Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8313/12.2TCLRS-A.L1-6
Relator: MARIA MANUELA GOMES
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
CONFISSÃO DE DÍVIDA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/25/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: -Do elenco do artigo 703.º do Código de Processo Civil vigente, com a epígrafe de “espécies de títulos executivos” foram eliminados os documentos a que se reportava a alínea c) do n.º 1 do artigo 46.º do anterior diploma - “Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto”.
-A eliminação aconteceu por esses documentos estarem sujeitos à dedução de oposição à execução, sob os mais variados fundamentos, desde a impugnação da letra e assinatura à interpretação das declarações, atenta a sua frequente deficiência de redacção, o que provocava múltiplos atrasos e consequente acumulação de processos.
-Sendo a instauração da execução (2012) e a data do documento dado como título (31.12.2007) anteriores à entrada em vigor do actual Código de Processo Civil (1.09.2013), deve atender-se ao n.º 3 do artigo 6.º da Lei n.º 41/2013, que estabelece que o disposto no novo Código de Processo Civil relativamente aos títulos executivos, às formas do processo executivo, ao requerimento executivo e à tramitação da fase introdutória, só se aplica às execuções iniciadas após a sua entrada em vigor.
-De outra banda, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 408/2015, de 23 de Setembro de 2015 - Proc. n.º 340/2015 - declarou, “com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que aplica o artigo 703.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, a documentos emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis, por força do artigo 46.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil de 1961, constante dos artigos 703.º do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 3 da Lei n.º 41/2013 de 26 de Junho, por violação do princípio da protecção da confiança (artigo 2.º da Constituição).”
-A certeza da prestação (actual art. 713º do CPC, anterior art. 802º) conecta-se com a prestação em si, ou com o seu objecto, já não com o “quantum”, que se afere em sede de liquidação e a exigibilidade verifica-se com o tempo do vencimento (artigo 777.º do Código Civil). Outrossim, a obrigação é líquida, se de “quantum” determinado.
-O título executivo, estabelecendo os limites da execução, não se confunde com causa de pedir da mesma.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.


I-Relatório:


1.A... e B... intentaram execução para pagamento de quantia certa, com processo comum, contra M..., M... e “C... Limitada”.

É título executivo um documento particular, datado de 31 de Dezembro de 2007 e com a epígrafe “Contrato de para pagamento da dívida constante da confissão de dívida feita nesta data de 31/12/2007”.

Em anexo a este documento está outro intitulado “Confissão de Dívida”, com a mesma data e subscrito pelos executados M... e M... aí referidos como “Mutuários”, sendo que os exequentes subscreveram igual documento referidos como “Mutantes”.

Os executados, invocando o artigo 813.º do Código de Processo Civil deduziram oposição à execução.

E alegaram, em síntese, que no “contrato” referido fizeram constar do intróito que actuaram “por si próprios e enquanto únicos sócios da sociedade comercial por quotas que usa a firma “C... Ld.ª”, também executada; que no intróito do “canhoto” consignou-se que “se contrata o pagamento da quantia de € 397.851,64, constante da “Confissão de Dívida” efectuada em documento separado”; que, na cláusula 1.ª do contrato de 31/12/2007, consignou-se que aquele valor “é dividido em duas parcelas, sendo uma de € 170.000,00 (…) e outra de € 227.851,64 referente a juros vencidos”; que, na cláusula 2.ª estipularam que “a taxa de juro sobre a parcela referente aos empréstimos no valor de €170.000,00 será de 15% ao ano e, quando não forem pagos acrescem à parcela referente aos juros vencidos”; que na cláusula 3.ª do mesmo contrato, ficou previsto que “a taxa de juro sobre outra parcela, no valor de € 227.851,64, será de 1,5% ao mês”; que por anexo ao documento “Confissão de Dívida”, os executados subscreveram a seguinte declaração: “Confessam-se, para todos os legais efeitos, solidariamente com a sociedade sua representada atrás indicada, devedores da quantia de € 397.851,64 euros” aos exequentes; e ainda que “tal montante (…) se reporta à data de 31 de Dezembro de 2007 e traduz o saldo de uma conta corrente, resultante de vários empréstimos em dinheiro e respectivos juros vencidos, efectuados pelos Mutuantes aos Mutuários, todos acima devidamente identificados, ao longo dos últimos doze anos”; mais declararam que a “forma de pagamento desta dívida será contratualizada em separado”.

