Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2201/14.5TBVFX-A.L1-8
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: IMPUGNAÇÃO PAULIANA
PRAZO DE CADUCIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/05/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: -O prazo da caducidade do direito de impugnação pauliana, que a lei fixa como ocorrendo ao fim de cinco anos, conta-se a partir da data da celebração da respectiva compra e venda, não podendo o autor invocar o facto de o referido registo ter sido efectuado em data posterior ou a falta de conhecimento anterior da existência da referida escritura pública de compra e venda.
-De outro modo, seria permitir a alegação de um fundamento que se traduziria num verdadeiro prolongamento do prazo de caducidade, prolongamento que a lei não consente, pois estabelece no artigo 618º do Código Civil que os cinco anos para a caducidade do direito de impugnação são contados da data do acto impugnável e não da data do conhecimento desse acto.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I-RELATÓRIO:


O Banco ... intentou em 20-05-2014, acção de impugnação pauliana sob a forma de processo comum contra V... Ldª e 3 E... Ldª, pedindo que seja julgada procedente e provada e:, em consequência:
a) declarar-se a ineficácia das transmissões, em relação ao autor, de todos os prédios identificados nos artigos 17º e 18º desta petição, devendo, ainda, ser reconhecido ao autor a possibilidade de executar os mesmos prédios para ressarcimento do seu crédito;
b) ser a 1ª ré declarada responsável perante o autor pelo valor dos bens que alienou, no montante global de € 835.000,00.

As rés contestaram, excepcionando com a caducidade do direito do autor, pois um dos actos sob impugnação, mais concretamente, a compra e venda dos prédios identificados em 17º da p.i., consta de escritura de compra e venda outorgada em 19 de Maio de 2009.

Donde se infere que, aquando da propositura da acção – 20 de Maio de 2014-, já estava precludido o respectivo direito. Mais concretamente, já havia caducado o direito de impugnar os referidos actos, caducidade que ocorreu no dia 19 de Maio de 2014. Nem mesmo o facto do registo do acto da compra e venda ter ocorrido no dia 25 de Maio de 2009, não interfere com o início da contagem do prazo.

Em sede de despacho saneador foi proferida DECISÃO que julgou procedente a excepção peremptória da caducidade relativamente ao direito de impugnar o acto de transmissão da propriedade sobre os prédios elencados no art° 17° da p.i., que foi celebrado no dia 19-05-2009, absolvendo as rés do pedido, apenas na parte relativa à impugnação do referido acto.

Não se conformando com tal decisão, dela recorreu o autor, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:

A.O presente recurso tem por objecto o douto despacho saneador do tribunal a quo proferido em 10.12.2015 que julgou procedente a excepção peremptória de caducidade alegada pelas apeladas relativamente ao direito de impugnar o acto de transmissão da propriedade sobre os prédios elencados no artº 17° da petição inicial que foi celebrado a 19.05.2009.
B.Tendo por fim obter um despacho que substitua o despacho recorrido, julgando, em consequência, improcedente a excepção de caducidade alegada pelas apeladas, ordenando, assim, o prosseguimento dos autos quanto a todos os imóveis em causa na petição inicial do autor.
C.No dia 20.05.2014 o ora apelante apresentou acção de impugnação pauliana contra as apeladas, com vista a que seja declarada a ineficácia das transmissões em relação ao apelante de todos os prédios em causa nas escrituras de compra e venda de 19.05.2009 e de 20.01.2010, bem como, que seja reconhecido ao apelante a possibilidade de executar os mesmos prédios para ressarcimento do seu crédito e seja a 1ª apelada declarada responsável perante o apelante pelo valor dos bens que alienou, no valor global de € 835.000,00.
D.No contrato de abertura de crédito apresentado nessa acção executiva, para garantia de todas as responsabilidades emergentes para a sociedade Y... S.A desse mesmo contrato, foram prestadas a favor do Banco apelante diversas garantias reais como penhores, aplicações financeiras e hipotecas sobre as fracções autónomas designadas pelas letras "N" e "AW", ambas do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número 3121, da freguesia de São Sebastião da Pedreira, e inscrito na matriz sob o art. 1009.
E.Verificado o incumprimento do contrato de abertura de crédito, e de nada ter sido pago ao apelante, foi intentada respectiva acção executiva para pagamento de quantia certa, que corre os seus termos contra Y... LDA, V... LDA (1ª apelada) e J..., no 3° juízo de Execução de Lisboa, 1a secção, sob o processo n° 8154/10.1YYLS
F.Por força da existência das garantias reais/hipotecas constituídas a favor do apelante, executando-se dívida com garantia real, ao abrigo do artº 752° do C.P.C. (actual), a penhora inicia-se pelos bens sobre que incida a garantia real/hipoteca.
G.Apenas podendo recair noutros quando se reconheça a insuficiência daqueles para conseguir o fim da execução.
H.Até chegar à venda efectiva e judicial dos bens imóveis hipotecados, quer o agente de execução, quer o próprio exequente/apelante não detinham legitimidade para poderem pesquisar por outros bens susceptíveis de penhora, quer no acervo patrimonial da executada devedora Y..., quer no da ora 1ª apelada, tendo que aguardar pelo desfecho da venda dos bens que garantiam a dívida executada.
I.Desfecho esse que ocorreu finalmente em 19.12.2013, data da decisão proferida pelo agente de execução de aplicação do produto da venda das duas fracções hipotecadas aos valores em dívida nos autos, permanecendo ainda em dívida ao Banco apelante a quantia de € 2.902.597,44.
J.Face ao remanescente da dívida exequenda, o banco apelante promoveu, então, diligências ajustadas ao apuramento de outros bens penhoráveis, nomeadamente no acervo patrimonial da sociedade avalista, 1ª apelada, com vista ao prosseguimento dos autos de execução com a penhora de outros bens nos termos dos arts. 834º e 835°, ambos do C.P.C., já sendo este o momento processual adequado para o efeito.
K.Tendo, então, constatado o registo, em 25.09.2009, da aquisição a favor da 2ª apelada dos prédios aqui em crise.
L.Caso o registo de aquisição desses bens imóveis não tivesse sido efectuado, o apelante não teria tido conhecimento, nessa altura, dessa alienação.
M.Devendo, pois, nos actos sujeitos a registo, a caducidade para arguir a impugnação pauliana só operar decorridos cinco nos, contados sobre a data da realização do mesmo registo, e que no caso o registo não ser efectuado, a caducidade só opera decorridos que sejam cinco anos sobre a data do conhecimento que do acto impugnável tenha quem exerce o mesmo direito.
N.Não se diga que não é normal ou expectável que um credor desconheça por mais de 5 anos que o devedor praticou um acto em prejuízo dele, sendo, assim o prazo de 5 anos a contar do acto suficiente para tal.
O.Numa acção executiva de dívida com garantia real, como no caso em apreço, caso bastante usual hoje em dia, um credor apenas pode vir a ter conhecimento desse acto praticado pelo devedor apenas após ser apurada a insuficiência dos bens sobre os quais incide a garantia real, o que, normalmente ocorre após a aplicação do produto da venda desses bens à dívida exequenda.
P.Já que a penhora de outros bens apenas ocorrerá após ser reconhecida essa insuficiência dos bens imóveis hipotecados para ressarcimento do crédito exequendo.
Q.É sobejamente conhecido que grande pode ser a espera de um credor numa acção executiva para vir a ser efectivamente reconhecida a insuficiências dos bens sobre os quais incide a garantia real nos termos do artº 752° do C.P.C.
R.Sendo perfeitamente verosímil que um credor possa não ter, num prazo de 5 anos a contar do acto, conhecimento da prática pelo devedor de um acto em prejuízo do seu crédito.
S.O devedor pode ocultar a prática desse acto, mediante a omissão de registo, ou registo tardio, de um acto sujeito registo, sendo o registo o único meio que dá publicidade ao acto, designadamente perante terceiros.
T.Permitir que, nos actos sujeitos a registo, não seja tida em consideração da data do registo desse acto como data de início da contagem do prazo de caducidade, registo esse que confere publicidade ao acto, é convidar os devedores, como forma de ludibriarem os seus credores, a não promoverem esse registo.
U.Sem a publicidade e transparência que confere o registo, um credor, por desconhecimento, não tem motivo para reagir a essa alienação "oculta".
V.E, caso esse registo venha a ser efectuado, o credor, atendendo ao princípio de segurança jurídica, confia na data desse registo, devendo, assim, iniciar-se a contar da data desse registo quaisquer prazos para um credor, caso assim o entenda, poder reagir a uma alienação que entenda que lhe é prejudicial.
W.Por todo o acima exposto, uma vez que a data do registo da escritura de compra e venda dos imóveis aqui em causa é de 25.05.2009, deverá ser esta a data de início de contagem do prazo de caducidade de 5 anos, não se verificando a caducidade do direito de impugnação pauliana exercido pelo apelante, devendo, em consequência, ser considerada improcedente a excepção de caducidade apelada pelas apeladas.
X.O douto despacho aqui recorrido viola, assim, o disposto nos arts 616° e 618° do Código Civil, bem como o disposto nos arts 1° e 5 do Código de Registo Predial, devendo, em consequência, ser revogado por um despacho que julgue improcedente a excepção de caducidade alegada pelas apeladas.
Y.Por outro lado, na contagem do prazo de caducidade, aplicam-se as regras de contagem previstas no artº 279° do Código Civil.
Z.À luz desse normativo, designadamente na sua alínea b), resulta que na contagem de qualquer prazo não se inclui o dia em que ocorrer o evento a partir o qual o prazo começa a correr.

