxadores desiguais…”; - da testemunha, M, segundo o qual e para além do mais disse que “…, ainda nesse mesmo dia (do incêndio) o Sr. Eng. contactou o Sr. P, empreiteiro da ré, a fim de reparar os estragos, reparações que se terão iniciado logo um ou dois dias depois, tendo ficado concluídas no final do mês de Abril de 1999, …, adianta também que voltou a deslocar-se às ditas fracções no final de Abril princípios de Maio de 1999, onde constatou que tudo tinha sido reparado, …, foram colocadas portas novas e as aduelas foram raspadas e envernizadas…”; - e da testemunha, J, que disse “…não conhecer o autor, conhecendo a ré por ser sua cliente, …, que trabalha como empreiteiro na área da construção civil e reparações, sendo quase sempre chamado pela ré para efectuar pequenos serviços, …, daí que tenha sido chamado para reparar as duas fracções de Torres Vedras, …, os trabalhos que aí foram realizados consistiram em colocar duas portas iguais entre si, embora não se recorde se são iguais às restantes portas daquele 7.º piso, ferragens, reparação dos arcos das portas (raspados e envernizados), …, após tal reparação as duas fracções ficaram prontas a habitar, tendo tais trabalhos ficado concluídos no final de Abril de 1999 …”. Por seu turno, da leitura do documento intitulado “folha de obra”, datado de 21.04.1999, constata-se, para além do mais, o valor total das obras relacionadas com os serviços prestados nas fracções em causa, dos quais faz parte a substituição das aludidas portas. Sendo assim, deve ser alterada a resposta ao quesito que passará a ter a seguinte redacção: “Provado apenas que, no dia 10.05.1999, as duas portas das fracções já tinham sido substituídas”. * Quesito 15.º: Com efeito, a ré mal tomou conhecimento do incêndio – dia 09.04.1999 – mandou, de imediato, reparar integralmente as danificações resultantes do mesmo? Resposta do tribunal de 1.ª instância: Provado. Pretende o apelante que à resposta dada ao quesito deveria ser retirada a expressão “de imediato”. Vejamos. Pela testemunha, M, (testemunha da ré) – não conhece o autor, sendo funcionário administrativo da ré trabalhando na área do património tendo trabalhado directamente com o Sr. Eng. – foi dito que “(…) no dia do incêndio, a testemunha acompanhada do Sr. Eng., entretanto falecido, foram a Torres Vedras para se inteirarem da ocorrência, …, depararam-se com as portas ardidas e que foi necessário partir por forma a permitir que os bombeiros pudessem combater o fogo e outros vestígios do incêndio, …, ainda nesse mesmo dia o Sr. Eng. contactou o Sr., empreiteiro da ré, a fim de reparar os estragos, reparações que se terão iniciado logo um ou dois dias depois, tendo ficado concluídas no final do mês de Abril de 1999, …, adianta também que voltou a deslocar-se às ditas fracções no final de Abril princípios de Maio de 1999, onde constatou que tudo tinha sido reparado, …, foram colocadas portas novas e as aduelas foram raspadas e envernizadas e as paredes pintadas, a alcatifa foi reparada em parte, só do hall, …, tendo sido o empreiteiro Sr. que fez tais reparações mediante orçamento, sendo que tais trabalhos foram efectuados de forma rápida porque necessários visto que as portas dos apartamentos estavam partidas e havia que cuidar da segurança daqueles espaços (…)”. Por seu turno, a testemunha, J, relatou que “(…) os trabalhos que aí foram realizados consistiram em colocar duas portas iguais entre si, embora não se recorde se são iguais às restantes portas daquele 7.º piso, ferragens, reparação dos arcos das portas (raspados e envernizados), colocação de alcatifa nova, embora de cor não exactamente igual à existente nas fracções, no hall, limpeza e pintura de paredes chamuscadas, intervenção essa cujo custo andou à volta de 560 contos, …, após tal reparação as duas fracções ficaram prontas a habitar, tendo tais trabalhos ficado concluídos no final de Abril de 1999 (…)”. A par desta prova testemunhal, também da análise dos orçamentos de 12/13.04.99 se indicia que a ordem de reparação foi anterior aos trabalhos efectuados. Porém, deve retirar-se da resposta ao quesito a expressão “integralmente”. Em primeiro lugar, porque é conclusiva. Mas, ainda que assim não fosse, desconhece-se se algumas obras ou trabalhos foram concretamente mandadas realizar, sabendo-se apenas as que vieram a ser efectuadas que, aliás, não eliminaram na totalidade ou devidamente as consequências do incêndio. Perante tais provas, altera-se a resposta do quesito que passa a ter a seguinte redacção: “Provado que a ré mal tomou conhecimento do incêndio – no dia 09.04.1999 – mandou, de imediato, reparar as danificações resultantes do mesmo”. * Quesito 16.º: Encontrando-se no dia 21.04.1999 (doze dias depois) todas as reparações efectuadas? Resposta do tribunal de 1.ª instância: Provado que nos finais de Abril todas as reparações se encontravam efectuadas. Pretende o apelante que seja retirada da matéria de facto provada a expressão “todas” constante deste quesito. Da leitura conjugada dos depoimentos prestados pelas testemunhas (…) resulta não poder manter-se a resposta dada pelo Tribunal a quo, pelo que a mesma passa a ter a seguinte redacção: “Provado que, nos finais de Abril de 1999, tinham sido efectuados os seguintes trabalhos: colocação de duas portas em substituição das anteriores, ferragens, reparação dos arcos das portas (raspados e envernizados), substituição de uma parte da alcatifa do hall de entrada das fracções em causa e ainda foram efectuadas limpezas e pinturas”. * Quesito 19.º: Só recentemente é que a ré teve acesso ao relatório a que se alude em T)? Respondeu o tribunal a quo: Não provado. Na óptica do apelante, a resposta a este quesito deveria ser “Não provado”. Ora, tendo sido a resposta dada pelo Tribunal recorrido negativa tal como pretendia o apelante, certamente só por mero lapso é impugnada a resposta dada ao mesmo. * Quesito 31.º: Os defeitos e anomalias resultantes do incêndio não se encontravam eliminados em 28.06.1999? O tribunal de 1.ª instância respondeu: Não provado. Na perspectiva do apelante, a resposta a este quesito deveria ser: Provado. Ora, relendo o teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas, (…), já anteriormente descritos, a par do depoimento prestado também pela testemunha, (…), segundo a qual – para além do já anteriormente descrito – “…as fracções apresentavam sinais de incêndio, estando o interruptor da campainha da porta queimado, os puxadores das portas tinham sido mudados, havia fuligem junto aos rodapés do hall de entrada das ditas fracções e a alcatifa do hall de entrada estava remendada por ter sido substituída a parte danificada pelo incêndio…”, bem como do depoimento prestado também pela testemunha, (…), segundo a qual – igualmente para além do já anteriormente descrito – “… em 09.06.1999, a testemunha acompanhado do autor foi a Torres Vedras ver como estava o prédio onde se situavam as fracções em causa tendo ambos constatado que já tinha havido intervenção nessas fracções, embora o autor não tenha concordado com a reparação tal como estava, dado que as portas tinham puxadores desiguais, com a falta de limpeza e com as pinturas…”. E conjugando tais depoimentos com o teor dos documentos já apreciados anteriormente, caso da carta enviada pelo autor à ré datada de 09.06.1999 bem como as respectivas menções manuscritas por um responsável da ré (fls. 64) e caso da carta enviada pela ré ao autor datada de 28.06.1999 (fls. 30), que comprovam a indicação dessas deficiências e a sua aceitação, impõe-se alterar a resposta dada ao quesito pelo tribunal recorrido, cuja redacção passará a ser a seguinte: “Provado apenas que, em 28.06.1999, se mostrava: a campainha queimada; puxadores das portas desiguais; a côr do remendo da alcatifa do hall de entrada era diferente da restante aí existente; deficiente limpeza e pintura da parede da caixa da escada e deficiente limpeza/pintura das aduelas das portas”. * Como já dissemos, devem ser declaradas não escritas as respostas dadas sobre matérias conclusivas – art. 646.º n.º 4 do C.P.Civil aplicável por analogia. Ora, estão nessa situação as respostas dadas aos quesitos 18.º e 22.º da base instrutória. Aliás, ainda que assim não fosse quanto à resposta ao quesito 22.º, sempre a mesma teria de ser alterada sob pena de contradição com o que acima dissemos quanto às obras efectuadas nas fracções e aos defeitos nelas encontrados. O que significa que: - O ponto 27 da fundamentação de facto (fls. 29 deste acordão) passa a ter a seguinte redacção: “Ocorreu um pequeno incêndio ao nível do 7.º piso, no átrio de entrada junto às portas dos apartamentos referenciados – resposta ao quesito 17.º da base instrutória”. - E o ponto 30 da fundamentação de facto (fls. 30 deste acordão) fica eliminado. * Em face das alterações introduzidas, realinha-se de seguida, para melhor compreensão, a matéria de facto provada: 1) Por escrito particular, intitulado «contrato promessa de compra e venda», celebrado em 20.11.1998 e com as assinaturas dos respectivos subscritores reconhecidas presencialmente no 26.º Cartório Notarial de Lisboa, foi declarado pelo 1.º outorgante, S, S.A., na qualidade de Sociedade Gestora e em representação do Fundo de Investimento e pelo 2.º outorgante, J, subscreverem o teor constante das cláusulas primeira a oitava do documento junto aos autos com a petição inicial como documento n.º 3, constante de fls. 19 e segs. e para o qual aqui se remete, dando-se o seu conteúdo por integralmente reproduzido - alínea A) da matéria de facto dada como assente; 2) Encontram-se inscritos a favor do “Fundo de Investimento”, com a data de 18.02.1997, as fracções 7.º andar, direito lado poente e 7.º andar, lado nascente, às quais correspondem as letras «QQ» e «RR», do prédio urbano sito na Avenida General, Corpo C, descritos na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras, freguesia de S. Pedro sob o n.º 0029/111085 – alínea B) idem; 3) O autor promoveu o registo predial da aquisição das fracções «QQ» e «RR» identificadas em 2) – alínea C), idem; 4) Tal aquisição foi registada em 15.03.1999 e ficou a constar como provisória por natureza e por dúvidas – alínea D), idem; 5) As dúvidas em causa derivavam da falta de prova do regime do casamento do autor e por divergência na denominação social do “Fundo de Investimento” – alínea E), idem; 6) Dúvidas cuja remoção foi promovida pelos respectivos interessados, o autor e a ré, dando origem aos averbamentos constantes da certidão junta com a petição inicial, como documento n.º 2, constante de fls. 11 e segs. para o qual aqui se remete na íntegra – alínea F), idem; 7) Houve um incêndio no 7.º piso do edifício onde se encontram as referidas fracções «QQ» e «RR» em 09.04.1999 – alínea G), idem; 8) A ré utilizou como mediadora do negócio a que se alude em 1), a sociedade “F – Sociedade de Mediação, Ld.ª”, a qual se encarregava dos contactos com o autor – alínea H), idem; 9) Contactada a mediadora “F – Sociedade de Mediação, Ld.ª”, veio esta confirmar perante o autor a ocorrência a que se alude em 7), mediante o “fax” junto com a petição inicial como documento n.º 6, constante de fls. 25 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido – alínea I), idem; 10) A ré, não obstante a ocorrência destes factos e deles ter tido conhecimento, veio a notificar o autor, por carta de 17.05.1999, com vista à celebração do contrato definitivo – alínea J), idem; 11) O autor enviou à ré a carta junta com a petição inicial como documento n.º 8, constante de fls. 27, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido – alínea L), idem; 12) Com a data de 17.05.1999, a ré enviou ao autor a carta junta com a petição inicial como documento n.º 7, constante de fls. 26, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido – alínea M), idem; 13) Com a data de 24.06.1999, o autor enviou à ré a carta junta com a petição inicial como documento n.º 9, constante de fls. 29, cujo teor aqui se dá por integramente reproduzido – alínea N), idem; 14) Com a data de 28.06.1999, a ré enviou ao autor carta junta com a petição inicial como documento n.º 10, constante de fls. 30, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido – alínea O), idem; 15) Com data de 13.10.1999, a ré enviou ao autor a carta junta com a petição inicial como documento n.º 11, constante de fls. 31, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido – alínea P), idem; 16) Com a data de 03.11.1999, a ré enviou ao autor a carta junta com a petição inicial como documento n.º 13, constante de fls. 34, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido – alínea Q), idem; 17) Por certidão, emitida em 26.11.1999, pela 1.ª Repartição de Finanças de Loures, declarou-se que o autor se encontra colectado como empresário em nome individual, com a actividade de compra e venda de imóveis adquiridos para esse fim – alínea R), idem; 18) Mais se certificou que, no ano de 1997, o autor não exerceu a actividade de compra de prédios para revenda – alínea S), idem; 19) Foi emitido pelos Bombeiros Voluntários de Torres Vedras o relatório junto com a contestação como documento n.º 2, constante de fls. 63, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido – alínea T), idem; 20) O autor não compareceu, por duas vezes, nas datas, locais e horas marcadas pela ré para a realização da escritura de compra e venda das fracções objecto do escrito a que se alude em 1) – alínea U), idem; 21) O autor não efectuou a marcação da escritura pública até ao prazo fixado na cláusula 4.ª do escrito a que se alude em 1) – alínea V), idem; 22) Em 10 de Maio de 1999, o autor deslocou-se ao 7.º piso em causa, tendo-se apercebido de que os puxadores das portas tinham sido mudados e o interruptor da campainha da porta estava queimado – resposta aos quesitos 3.º e 5.º da base instrutória; 23) Em dia 10.05.1999, o autor desconhecia a gravidade e extensão das eventuais deteriorações no interior das referidas fracções, atendendo a que não dispunha das respectivas chaves de acesso – resposta ao quesito 7.º, idem; 24) Foi a situação descrita em 23 que levou o autor a enviar à ré a carta referida em L) – resposta ao quesito 8.º, idem; 25) À carta a que se alude em 13) respondeu a ré com a carta a que se alude em 14) – resposta ao quesito 11.º, idem; 26) No dia 10.05.1999, as duas portas das fracções já tinham sido substituídas – resposta ao quesito 14.º, idem; 27) A ré mal tomou conhecimento do incêndio – no dia 09.04.1999 – mandou, de imediato, reparar as danificações resultantes do mesmo – resposta ao quesito 15.º, idem; 28) Nos finais de Abril de 1999, tinham sido efectuados os seguintes trabalhos: colocação de duas portas em substituição das anteriores, ferragens, reparação dos arcos das portas (raspados e envernizados), substituição de uma parte da alcatifa do hall de entrada das fracções em causa e ainda foram efectuadas limpezas e pinturas – resposta ao quesito 16.º, idem; 29) Ocorreu um pequeno incêndio ao nível do 7.º Piso, no átrio de entrada junto às portas dos apartamentos referenciados – resposta ao quesito 17.º, idem; 30) Tendo a ré tomado conhecimento do incêndio a que se alude em 7), no dia 09 de Abril, comunicou tal facto, de imediato, à referida sociedade mediadora, tendo esta ficado incumbida de informar desse facto o autor – resposta ao quesito 20.º, idem; 31) O autor visitou as fracções e o respectivo interior em 09.06.1999 – resposta ao quesito 21.º, idem; 32) Foi enviada pelo autor à ré a carta junta por cópia a fls. 64 dos autos – resposta ao quesito 24.º, idem; 33) Em 28.06.1999, mostrava-se a campainha queimada, os puxadores das portas desiguais, a côr do remendo da alcatifa do hall de entrada era diferente da restante aí existente, deficiente limpeza e pintura da parede da caixa da escada e deficiente limpeza/pintura das aduelas das portas – resposta ao quesito 31.º, idem. * Quanto à segunda questão: - Erro de julgamento. Mérito da sentença. Com a presente acção visa ao autor, ora apelante, a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de dois milhões duzentos e quarenta e nove mil oitocentos e sessenta e três escudos, acrescida de juros de mora à taxa supletiva comercial de 12% até efectivo e integral pagamento, importância essa que corresponde ao dobro do sinal entregue à ré, acrescida de 249.863$00 de juros de mora contabilizados até à data da propositura da acção. A relação jurídica contratual estabelecida entre as partes traduziu-se num contrato promessa de compra e venda de duas fracções, pelo preço global de 11.500.000$00, livres e devolutas de quaisquer ónus ou encargos, fracções estas a serem vendidas no estado de conservação em que as mesmas se encontravam à data da outorga do referido contrato, em 20.11.1998. Do quadro factual provado resulta que o promitente-comprador, ora autor, não notificou a promitente-vendedora, ora ré, para a celebração da escritura pública até 31.03.1999. De acordo com o pactuado na cláusula 4.ª do dito contrato-promessa de compra e venda, a marcação da data da escritura pública para data não posterior a 31.03.1999 competia ao promitente-comprador e, na eventualidade deste não cumprir a obrigação de tal marcação, caberia à promitente-vendedora a marcação da referida escritura. E foi o que sucedeu. O promitente-comprador não procedeu à marcação da escritura até à referida data. Porém, como refere a sentença recorrida, a situação de não marcação da escritura até 31.03.1999 não acarretou, nesta fase, qualquer incumprimento definitivo por sua parte, mas tão só, quando muito, mora no cumprimento da sua prestação. Na realidade, os contraentes previram no contrato-promessa uma específica consequência para a não observância do prazo previsto na cláusula 4.ª n.º 1 do dito contrato: - A designação da escritura incumbiria, então, à ré. E a promitente-vendedora, ora ré, procedeu à marcação da escritura pública de compra e venda das fracções que prometeu vender ao autor para 15.06.1999, o que fez por intermédio do envio de carta de fls. 26 dos autos, mas porque o autor não compareceu, mais tarde, a ré designou como nova data, 03.11.1999, para a referida escritura, conforme carta datada de 13.10.99, a fls. 31, à qual o autor também não compareceu. Ora, face ao quadro factual apurado e dado como provado, constata-se que, em 15.06.1999 – data marcada pela ré para a celebração da escritura pública – ainda se encontravam por eliminar algumas das consequências do incêndio. Como é sabido, a resolução do contrato-promessa de compra e venda a as sanções de perda do sinal ou da sua restituição em dobro (art. 442.º do C.Civil) só tem lugar no caso de incumprimento definitivo do mesmo contrato. Como ensina o Prof. Manuel Januário da Costa Gomes, Em tema de Contrato-Promessa, A.A.F.D.L., 1990, pág. 58, “… Valendo o sinal como cláusula penal compensatória, quer a exigência do sinal em dobro, quer a perda do sinal supõem, necessariamente, o incumprimento definitivo…”. A simples mora da parte de algum promitente não determina a aplicação do disposto no art. 442.º n.º 2 do citado diploma legal, mas apenas confere o direito ao promitente lesado a uma reparação pelos danos causados, nos termos gerais do art. 804.º do citado Código. É definitivo o incumprimento da obrigação quando, não tendo o devedor cumprido na data do respectivo vencimento, o cumprimento já não é possível ou nele perdeu o credor interesse. No caso vertente, sucede que, embora não tivessem sido eliminados integralmente os defeitos e anomalias resultantes do incêndio, antes se deduz o contrário, que a eliminação de todas aquelas situações não fosse possível. Aliás, a promitente-vendedora, ora ré, aceitou sempre os pedidos de reparação dessas deficiências apontadas pelo promitente-comprador/autor. Acresce que entre os contraentes não foi acordado qualquer prazo para a conclusão dessas reparações, nem tão pouco houve interpelação para fixação de prazo certo e determinado para o efeito. Donde a promitente-vendedora não se constituiu em mora. Mas mesmo que tal tivesse ocorrido, certo é que a mora não é suficiente para conduzir à revogação ou extinção do contrato-promessa e ao pagamento do sinal em dobro. Por outro lado, o interesse do credor constitui a razão de ser da obrigação, sendo, consequentemente, a satisfação dele o fim da obrigação. Dispondo o art. 398.º n.º 2 do C.Civil que, não necessitando a prestação de ter valor pecuniário, deve corresponder a um interesse do credor, digno de protecção legal. O interesse do credor tem, pois, de ser um interesse sério, justificativo da tutela jurídica. Apurou-se, no caso “sub judice”, que o autor pretendeu resolver o contrato-promessa de compra e venda com a consequente restituição do sinal em dobro face à persistência de anomalias e vestígios, resultantes do aludido incêndio, nas fracções em causa. Ora, como provado ficou, as tais anomalias e vestígios apontados pelo autor foram sendo aceites e reparados ainda que parcialmente pela ré, sendo que, por outro lado, não foi estipulado prazo para a conclusão dos mesmos. Dito isto, o interesse subjectivo do promitente-comprador em não outorgar a escritura pública não integra um caso de falta de interesse para efeitos do art. 808.º do C.Civil. O que vale por dizer que, no caso vertente, não houve incumprimento definitivo do contrato-promessa pela promitente-vendedora – não tendo sido fixada data para eliminação total das anomalias e vestígios a sua reparação/cumprimento ainda era possível – única situação que daria lugar à restituição do sinal em dobro. * Quanto à alegada litigância de má-fé da apelada a que se reportam as conclusões das alíneas T) e U) da alegação do apelante. Na sentença recorrida, o Mm.º Juiz a quo concluiu que o comportamento de qualquer das partes não foi integrador de litigância de má-fé (fls. 517). Vejamos. Com o instituto da litigância da má-fé pretende-se acautelar um interesse público de respeito pelo processo, pelo tribunal e pela própria justiça. Pretende-se, pois, assegurar a moralidade e eficácia processual na medida em que com ela se reforça o respeito pelas decisões dos tribunais. Conforme resulta do art. 456.º n.º 2, do C.P.C., os factos cuja alteração consciente constitui litigância de má-fé, são os factos que as partes alegam nos articulados para fundamentar o pedido e a oposição. E, na actual redacção do art. 456.º do citado diploma legal, releva não apenas o dolo mas ainda a negligência grave ou grosseira para o efeito da litigância de má-fé. Portanto, o regime instituído após a ultima reforma do direito processual civil traduz uma substancial ampliação do dever de boa-fé processual, alargando-se o tipo de comportamentos que podem integrar má-fé processual, quer substancial quer instrumental, tanto na vertente subjectiva como na objectiva. A má fé processual enquanto uso reprovável do processo, ou dos meios processuais para conseguir um fim ilegal, para entorpecer a acção da justiça ou para impedir a descoberta da verdade, não nos parece que se tenha verificado, no caso vertente, pois que, como refere a sentença recorrida “(…) a ré defendeu uma pretensão fundada – a do incumprimento imputável ao autor – que, embora não tenha tido acolhimento – mercê da absolvição da instância reconvencional – não demonstra qualquer actuação dolosa ou gravemente negligente no seu comportamento, que justifique a sua condenação como litigante de má-fé (…)”. Acresce que, em litígio judicial, a indagação e a interpretação das regras de direito, mesmo que não exactas, nunca também poderão dar lugar à condenação por má-fé. A este propósito decidiu-se no acordão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 16.12.2003 (texto integral disponível na base de dados do Ministério da Justiça, no endereço http://www.dgsi.pt) que “O direito de acção é um dos vários direitos que está compreendido no direito fundamental de acesso aos tribunais (art. 20.º da C.R.P.). É hoje concepção dominante que o direito de acção é um direito subjectivo autónomo e distinto do direito material que se pretende fazer actuar em juízo, pelo que o seu exercício não está dependente de qualquer requisito prévio de demonstração da existência do direito substancial. Mas para o seu exercício, em concreto, existe uma exigência de ordem moral: é necessário que o litigante esteja de boa-fé ou suponha ter razão. Porque se litiga com má-fé, exerce uma actividade ilícita e, como tal, incorre em responsabilidade civil processual subjectiva com base na culpa (art. 457.º do C.P.C.), por um exercício abusivo do direito de acção ou de defesa. Fora do caso de litigância de má-fé, quem litiga sem direito, mas o faz convicto de que tem razão substancial, ainda que a não tenha, não comete qualquer ilícito, respondendo apenas objectivamente pelas custas (art. 446.º do C.P.C.) …”. Assim sendo, não se verificando, no caso vertente, os pressupostos da responsabilidade civil por litigância de má fé, previstos no art. 456.º, do C.P.Civil, improcedem, pois, as conclusões T) e U) da alegação de recurso. * Nas conclusões D), E), R) e S) da alegação de recurso, veio o apelante invocar a violação de várias normas da Constituição da Republica Portuguesa – caso dos arts. 18.º n.º 1, 20.º nºs 1 e 5, 81.º alíneas a), b) e h), 86.º nºs 1 e 2, 202.º n.º 2 e 203.º – a pretexto, nalguns casos, da diferente interpretação e noutros pela não aplicação, pelo tribunal recorrido, relativamente aos preceitos legais indicados nas aludidas conclusões. Mas não tem razão. Por um lado, no campo do direito, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito. Como ensina o Prof. Alberto dos Reis, in C.P.C. Anotado, 5.º vol., pág. 453, “…O juiz pode ir buscar regras diferentes daquelas que as partes invocaram (indagação); pode atribuir às regras invocadas pelas partes sentido diferente do que estas lhes deram (interpretação); pode fazer derivar das regras de que as partes se serviram efeitos e consequências diversas das que estas tiraram (aplicação) …”. Ponto é que, o princípio do conhecimento oficioso do direito plasmado no art. 664.º do C.P.C. seja articulado com a regra da proibição das decisões surpresa, conforme prescreve ao art. 3.º n.º 3 do citado diploma legal. Por outro, não se vislumbra que, aquelas normas legais aplicadas e indicadas nas ditas conclusões, violem regras e princípios fixados na Constituição, designadamente, as disposições legais mencionadas pelo apelante. Termos em que improcedem também as conclusões da alegação de recurso relacionadas com a invocada inconstitucionalidade. Por tudo quanto se deixou dito, improcede também a apelação. IV – Decisão. Em face do exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em: - Não conceder provimento ao agravo interposto pelo autor a fls. 142; - Negar provimento ao agravo interposto pelo autor a fls. 368; - Julgar improcedente a apelação deduzida pelo autor, confirmando-se a decisão recorrida com a consequente absolvição da ré, embora por razões diversas das apontadas pela 1.ª instância. - No mais, mantendo-se o decidido na 1.ª instância. Custas, do primeiro agravo, a cargo da agravada; Custas, do segundo agravo, a cargo do agravante, ora apelante; Custas da apelação pelo apelante, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido, cfr. fls. 278. Lisboa, 1 de Abril de 2009. Gilberto Martinho dos Santos Jorge Maria da Graça de Vasconcelos Casaes Moreira Araújo José Eduardo Miranda Santos Sapateiro |