Argumentaram, de seguida, que os contratos referidos foram subscritos em documento particular, que não em escritura pública e que as assinaturas dos executados não foram reconhecidas ou autenticadas; daí que tal declaração negocial seja nula, nos termos do artigo 220.º do Código Civil, pela inobservância das regras do artigo 1143.º do mesmo Código.

Haverá, em consequência, falta de título executivo — artigo 46.º, n.º 1, c) do CPC.

Os oponentes referem ainda que os juros de 15% implicam que o contrato de mútuo seja usurário, conjugando o n.º 1 do artigo 1146.º CC e a Portaria n.º 291/2003 de 8 de Abril.

Dizem, finalmente que a taxa de juro fixada no documento particular excede os limites legais, ainda que acrescida dos valores percentuais do normativo legal do artigo 1146.º, n.º 1, “in fine” do C.P.C., sendo, por isso, tal cláusula nula, nos termos e efeitos do artigo 280.º, n.º 1 do Código Civil, por ser contrária à lei.

Na 3.ª Cláusula do Contrato de 31/12/2007 é ainda fixada uma taxa de juros de 1,5 % ao mês sobre a parcela no valor de € 227.851,64; convém atentar que na Cláusula 1.ª, à referida parcela de € 227.851,64 é atribuída a natureza de juros vencidos; ou seja, na Cláusula 3.ª convencionou-se a capitalização de juros (ou juros sobre juros) e o artigo 560.º do Código Civil (anatocismo), estabelece que, para que os juros vencidos produzam juros, é necessária convenção, posterior ao vencimento.

Prossegue aquele preceito (artigo 560.º do Código Civil), dizendo que pode haver também juros sobre juros, a partir da notificação judicial feita ao devedor para capitalizar juros vencidos ou proceder ao seu pagamento sob pena de capitalização. E o n.º 2 do mesmo artigo 560.º do Código Civil prevê ainda que só podem ser capitalizados juros correspondentes ao período mínimo de 1 (um) ano.

E conclui que, na presente acção, não estão reunidas as condições para se aplicar a capitalização de juros; nem ficou demonstrada que a capitalização de juros foi apenas convencionada após o seu vencimento, pois o que aconteceu é que os juros sobre juros foram desde logo previstos no próprio documento em que também foram fixados os juros (“vide” Cláusula 3.ª do Código Civil). E também não foi realizada qualquer notificação judicial ao alegado devedor dos juros sobre juros, como se dispõe no 2° segmento do artigo 560.º, n.º 1 do Código Civil.

Mais alegam que também não foi respeitada a limitação do período mínimo de 1 (um) ano, do n.º 2 do artigo 560.º do Código Civil, visto que no ponto 3.1) do Contrato de 31/12/2007 até é estipulado que o valor destes juros aumentará ao fim de cada ano.

A proibição do anatocismo pode ser derrogada pelas regras ou usos particulares do comércio, exigindo-se porém que haja notificação judicial prévia ao devedor e que tal só ocorra após o vencimento dos juros” (vide ibidem, sublinhado nosso).

Tal não se passou nesta situação, pelo que é de concluir pela verificação de uma situação de anatocismo, proibida por lei e logo nula, nos termos do artigo 280.º, n.1 do Código Civil.

Para além disso, nos termos do artigo 802.º do Código de Processo Civil são requisitos da obrigação exequenda a existência de uma dívida que seja certa, exigível e líquida; ora, ficou patente que a pretensa dívida aqui em causa também nunca poderá ser considerada certa, líquida, ou exigível, decorrente da falta de concretização dos alegados valores, não estando demonstrada a verificação da condição suspensiva.

Para culminar pedem a suspensão da execução alegando:

Nos termos do artigo 818.º, n.º 1 do C.P.C., o recebimento da oposição suspende o processo quando seja apresentado documento que constitua princípio de prova e justifique assim a suspensão do processo; destarte, da apreciação do próprio título executivo, resulta desde logo que estamos perante documentos que não têm a virtualidade de preencher os pressupostos do artigo 46.º, n.º 1, alínea c) do C.P.C., pelas razões acima aduzidas; assim, resulta claro que a presente execução traduz-se numa situação de injustiça, a prosseguirem as diligências de penhora, pelo que o prosseguimento dos autos de execução, antes da decisão judicial sobre a presente oposição, corre o risco de praticar diligências de penhora que mais tarde poderão, com grande probabilidade, vir a ser anuladas, face às grandes evidências que apontam para a falta de título executivo.

Terminaram pedindo a procedência da oposição e a extinção da execução.         

Os exequentes contestaram.

Alegaram, em síntese, que os oponentes confessaram – irretractavelmente – terem recebido € 170.000,00, quantia correspondente a dois mútuos (€ 100.000,00 e € 70.000,00) sendo o montante de € 227.861,64 referente a juros vencidos “convencionados pelas partes”; que essa dívida foi reconhecida; que a eventual falta de forma do mútuo, implicando, embora, a nulidade (artigo 1143.º CC) não os exonera da restituição da quantia mutuada, excepto os juros, aos quais se retroage a nulidade.

Concluem pelo prosseguimento da execução para pagamento da quantia de € 170.000,00 com juros vencidos e vincendos desde a citação.

Mais pediram o indeferimento do pedido de suspensão do processo e a manutenção da penhora.

Na 1.ª Instância (2.ª Vara de Competência Mista do Tribunal de Família e Menores e da Comarca de Loures) a oposição foi julgada totalmente improcedente.

Inconformado, apelou o executado, alegando e concluindo que:

1-No documento particular denominado “Confissão de Dívida”, dado como título à presente execução fez-se constar que “a forma de pagamento desta dívida será contratualizada em separado”.
2-Por outro lado, o Executado não deixou também de alegar, nos artigos 52.° a 55.° da sua Oposição que, em documento separado, foram contratualizadas determinadas condições, condicionadas à verificação de um acontecimento futuro e incerto, que obstam a que estejamos perante uma dívida certa, exigível e líquida, na esteira do actual artigo 713.° do CPC.
3-Note-se que, na Cláusula 4.ª do Contrato (anexo à Declaração), ficou contratualizado que os Executados comprometiam-se a entregar aos Exequentes determinadas quantias, por cada escritura de compra e venda realizada, relativamente a 32 (trinta e duas) fracções.
4-Não tendo, no entanto, sido convencionadas quaisquer datas ou prazos para a celebração das ditas escrituras.
5-Assim, mesmo que o Tribunal “a quo” quisesse afastar o documento particular, que traduz um contrato de mútuo (nulo por falta de forma, à luz do artigo 1143.° do Código Civil), o certo é que a denominada “Confissão de Dívida” também não reúne os requisitos do anterior artigo 46.°, n.° 1, alínea c) do CPC, precisamente por não traduzir a constituição ou verificação de uma obrigação certa, exigível e líquida (actual artigo 713.° do CPC).
6-Como foi alegado nos artigos 53.° a 55.° da Oposição, está em causa a remissão para a Cláusula 4.ª do Contrato em anexo e que se encontra subordinada à verificação de uma condição suspensiva, nos termos do artigo 270.° do Código Civil, por fazer depender da produção de efeitos do negócio jurídico a verificação de um acontecimento futuro e incerto (a realização das escrituras de compra e venda, mencionadas na Cláusula 4.a do Contrato, em datas e prazos não especificados).
7-Assim, caberia aos Exequentes demonstrar que já haviam sido realizadas as escrituras de compra e venda das aludidas fracções da Cláusula 4.ª do Contrato e que por essa via, a dívida já se tornava, certa, líquida e exigível, o que não foi feito.
8-Do artigo 46.°, n.º 1, alínea c) do CPC «resulta que o título exibido pelo Exequente, tem que constituir ou certificar a existência da obrigação, não bastando que preveja a constituição desta» (vide Ac. Tribunal da Relação de Lisboa, Proc. n.° 2135/12.8TBCSC.L1-7, datado de 22/01/2013).
9-«O documento apresentado como “título executivo” pelos Exequentes não encerra em si mesmo, nem a constituição, nem o reconhecimento imediato de qualquer obrigação pecuniária, pois esta estava sujeita a determinados circunstancialismos causais, que não se têm como certos (...)» (vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo n.° 2319/10.3TBOAZ-A.P1.S1, datado de 10/12/2013).
10-In casu, trata-se pois de uma mera Declaração, sujeita a determinadas condições, e que, ainda por cima, vão ainda ser contratualizadas em separado, não podendo assim desta forma daí decorrer qualquer reconhecimento ou confissão de dívida (cfr., a este propósito Lebre de Freitas, “A Confissão no Direito Probatório”, 2.ª Edição, 437/454).
11-E voltando a citar o aludido Acórdão do STJ, (Processo n.° 2319/10.3TBOAZ-A.P1.S1), não podemos deixar de perfilhar a conclusão de que não foi por mero acaso que o legislador de 2013, no seu artigo 703.° do CPC, irradiou do leque dos títulos executivos os documentos particulares assinados pelo devedor de onde constasse um reconhecimento de dívida, já que, tais documentos traziam, como trazem ainda, complexidades várias a nível interpretativo que transcendem o escopo da acção executiva e podem subvertê-la.