AA.No caso em apreço, não se deve incluir o dia da escritura aqui em causa, ou seja, não se deve incluir o dia 19.05.2009, devendo a contagem do prazo a partir do dia 20.05.2009.
BB.Terminando esse prazo dia 20.05.2014, data da propositura da acção génese destes autos, tudo nos termos das alíneas b) e c) do artº 279° do Código Civil.
CC.Não se verificando, assim, a caducidade do direito de impugnação aqui em causa, devendo em consequência, ser revogado o douto despacho aqui em causa, e ser proferido despacho que considere improcedente a excepção de caducidade invocada pelas apeladas com as legais consequências.
Termina, pedindo que seja concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, o despacho recorrido ser revogado e substituído por um despacho que julgue improcedente a excepção de caducidade.

Não houve contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II-FUNDAMENTAÇÃO.

A)Fundamentação de facto.
A matéria de facto que a primeira instância considerou com interesse para a decisão é a seguinte:
1º-Por escritura pública de 19-05-2009, a 1ª ré declarou vender e a 2ª ré declarou comprar os prédios elencados no art° 17° da petição inicial - doc. fls. 75 a 80;
2º-A presente acção foi instaurada no dia 20 de Maio de 2014 - cf. fls. 87.

B)Fundamentação de direito.

A única questão colocada e que este tribunal deve decidir, nos termos dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, consiste em saber se devia ter sido julgada procedente a excepção peremptória de caducidade do direito à impugnação pauliana.

Cumpre decidir.

O autor desenhou a presente acção como uma acção de impugnação pauliana prevista nos artigos 610º e seguintes do Código Civil.

Estatui o artigo 618º do Código Civil que o direito de impugnação caduca ao fim de cinco anos, contados da data do acto impugnável.

Sobre esta matéria dir-se-á que estamos em face de um direito de natureza potestativa. Tendo em conta que com o seu accionamento se pretendem operar efeitos na esfera jurídica do devedor, mas que abarcam também a esfera jurídica do terceiro adquirente, é com naturalidade que se deve encarar a fixação de um prazo para o exercício de tal direito, por razões de segurança e de estabilização das relações jurídicas.

Esse prazo, de acordo com o normativo legal citado, é de cinco anos, durante o qual é possível ao credor impugnar o acto celebrado em seu prejuízo.

O texto do artigo 618º do Código Civil não deixa margem para dúvidas ao estipular que o facto relevante para o início do prazo de caducidade corresponde ao momento em que é praticado o acto impugnado, o que não pode deixar de corresponder ao acto de alienação decorrente da outorga da escritura de compra e venda.

Por conseguinte, o prazo de cinco anos conta-se a partir da data da celebração da respectiva compra e venda.

Tal conclusão sai reforçada quando se verifica que o efeito translativo do direito de propriedade ocorre simultaneamente com a outorga do contrato, nos termos dos arts. 874º e 879, al. a), do Código Civil, assim se confirmando, relativamente ao contrato de compra e venda típico, aquilo que em geral é anunciado pelo art. 408º do CC, quanto à constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada, que surgem como efeitos do contrato de alienação.

Por outro lado, no nosso sistema e ordenamento jurídico, o registo dos direitos não tem, em regra, eficácia constitutiva, mas meramente declarativa. A transmissão e a correspondente aquisição dos direitos sobre imóveis não estão legalmente dependentes da inscrição do respectivo acto no registo predial.

Daí que, não seja defensável, nem faça qualquer sentido estabelecer para o início da contagem do prazo de caducidade da acção de impugnação pauliana a data do respectivo registo.

Acresce que, por razões de segurança jurídica, o regime da caducidade é bem mais rigoroso do que o previsto para a prescrição.

É por isso que no artigo 328º do Código Civil se determina que “o prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe senão nos casos em que a lei o determine”, sendo que, em consonância com o que se dispõe no artigo 329º do mesmo Código, sobre o começo legal da contagem do prazo da caducidade, o direito de impugnação poderia ter sido exercido a partir do momento em que foi celebrada a escritura de compra e venda, sem que o credor tivesse de esperar pela inscrição no registo da aquisição a favor da R.

Tão pouco pode o autor invocar o facto de o referido registo ter sido efectuado em data posterior ou a falta de conhecimento anterior da existência da referida escritura pública de compra e venda.

Fazê-lo, seria permitir a alegação de um fundamento cuja consequência seria a de, na prática, proceder a um prolongamento do prazo de caducidade legal.

Prolongamento esse que a lei não consente, pois estatui de forma clara que os cinco anos para a caducidade do direito de impugnação são contados da data do acto impugnável e não da data do conhecimento desse acto – cf. artº 618º do Código Civil[1].

A decisão recorrida decidiu e em perfeito acerto, nos seguintes termos: “um dos actos que se pretendem impugnar, as transmissões de propriedade operadas por via da escritura pública de compra e venda, ocorreu em 19-05-2009 (art° 17° da p.i.). Não se verifica a ocorrência de nenhuma causa impeditiva da caducidade - art° 331° do Código Civil. O prazo de cinco anos conta-se, por força do art° 296° do Código Civil, segundo as regras do art° 279° alª c) do mesmo código, pelo que terminou no dia 19-05-2014 (segunda-feira). A presente acção só foi instaurada no dia seguinte, ou seja, numa altura em que o direito de impugnar o acto de transmissão referido no art° 17° da p.i. já tinha caducado”.

Assim, concluindo no mesmo sentido em que se decidiu no acórdão da Relação do Porto de 29-04-1986:

“ O prazo de cinco anos, durante o qual é possível ao credor impugnar o acto celebrado em seu prejuízo, conta-se a partir da data desta celebração, mesmo que o acto tenha sido registado”[2].
Também a Relação de Coimbra, no seu acórdão de 02-03-1999, decidiu que o prazo de caducidade da acção de impugnação pauliana deve começar a contar-se da  data da celebração do negócio impugnado[3].

Perante o exposto, o direito de impugnação pelo autor da escritura de compra e venda de 19 de Maio de 2009, estava caduco à data em que a presente acção foi proposta (20 de Maio de 2014), por a esta última data já haver decorrido o prazo de cinco anos a que se refere o citado 618º do Código Civil.

EM CONCLUSÃO:

-O prazo da caducidade do direito de impugnação pauliana, que a lei fixa como ocorrendo ao fim de cinco anos, conta-se a partir da data da celebração da respectiva compra e venda, não podendo o autor invocar o facto de o referido registo ter sido efectuado em data posterior ou a falta de conhecimento anterior da existência da referida escritura pública de compra e venda.
- De outro modo, seria permitir a alegação de um fundamento que se traduziria num verdadeiro prolongamento do prazo de caducidade, prolongamento que a lei não consente, pois estabelece no artigo 618º do Código Civil que os cinco anos para a caducidade do direito de impugnação são contados da data do acto impugnável e não da data do conhecimento desse acto.

Nestes termos, atento o decurso do prazo de caducidade, a apelação não poderá deixar de improceder.

III-DECISÃO.

Atento o exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.


Lisboa, 5/5/2016


Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais
Carla Mendes

[1]Cfr Ac. RL de 06.03.2008, procº nº 358/2008-8, in www.dgsi.pt/jtrl.
[2]CJ II/1986, pág. 205.
[3]CJ III/1999, pág. 11

Decisão Texto Integral: