Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2201/11.7TBPDL-A.L1-1
Relator: ROSÁRIO GONÇALVES
Descritores: ARRENDAMENTO
PRAZO
OPOSIÇÃO
RENOVAÇÃO
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
ARRENDAMENTO VINCULÍSTICO
DENÚNCIA
SENHORIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/19/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. - O prazo de trinta anos previsto no art. 1025º do Código Civil, vale apenas para a estipulação de um prazo para a celebração do arrendamento e não para limitar o prazo da sua duração.
II - Não obstante uma das inovações do NRAU fosse eliminar a oposição à renovação nos contratos de arrendamento, o certo é que, nos arrendamentos vinculísticos, quer habitacionais quer não habitacionais, não podem os mesmos ser alvo de denúncia livre por parte dos senhorios, já que, não tem aplicação a estes arrendamentos a alínea c) do art. 1101º do Código Civil, ex vi do nº 4 do art. 26º da Lei nº. 6/2006, de 27 de Fevereiro.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

1- Relatório:

Por apenso aos autos de execução movidos pelos exequentes, A.B… e P.B…, contra a executada, G.B… Lda., veio esta deduzir a presente oposição à execução.
Para tanto, alegou a opoente que, perante a existência de um contrato de arrendamento para fins não habitacionais, sem duração limitada, celebrado antes da entrada em vigor do NRAU, não dispõem os senhorios da faculdade de se oporem à renovação do arrendamento, sendo inválida a denúncia operada e, consequentemente, inexequível o título apresentado à execução.

Contestaram os exequentes, alegando que a denúncia efectuada é válida e eficaz, pelo que a comunicação ao inquilino registada de oposição à renovação de contrato de arrendamento não habitacional, mesmo que celebrado anteriormente ao NRAU, acompanhada do respectivo contrato constitui título executivo e mesmo que assim não fosse, sempre o contrato já teria caducado por durar há mais de 30 anos.

Respondeu a executada, concluindo como no requerimento inicial.

Prosseguiram os autos, vindo a ser proferida sentença, com a seguinte parte decisória:
«Em face do exposto, pela fundamentação expressa e ao abrigo das disposições legais citadas, julgo a presente oposição à execução procedente, por provada, e em consequência determino a extinção da execução a que os presentes autos correm por apenso».

Inconformados recorreram os exequentes, concluindo nas suas alegações:
I — Constando da matéria de facto exposta que o contrato de arrendamento dos autos, existente havia mais de dez anos, foi refundido e reduzido a escrito em 21 de Agosto de 1991, nos termos de documento complementar anexo entre a Apelada que havia adquirido por trespasse posição de inquilina no contrato de arrendamento e os então proprietários do prédio, tendo a sentença no decisório afirmado que o contrato foi celebrado depois do RAU e antes da alteração introduzida pelo Dec-Lei nº 257/95, está em oposição com a matéria de facto provada, enfermando por isso do vício de nulidade de sentença previsto na alínea b) do artigo 668° do CPC;
II — Invocando a Apelada em sede de Oposição à execução que lhe foi movida para despejo que a Oposição à renovação comunicada pelos Apelantes não constitui título executivo, por ser inválida, por aos contratos para fins não habitacionais estar prevista a especificidade contida no artigo 26° n°4 do NRAU e tendo os Apelantes excepcionado com a caducidade do contrato de arrendamento e com a aplicação do previsto no artigo 1101º c) do CC, por aquela disposição ser meramente transitória e o NRAU ter aplicação imediata no caso concreto, a sentença que julgou procedente a Oposição sem que se tivesse pronunciado sobre nenhuma das questões em concreto colocadas, enferma da nulidade inserta no artigo 668º n.º1 d) do CPC.
III — Estando apenso aos autos principais procedimento cautelar de que consta que o contrato de arrendamento urbano para fins não habitacionais sobre que aqueles versam foi celebrado em Junho de 1978 e foi sucessivamente transmitido por intermédio de escrituras de trespasse e por último, por esta mesma via, para a Apelada, a sentença sob censura podia e devia ter julgado a caducidade do contrato de arrendamento por haver perdurado por mais de trinta anos, ao momento (Julho de 2010) em que foi denunciado, sob pena de violação do disposto nos artigos 1025º e 1095° n°2 do Código Civil.
IV - A despeito de o NRAU ser omisso quanto à lei a aplicar em matéria de formação dos contratos e tendo o contrato dos autos sido formalizado aquando da vigência do código civil de 1966, sem questionar que naquele aspecto está sujeito a tal regime, de acordo com as melhores doutrina e jurisprudência, no simples facto apurado de que o contrato vigorou por trinta anos, podia e deveria a sentença julgá-lo caduco. Ao não fazê-lo a sentença trás implícita uma interpretação dos artigos 1025° e 1051 a) do CC que perspectiva, ilegalmente, a perpetuidade do contrato de arrendamento, dito, vinculístico.
V – A melhor interpretação a dar aos preceitos que ao momento da constituição do contrato dos autos vigoravam, mormente ao disposto nos artigos 1025° em matéria de duração máxima da locação e 1051 n°1 do CC, em matéria de caducidade, é aquela que baseada no simples facto de o contrato vinculístico para fins não habitacionais ter durado 30 anos, findou o prazo estipulado por lei para a respectiva vigência.
VI – A lógica e racionalidade de tal interpretação vem ao de cima se tivermos em conta que o legislador de 1966 era adverso a contratos perpétuos, o do Dec-Lei n°257/95 abriu às partes alguma liberdade contratual na matéria e o do NRAU veio definitivamente acabar com os arrendamentos vinculísticos, pondo primazia na autonomia da vontade e igualdade, em qualquer caso, em, nos termos legais, qualquer das partes poder denunciar o contrato.
VII – A lógica e racionalidade ainda daquela interpretação ressaltam do regime estatuído no artigo 1056° do CC quando estabelece que não obstante a caducidade o contrato renova-se ou prorroga-se a menos que o locador se oponha à renovação.
VIII – Quer se renove, quer se prorrogue o contrato sem duração limitada celebrado à luz do Código Civil de 1966, apenas a imposição de um limite máximo de vigência consagrado como limite de ordem pública e findo o qual se verifica a caducidade do contrato é que constitui a garantia de que os contratos sem duração limitada se não perpetuem.
IX – Está implícito na decisão recorrida interpretação contrária, ou seja, que o contrato não caduca ao fim de trinta anos de vigência, quando decreta a inviabilidade da oposição à renovação de contrato que vigorou por mais de trinta anos, ou seja ainda, a interpretação dos artigos 1025° e 1051º do CC que conduzem à perpetuidade do contrato, para fins não habitacionais, sem duração limitada.
X – Mas a interpretação da sentença dada a tais preceitos não só atenta contra o primado da autonomia contratual que o regime de arrendamento mais recente veio privilegiar, como lesa e afecta o direito constitucional (análogo aos fundamentais) da propriedade, mesmo na sua vertente económico-social, da mesma forma que afronta sub-princípios constitucionais emergentes da proibição de excessos, da desproporção de sinalagma contratual e do equilíbrio negocial, todos eles integradores de um Estado de Direito Democrático.
XI - O NRAU aplica-se a todas as relações contratuais arrendatícias ainda que constituídas anteriormente à sua entrada em vigor.
XII – A alteração substancial mais relevante introduzida pelo NRAU consistiu na eliminação do monopólio da oposição à renovação, por parte do inquilino, em qualquer modalidade de arrendamento, e seja qual for o respectivo tipo de duração, passando, também o locador a gozar do direito de se opor à renovação ou de denunciar, não, fundadamente, o contrato, embora com observância do prazo de pré-aviso, com antecedência legal.
XIII - O seu aspecto mais inovador foi o de prever a possibilidade de o locador poder opor-se à renovação do contrato de arrendamento, quer este seja habitacional, ou para fins não habitacionais, tenham ou não duração limitada.
XIV — De todo o modo, o novo regime, apenas transitoriamente inviabiliza ao locador a oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais, tradicionalmente tido por vinculísticos.
XV — O facto de prever a cessação de tal inviabilidade nos casos das alíneas a) e b) do nº 6 do artigo 26° do NRAU, não retira e não ofusca o carácter transitório na norma prevista no seu n°4 alínea c), posto que à luz deste regime o direito de oposição à renovação passa a ser a regra ao passo que a submissão à renovação ou prorrogação forçada é a excepção, doutro modo o legislador teria sido incoerente com a uniformização de regime que pretendeu dar ao arrendamento e incongruente com a primazia que deu à liberdade de contratar ao invés de ser o contrato a submeter-se a um estatuto legal.
XVI — O carácter transitório da norma estabelecida no artigo 26° nº 4 c) só faz sentido, perante a equação/previsão de que no contrato sem duração limitada ocorrerá qualquer vicissitude, como as previstas nas alíneas a) e b) do n°6 do mesmo preceito legal, que afastará a perpétua submissão ao princípio da prorrogação forçada, posto que de outro modo, o instituto perpetuar-se-á, e com ele a ilimitada duração dos contratos.
XVII — Ora para dar precisão à norma a vicissitude referida apenas pode ser o decurso da duração máxima do contrato, sob pena de a mesma não ser transitória e a pretendida uniformização de regime se frustrar.


Não foram apresentadas contra-alegações.


Foi determinado o cumprimento do disposto no nº 1 do art. 670º do CPC., o que mereceu o despacho de fls. 120 dos autos.


Foram colhidos os vistos.


2- Cumpre apreciar e decidir:

As alegações de recurso delimitam o seu objecto, conforme resulta do teor das disposições conjugadas dos artigos 660º, nº2, 664º, 684º e 685º-A, todos do CPC.

As questões a dirimir consistem em aquilatar:
- Se a sentença proferida padece das nulidades previstas nas alíneas c) e d) do nº 1 do art. 668º do CPC.
- Se o regime introduzido pelo NRAU eliminou a oposição à renovação do contrato em qualquer modalidade de arrendamento.

A matéria de facto delineada na 1ª.instância foi a seguinte:
A) Por escritura pública, e documento complementar, de 21 de Agosto de 1991, lavrada no Cartório Notarial de V.F. C…, a então proprietária e a Executada formalizaram, reduzindo a escrito, um contrato de arrendamento já existente para o rés-do-chão do prédio urbano sito à rua Machado dos Santos nº 65 da freguesia de S.S…,cidade e concelho de P.D…, inscrito na matriz predial urbana sob artigo ....
B) Nesse contrato ou no documento complementar fixaram as partes outorgantes que:
- O local arrendado destina-se à exposição e venda de pronto-a-vestir e produtos similares.
- O prazo do arrendamento é de seis meses, automaticamente renováveis por iguais períodos, com renovação na presente data.
- A senhoria fica com o direito de exigir as actualizações legais da renda decorrido um ano sobre a data da presente renovação e depois, decorrido um ano a contar da última actualização.
C) Por escritura pública de 21 de Agosto de 1991, e documento complementar, lavrada naquele mesmo Cartório, a executada tomou de trespasse o estabelecimento comercial, então de café, pastelaria e cervejaria, denominado "C. L.", e que se encontrava instalado naquele mesmo rés-do-chão, haveria mais de 10 anos.
D) Por carta registada com aviso de recepção datada de 30 de Julho de 2010, o Exequente A. B…, por si e em representação de P.B… comunicou à Executada que se opunham "à renovação do contrato de arrendamento titulado com esta empresa e formalizado por acto notarial em 21 de Agosto de 1991".
E) Por carta datada de 6 de Setembro de 2010, a executada comunicou ao exequente que não aceitava a comunicação para oposição à renovação do contrato de arrendamento por não ser válida.
F) Posteriormente a executada reiterou essa posição.

Vejamos:
Insurgem-se desde logo os apelantes com a sentença proferida, que reputam de nula, por enfermar dos vícios plasmados nas alíneas b) e d) do nº 1 do art. 668º do CPC.
Porém, sempre se dirá que terá havido um lapso na indicação das alíneas em causa, na medida em que terá sido indicada a alínea b), quando o que se pretendia era visar a alínea c), pois, o que os recorrentes explanaram nas conclusões do recurso foi a arguição de oposição entre os factos e a decisão, tendo no corpo das suas alegações mencionado efectivamente esta última alínea.
Assim, apreciaremos das nulidades neste contexto.
Ora, dispõe concretamente o nº1 do art. 668º do CPC. que é nula a sentença quando:
c)- Os fundamentos estejam em oposição com a decisão.
d)- O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Conforme refere, Cardona Ferreira, in Guia de Recursos em Processo Civil, 3ª. ed., pág. 36 «A hipótese da alínea c) reporta-se ao processo lógico de raciocínio e não a opção voluntária decisória, ou seja, nulidade não é o mesmo que erro de julgamento».
A oposição entre os fundamentos e a decisão dizem respeito à construção lógica da sentença e, no dizer de Alberto dos Reis, in CPC. Anotado, ano de 1981, reimpressão, vol. V «Tal nulidade só ocorre quando existe no raciocínio do julgador um vício lógico, isto é, quando os fundamentos por ele invocados conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto».
O que a lei contempla nesta alínea é a contradição real entre os fundamentos e a decisão.
Como aludem Antunes Varela e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª. ed., pág. 689…há um vício real no raciocínio do julgador e não um simples lapsus calami do autor da sentença; a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente.
O vício da alínea c) do nº1 do art. 668º do CPC., só ocorre quando os fundamentos de facto e de direito invocados na decisão recorrida conduzirem de acordo com um raciocínio lógico a resultado oposto ao que foi decidido, ou seja, quando a fundamentação apresentada justifica uma decisão precisamente oposta à tomada, como refere o Ac. do STJ. de 2/3/2011, in http://www.dgsi.pt.
Com efeito, entendem os recorrentes que a decisão está em oposição com a matéria de facto provada, porque consta desta que, o contrato de arrendamento dos autos existia há mais de dez anos e foi reduzido a escrito em 21 de Agosto de 1991 e a sentença no decisório afirmar que o contrato foi celebrado depois do RAU e antes da alteração introduzida pelo Dec-Lei nº 257/95.
A reapreciação da matéria de facto não foi suscitada nos autos, mantendo-se, por isso, a factualidade assente na sua plenitude.
Porém, compulsada esta constatamos que não assiste qualquer razão aos recorrentes, pois, em parte alguma da factualidade consta que o contrato durasse há mais de dez anos antes de ser reduzido a escrito.
O que se diz é:
A) Por escritura pública, e documento complementar, de 21 de Agosto de 1991, lavrada no C.N.V.F.C .., a então proprietária e a Executada formalizaram, reduzindo a escrito, um contrato de arrendamento já existente para o rés-do-chão do prédio urbano sito à rua Machado dos Santos nº 65 da freguesia de S. S…, cidade e concelho de P.D…, inscrito na matriz predial urbana sob artigo ....
C) Por escritura pública de 21 de Agosto de 1991, e documento complementar, lavrada naquele mesmo Cartório, a executada tomou de trespasse o estabelecimento comercial, então de café, pastelaria e cervejaria, denominado "C. L…", e que se encontrava instalado naquele mesmo rés-do-chão, haveria mais de 10 anos.
Mas, ainda assim, uma coisa é a matéria de facto e outra coisa diversa é a nulidade da sentença.
Ora, não só a factualidade não materializa a posição dos apelantes, como o raciocínio adoptado na sentença é claro, lógico e devidamente explicado nas premissas com a inerente conclusão.
Pode-se concordar ou não concordar com aquele conteúdo, mas isso terá reflexos a nível da subsunção jurídica, o que se não pode é arguir a nulidade da sentença, com base em argumentos que chamam à colação em simultâneo, a factualidade assente e a fundamentação da própria sentença, que traduzem realidades diferentes, nada tendo a ver com a nulidade da sentença propriamente dita.
Assim, o vício da alínea c) do art. 668º do CPC., não se verifica no caso sub judice.

Quanto à omissão de pronúncia da alínea d), esta só acontece quando o julgador deixe de resolver questões que as partes submeteram à sua apreciação.
A omissão de pronúncia está relacionada com o comando contido no nº.2 do art. 660º do CPC., exigindo ao julgador que resolva todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
As questões a que se reporta esta alínea d) do art. 668º do CPC., são os pontos concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções.
Ora, entendem os apelantes que a sentença proferida padece deste vício porque não conheceu de todas as questões suscitadas, concretamente, não apreciou sobre a caducidade do contrato de arrendamento, nem da aplicabilidade imediata do NRAU ao caso concreto.
Compulsada a sentença proferida, constatamos que a mesma analisou qual o regime legal aplicável à situação dos autos, definiu o tipo de contrato em apreço e aplicou-lhe as normas referentes ao regime transitório do NRAU, para concluir que os senhorios não dispunham da faculdade de poder denunciar o contrato.
Perante tal, não fazia sentido estar a analisar sobre a suscitada caducidade do contrato, na medida em que face à posição adoptada, não se verificaria aquela.
Com efeito, a caducidade traduz-se na cessação, ipso iure e para o futuro, da eficácia de um contrato de arrendamento, pela ocorrência de um acontecimento a que a lei atribua essa relevância.
Só seria de apreciar a caducidade se o contrato em causa não pudesse beneficiar de uma prorrogação e se se verificasse qualquer uma das situações plasmadas no art. 1051º do Código Civil.
Ora, tendo a sentença apreciado sobre a subsistência e prorrogação do contrato, não faria sentido apreciar outras questões, atenta a sua prejudicialidade.
Diga-se ainda, que, contrariamente ao afirmado pelos apelantes, da factualidade assente nos autos, não resulta que a celebração do contrato dos autos remonte a Junho de 1978, perdurando há mais de trinta anos.
Mas, mesmo que assim tivesse sido, nos termos consagrados no art. 1054º do Código Civil, findo o prazo do arrendamento, o contrato renova-se por períodos sucessivos se nenhuma das partes se tiver oposto à renovação.
Ora, o que está em causa é precisamente saber se a oposição à renovação do contrato pelos apelantes é admissível ou não, pois, uma coisa é a celebração do contrato pelo prazo de trinta anos, a que se reporta o art. 1025º do Código Civil e outra coisa diferente é a possibilidade da manutenção ou da renovação do contrato mesmo depois de ultrapassada aquela duração.
O prazo de trinta anos previsto no art. 1025º do Código Civil, vale apenas para a estipulação de um prazo para a celebração do arrendamento e não para limitar o prazo da sua duração.
Como consta do Ac. do Tribunal Constitucional nº 147/05, de 16-3-2005, em anotação ao art. 1025º do C. Civil, in Código Civil Anotado de Abílio Neto «A manutenção do arrendamento comercial, em virtude de sucessivas renovações, por um lapso de tempo superior a trinta anos revela-se manifestamente adequada e não excessiva, em si mesma, à garantia do direito de liberdade de iniciativa económica privada aqui especialmente encabeçada pelo arrendatário-comerciante, não lesando o conteúdo essencial ou o conteúdo mínimo do direito de propriedade».
Este acórdão não julgou inconstitucional a norma do art. 1025º do Código Civil, também aqui não fazendo eco a argumentação dos apelantes no sentido de que a perpetuidade do contrato lhes afectaria o direito de propriedade.
Com efeito, não estará em causa a perpetuidade do contrato, mas, dentro de determinados parâmetros a possibilidade ou impossibilidade da sua renovação, como veremos.
Destarte, não se verifica a invocada nulidade de sentença, na medida em que na mesma foram conhecidas as questões suscitadas.

Por último, discordam os apelantes da posição plasmada na sentença, no sentido de não poderem opor-se à renovação do contrato, argumentando que, a alteração substancial mais relevante introduzida pelo NRAU consistiu na eliminação do monopólio da oposição à renovação, por parte do inquilino, em qualquer modalidade de arrendamento.
Entendem, ainda, que as normas transitórias do NRAU só farão sentido se tiverem como marco, a duração máxima do contrato.
Ora, é à luz do regime vigente no momento em que as partes contratam que se deverá aferir do sentido das suas declarações negociais.
Como resulta da factualidade assente, por escritura pública, e documento complementar, de 21 de Agosto de 1991, lavrada no Cartório Notarial de V. F.C…, a então proprietária e a Executada formalizaram, reduzindo a escrito, um contrato de arrendamento já existente para o rés-do-chão do prédio urbano sito à rua Machado dos Santos nº 65 da freguesia de S.S…, cidade e concelho de P.D…, inscrito na matriz predial urbana sob artigo ....
Tal contrato foi formalizado após a aprovação do RAU, ou seja, do Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro, mas antes do Decreto-Lei nº 275/95, de 30 de Setembro.
Este último Decreto-Lei veio introduzir os contratos de duração limitada, no âmbito dos arrendamentos para o exercício do comércio ou indústria ou de profissão liberal, bem como, a qualquer outra aplicação lícita do locado.
Com efeito, o contrato dos autos foi formalizado na vigência do RAU e não como o afirmam os apelantes, na vigência do Código Civil de 1966.
Dispõe o art. 59º do NRAU, ou seja, da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, quanto à aplicação da Lei no tempo, que o NRAU se aplica aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias.
Assim, as normas da nova lei que dispõem sobre condições de validade substancial ou formal do arrendamento não devem ter aplicação retroactiva, continuando a ser disciplinadas pela lei vigente aquando da celebração do contrato e as normas que dispõem directamente sobre o conteúdo da relação de arrendamento, abrangendo as relações já constituídas terão aplicação imediata.
Contudo, como alude Maria Olinda Garcia, A Nova Disciplina do Arrendamento Urbano, pág. 49 e 50 «Porém, nem todas as normas do novo regime se aplicam a todas as relações de arrendamento já constituídas. Assim, como resulta dos arts. 26º e segs. da Lei nº 6/2006, a disciplina dos arrendamentos anteriores à entrada em vigor deste diploma desvia-se da disciplina dos novos contratos em três aspectos:
- Não se aplicam algumas normas do novo regime;
- Continuam a aplicar-se algumas normas do RAU;
-Aplicam-se normas transitórias especificamente previstas para estes arrendamentos».
Ora, nos termos do art. 28º do NRAU, aos contratos a que se refere o presente capítulo e que são os contratos habitacionais celebrados antes da vigência do RAU e contratos não habitacionais celebrados antes do Decreto-Lei nº 257/95, de 30 de Setembro, onde se insere o dos autos, aplica-se com as devidas adaptações, o previsto no art. 26º.
Da análise do nº 4 do art. 26º do NRAU, ex vi do art. 28º, resulta que, os contratos sem duração limitada regem-se pelas regras aplicáveis aos contratos de duração indeterminada, com as seguintes especificidades:
a)- Continua a aplicar-se o artigo 107º do RAU;
b)- O montante previsto no nº 1 do art. 1102º do C. Civil não pode ser inferior a um ano de renda, calculada nos termos dos artigos 30º e 31º;
c)- Não se aplica a alínea c) do art. 1101º do Código Civil.
Com efeito, não obstante uma das inovações do NRAU fosse eliminar a oposição à renovação nos contratos de arrendamento, o certo é que, nos arrendamentos vinculísticos, quer habitacionais quer não habitacionais, não podem os mesmos ser alvo de denúncia livre por parte dos senhorios, já que, não tem aplicação a estes arrendamentos a alínea c) do art. 1101º do Código Civil.
Como refere, Pinto Furtado, in Manual do Arrendamento Urbano, vol. II, pág. 959 «Seja o arrendamento habitacional ou não habitacional, não há em princípio, denúncia livre pelo senhorio, nos termos da alínea c) do nº 4 do art. 26º da Lei nº 6/2006».
Só relativamente aos preceitos imperativos, o NRAU será de aplicação imediata e já não assim, quanto a certas situações, concretamente, às expressamente mencionadas nas normas transitórias.
As disposições transitórias acabam por funcionar como não tocando nos anteriores regimes de arrendamento urbano (cfr. Meneses Leitão, Arrendamento Urbano, 3ª. ed., pág. 131).
Com efeito, é o próprio legislador que exclui da aplicação da lei nova, a denúncia livre pelo senhorio, relativamente a determinados contratos de arrendamento, ou seja, a oposição do locador à renovação do contrato não é livre, antes devendo obediência às regras impostas pelas normas transitórias.
Ora, a situação dos autos, enquadrando-se no nº 4 do art. 26º do NRAU, implica que a oposição dos senhorios à renovação do contrato, não seja legalmente admissível.
Destarte, não lhes assiste razão, decaindo na totalidade as conclusões do recurso apresentado.

Em síntese:
- O prazo de trinta anos previsto no art. 1025º do Código Civil, vale apenas para a estipulação de um prazo para a celebração do arrendamento e não para limitar o prazo da sua duração.
- Não obstante uma das inovações do NRAU fosse eliminar a oposição à renovação nos contratos de arrendamento, o certo é que, nos arrendamentos vinculísticos, quer habitacionais quer não habitacionais, não podem os mesmos ser alvo de denúncia livre por parte dos senhorios, já que, não tem aplicação a estes arrendamentos a alínea c) do art. 1101º do Código Civil, ex vi do nº 4 do art. 26º da Lei nº. 6/2006, de 27 de Fevereiro.


3- Decisão:

Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a sentença proferida.

Custas a cargo dos apelantes.

Lisboa, 19 de Fevereiro de 2013

Maria do Rosário Gonçalves
Graça Araújo
José Augusto Ramos