Decisão Texto Parcial: | ACORDAM do Tribunal da Relação de Lisboa
I) RELATÓRIO
S - S, com os sinais dos autos, veio instaurar a presente acção declarativa de condenação com processo comum ordinário, contra F – C N F, com os sinais dos autos, alegando ter vendido à Ré três milhões de óculos para eclipse, não tendo a Ré pago parte do preço, no montante de € 485.151,00, o que pede seja condenada a fazer acrescido de juros vencidos e vincendos.
A Ré contestou por impugnação e excepção alegando, em síntese, que a Autora entregou parte dos óculos sem as características acordadas como essenciais pelo que o montante peticionado não é devido. Pediu a condenação da Autora como litigante de má-fé em multa e indemnização.
A Autora replicou impugnando a matéria da excepção e defendendo ter cumprido o contrato.
A Ré apresentou articulado superveniente alegando pagamento parcial, na sequência do qual a Autora reduziu o pedido em conformidade, ou seja no montante de € 54.388,50 de capital, e juros correspondentes, redução que não foi homologada, mas foi tida em atenção na sentença.
Procedeu-se a audiência preliminar, tendo sido proferido saneador tabelar e organizada a matéria de facto assente e a base instrutória, sem reclamações.
Cumprido o demais legal, foi proferida sentença que condenou a Ré a pagar os montantes peticionados, deduzido o montante da redução, por entender que, sendo embora defeituosa a prestação dos óculos sem logotipo, a Ré não observou o preceituado nos artigos 913.º a 916.º quanto a denúncia dos defeitos, exigência de reparação, redução do preço ou resolução, pelo que estava obrigada ao cumprimento da sua prestação: o pagamento integral do preço.
A Ré apelou da decisão requerendo a fixação de efeito suspensivo com fundamento no prejuízo que decorreria da execução.
A Autora interpôs recurso subordinado.
Iniciaram as partes uma fase processual anómala de resposta e contra-resposta finda a qual foi indeferida a fixação de efeito suspensivo ao recurso principal, admitido como apelação. Não foi admitido o recurso subordinado.
A Relação alterou o efeito da apelação e determinou a ampliação da matéria de facto, com inclusão da impugnação motivada apresentada pela Autora à alegação da excepção da essencialidade das características dos óculos, para julgamento restrito à ampliação.
Cumprido o demais legal, quanto à matéria do aditamento que foi julgada não provada, foi proferida sentença de teor idêntico à anterior.
Desta decisão apelou a Ré e, alegando, apresentou as seguintes conclusões:
(…)
Foram apresentadas contra-alegações defendendo o bem fundado da decisão e suscitando a reapreciação de determinadas questões de facto, tendo sido também peticionada a condenação da Ré como litigante de má fé.
A Recorrente insurgiu-se quanto às contra-alegações na parte respeitante a matéria de facto, invocando que a não impugnou no seu recurso e que a Recorrida não interpôs recurso subordinado.
O recurso foi recebido como apelação, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Distribuídos os autos nesta Relação foi requerida pela Recorrente a junção de um documento. Após contraditório foi diferida para conferência a apreciação da junção.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II) OBJECTO DO RECURSO
1. Questões prévias
(…)
2. Questões a decidir
Tendo em atenção as conclusões da Recorrente e inexistindo questões de conhecimento oficioso - artigo 684.º, n.º 3, 685.º A, nº 1 e 3, com as excepções do artigo 660.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC -, cumpre decidir da apreciação do mérito da decisão de direito, nomeadamente:
1) Da qualificação do acordo
2) Das obrigações dele decorrentes para as partes
3) Do concreto (in)cumprimento do mesmo e suas consequências
4) Da litigância de má fé
III) FUNDAMENTAÇÃO
1. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1.1 Aditamento à matéria de facto
Como resulta dos articulados (mormente dos pontos 38 a 41 da contestação a fls 134) e da conjugação dos documentos de fls 146, 90 e 92/93, as partes estão de acordo em que a comunicação a que se refere o ponto 31 da matéria de facto considerada assente na sentença impugnada, foi remetida e recebida o mais tardar em 24 de Maio de 2004.
Nos termos do disposto nos artigos 484.º, nº 1, e 490.º, n.º 1 e 2, do CPC, tem de ter-se como assente o referido facto, por acordo das partes.
O artigo 713.º, n.º 2, do CPC, impõe a aplicação ao acórdão da Relação das regras estatuídas para a sentença de primeira instância, devendo ter-se em conta, para além do mais, os factos admitidos por acordo.
Deve aditar-se, assim, à matéria de facto assente aquele facto.
Entende-se que tal não implica específico contraditório prévio, no sentido de a Relação, ao decidir ter em atenção matéria admitida por acordo, estar obrigada a possibilitar às partes pronúncia sobre a questão, sob pena de violação do princípio do contraditório.
O princípio do contraditório inscreve-se na imposição de que as decisões judiciais sejam o corolário de um processo justo e equitativo – artigos 20.º , da CRP, 6.º da DUDH, e 3.º, n.º 3 , do CPC - e exprime-se em duas vertentes : a da igualdade das partes na apresentação de argumentos a respeito dos pontos determinantes para a decisão a proferir e a da possibilidade de as partes «influenciarem» a decisão judicial argumentando quanto ao sentido que a mesma deve ter.
Ora, no caso, tal não implica qualquer violação do princípio do contraditório na modalidade de quebra de igualdade.
Poderá considerar-se que a implica na modalidade de possibilidade de influência, ou seja, na proibição das “decisões-surpresa”? O que são então “decisões-surpresa”?
Refere-se a tal o Acórdão do STJ de 4 de Junho de 2009 proferido no processo 09B0523 (Cons. João Bernardo) em cujo sumário se lê:
«Ponderando o Supremo Tribunal de Justiça, em recurso de revista, decidir o destino de condecorações, com base nas regras próprias dos direitos de personalidade, ignoradas nas decisões das instâncias e, sempre, pelas partes, não tem que ouvir, previamente, estas».
E, distinguindo o regime português do alemão, afirma: «Assim, a estrutura do nosso processo civil não prevê que o tribunal “discuta” com as partes o que quer que seja. Podemos admitir o avanço de Lebre de Freitas, no sentido de que terá perdido actualidade a discussão duma parte contra outra, com o juiz, acima delas, a decidir, estando agora aberto o caminho para que elas “influenciem directamente” a decisão. Mas a mais a nossa lei não chega».
O mais seria a imposição de que qualquer decisão que não estivesse prevista, no seu objecto e argumentos, em momento anterior do processo, deveria ser sujeita a prévia pronúncia das partes.
O que remete para uma consideração de decisões surpresa delimitadas pelo seu objecto e não pela sua argumentação. Ou seja, a surpresa que é proibida pela lei, sem possibilidade prévia de pronúncia das partes, é a que se reporta a objectos de decisão que as partes não podiam razoavelmente prever.
Também o Tribunal Constitucional tem sido chamado a pronunciar-se sobre a questão. Por todos veja-se o Acórdão 19/2010 de 13 de Janeiro de 2010 (Rel. Carlos Cadilha), no qual se delimita o que deva entender-se por princípio do contraditório na dimensão do direito a participar no processo influenciando a decisão (tanto no texto do acórdão como no do voto de vencido do primeiro relator (Cons. Vítor Gomes).
Adoptando uma posição ampla quanto ao direito de «influência» o Tribunal Constitucional considera, porém, que a sua violação apenas se verifica quando as partes não puderam razoavelmente prever a ponderação da questão ao abrigo das normas ou com a construção jurídica em que o Tribunal se fundou. Porém, o juiz mantém-se livre no enquadramento jurídico do litígio e na apreciação da necessidade de audição das partes sobre questões que estejam insuficientemente debatidas.
Na verdade, o artigo 3.º, n.º 3, do CPC, consagra um dever de audição das partes, não uma obrigação de consulta prévia.
Como consta do voto de vencido lavrado naquele Acórdão: «Não se trata de impor ao juiz que sistematicamente comunique às partes a própria orientação e valoração do caso previamente à decisão [mas já assim se pensou; cfr. NICOLÒ TROCKER, Processo Civile e Costituzione,pag. 757] ou de um dever de auscultação das partes perante a mínima variação dos pressupostos normativos da decisão projectada face ao discutido, mas de colocá-las em condições de influir no processo decisório, chamando-as a pronunciar-se sobre aspectos jurídicos anteriormente não debatidos e que não possam considerar-se abrangidos pelo princípio da auto-responsabilidade processual no círculo da diligência razoavelmente exigível, tomando como padrão de justa previsão e actuação um operador judiciário normalmente informado do estado da questão na doutrina e da jurisprudência».
No caso concreto, entendemos que as partes tiveram, naturalmente, toda a oportunidade de alegar e de se pronunciar sobre os factos que entenderam pertinentes. Surpresas poderiam ficar caso o tribunal não considerasse os factos que alegaram, não no caso contrário.
1.2 Dos factos assentes
Não foi impugnada a decisão de facto, estando assentes nos autos os factos constantes da sentença impugnada com o aditamento acima decidido:
1. A Autora entregou à Ré três milhões (3.000.000) de óculos especiais para visualização do eclipse solar, não apresentando um milhão, trezentos e sessenta e sete mil e quinhentos (1.367.500) destes óculos impressos os quatro logotipos da Direcção Geral de Saúde, do Observatório Astronómico de Lisboa, da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia e da Associação Nacional de Farmácias. ”. – (al. A) dos Factos Assentes e art.º 1.º e 4.º da B.I.).
2. Após ter sido confirmada a encomenda dos três milhões de óculos, a Ré procedeu ao pagamento de 50% do valor da encomenda, no valor de 517.500 €.” – (al. B) dos Factos Assentes).
3. Em 31.05.2004 a Autora enviou à Ré o original do documento cuja cópia se encontra a Fls.101, com o seguinte teor: “(...)
(...) FACTURA N.º 44100 Estrasburgo, 24/05/2004
Código Descrição Quantidade Preço Montante Unitário L.IVA
V/ ENCOMENDA REFERENCIA N.º MJT.027/04.cm
N/GUIA DE REMESSA DE 17 E 18/05/2004
ECLIPSE VIEWER “CE” Modelo CIEL Impressão de 4 logotipos s/ 2 hastes em cor preta
ECLIPSE VIEWER “CE” Modelo CIEL Impressão de 4 logotipos s/ 2 hastes em cor preta
ECLIPSE VIEWER “CE” Modelo CIEL
ECLIPSE VIEWER “CE” Modelo ESPACE
Taxas de Transporte – Seguro para Cadaval
PAGAMENTO POR TRANSFERÊNCIA BANCÁRIA AQUANDO DA RECEPÇÃO DA FACTURA (…)
MONTANTE LÍQUIDO DE IVA IVA 19,6% MONTANTE TOTAL € 1.002.651,00
Sinal € 517.500,00
Saldo a pagar € 485.151,00 – (al. C) dos Factos Assentes).
4. A Autora enviou o seguinte e-mail: “(...)
Exma. Senhora C M,
Agradecemos o vosso pedido de fornecimento de óculos especiais para observação do Sol durante a Passagem de Vénus no dia 8 de Junho de 2004 e enviamos em anexo o nosso orçamento (em formato Pdf).
Passamos a assinalar as diferentes questões discutidas durante a nossa conversa telefónica de Sexta-feira, dia 16/04/2004 e os pedidos que nos formularam por mensagem enviada por correio electrónico nesse mesmo dia.
1) Confirmamos que os nossos óculos são fabricados com um filtro solar especial, possuem a certificação e a homologação “CE”. A frente e o verso de cada par de óculos exibe o logótipo”CE”, no verso, figura o número do certificado de conformidade e o organismo certificador, bem como as nossas coordenadas, a fim de assegurar controlo total. No verso de cada par de óculos estão indicadas as instruções de utilização (anexo em formato Pdf – certificado de conformidade).
2) Impressão de logótipo: os nossos óculos são concebidos de forma a possibilitar a impressão de um logótipo em cada uma das hastes numa cor ou em duas cores no máximo.
O custo é de 0,06 Euros por par de óculos, por haste e por cor.
O custo é elevado porque a impressão do logótipo tem de ser feita individualmente, tal aplicando-se também aos óculos que temos actualmente em stock.
Nos casos de fabricos especiais – prazos de 45 semanas – os custos de impressão de logótipos são reduzidos entre 0,02 e 0,03 Euros por par de óculos e pelas duas hastes, consoante os textos/mensagens a imprimir.
3) A disponibilidade dos óculos não é, nesta data, Sábado dia 17/04/2004, objecto de qualquer reserva por parte do cliente: 972.500 óculos ESPACE, réf. 51565 e 550.000 óculos CIEL, réf. 51560, perfazendo um total de 1.522.500 óculos.
Temos programas de fabrico para encomendas específicas para as semanas de 17 a 19 de Maio, mas podemos ainda incluir encomendas adicionais, de modo a que possamos efectuar a vossa entrega em Lisboa no dia 17/05/2004.
Confirmamos que vos enviaremos esta segunda-feira, por DHL – entrega em Lisboa na terça-feira – amostras dos nossos óculos – oferta de preço – certificado de conformidade “CE”, a fim de que possam ficar na posse de todos os elementos necessários à tomada de uma decisão.
Comunicar-vos-emos logo no início da tarde de segunda-feira o número de registo de DHL relativo ao envio das amostras.
Anexamos também a esta mensagem os horários do eclipse anular e parcial do Sol em todo o Portugal que ocorrerá no dia 3 de Outubro de 2005.
Não hesitem em nos contactar caso necessitem de alguma informação ou esclarecimento adicional relativo à protecção ocular ligada ao fenómeno de dia 8 de Junho de 2004.
Melhores cumprimentos. (...)” – (al. D) dos Factos Assentes).
5. Foi enviado à Autora em 22-04-2004 por C M o seguinte e-mail:
“(...) Caro Sr. I,
Veja por favor em anexo modelo dos óculos com os logótipos.
O nosso Ministério da Saúde propõe-se encomendar 3 milhões de óculos modelo CIEL (o modelo amarelo) com os logótipos impressos a preto (numa só cor).
Data de entrega: Sexta-feira, dia 14 de Maio de 2004 ou, o mais tardar, segunda-feira, dia 17 de Maio.
O preço de € 0,02 por impressão, conforme vosso orçamento, é o mais desejável.
Melhores cumprimentos, (...)” – (al. E) dos Factos Assentes).
6. Foi enviado pela Autora em 22/04/2004 o seguinte e-mail:
“(...) Exma. Senhora C M,
No seguimento da sua mensagem enviada hoje por correio electrónico e das nossas conversas telefónicas sobre o projecto de encomenda de 3 milhões de óculos para observação de Vénus no dia 8 de Junho de 2004, a ser entregue no dia 14/17 de Maio de 2004, vimos informar as modalidades e as disponibilidades:
1) Fabrico de 1,5 milhões de óculos modelo CIEL – amarelo/preto – com impressão a cor preta de 2 logótipos diferentes nas duas hastes (4 logótipos no total), pelo preço unitário de 0,315 Euros + impressão de 0,03 Euros = 0,345 Euros.
2) Colocação à vossa disposição de 550.000 óculos modelo CIEL que temos em stock – amarelo/preto – com impressão a cor preta de 2 logótipos diferentes nas duas hastes (4 logótipos no total), pelo preço unitário de 0,315 Euros + impressão de 0,03Euros = 0,345 Euros.
3) Colocação à vossa disposição de 950.000 óculos modelo ESPACE que temos em stock – malva/preto – com impressão a cor preta de 2 logótipos diferentes nas duas hastes (4 logótipos no total), pelo preço unitário de 0,315 Euros + impressão de 0,03Euros = 0,345 Euros.
4) Apresentação de prova final para aprovação, antes de dar início à impressão dos logótipos nas duas hastes com a vossa aprovação.
5) Condições de entrega: preço da partida de Estrasburgo - custos de transporte descontados sobre a factura definitiva.
6) Condições de pagamento: 50% do valor da encomenda aquando da adjudicação, a pagar por meio de transferência bancária. Remanescente da factura a pagar aquando da entrega da mercadoria, pelo valor líquido, sem desconto, e por transferência bancária.
Enviamos em anexo, em formato Pdf, a nossa factura provisória que contém as nossas coordenadas para efectuar o pagamento.
Melhores cumprimentos. (...)” – (al. F) dos Factos Assentes).
7. Em anexo ao e-mail requerido na al. F) foi enviado o seguinte documento:
“(...) FACTURA PROVISÓRIA N.º 40506 Estrasburgo,
22/04/2004
Código Descrição Quantidade Preço Montante
Unitário L.IVA
ECLIPSE VIEWER “CE” Modelo CIEL Impressão de 4 logótipos s/ 2 hastes em cor preta
ECLIPSE VIEWER “CE” Modelo CIEL Impressão de 4 logótipos s/ 2 hastes em cor preta
ECLIPSE VIEWER “CE” Modelo ESPACE Impressão de 4 logótipos s/ 2 hastes em cor preta
Transporte para Lisboa (...)
CONDIÇÕES DE PAGAMENTO:
- 50% AQUANDO DA ENCOMENDA: € 517.500,00
- REMANESCENTE AQUANDO DA RECEPÇÃO DA MERCADORIA, LÍQUIDO, SEM DESCONTO E COM ACRÉSCIMO DO CUSTO DE TRANSPORTE (...)
MONTANTE LÍQUIDO DE IVA IVA 19,6% MONTANTE TOTAL (...)” – (al. G) dos Factos Assentes).
8. Pela Associação Nacional de Farmácias foi enviado em 23/04/2004 à Autora o seguinte fax:
“(…) Assunto: Encomenda de 3 milhões de óculos para a passagem de Vénus no dia 8 de Junho de 2004
Caro Sr. I,
No seguimento da sua mensagem enviada por correio electrónico no dia 22 de Abril contendo as condições relativas a preço, entrega e pagamento, vimos por este meio confirmar a nossa encomenda de 3 milhões de óculos para observação da Passagem de Vénus no dia 8 de Junho de 2004 a ser entregue no dia 14/17 de Maio de 2004, pelo preço unitário de € 0,34. Os óculos deverão ser embalados em caixas de 50 unidades.
A factura para pagamento de 50% do valor da encomenda deverá ser endereçada à nossa cooperativa de distribuição farmacêutica, F, que tem as seguintes coordenadas:
(…) A mercadoria deverá ser entregue no seguinte endereço (ver esquema anexo à presente telecópia):
(…) Ficamos a aguardar que nos enviem a prova final para que possam dar início aos trabalhos de impressão com a nossa aprovação, estamos ao vosso dispor para qualquer informação que entendam por necessária e apresentamos os nossos melhores cumprimentos.
(…) (segue-se relatório de envio da telecópia)” – (al. H) dos Factos Assentes).
9. A Autora enviou em 25/04/2004 o seguinte e-mail:
“(…) Exma. Senhora C M,
Conforme combinado, enviamos em anexo a confirmação da encomenda n.º 45659 e a nova factura provisória emitida em nome da F.
Agradecia que nos confirmassem por mensagem enviada por correio electrónico que o pagamento foi feito para a nossa conta bancária, a fim de que possamos dar início o mais rápido possível à impressão dos logótipos.
A prova final para impressão será enviada na segunda-feira ao final do dia ou, o mais tardar, na terça-feira. O fabrico terá início de acordo com o nosso plano, pela impressão dos óculos no final do dia de quarta-feira, dia 28, depois de acordada por vós a prova final para impressão que já foi por nós anteriormente enviada.
Estarei ausente do meu escritório entre as 9h30m e as 13h de segunda-feira (hora de França).
Cumprimentos cordiais, (…)” – (al. I) dos Factos Assentes).
10. Em 26/04/2004 foi enviado em resposta ao e-mail aludido na al. I) o seguinte e-mail:
“(...) Caro Sr. I,
Agradecíamos que nos confirmasse a encomenda e a emissão da nova factura em nome da F. Já solicitámos ao banco o pagamento e estamos à espera do n.º de transacção bancária para vos informar.
Cumprimentos cordiais, (…)” – (al. J) dos Factos Assentes).
11. C M enviou em 27-04-2004 à autora o original do fax cuja cópia se encontra a fls. 68 com o seguinte teor:
“(…) Caro Sr. I,
No seguimento do vosso pedido, enviamos a confirmação do pagamento de € 517.000,00 feito pela agência bancária para crédito da vossa conta.
Melhores cumprimentos, (…)” – (al. L) dos Factos Assentes).
12. Em anexo ao fax referido em L) seguiu documento de fls. 65 com o seguinte teor:
“ASSUNTO: Confirmação da ordem de pagamento
ORDENS DE PAGAMENTO EMITIDAS 2004/04/27
BCP – COMPANHIA – EURO 10:28:03
Nr. 20-20042171098
Valor ORDEM: 517 500.00 EUR MT103+ Dt.Valor Cobert.: 2004/04/28
ORDENANTE: IDENTIFICAÇÃO: Comp: 020 Nome: F - CNF
Conta: 45253995881 Morada: TRAV (…) 8
Moeda: EUR
Local: LISBOA
CPost.: 1200-403
NFiscal: 501732330
BENEFICIÁRIO DETALHES DE PAGAMENTO S - S INST 3 RUE DES FRERES LUMIERE B.P. 95 67038 STRASBOURG FRANCE
Conta/IBAN: FR7617607000010621622015924 IBAN (S/N): S COD.INSTRUCAO BANCO BENEF. INSERIDO PELA SUCURSAL BPRSFR2A
BANQUE POPULAIRE DE LA REGION ECONO STRASBOURG
Tipo Cobertura: TARGET/TEI
BANCO DO BENEFICIARIO: BPRSFR2A BANQUE POPULAIRE DE LA REGION ECONO STRASBOURG “ – (al. M) dos Factos Assentes).
13. Em anexo ao fax referido em L) seguiu documento de fls. 66 com o seguinte teor:
“Exmos Senhores
BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS
Exma Senhora Dra. (…)
Rua Coronel Bento Roma, Lote 942 – 3º
1749-088 LISBOA
779/2004 2004/04/26
Exmos Senhores
Assunto: Transferência bancária
Conta Nº: 45253995881
Pela presente, solicitamos a V.Exas que, por débito da nossa conta de depósitos à ordem número 45253995881, se digne, transferir a quantia de € 517.500,00 (QUINHENTOS E DEZASSETE MIL E QUINHENTOS EUROS) a favor de:
S - S
3 RUE DES FRÉRES LUMIÉRE
B.P. 95
67038 STRASBOURG – FRANCE
para a conta BANQUE POPULAIRE D’ALSACE STRASBOURG – FRANCE SWIFT CODE BIC: BPRS – FR2A IBAN – ACCOUNT NUMBER: FR76 1760 7000 0106 2162 2015 924
Agradecemos que acusem a recepção desta ordem de pagamento
Sem outro assunto de momento, subscrevemo-nos apresentando os nossos melhores cumprimentos. “ – (al. N) dos Factos Assentes).
14. Em 27-04-2004 C M enviou à autora o seguinte E-mail:
“ (…) Caro Sr. I,
Agradeço ainda que reduza (ponha mais pequeno) o logótipo da “S O” (o logótipo maior à esquerda) na próxima prova final para impressão que aguardamos.
Obrigada e até amanhã. (…) “ – (al. O) dos Factos Assentes).
15. A autora enviou a C M em 27-04-2004 o seguinte E-mail:
“ Exma Senhora C M,
Enviamos em anexo, em formato Pdf, a prova final para impressão da face anterior dos óculos.
Telefono-lhe dentro de 15 minutos para lhe dar informações complementares.
Cumprimentos cordiais, (…)” – (al. P) dos Factos Assentes).
16. A autora enviou a C M o seguinte E-mail:
“ Exma Senhora C M,
Enviamos em anexo, em formato Pdf, a prova final para impressão da face anterior nas versões 1 e 2, bem como da face posterior.
Para a face anterior, reduzimos o logótipo da “S O” em 15% sobre o lado esquerdo e preparámos duas versões para o lado direito – imã com o logótipo do Ministério da Saúde colocado na parte inferior (BAT Logos V .!.) e outro com o logótipo colocado um pouco mais alto (BAT Logos V.2).
Vou estar no meu escritório hoje toda a manhã e ausente entre as 12h e as 14h30, hora de França.
Contactem-me caso haja alterações.
Cumprimentos cordiais, (…)” – (al. Q) dos Factos Assentes).
17. Em anexo ao E-mail referido na al. Q) foram enviados os documentos juntos a fls. 73, 74 e 75. – (al. R) dos Factos Assentes).
18. C M enviou à autora em 28-04-2004 o E-mail com o seguinte teor:
“ Caro Sr. I,
Escolhemos a versão 2.
O texto tem erros em português. As correcções a fazer são as seguintes:
- 2ª linha – (…) (necessita de um espaço entre as palavras)
- 5ª linha – (…) (e não “…”)
- 6ª linha – (…) (e não “…”)
- 7ª linha – (…) (e não “…”)
- 7ª linha – (…) (e não “…”)
- 9ª linha – (…) (e não “…”)
- 10ª linha – (…) (e não “…”)
Amanhã estarei no escritório à vossa disposição para qualquer outra informação.
Obrigada e bom trabalho.
Cumprimentos cordiais, (…)” – (al. S) dos Factos Assentes).
19. A autora enviou a C M a 29-04-2004 o seguinte E-mail:
“ Exma Senhora C M,
Enviamos em anexo, em formato Pdf, a prova final para impressão da face posterior modificada de acordo com as vossas instruções desta noite.
Cumprimentos cordiais, (…)” – (al. T) dos Factos Assentes).
20. Em anexo ao E-mail referido na al) T foi enviado o documento de fls. 78 dos autos. – (al. U) dos Factos Assentes).
21. C M enviou à autora em 13-05-2004 o seguinte E-mail:
“ Caro Sr. I,
Necessitamos saber se vai tudo bem com a produção da nossa encomenda e se os 3 milhões de óculos já foram expedidos. Seria possível dar-me o contacto (telefone móvel) do motorista do camião?
Os nossos agradecimentos antecipados e ficamos a aguardar um resposta vossa?
Cordialmente, (…) – (al. V) dos Factos Assentes).
22. A autora enviou a C M em 13-05-2004 o seguinte E-mail:
“ Exma Senhora C M,
No seguimento do seu contacto telefónico de hoje, informamos a situação em que se encontra a entrega dos 3 milhões de óculos:
1) ECLIPSE VIEWER “CE” MODELO CIEL, quantidade 1.500.000 – Fabrico - Esta série é fabricada com a impressão dos quatro logótipos e encontra-se neste momento na fase de embalagem por caixas de 2.000 óculos para ser expedida.
A totalidade estará terminada este Sábado, dia 15 de Maio.
2) ECLIPSE VIEEWER “CE” Modelo ESPACE – quantidade 950.000 – Stock - Estas duas séries que tínhamos em stock e nas quais vão ser impressos os quatro logótipos – até à data foram impressos mais de 200.000 óculos, entretanto a máquina de impressão sofreu uma avaria esta manhã por volta das 10h30m e a operação foi interrompida; aguardamos a chegada da peça de substituição para que possamos colocar a máquina em funcionamento.
3) Tínhamos inicialmente previsto o envio global num camião contendo exclusivamente o carregamento correspondente à totalidade da vossa encomenda, que partiria de Estrasburgo na manhã de segunda-feira, dia 17 de Maio e chegaria ao Cadaval na manhã de quarta feira, dia 19 de Maio.
Depois da nossa conversa telefónica, contactámos a transportadora a fim de saber se lhes poderíamos enviar parte da mercadoria na sexta-feira, de modo a que fosse entregue no Cadaval durante a manhã de terça-feira, dia 18 de Maio. Teremos a resposta durante a manhã de amanhã, sexta-feira e informá-los-emos de imediato.
Vimos confirmar que tudo faremos para vos satisfazer, tendo em conta o prazo para realização da encomenda – menos de 3 semanas – as nossas equipas de produção, acabamento e expedição tudo estão a fazer para que os prazos de entrega sejam respeitados o mais possível.
Não deixaremos de vos manter informados das possibilidades de amanhã.
Dar-vos-emos as coordenadas do motorista e o seu número de telefone móvel, para que possam entrar directamente em contacto com ele caso seja necessário.
Cumprimentos cordiais, (…) “ – (al. X) dos Factos Assentes).
23. C M enviou à autora em 15-05-2004 o seguinte E-mail:
“ Exmo Sr. I,
Agradecemos o seu último E-mail esclarecendo a situação da produção e as possibilidades de envio.
Contudo, solicitamos que nos confirme também se a embalagem final da encomenda global será feita por pacotes de 50 óculos, como acordado.
Atenciosamente,
C M” – (al. Z) dos Factos Assentes).
24. A autora enviou a C M em 14-05-2004 o seguinte E-mail:
“ Exma Senhora C M,
Em resposta ao seu último e-mail, confirmamos-lhe que sistematicamente o acondicionamento no interior de cada embalagem é feito em conjuntos de 50 óculos, tal como todas as nossas entregas.
Logo que tenhamos informações respeitantes à entrega, informá-la-emos estarei ausente do meu escritório esta manhã, encontrar-me-ei entre o atelier de produção e a companhia de transportes, a fim de organizar e coordenar concretamente toda a organização para a expedição dos óculos para Portugal no mais curto espaço de tempo.
Saudações cordiais. (…)” – (al. AA) dos Factos Assentes).
25. C M enviou à autora em 14-05-2004 o seguinte E-mail:
“ Obrigado pelos esclarecimentos!
Saudações cordiais,
C M” – (al.BA) dos Factos Assentes).
26. C M enviou à autora em 17-05-2004 o seguinte E-mail:
“Caro Sr. I,
Aguardamos que nos confirme a entrega de 1,5 milhões de óculos na terça-feira, dia 18 de Maio, conforme acordado na vossa última mensagem enviada por correio electrónico, bem como a hora de chegada ao Cadaval.
Esperamos que as vossas diligências tenham sido bem sucedidas e agradecemos que nos contactem com a maior brevidade possível.
Cumprimentos cordiais, (…)” – (al. CA) dos Factos Assentes).
27. A autora enviou a C M em 18-05-2004 o seguinte E-mail:
“ Cara Sra. C M,
Apresento as minhas desculpas por na sexta-feira ter estado ausente do escritório, mas a produção de óculos para todos os nossos clientes tem de continuar e temos de organizar as entregas.
Não nos foi possível enviar os óculos na sexta-feira porque o camião esteve imobilizado durante o Sábado e o Domingo – com excepção dos que transportam bens perecíveis, nenhum outro camião tem autorização para circular.
Podemos confirmar-vos que um camião saiu de Estrasburgo em direcção ao Cadaval transportando o vosso carregamento de óculos.
É um camião cheio somente para entrega da vossa encomenda – ele chegará ao Cadaval no final da manhã ou princípio da tarde – seguem-se as coordenadas:
(…) Os motoristas não informam os seus telefones móveis para que não sejam incomodados enquanto conduzem.
Anexamos a nossa guia de remessa detalhada relativa a 2.487.550 óculos. O remanescente será cobrado hoje e as coordenadas relativas à entrega do restante da vossa encomenda ser-vos-ão dadas no final do dia.
Cumprimentos cordiais, (…)” – (al. DA) dos Factos Assentes).
28. Em anexo ao E-mail referido na al. DA) seguiu cópia da seguinte guia de remessa:
“GUIA DE REMESSA Estrasburgo,
17/05/2004
CÓDIGO DESCRIÇÃO QUANTIDADE
Vossa encomenda nº MJT.027/043.cm de 23/04/2004
ÓCULOS Modelo CIEL + Impressão 4 Logotipos
12 paletes de 40 caixas de 2.000 óculos 900.000 unidades
ÓCULOS Modelo Ciel + Impressão 4 Logotipos
1 palete de 40 caixas de 2.500 óculos 100.000 unidades
1 palete de 44 caixas de 2.500 óculos 100.000 unidades
ÓCULOS Modelo Ciel + Neutros sem Impressão dos 4 Logotipos
2 paletes de 40 caixas de 2.500 óculos 200.000 unidades
1 palete de 20 caixas de 2.500 óculos 50.000 unidades
1 palete de 36 caixas de 2.500 óculos 90.000 unidades
ÓCULOS Modelo ESPACE + Neutros sem Impressão dos 4 Logotipos
8 paletes de 40 caixas de 2.500 óculos 800.000 unidades
1 palete de 20 caixas de 2.500 óculos 50.000 unidades
1 palete de 36 caixas de 2.500 óculos 90.000 unidades
TOTAL DA 1ª ENTREGA: 2.487.550 unidades
Local de entrega: (…)
Carregamento de 29 paletes – Peso 13.700 Kg” – (al. EA) dos Factos Assentes).
29. A autora enviou à A N F em 18-05-2004 o fax com o seguinte teor:
“ (…) À atenção das Senhoras (…)
Bom dia minhas Senhoras,
Fazemos referência à vossa encomenda do dia 23 de Abril de 2004 de 3.000.000 de óculos para observação directa da Passagem de Vénus no dia 8 de Junho de 2004.
Confirmamos que as duas expedições de dia 17 e 18 de Maio de 2004, não exibem, na sua totalidade, a impressão dos quatro logótipos.
Com efeito, conforme indicado na nossa mensagem enviada por correio electrónico no dia 13 de Maio de 2004 pelas 18h56m, a nossa máquina de impressão dos logótipos avariou às 10h30m – e ainda continuamos à espera de receber a peça necessária para por a máquina em funcionamento.
Consequentemente, todos os trabalhos de impressão de logótipos estão parados e os óculos estão a ser entregues em impressão.
Passamos a informar os detalhes das entregas relativas à vossa encomenda:
- ECLIPSE VIEWER “CE” Modelo CIEL – Quantidade fabricada 1.500.000, fabricámos 1.423.300 óculos com os quatro logótipos
- ECLIPSE VIEWER “CE” Modelo CIEL em stock, imprimimos os quatro logótipos em 210.000 óculos
- ECLIPSE VIEWER “CE” Modelo CIEL e ESPACE em stock, entregámos 1.366.700 óculos sem impressão dos logótipos.
Sendo este o total da vossa encomenda, 1.633.300 óculos entregues com os quatro logótipos e 1.366.700 óculos entregues sem impressão.
Estamos desolados com este contratempo, mas creiam que fizemos tudo ao nosso alcance para vos satisfazer dentro do prazo acordado para a realização desta encomenda.
Melhores cumprimentos, (…)” – (al. FA) dos Factos Assentes).
30. A autora enviou à Associação Nacional de Farmácias em 27-05-2004 o fax com o seguinte teor:
“ (…) À atenção do Sr. (…)
Bom dia Senhoras e Senhor Presidente,
Fazemos referência à vossa telecópia de 23 de Abril de 2004 relativa aos 3.000.000 de óculos para observação do Sol durante a passagem de Vénus que ocorrerá no dia 8 de Junho de 2004.
1) Prazo de entrega:
A vossa encomenda estará pronta para entrega no dia 14/17 de Maio de 2004 e a nossa oferta de preços de dia 17 de Abril de 2004 especificava que, para uma quantidade de 3.000.000, o atraso seria de 3-4 semanas, ou seja semana de 20-21/2004.
A entrega de 2.487.550 óculos ao transportador ocorreu no dia 17 de Maio de 2004, consistindo no primeiro envio por camião completo (v/ mensagem por correio electrónico de 18-05-2004) e os 513.250 óculos remanescentes no dia 18 de Maio de 2004 (v/ mensagem por correio electrónico de 19-05-2004), tudo em conformidade com a nossa oferta de preços; chegada a Lisboa no prazo máximo de 72h.
Informamos que se tivéssemos procedido ao primeiro envio na sexta-feira, dia 14 de Maio de 2004, o camião não poderia circular no Sábado, dia 15, e no Domingo, dia 16, devido à interdição que só não se aplica aos bens perecíveis, o que não é o caso. Deste modo, a primeira carga foi-vos enviada no início da manhã do dia 20 de Maio de 2004.
Quanto ao segundo envio, verificado no dia 18 de Maio de 2004, este fez parte de um agrupamento de encomendas, o camião não pode circular na quinta-feira, dia 20 de Maio de 2004 dado que era dia de Ascensão, feriado em França e nenhum camião é autorizado a circular.
O camião chegou a Lisboa ao final da tarde de sexta-feira, dia 21 de Maio de 2004.
Tentámos entrar em contacto telefónico convosco durante a tarde de sexta-feira, dia 21 de Maio de 2004 para saber se o camião poderia descarregar no Sábado de manhã (v/ mensagem por correio electrónico de 23-05-2004).
Por mensagem enviada por correio electrónico no dia 25 de Maio, informaram-nos que não iriam estar nos vossos escritórios durante todo o dia 21 de Maio.
Queremos assinalar que o prazo de entrega foi por nós inteiramente respeitado, ou seja, 3 a 4 semanas após a recepção da encomenda.
2) Impressão dos logótipos nos óculos
Na mensagem que enviámos por correio electrónico no dia 22 de Abril de 2004, informámos que iríamos proceder ao fabrico de 1,5 milhões de óculos modelo CIEL com a impressão dos quatro logótipos e do vosso preço de venda nas hastes e que colocaríamos à vossa disposição o nosso stock de 550.000 óculos modelo CIEL e de 950.000 óculos modelo ESPACE, pelo que seria necessário imprimir os quatro logótipos e o preço de venda nas hastes.
A produção dos 1,5 milhões de óculos modelo CIEL desenvolveu-se normalmente, conforme o esperado, no respeitante à substituição dos óculos CIEL e ESPACE que tínhamos em stock. Iniciámos os trabalhos de impressão nos óculos que tínhamos em stock no final da manhã de quarta-feira, dia 12 de Maio e até às 10h30m de quinta-feira, dia 13 de Maio. A máquina de impressão avariou, o que provocou a paragem da produção. Os quatro logótipos já tinham sido impressos em 210.000 óculos e o vosso preço de venda também já tinha sido impresso nas hastes dos mesmos. Informámos-vos da interrupção no dia 13 de Maio de 2004. Estamos em condições de vos confirmar que à data a máquina se encontra parada e que a peça de substituição da defeituosa nos era entregue durante a semana de 1 de Junho de 2004.
Por telecópia de dia 24 de Maio de 2004, vieram acusar-nos de não os termos informado sobre as consequências da avaria na nossa máquina de impressão dos logótipos nos dois modelos de óculos que temos em stock.
Por mensagem enviada por correio electrónico no dia 13 de Maio de 2004 comunicámos a avaria desse mesmo dia e que “a operação está interrompida”, o que significa dizer, para sermos ainda mais precisos, que não seria possível efectuar qualquer impressão nos óculos.
Tal situação não põe em cheque a venda dos óculos, tendo em conta que o objectivo principal do nosso produto é a protecção oftalmológica durante a observação dos raios solares durante os fenómenos celestes, como por exemplo os eclipses solares e a passagem de Vénus. Os óculos não estão, de modo algum, alterados.
Consequentemente, e tendo em conta o que acabou de ser dito, enviamos nesta data em anexo uma mensagem por correio electrónico junta à qual se encontra a nossa factura e as nossas guias de remessa.
A nossa facturação detalhada basear-se-á nos € 0,345 por par de óculos, entregues com a nossa impressão dos quatro logótipos e do vosso preço de venda nas hastes e nos € 3,315 por par de óculos entregues sem impressão, em conformidade com o nosso orçamento de dia 17 de Abril de 2004 e a nossa mensagem enviada por correio electrónico no dia 22 de Abril de 2004, aos quais acrescerão os custos de transporte e seguro.
Do mesmo modo informamos que fizemos tudo o que estava ao nosso alcance para satisfazer a vossa encomenda – em três semanas – e que as nossas equipas de produção acabamento e de expedição estão destacadas para vos satisfazer e que infelizmente sofremos um acaso ao nível da impressão dos óculos que temos em stock.
Esperamos que as nossas relações comerciais entre a vossa Associação, a Sra. C M e a nossa sociedade, bem como com o abaixo-assinado, não sejam alteradas por este incidente involuntário da nossa parte.
Queiram Senhoras e Senhor Presidente aceitar os nossos melhores cumprimentos. (…)” – (al. GA) dos Factos Assentes).
31. Associação Nacional de Farmácias enviou à autora, o mais tardar em 24 de Maio de 2004, o fax com o seguinte teor:
“ (…) Assunto: ANF PT – Encomenda de 3 milhões de óculos para a passagem de Vénus (8/06/2004)
Caro Sr. I,
No seguimento das últimas conversas telefónicas, informamos o seguinte:
1. No dia 13 de Maio informaram-nos por mensagem enviada por correio electrónico que a vossa máquina de impressão tinha sofrido uma avaria, o que, de alguma forma, justificava os atrasos no prazo anteriormente acordado para a entrega de 3 milhões de óculos (inicialmente acordada para o dia 14 de Maio, o mais tardar, dia 17 de Maio, a entrega da nossa encomenda só ocorreu no dia 20 de Maio)
2. Nunca fomos informados que a avaria afectaria a entrega dos óculos em conformidade com a nossa encomenda, ou seja óculos com a impressão de quatro logótipos.
3. Estamos verdadeiramente surpreendidos com o facto de a guia de remessa indicar o envio de óculos sem a impressão dos logótipos, o que condiciona a venda dos mesmos devido ao acordo estabelecido com o nosso Ministério da Saúde.
4. O que ocorreu coloca em cheque a venda dos óculos e o pagamento à vossa empresa do montante acordado.
5. Queríamos que ficassem informados desta situação.
Melhores cumprimentos, (…)” – (al. HA) dos Factos Assentes e aditamento operado nesta Relação).
32. Os referidos óculos foram entregues em duas remessas, a 19.05.2004 e a 24.05.2004, na morada indicada pela ré para o efeito. - (art.º 2.º da B.I.).
33. A factura seria paga em duas vezes: seriam entregues 517.500,00€ como confirmação da encomenda e o restante – 485.151,00€, na data de recepção de encomenda. - (art.º 3.º da B.I.).
34. Entre os dias 19 e 22 de Abril de 2004 foram estabelecidos diversos contactos entre a A N F e a A. a fim de ser apresentado um orçamento por parte desta última para o fornecimento de 3 milhões de óculos para observação directa do sol durante a passagem de Vénus. - (art.º 5.º da B.I.).
35. Autora e Ré enviaram e receberam os E-mails referidos nas alíneas D), E), F), G), I), J) e o Fax referido na alínea H), todos dos Factos Assentes, rectificando-se no entanto o texto do e-mail aludido na alínea D) por deficiência de tradução (no primeiro parágrafo após o n.º 3) de forma a que dele passe a constar:
- “Temos programas de fabrico para encomendas específicas para as semanas 17 a 19 mas podemos ainda incluir encomendas adicionais.” - (art.º 6.º, 7.º, 8.º e 9.º da B.I. – resposta conjunta).
36. Relativamente à avaria da máquina de impressão a A., enviou à Ré o e-mail na alínea X), e teve com ela conversa telefónica em que reproduziu o que aí consta, nada mais sendo referido pela A. Sobre o assunto até ao envio do e-mail e anexo referidos em DA) e EA). - (art.º 11.º da B.I.).
37. A Ré enviou à Autora, que a recebeu, carta datada de 7/6/2004, da qual consta, na respectiva parte final:
"Acontece que não cumpriram nenhuma das duas condições essenciais para a celebração do contrato.
Com efeito, a encomenda foi despachada e recepcionada fora do prazo de entrega acordado. Além do mais, parte substancial dos óculos encomendados não exibia os logótipos exigidos e acordados. No que respeita a esta última questão, não houve, da vossa parte, nenhuma informação a este respeito.
O atraso na entrega da encomenda - por si só motivo para resolver o contrato - poderia eventualmente ser tolerado, mas, face à violação da segunda condição essencial do contrato, somos forçados a não exibir impressos os quatro logótipos, tal como anteriormente exigido e acordado.
Assim, informamos que os referidos óculos que correspondem a 1.367.500 unidades, se encontram à vossa disposição desde o momento em que chegaram.
Agradecemos que tomem as providências necessárias para que os mesmos regressem às vossas instalações.
Agradecemos que nos enviassem a factura relativa aos óculos que exibem os quatro logótipos, que nos foram enviados, a fim de que possamos proceder ao seu pagamento" - (Acordo das partes).
2. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
2.1 Da qualificação do contrato
2.1.1 Dos factos a qualificar
A bem de uma fixação sem dúvidas da matéria de facto, optámos por a indicar nos mesmos termos em que o fez a primeira instância, pese embora os mesmos serem pouco esclarecedores quanto ao encadeamento dos factos pertinentes.
Impõe-se por isso uma prévia leitura organizada dos factos com critérios cronológicos e de importância relativa.
Do ponto 4 da matéria assente, referente ao documento que consta a fls 43-F e 48/49-P[1], resulta que em 17 de Abril de 2004 (sábado) (ver ponto 3) do texto do documento) a Autora refere um contacto telefónico anterior de C M de 16 de Abril de 2004 (ver corpo do texto) a pedir o fornecimento de óculos especiais para observação do Sol durante a passagem de Vénus no dia 8 de Junho de 2004 e responde a esse contacto (teve-se em atenção a correcção que decorre da resposta conjunta aos quesitos 6.º a 9.º da base instrutória (BI).
Na resposta indica as características dos óculos a possibilidade de impressão de logotipos e o custo dessa impressão. Indica ainda que tem óculos em stock e programas de fabrico aos quais pode ainda adicionar encomendas, de modo a efectuar a entrega em Lisboa no dia 17 de Maio de 2004. Acrescenta que enviará uma amostra na segunda seguinte (19 de Abril) para que a Ré tenha todos os elementos para tomar uma decisão.
Em 22 de Abril de 2004 C M, na sequência daquelas informações, responde indicando o modelo dos óculos e os logotipos escolhidos, cuja impressão pede seja a uma cor e indicando o preço que considerava ajustado. Refere ainda que a entrega deve ocorrer a 14 de Maio ou o mais tardar a 17 de Maio (ponto 5 e doc 52-F).
Ainda em 22 de Abril de 2004 a Autora responde ao referido mail referenciando a encomenda de três milhões de óculos, a ser entregue no dia 17 de maio de 2004. Especifica que um milhão e meio modelo CIEL será fabricado e que o restante está em stock, sendo quinhentos e cinquenta mil modelo CIEL e novecentos e cinquenta mil modelo ESPACE. Mais refere que em todos serão impressos os quatro logotipos indicados a cor preta. Indica os preços unitários e compromete-se a apresentar uma prova final para aprovação antes de dar início à impressão dos logotipos (ponto 6 e doc 54-F e 56-P). Enviou factura provisória em conformidade (ponto 7 e doc 55-F e 57-P).
Em 23 de Abril de 2004 a Associação Nacional de Farmácias (ANF) responde à mensagem referida no parágrafo anterior, confirmando a encomenda de três milhões de óculos e indicando que a factura deveria ser endereçada à Ré, cooperativa de distribuição farmacêutica da ANF, aguardando a prova final para aprovação a fim de que fossem depois iniciados os trabalhos de impressão (ponto 8 e docs 58-F e 61-F).
A Autora enviou em 25 de Abril de 2004 nova confirmação de aceitação encomenda e nova factura provisória em nome da Ré, pedindo a confirmação do pagamento de 50% do preço a fim de que fossem iniciados os trabalhos de impressão no final do dia 28 de Abril, após aprovação da prova final para impressão a enviar entre segunda e terça (portanto, a 26 ou 27 de Abril) (ponto 9 e doc 62-F e 63-P).
Em 26 de Abril de 2004 da parte da Ré é indicada a ordem de pagamento enviada ao banco, quanto a metade do preço, indicando que logo que tenham a referência da operação bancária a mesma será enviada (ponto 10 e docs 62-F e 63-P, não correspondendo a tradução ao tempo verbal do original, sem consequências para a percepção). Em 27 de Abril é confirmado o pagamento à Autora (pontos 11 a 13 e docs 64-F, 65-P, 68-P) do montante de € 517.500,00.
Na sequência desta comunicação, a Autora enviou a prova dos óculos com impressão dos logotipos (ponto 16 e docs 72-F, 73, 74 e 75), iniciando-se uma troca de mensagens, em 27 de Abril de 2004, entre C M e a Autora quanto à redução do tamanho e localização dos logotipos (pontos 14 e 15 e docs 70-F e 71-P) que se desenvolve em 27 de Abril de 2004 concluindo-se às 19:28 horas (hora de Lisboa) com a indicação de C M de que aguardaria o envio da prova final com as alterações propostas (ponto 14) as quais foram enviadas conforme fls 73 a 75.
Face à prova final, em 28 de Abril de 2004 C M enviou à Autora a indicação da prova que fora escolhida e das correcções a efectuar (ponto 18 e doc 77-F).
Em resposta a Autora, em 29 de Abril de 2004, enviou a prova final modificada de acordo com as indicações de 28 de Abril (pontos 19 e 20 e docs 77-F e 78).
Conclui-se aqui o elenco dos factos relativos ao acordo estabelecido, sendo apodíctico nos autos que a prova de fls 78 corresponde ao encomendado.
2.1.2 Da qualificação dos factos
a) Tipo contratual genérico
A qualificação jurídica do acordo estabelecido entre as partes tem sido objecto de controvérsia nos autos. Parece existir acordo em que se trata de um contrato de compra e venda, sendo discutido se se trata de uma compra e venda civil ou comercial e se se trata de uma compra e venda simples ou sobre amostra.
Também não divergimos da qualificação do acordo como contrato de compra e venda ou seja, acordo pelo qual uma parte se obriga a entregar a outra para lhe pertencer um bem mediante contrapartida pecuniária a que esta fica adstrita – artigo 874.º, do CC.
Na verdade, a dúvida poderia surgir face aos factos apurados de o acordo envolver o fabrico de óculos que a Autora não tinha em stock ou a impressão daqueles que tinha em stock.
Tal poderia levar a considerar a possibilidade de qualificação do contrato como de empreitada visto o disposto no artigo 1207.º, do CC.
Porém, a finalidade específica do contrato estabelecido entre as partes é a entrega de determinados bens e não o seu fabrico. Assim, pese embora as dificuldades de fronteira na distinção entre compra e venda e empreitada, temos como certo que no caso vertente a vontade das partes se centrou na entrega pela Autora à Ré dos óculos encomendados e não na obrigação de aquela os fabricar para a Ré[2], o que reenvia para a compra e venda.
b) Natureza civil ou comercial da compra e venda
Também não resulta dúvida nos autos que o contrato foi celebrado entre a Autora, sociedade que se dedica ao fabrico, pelo menos, dos referidos bens para vender, e que a Ré, cooperativa, comprou os referidos óculos para os vender ao público auferindo lucro.
A compra e venda que assim se celebrou tem natureza objectivamente comercial, desde logo de acordo com o disposto no artigo 463.º, § 1.º, do Código Comercial (CCom) – compra para revenda -, não se verificando nenhuma das situações excludentes a que alude o artigo 464.º, do mesmo Código.
Uma vez que não resulta óbvia a natureza comercial das pessoas colectivas intervenientes e partes nos autos – artigos 13.º, do CCom e 1.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais (CSC) – não pode concluir-se que o seja também subjectivamente.
Porém, «a lei comercial rege os actos de comércio, sejam ou não comerciantes as pessoas que neles intervenham», diz-nos o artigo 1.º, do CCom.
Como refere o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 6 de Março de 2012[3], cujo sumário transcrevemos:
«I - Sendo a compra e venda objectivamente comercial – art. 463.º, n.º 1, do CCom –, apesar de ser subjectivamente civil – art. 464.º, n.º 2, do CCom –, o contrato assume, no seu todo, natureza mercantil, como resulta do disposto no art. 99.º do CCom.
II - O segmento final do art. 99.º do CCom não afasta a aplicação à parte não comerciante da disciplina prevista no Código Comercial, para aquele tipo contratual, pois, de contrário, esvaziar-se-ia o princípio geral contido na norma: essa excepção refere-se apenas àqueles actos que ali são regulados para se aplicarem exclusivamente aos comerciantes, como, por exemplo, os que determinam a obrigatoriedade de adoptar uma firma, de terem uma escrituração comercial, de dar balanço ou prestar contas, ou que fixam regras quanto à prova de certos actos».
Temos, assim, que o contrato celebrado é um contrato de compra e venda comercial, cuja interpretação e integração obedece ao disposto no artigo 3.º, do CCom: «se as questões sobre direitos e obrigações comerciais não puderem ser resolvidas nem pelo texto da lei comercial, nem pelo seu espírito, nem pelos casos análogos nela permitidos, serão decididas pelo direito civil». Qualificação em que divergimos da primeira instância.
c) Modalidade da compra e venda comercial
Discute-se nos autos se se trata de um contrato simples de compra e venda ou se deve ser qualificado como de compra e venda sobre amostra a que alude o artigo 469.º, do CCom.
É o seguinte o teor da norma:
«As vendas feitas sobre amostra de fazenda, ou determinando-se só uma qualidade conhecida no comércio, consideram-se sempre como feitas debaixo da condição de a cousa ser conforme à amostra ou à qualidade convencionada».
Ensinava o Professor Cunha Gonçalves[4]: «diz-se compra e venda sobre amostras o contrato que se conclui submetendo o vendedor à prévia observação e aprovação do comprador uma pequena parcela ou um exemplar da mercadoria por este pretendida, parcela com que se deve conformar exactamente a quantidade total efectivamente vendida e mais tarde entregue pelo vendedor ou seu representante. A palavra fazenda empregada no art. 469.º é sinónima de mercadoria»
Porém, «para haver uma compra e venda sobre amostra não basta que ao comprador tenha sido apresentada previamente uma parcela ou um exemplar da mercadoria; é indispensável que o vendedor se tenha obrigado a entregar, somente, uma coisa exactamente igual sujeitando-se ao confronto dela pelo comprador ou pelos peritos»[5].
No mesmo sentido, aliás citando o mencionado Mestre, o Acórdão do STJ de 23 de Março de 2009[6], ao referir: «retomando a questão que vimos apreciando, estamos certos de que a factualidade dada como provada (a autora fez, antes dos armários, um protótipo dos mesmos) não permite qualificar os contratos ajuizados como sendo contratos de compra e venda sobre amostra.
Na verdade, para haver uma compra e venda sobre amostra não basta que ao comprador tenha sido apresentada, previamente, uma parcela ou um exemplar da mercadoria ou um protótipo».
Parecem bastar-se com a contratação em face de “amostra” os Acórdãos do STJ proferido no processo 1453/06.9TJVNF.P1.S1 de 25 de Outubro de 2011 (Rel. Nuno Cameira), do TRL proferidos nos processos 2861/06.0YMSNT.L1-7 de 24 de Abril de 2012 (Rel. Luís Lameiras) e 7232/04.0TVLSB.L1-1 de 13 de Outubro de 2009 (Maria José Simões), do TRP proferido no processo 0721476 de 16 de Setembro de 2008 (Rel. Marques de Castilho).
Estamos em crer que a questão se relaciona com a interpretação do contrato estabelecido, ou seja, com a questão de saber se este foi celebrado com a exigência de que os bens fornecidos correspondessem à amostra, em termos de apenas a prestação deles em conformidade integrar a condição de que dependia a perfeição da compra e venda, ou se, pelo contrário, as partes celebraram uma compra e venda incondicional, sem prejuízo do regime geral da compra e venda de coisas defeituosas.
Nas palavras citadas do Professor Cunha Gonçalves parece inferir-se (e afigura-se-nos que o Ac 09B0658 vai nessa senda) que as partes além de estabelecerem a compra e venda face à amostra, terão ainda de estabelecer que o vendedor fica obrigado a entregar coisa igual à amostra a confrontar pelo comprador na entrega ou por peritos.
Não é porém isso o que aí vem referido, a nosso ver, salvo o devido respeito por contrária opinião. O que é referido é que a compra e venda sobre amostra não se basta com a exibição de uma amostra no acto da pré-contratação e com a celebração do contrato tendo-a por base, antes implica ainda que as partes apenas queiram ter como perfeito o contrato quando a mercadoria total entregue esteja de acordo com a mencionada amostra.
Porém, há que atentar na presunção estabelecida no artigo 469.º, do CCom, já referida: «As vendas feitas sobre amostra de fazenda, (…), consideram-se sempre como feitas debaixo da condição de a cousa ser conforme à amostra ou à qualidade convencionada» (nosso sublinhado).
Ou seja, apresentada amostra e celebrado o contrato em relação a ela, presume-se que as partes contratam sob a condição de identidade entre a mercadoria entregue e a amostra apresentada.
Presunção que pode ser ilidida pela interpretação do contrato mas que se tem como assente na ausência de prova em contrário.
O que nos remete para os factos assentes. Como resulta dos pontos de facto 5, 8, 9, 14, e 16 a 19, as partes contrataram face a uma amostra apresentada na qual, aliás, foram introduzidas alterações, até à aprovação final da que consta de fls 78.
Celebraram portanto o contrato face a uma amostra, o que se distingue da celebração à vista (artigo do CCOM), face à mercadoria a entregar.
Como se refere no Acórdão 09B0658 já citado, «a compra e venda por amostra pressupõe a existência desta.
A “amostra” é “um pouco” da mercadoria que se vai vender e comprar, ou seja, um pouco dessa mesma mercadoria fisicamente palpável, um objecto da “natureza”, com a função de exemplificar como é a “mercadoria” e, assim, individualizá-la.
(…)
O regime de compra e venda sobre amostra - o único que para aqui releva - diverge conforme a sua natureza civil ou comercial; no primeiro caso, ela aparece-nos como uma venda perfeita desde o início, enquanto, no último caso, ela é vista como uma compra e venda feita sob condição, e com consequências também diferentes, visto serem aplicáveis, no caso de desconformidade e tratando-se de compra e venda sob amostra de natureza civil, as disposições dos artigos 913º e seguintes, enquanto que a não verificação de uma condição suspensiva importaria a ineficácia do acto (cfr. Pires de Lima e A. Varela, Anotado, II, pags. 219 e 220)».
Adiantando, seguidamente, que dos factos nesse caso assentes não decorria, porém, que as partes quisessem ter-se obrigado nos termos do artigo 469.º, do CCom.
No caso dos autos, em momento algum as partes convencionaram a exclusão do regime do artigo 469.º, implicita ou explicitamente, de modo a que possa considerar-se ilidida a presunção que dele resulta[7].
Concluímos assim que o contrato de compra e venda comercial celebrado tem que qualificar-se como feito sobre amostra convocando inteiro o regime do artigo 469.º, do CCom.
2.2 Das obrigações decorrentes do contrato e do eventual incumprimento e suas consequências
2.2.1 Dos factos a considerar
As partes firmaram o acordo referido de fornecimento de óculos pela Autora à Ré face à amostra de fls 78, na qual consta a impressão dos quatro logotipos.
Em 13 de Maio de 2004, a Autora informou de uma avaria na máquina de impressão e que aguardava a chegada da peça de substituição para colocar a máquina em funcionamento. Deu ainda informações sobre o transporte. Nada mais referiu sobre a avaria da máquina de impressão nas comunicações, mesmo telefónicas, como resulta da resposta ao quesito 11.º.
Em resposta, C M, em 15 de Maio de 2004, agradeceu as informações sobre as possibilidades de envio e, em 17 de Maio de 2004 pediu confirmação da entrega dos óculos na terça-feira, dia 18 de Maio.
Em 18 de Maio de 2004 a Autora enviou a C M um mail em que referia ter saído o camião com atraso e dizendo que anexava guia de remessa detalhada relativa a 2.487.550 óculos.
Nesta guia de remessa consta pela primeira vez que parte dos óculos não tem impressão (ponto 28), o que confirma por fax da mesma data (ponto 29).
Em resposta, a A N F (que sempre contratou em nome da Ré) enviou à autora, o mais tardar em 24 de Maio de 2004, um fax em que referia nunca terem sido informados de que os óculos não seriam impressos, estando surpresos por a guia de remessa referir tal.
Mais dizia no mencionado fax que «o que ocorreu coloca em cheque a venda dos óculos e o pagamento à vossa empresa do montante acordado».
Os referidos óculos foram entregues em duas remessas, a 19.05.2004 e a 24.05.2004, na morada indicada pela ré para o efeito. - (resposta ao art.º 2.º da B.I.).
2.2.2 Da consideração dos factos
Qualificado o contrato há que apreciar o seu desenvolvimento entre as partes, ou seja, o (in)cumprimento das suas obrigações recíprocas e as consequências de tal resultantes, face aos factos assentes.
As partes negociaram indicando a Autora todo o processo que levaria à entrega da mercadoria em conformidade com aquela amostra, tanto mediante a impressão dos óculos em stock, como mediante o fabrico da quantidade necessária para completar a encomenda, inexistente na totalidade em stock.
Pretende porém a Autora que o acordo incidia sobre as qualidades “oftalmológicas” dos óculos, ou seja, sobre a protecção que os mesmos proporcionavam a quem os utilizasse na observação do fenómeno astronómico que levou à contratação, não na impressão dos logotipos.
Sem razão, cremos.
Na verdade, o que foi sempre discutido entre as partes, assegurada necessariamente a protecção oftalmológica, sem a qual qualquer compra de óculos seria inútil, foi a impressão dos logotipos tendo até sido debatido e acordado o tamanho, local de impressão e cor. Entre as partes foi sempre considerado o envio de um espécime a fim de o mesmo ser aprovado, referindo-se expressamente a aprovação da impressão dos logotipos, como já referido.
Ou seja, não podemos acolher a versão da Autora de que a amostra se relacionava com as qualidades dos óculos e não com a impressão dos logotipos, sendo manifesto que sobre esta incidiu a maioria das questões e ajustes tratados na fase pré-contratual.
Com o que consideramos estabelecido que a amostra a considerar é a de fls 78 incluindo a impressão de logotipos.
Não oferece dúvida nos autos que parte dos óculos foi entregue sem qualquer impressão de logotipos ( ponto 1).