Pediu, a final, a extinção da execução.

Os recorridos contra alegaram, pugnando pela manutenção da sentença posta em crise.
 
2.O tribunal recorrido deu como provada a seguinte matéria de facto:

—A... e B... requereram execução comum contra M..., M... e “C... Ld.ª” com fundamento na dívida de € 397.851,64 consubstanciada no documento de confissão de dívida, junto a fls. 6 dos autos de Execução.
—Os executados subscreveram o referido documento, datado de 31/12/2007.

Colhidos os vistos, cumpre conhecer.

3.Antes do mais, e como questão prévia suscitada pelos recorrentes, iremos proceder a uma primeira exegese sobre a exequibilidade do título.

Na perspectiva do recorrente, do elenco do artigo 703.º do Código de Processo Civil vigente, com a epígrafe de “espécies de títulos executivos” foram eliminados os documentos a que se reportava a alínea c) do n.º 1 do artigo 46.º do anterior diploma.

Aí se dispunha — na redacção do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto — serem títulos executivos “os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto”.

Como explica Abílio Neto (apud “Novo Código de Processo Civil - Lei n.º 41/2013 – Anotado, Junho/2013, 266) a alteração proposta pela Comissão para a Reforma do Processo Civil, ao “apagar” aquela alínea, surgiu “por se ter entendido que os documentos em apreço ofereciam um diminuto grau de segurança e, por essa razão, eram aqueles que mais estavam sujeitos à dedução de oposição à execução, sob os mais variados fundamentos, desde a impugnação da letra e assinatura à interpretação das declarações, atenta a sua frequente deficiência de redacção, o legislador optou pela solução radical de as suprimir do elenco dos títulos executivos, pese embora a circunstância de, com isso, obrigar os interessados a recorrerem à prévia acção declarativa, com inerente acréscimo de litigiosidade, que se quis evitar quando lhes foi conferida executoriedade”. (cfr. v.g., ainda, Lebre de Freitas – “A acção executiva – À luz do Código de Processo Civil de 2013, 2014 e “Os paradigmas da acção executiva”; e Ribeiro Mendes in “O processo executivo no futuro Código de Processo Civil”.

Mas a esta pertinente crítica final poderia acrescentar-se que se desvaloriza a declaração confessória, sendo que tal meio de prova é o que mais contribui para a ética e probidade da litigância.

No caso em apreciação questionou-se a aplicação do artigo 703.º do CPC 2013  perante um documento, antes título executivo, face à eliminação da alínea c) do n.º 1 do diploma anterior.

Porém, o Acórdão do STJ de 10/12/2013, citado pelos recorrentes – proc. nº 2319/10.3TBOAZ–A.P1.S1 – contém uma mera afirmação que não relevou para o “thema decidendum” sendo mera opinião doutrinária.

O que aqui importa é a data da instauração da execução (2012) e a data do documento dado como título (31.12.2007).

Ambos são anteriores à entrada em vigor do actual Código de Processo Civil (1.09.2013).

Ora, o n.º 3 do artigo 6.º da Lei n.º 41/2013 estabelece que “o disposto no Código de Processo Civil, aprovado por anexo à presente lei, relativamente aos títulos executivos, às formas do processo executivo, ao requerimento executivo e à tramitação da fase introdutória, só se aplica às execuções iniciadas após a sua entrada em vigor”, o que como se viu não é o caso.

De outra banda, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 408/2015, de 23 de Setembro de 2015 - Proc. n.º 340/2015 - declarou, “com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que aplica o artigo 703.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, a documentos emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis, por força do artigo 46.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil de 1961, constante dos artigos 703.º do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 3 da Lei n.º 41/2013 de 26 de Junho, por violação do princípio da protecção da confiança (artigo 2.º da Constituição).”

Com a douta argumentação, e filosofia imanente a este importante aresto não temos dúvidas quanto à exequibilidade do título, nesta parte.

4.Também não têm razão os oponentes quando apelam para a falta de certeza, exigibilidade e liquidez do título (actual artigo 713.º CPC; anterior artigo 802.º).

É que a certeza da prestação conecta-se com a prestação em si, ou com o seu objecto, já não com o “quantum”, que se afere em sede de liquidação.

E o n.º 1 do artigo 280.º do Código Civil refere o negócio “indeterminável” (esse, sim, fulminado com nulidade) que não o indeterminado.

A exigibilidade verifica-se com o tempo do vencimento (artigo 777.º do Código Civil), questão que, como obrigação pura que é, aqui não se coloca.

Outrossim, a obrigação é líquida, por de “quantum” determinado, como resulta da factualidade assente e reportada aos documentos juntos.

5.Finalmente, umas muito breves considerações a rebater o alegado quanto ao contrato de mútuo.

O título executivo é uma declaração confessória de dívida, feita em termos inequívocos e reportada a uma quantia líquida, assim, e como atrás se disse, preenchendo os requisitos da alínea c) do n.º 1 do 46.º CPC anterior.
Esse título (estabelecendo limites da execução), não se confunde com causa de pedir da mesma.
Os contratos não são o que os contraentes apodam mas o que se infere do que clausularam.
Assim, não é um contrato de mútuo só porque os outorgantes se intitulam de mutuante e mutuário, mas onde se funda o direito peticionado.
E não tendo sido demonstrados os elementos do artigo 1142.º do Código Civil não pode afirmar-se, apodicticamente, estar-se perante um mútuo.

Mas, ainda que assim não se entendesse – o que não se aceita “in casu” - acompanharíamos a doutrina do Acórdão do STJ, de 4 de Fevereiro de 2014 – proc. nº 2390/11.0TBPRD-A.P1.S1 – ao julgar:

Reconhecida a nulidade do contrato de mútuo subjacente ao título executivo apresentado, e sendo essa nulidade do conhecimento oficioso, pode valer o título executivo como fundamento da consequência legal da nulidade, de restituição do que houver sido prestado, nos termos do art. 289º, nº 1 do Cód. Civil?

Defende a posição afirmativa, o Prof. Anselmo de Castro, in “A Acção Executiva Singular, Comum e Especial”, págs. 41 e 42 da 3ª ed., onde se refere que “não há coincidência entre a força probatória legal e força executiva ou exequibilidade. A lei concede força executiva a títulos que não possuem força probatória legal ”. E acrescenta mais adiante “ mesmo quando representativas de mútuo” – referindo-se a obrigações pecuniárias -, “formalmente nulo, será o título de considerar-se sempre exequível para a restituição da respectiva importância, só o não sendo para o cumprimento específico do contrato (v.g. para exigir os juros)”.

No mesmo sentido concluiu o Acórdão do STJ, de 19.02.2009, - proc. nº 07B4427- referindo que o título executivo é o invólucro sem o qual não é possível executar a pretensão ou direito que está dentro desse invólucro, revestindo a declaração de dívida – que no caso se refere a um contrato de mútuo igualmente nulo por vício de forma – o formato do invólucro e o contrato nulo constitui o conteúdo de que resulta nos termos do art. 289º, nº 1 do Cód. Civil, a obrigação de restituir tudo o que tiver sido prestado, podendo este direito à restituição ser exigido em acção executiva com a declaração de dívida como título executivo.

Mas, repete-se, não se tendo provado o mútuo e atendendo ao disposto no n.º 1 do artigo 458.º do Código Civil, a execução basta-se com a confissão de dívida que serviu de título.

Improcede, pelo exposto a argumentação do recorrente.

Decisão.

6.Termos em que se acorda em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.


Lisboa, 25 de Fevereiro de 2016


Maria Manuela B. Santos G. Gomes
Fátima Galante
Gilberto Jorge
 
Decisão Texto Integral: