Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3003/15.7T9SNT.L1-9
Relator: GUILHERMINA FREITAS
Descritores: AUTORIDADE ADMINISTRATIVA
NOTIFICAÇÃO POR VIA POSTAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/03/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIMENTO
Sumário: I- Não dispõe o RGCO de qualquer norma que regulamente a forma como são efectuadas as notificações das decisões das autoridades administrativas, pelo que, deverão às mesmas ser aplicadas as regras previstas para o processo penal – art. 41.º, n.º 1, do RGCO.

II- O n.º 2, do art. 113.º, do CPP, preceitua que, quando efectuadas por via postal registada, as notificações presumem-se feitas no 3.º dia útil posterior ao do envio, devendo a cominação aplicável constar do acto de notificação.

III- A presunção legal do n.º 2 do art. 113.º do CPP foi estabelecida unicamente a favor do notificando, quer no que respeita à sua efectivação, quer ao momento em que ocorreu, conforme resulta do disposto nos n.º 3 e 4, do art. 1.º, do DL n.º 121/76, de 11/2, diploma este que aboliu a exigência de avisos de recepção para as notificações em quaisquer processos, que se encontra em vigor.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório
1. Nos autos de recurso de contra-ordenação, com o n.º 3003/15.7T9SNT, que correm termos na Comarca de Lisboa Oeste, Sintra – Inst. Local – Secção Criminal – J2, veio a arguida I..., melhor id. nos autos, interpôr recurso do despacho judicial proferido em 9/9/2015, despacho esse que não recebeu, por considerar intempestivo, o seu requerimento de impugnação judicial.
2. Da respectiva motivação extrai as seguintes (transcritas) conclusões:
a) Por despacho de 09-09-2015, o Tribunal a quo rejeitou o recurso de contra-ordenação interposto pela recorrente, com fundamento na intempestividade do mesmo, tendo para tanto considerado que o mesmo foi apresentado um dia após o termo do prazo, nos seguintes moldes:
“A decisão administrativa foi proferida em 28.03.15, e notificada por carta registada com aviso de recepção, que se encontra assinado pela arguida em 14.04.15, conforme fls. 34.
É de 20 dias o prazo para impugnação judicial das decisões administrativas no âmbito de processo contra-ordenacional (cfr. artigo 59.º, n.º 3, do RGCO).
Tratando-se de carta registada com aviso de recepção, a arguida presume-se notificada no terceiro dia útil posterior ao do envio (artigo 113.°, n.°2, do CPP).
Sucede que, nos presentes autos não consta a data de envio, mas o aviso de recepção encontra-se assinado pela arguida em 14.04.15, pelo que nesta data houve conhecimento efectivo, independentemente da presunção atrás referida.
O prazo de 20 dias suspende-se nos sábados, domingos e feriados.
Assim, temos que o prazo para impugnar terminou em 13 de Maio de 2015, quarta-feira.
O acto foi praticado dia 14.05.15, após término do prazo.
Pelo exposto, não recebo a impugnação porque intempestiva."
b) Sucede que, como refere a própria decisão em apreço, "tratando-se de carta registada com aviso de recepção, a arguida presume-se notificada no terceiro dia útil posterior ao do envio (artigo 113.°, n.°2, do CPP)."
c) Aliás, a própria notificação da autoridade administrativa adverte o notificando de que aquela "Quando realizada por via postal registada, presume-se efectuada no 3° dia útil posterior ao do envio."
d) Se dos autos não consta a data do envio da decisão condenatória à aqui recorrente, caberá pois ao Tribunal diligenciar no sentido de apurar tal data,
e) Não impondo à recorrente esse ónus, considerando-a notificada na data da assinatura do aviso de recepção, apenas porque dos autos não resulta o dia em que os serviços da Câmara Municipal de Sintra expediram a aludida notificação.
f) Pois o comprovativo do envio da missiva – com a data da respectiva expedição – deveria constar do processo,
g) Por outro lado, uma simples pesquisa do objecto enviado (com o código constante da notificação: RN763671165PT) na página web dos CTT, permitiria facilmente descobrir que a carta foi enviada no dia 13-04-2015, considerando-se a notificação feita no terceiro dia útil após a expedição, ou seja, no dia 16-04-2015, tendo portanto o acto sido praticado um dia antes do termo do prazo, em 14-05-2015 – cf. Doc.1 que se junta dando-se por reproduzido para os legais efeitos.
h) Salvo o devido respeito, o Tribunal não dispõe da faculdade de ilidir a presunção estabelecida na lei processual penal, por sua iniciativa e em prejuízo do arguido.
i) Pois então de nada serviria a referida presunção legal.
j) Parafraseando o decidido no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12-07-2006, disponível em www.dgsi.pt, "I. A notificação por carta registada presume-se consumada no terceiro dia útil posterior à expedição da carta.
ll. Tal presunção só pode ser ilidida a pedido e no interesse do notificado e não por iniciativa do Tribunal."
k) Por Acórdão de 29-04-2015 (também alcançável em www.dgsi.pt), o mesmo Tribunal da Relação pronunciou-se nos seguintes termos: "I - O prazo para a prática do acto processual conta-se a partir da notificação e quando esta for efectuada por via postal registada, presume-se feita no 3.° dia útil posterior ao do envio, por força do art. 113.°, n.° 2, do CPP."
l) Como se não bastasse, sucede que, seguindo o raciocínio vertido na decisão em apreço, a ora recorrente teria apresentado o seu recurso no primeiro dia útil após o terminus do prazo.
m) Ou seja, ainda que se considerasse que as alegações recursivas deram entrada um dia depois do termo do prazo, a arguida teria ainda assim a faculdade de o fazer nos três dias úteis seguintes mediante o pagamento da multa processual prevista no artigo 107.°-A do CPP (ex vi do art. 41.º/1 RGCO).
n) Com efeito, dispõe o n°5 do art. 106.° do CPP, que "Independentemente do justo impedimento, pode o ato ser praticado, no prazo, nos termos e com as mesmas consequências que em processo civil, com as necessárias adaptações."
o) Ora, o artigo 139.° n° 6 do CPC estatui que
"Praticado o ato em qualquer dos três dias úteis seguintes sem ter sido paga imediatamente a multa devida, logo que a falta seja verificada, a secretaria, independentemente de despacho, notifica o interessado para pagar a multa, acrescida de uma penalização de 25% do valor da multa, desde que se trate de ato praticado por mandatário."
p) A secretaria omitiu tal acto, não tendo o Mm.° Juiz a quo ordenado o cumprimento desta disposição, tendo rejeitado sem mais a impugnação judicial.
r) Assim, decorre do exposto que:
- o acto foi praticado dentro do prazo;
- ainda que tivesse sido praticado no 1° dia útil posterior, caberia à secretaria, salvo melhor entendimento, notificar a arguida para liquidar a multa processual devida.

Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado inteiramente procedente, revogando o despacho de não admissão da impugnação judicial, com as devidas e legais consequências.”

3. O recurso foi admitido por despacho de fls. 81 deste apenso.
4. O MP junto da 1ª instância apresentou resposta ao recurso, concluindo que ao mesmo deverá ser negado provimento.
5. Nesta Relação a Digna Procuradora Geral Adjunta apôs o seu visto, nos termos e para os efeitos previstos no art. 416.º do CPP.
6. Colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência, cumprindo apreciar e decidir.

II. Fundamentação
1. Delimitação do objecto do recurso
É pacífica a jurisprudência do STJ no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, do conhecimento das questões oficiosas (art. 410.º n.ºs 2 e 3, do CPP).
As questões suscitadas pela recorrente consistem em saber se:
- o requerimento de impugnação judicial por si apresentado o foi em prazo, não devendo ter sido recusada a sua admissão, como o fez o despacho recorrido;
- ainda que se entenda que o mesmo foi apresentado no 1.º dia útil seguinte ao términus do prazo, caberia à secretaria notificar a arguida para liquidar a multa processual prevista no art. 107.º-A do CPP (ex vi do art. 41.º/1 RGCO).
2. A decisão recorrida
É do seguinte teor a decisão recorrida:
“O tribunal é competente.
O MP tem legitimidade.

Da tempestividade do recurso.
A autoridade Administrativa suscitou na resposta à impugnação judicial a intempestividade do recurso.
Cumpre decidir.
A decisão administrativa foi proferida em 28.03.15, e notificada por carta registada com aviso de recepção, que se encontra assinado pela arguida em 14.04.15, conforme fls. 34.
É de 20 dias o prazo para impugnação judicial das decisões administrativas no âmbito de processo contra-ordenacional (cfr. artigo 59.º, n.º 3, do RGCO).
Tratando-se de carta registada com aviso de recepção, a arguida presume-se notificada no terceiro dia útil posterior ao do envio (artigo 113.°, n.°2, do CPP).
Sucede que, nos presentes autos não consta a data de envio, mas o aviso de recepção encontra-se assinado pela arguida em 14.04.15, pelo que nesta data houve conhecimento efectivo, independentemente da presunção atrás referida.
O prazo de 20 dias suspende-se nos sábados, domingos e feriados.
Assim, temos que o prazo para impugnar terminou em 13 de Maio de 2015, quarta-feira.
O acto foi praticado dia 14.05.15, após o término do prazo.
Pelo exposto, não recebo a impugnação porque intempestiva (artigo 63.º do RGCO).
Notifique.
Após, devolva."

3. Analisando
Comecemos por analisar a 1.ª questão suscitada no recurso que consiste em saber se o requerimento de impugnação judicial apresentado pela ora recorrente foi apresentado em prazo, não devendo ter sido recusada a sua admissão, como o fez o despacho recorrido.
Dispõe o n.º 1, do art. 46.º, do RGCO, que todas as decisões tomadas pelas autoridades administrativas serão comunicadas às pessoas a quem se dirigem.
Tratando-se de medida que admita impugnação sujeita a prazo, a comunicação revestirá a forma de notificação, que deverá conter os esclarecimentos necessários sobre admissibilidade, prazo e forma de impugnação – n.º 2 do mesmo preceito.
De acordo com o disposto no n.º 3, do art. 59.º, do RGCO, o recurso de impugnação judicial é apresentado perante a autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido.
Tal prazo suspende-se aos sábados, domingos e feriados e se o seu termo cair em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte – art. 60.º, n.ºs 1 e 2, do RGCO.
Não dispõe o RGCO de qualquer norma que regulamente a forma como são efectuadas as notificações das decisões das autoridades administrativas, pelo que deverão às mesmas ser aplicadas as regras previstas para o processo penal – art. 41.º, n.º 1, do RGCO.
O n.º 2, do art. 113.º, do CPP, preceitua que, quando efectuadas por via postal registada, as notificações presumem-se feitas no 3.º dia útil posterior ao do envio, devendo a cominação aplicável constar do acto de notificação.
No caso dos presentes autos a notificação da decisão da autoridade administrativa foi feita por carta registada com aviso de recepção, o qual se mostra assinado pela arguida em 14/4/2015.
Entende-se, porém, que o prazo para a impugnação judicial inicia-se não na data que consta do aviso de recepção, conforme foi considerado na decisão recorrida, mas decorrido o 3.º dia útil posterior ao do envio da carta registada.
A presunção legal do n.º 2 do art. 113.º do CPP foi estabelecida unicamente a favor do notificando, quer no que respeita à sua efectivação, quer ao momento em que ocorreu, conforme resulta do disposto nos n.º 3 e 4, do art. 1.º, do DL n.º 121/76, de 11/2, diploma este que aboliu a exigência de avisos de recepção para as notificações em quaisquer processos, que se encontra em vigor, os quais preceituam:
3. Todas as notificações e avisos efectuados nos termos dos números anteriores se presumem feitos no terceiro dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja, não produzindo efeitos anteriores.
4. A presunção do n.º 3 só pode ser ilidida pelo avisado ou notificado quando o facto da recepção do aviso ou notificação ocorra em data posterior à presumida, por razões que não lhe sejam imputáveis, requerendo no processo que seja requisitada aos correios informação sobre a data efectiva dessa recepção.
De resto, consta da parte final da decisão da autoridade administrativa que:
“Mais se adverte que a notificação:
- Quando realizada por via postal registada, presume-se efectuada no 3º dia útil posterior ao do envio. (Cfr. fls. 32 verso destes autos de recurso em separado).
Refere a decisão recorrida que “nos presentes autos não consta a data de envio, mas o aviso de recepção encontra-se assinado pela arguida em 14.04.15, pelo que nesta data houve conhecimento efectivo, independentemente da presunção atrás referida.”
Ora, se nos autos não constava a data do envio da carta para notificação da decisão da autoridade administrativa, deveria o tribunal a quo ter averiguado junto da autoridade administrativa, ou dos correios, dessa mesma data, em lugar de considerar a data constante do aviso de recepção como a do início da contagem do prazo para a impugnação judicial, em prejuízo dos direitos de defesa da arguida.
Resulta do documento n.º 1, junto pela arguida com a motivação de recurso (fls. 78 e 78 verso), que o envio da notificação da decisão da autoridade administrativa ocorreu em 13/4/2015, devendo, assim, a arguida considerar-se como notificada no 3.º dia útil posterior a esta data, ou seja, em 16/4/2015.
O prazo para a impugnação judicial terminava, pois, em 15/5/2015.
Tendo o requerimento de impugnação dado entrada em 14/5/2015 é o mesmo tempestivo, ficando, assim, prejudicado o conhecimento da outra questão suscitada no presente recurso.
No mesmo sentido do ora decidido se pronunciaram os Ac. da RE de 10/5/2011 e desta Relação de 23/10/2012, proferidos, respectivamente, no âmbito dos Proc. 2419/10.0TASTB.E1 e 408/09.6TFLSB.L1-5.

III. Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes na 9.ª Secção Criminal da Relação de Lisboa, em conceder provimento ao recurso interposto pela arguida I..., revogando-se o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que considere o requerimento de impugnação judicial apresentado pela recorrente como tendo sido em prazo.
Sem custas.
Lisboa, 3 de Março de 2016
Processado e revisto pela relatora, a primeira signatária, que assina a final e rubrica as restantes folhas (art. 94.º, n.º 2 do CPP).

Guilhermina Freitas
Sérgio Calheiros da Gama