Porém, a Autora defende que a ausência de impressão foi aceite pela Ré ao não se pronunciar face à comunicação de avaria da máquina.
Não parece que assim possa considerar-se. A avaria da máquina é comunicada como um contratempo que a Autora crê poder resolver com brevidade em termos de, embora com algum atraso, entregar a encomenda. A única anuência que pode considerar-se ter ocorrido por parte da Ré é a de aceitar a entrega alguns dias depois da data inicialmente acordada.
Com o que se conclui que a Autora não ficou desvinculada da obrigação de entregar os óculos com as impressões acordadas.
Qual a consequência de assim não ter agido?
Sendo a venda sobre amostra, o contrato considera-se perfeito «se o comprador examinar as cousas no acto de entrega e não reclamar contra a sua qualidade, ou, não as examinando, não reclamar dentro de oito dias» – artigo 471.º, do CCom.
Ou seja, a compra e venda apenas se tem como firmada após exame sem reclamação ou decorridos oito dias sobre a entrega.
Não consta que tenha sido exigido exame na entrega (§ único da norma citada), pelo que a Ré (compradora) estava obrigada à reclamação nos oito dias subsequentes à entrega, sem o que o contrato se tornava plenamente eficaz[8].
Apreciemos então os factos.
Os óculos em causa foram entregues a 19 de Maio de 2004 e a 24 de Maio de 2004 (ponto 32), sendo que a Ré soube pela primeira vez da falta de impressão (sem entrega) em 18 de Maio de 2004, face à guia de remessa a que aludimos.
Reclamou a Ré da falta de impressão nos oito dias subsequentes?
Está assente que foi enviada a comunicação transcrita no ponto 31 e que o fez pelo menos em 24 de Maio de 2004. Tal comunicação foi feita nos oito dias subsequentes à entrega. Constitui uma reclamação?
Diz-se nela, lembramos: «(…) 2. Nunca fomos informados que a avaria afectaria a entrega dos óculos em conformidade com a nossa encomenda, ou seja óculos com a impressão de quatro logótipos.
3. Estamos verdadeiramente surpreendidos com o facto de a guia de remessa indicar o envio de óculos sem a impressão dos logótipos, o que condiciona a venda dos mesmos devido ao acordo estabelecido com o nosso Ministério da Saúde.
4. O que ocorreu coloca em cheque a venda dos óculos e o pagamento à vossa empresa do montante acordado».
Consideramos que a comunicação é clara: a ausência de logotipos coloca em causa o acordo celebrado em termos de a Ré se declarar exonerada da sua prestação principal, a de pagar o preço dos óculos.
Num acordo sem rasto de intervenção de juristas de parte a parte e que foi celebrado e se desenvolveu com base nas comunicações escritas constantes dos autos, a mensagem é clara: a Ré não aceita os óculos sem impressão.
É clara ainda ao referir que a entrega de óculos sem impressão coloca em cheque (ou seja, inviabiliza) a venda dos óculos, ou seja, a finalidade por si prosseguida com o contrato.
Esta comunicação só pode ser entendida pela parte contrária como de reclamação por falta de conformidade com a amostra que determinou o contrato, visto o comando do artigo 236.º, do CC, que determina a consideração do sentido que um declaratário normal daria à declaração.
Mas nem seria necessário recorrer ao sentido percebido por um declaratário normal, uma vez que consta dos autos a indicação do sentido atribuído pela Autora conforme resulta da comunicação aludida no ponto 30. Nesta, a Autora enjeita a obrigação de entrega de óculos com a impressão de logotipos, considera infundada a “acusação” da Ré (modo como classifica aquela anterior comunicação) e afirma que, por isso mesmo, enviará a factura para pagamento.
Em consequência, concluímos que a reclamação da desconformidade da mercadoria com a amostra foi feita, concretizou-se no prazo de oito dias e impediu a eficácia da compra e venda quanto aos óculos sem impressão, nos termos do artigo 471.º, do CCom.
O mesmo é dizer que a Ré não está obrigada ao pagamento do preço relativo a um contrato que não produz efeitos, na parte relativa à reclamação.
Refere-se no Acórdão 1453 antes citado: «conforme explica o Prof. Filipe Cassiano dos Santos (Direito comercial português, vol. I, Dos actos de comércio às empresas: o regime dos contratos e mecanismos comerciais no direito português, 2007, Coimbra Editora, pág. 148), “(...) se o comprador reclamar no acto de verificação ou nos oito dias seguintes à entrega (caso a verificação não tenha ocorrido no acto de entrega) contra a desconformidade entre aquilo que foi entregue e a amostra (...), a condição entende-se não verificada e o contrato cai por não verificação da condição negativa (que é a inexistência de reclamação). Para que o negócio possa ficar apto a produzir os seus efeitos próprios é preciso que não haja reclamação no prazo do art. 471.º (condição suspensiva negativa) (...)”.
Após a redução do pedido pela Autora, na sequência do pagamento parcial, está apenas em causa nos autos o preço dos óculos em que não foram feitas as impressões de logotipos. Assim, deve a Ré ser absolvida do pedido e revogada a decisão que nele a condenou.
2.3 Da litigância de má fé
Pediu a Recorrida a condenação da Recorrente como litigante de má fé por entender que as alegações de recurso que apresentou deformam a verdade dos factos e a verdade processual.
Nos termos do artigo 456º, nº 1 e 2, do CPC, diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não podia ignorar, tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes, tiver praticado omissão grave do dever de colaboração ou tiver feito do processo uso reprovável.
Nada se provou que permita imputar à Recorrente má fé enquanto litigante.
IV) DECISÃO
Pelo exposto, ACORDAM em julgar procedente o recurso, revogando a decisão recorrida e absolvendo a Ré do pedido formulado pela Autora e, bem assim, do da sua condenação como litigante de má-fé.
Custas pela Recorrida.
Lisboa, 11 de Abril de 2013
(Ana de Azeredo Coelho)
(Tomé Ramião)
(Vítor Amaral)
[1] Na identificação dos documentos por referência às folhas do processo utilizaremos a indicação do número da folha seguida de um F (quando se trate do original francês) ou de um P (quando se trate da tradução portuguesa).
[2] Cf. Acórdão do TRP de 16 de Setembro de 2008 proferido no processo 0721476 (Marques de Castilho) onde se lê: «Compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço – art. 874º do mesmo diploma.
A distinção entre estes dois institutos nem sempre é fácil, embora se trate de contratos com objectos diferentes aumentando a dificuldade na distinção nos casos em que os materiais são fornecidos pelo empreiteiro, e o seu valor até suplanta o valor do trabalho.
São os seguintes os elementos diferenciadores:
O elemento típico nuclear da empreitada, no plano objectivo, consiste na realização de uma prestação de facto (realização da obra – art. 1207.º); na compra e venda o objecto essencial reside na transferência da propriedade de uma coisa ou de outro direito (art. 874º) [4]
O que verdadeiramente distingue as duas espécies contratuais é a prevalência da obrigação de facere ou da obrigação de dare, sendo na primeira de empreitada e neste de compra e venda.
Na empreitada a prestação dos materiais constitui um simples meio para a produção da obra, e o trabalho constitui o escopo essencial do negócio; ao invés, na compra e venda o fornecimento dos materiais constitui a finalidade típica do contrato.
Além disso, na empreitada o bem produzido representa um quid novi relativamente à produção ordinária do empreiteiro, implicando a introdução de modificações substanciais relativas à forma, à medida, à qualidade do objecto fornecido [5]
Acima, porém, de quaisquer elementos objectivos o que deve valer é a vontade dos contraentes.
A qualificação jurídica do contrato há-de resultar, em larga medida, do que tiver sido pretendido pelas partes que “… não terão deixado de, em qualquer caso, de configurar na sua mente um dos dois contratos em causa e o seu regime” – cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., pág. 546».
[3] Proferido na revista n.º 2698/03.9TBMTJ.L1.S1 - 1.ª Secção (Rel. Moreira Alves).
[4] “Comentário do Código Comercial Português”, vol II, p. 30, apud. Abílio Neto in “Código Comercial, Código das Sociedades Comerciais e Legislação Complementar Anotados”, 10ª ed., p 295.
[5] Na expressão do Autor citado in “Da compra e venda no direito comercial português», 2ª ed., p. 412, apud. Abílio Neto in “Código Comercial, Código das Sociedades Comerciais e Legislação Complementar Anotados”, 10ª ed., p 295.
[6] Proferido no processo 09B0658 (Rel. Oliveira Rocha).
[7] Veja-se quanto a interpretação do contrato em ordem à sua qualificação como de compra e venda sobre amostra o Acórdão do TRC de 6 de Novembro de 2012 proferido no processo 71757/09.0YIPRT.C2 (Rel. Virgílio Mateus).
[8] O que não excluíria a aplicação do regime da venda de coisa defeituosa, caso os defeitos se verificassem ulteriormente, nos termos gerais. Coerentemente, este regime apenas seria aplicável após produção dos efeitos contratuais.
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