Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MARGARIDA BLASCO | ||
Descritores: | DIFAMAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/20/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
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Sumário: | É necessário, para que a difamação não seja punida que, para além da realização de um interesse legítimo, a imputação do facto desonroso seja verdadeira. À imputação verdadeira equivale aquela que o agente considerou como tal, depois de colhidas as informações que, nas circunstâncias, se impunham e era possível obter. Cabe ao agente da ofensa a prova, quer do interesse legítimo, quer da verdade ou verosimilhança da imputação (verosimilhança, na acepção da 2° parte da alínea do n°2, e do n°4, do art°180°). Mas não pode considerar-se ofensivo da honra tudo o que o assistente entenda que o atinge, mas tão só o que na opinião da generalidade das pessoas de bem, deve considerar-se ofensivo dos valores sociais e individuais de respeito. A protecção penal dada à honra e consideração e a punição dos factos lesivos desses bens jurídicos, só se justifica em situações em que objectivamente as palavras proferidas não têm outro conteúdo ou sentido que não a ofensa, ou em situações em que, uma vez ultrapassada a mera susceptibilidade pessoal, as palavras dirigidas à pessoa a quem o foram, são indubitavelmente lesivas da honra e da consideração do lesado. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa I 1-No processo nº 46/4.0TAVPT, que correu seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Vila do Porto, interpôs o assistente P… recurso da decisão instrutória de fls. 267-275, que não pronunciou as arguidas M… e Pa…, pelo crime de difamação por que vinham acusadas.Alega o recorrente, em síntese, que o despacho de não pronúncia deve ser revogado, porquanto: - Os documentos juntos pelas arguidas com o requerimento de abertura de instrução, entrado a 25 de Janeiro de 2006, não permitem concluir, ao contrário do que fez a Mma Juiz de Instrução, que não resultam dos autos indícios suficientes da prática, pelas arguidas, do crime de difamação, por que vinham acusadas. 2- O recurso foi devidamente admitido e fixado o efeito legal. 3- Vieram as recorridas alegar que com o presente recurso, o assistente visa exclusivamente o reexame de matéria de facto (art. 428º, nº 1 do Código de Processo Penal (CPP)), impugnando a decisão de não pronúncia pelo crime de difamação de que as arguidas Ma… foram acusadas, devendo o despacho recorrido ser mantido uma vez que fez a correcta apreciação dos factos. O recurso deve, deste modo, ser rejeitado. 4-O Ministério Público (MP) junto do Tribunal de 1ª Instância, na sua resposta, entendeu que a conduta das arguidas se encontra devidamente justificada, concordando com a decisão da Mma Juiz a quo em não submeter a causa a julgamento, devendo o recurso improceder. 5-Os autos subiram a este Tribunal, onde a vista a que corresponde o art. 416º do CPP, o Exmo. Procurador - Geral Adjunto entendeu que o recurso não merece provimento, mantendo-se o despacho recorrido. 6- Cumprido o art.417º do CPP, nada foi dito. 7-Efectuado exame preliminar, foram os autos remetidos para conferência. Colhidos os vistos, cumpre apreciar. II 1- Recordemos o teor do despacho recorrido (transcrição): P…, Assistente, deduziu acusação particular contra M… e Pa…, imputando-lhes a prática de factos que, no seu entender, se subsumem à prática de um crime de difamação agravada, p. e p. pelo art. 180º, 183º, e 184º e 132º, nº 2, alínea j), todos do Cód. Penal, em co-autoria material e sob a forma consumada. O Ministério Público acompanhou a acusação quantos aos factos mas não quanto à respectiva qualificação jurídica, por entender que os mesmos consubstanciam a prática, pelas Arguidas, de um crime de difamação, p. e p. pelo artigo 180º do Cód. Penal. Não se conformando, as Arguidas requereram a abertura de instrução alegando, em síntese, que as expressões que lhes são imputadas foram tidas não perante terceiros na verdadeira acepção da palavra mas sim e apenas perante este Tribunal, no âmbito de um processo de regulação do exercício do poder paternal. Como tal, fizeram-no cumprimento de um dever perante um órgão de soberania, a quem têm de ser transmitidos todos os elementos indispensáveis à decisão. Concluíram, assim, pela sua não pronúncia. * Realizou-se o debate instrutório com observância das formalidades legais. * O Tribunal é competente. Da legitimidade do Assistente para a acusação particular: Pelas exactas razões enunciadas pelo Ministério Público a fls. 161 e 162, que aqui se dão por inteiramente reproduzidas, entende-se que os factos constantes da acusação particular são susceptíveis de, em abstracto, integrarem a prática de um crime de difamação p. e p. pelo artigo 180º, nº 1, do Cód. Penal e não, como diz o Assistente, com a agravação prevista no artigo 183º ou 184º, este com referência ao artigo 132º, nº 2, alínea j), do mesmo Código. Não integra o artigo 183º porque não é correcto afirmar que as declarações prestadas no âmbito de um processo de alteração da regulação do exercício do poder paternal são facilmente divulgáveis (bem pelo contrário); e não é correcta a aplicação que o Assistente fez dos artigos 184º e 132º, nº 2, alínea j), pois que o ofendido não se encontrava no exercício das suas funções nem se vislumbra, dos factos, que as expressões tenham sido proferidas por causa dessas funções. Aliás, e como já salientou o Ministério Público, a agravação, a existir, excluiria a legitimidade do Assistente para deduzir a acusação particular, porquanto nos encontraríamos perante um crime semi-público – artigo 188º, nº 2, do Cód. Penal, e artigos 49º, nº 1, 50º, nº 1 e 285º, nº 1, todos do Cód. de Processo Penal. * O Assistente tem legitimidade para exercer a acção penal. Não se vislumbram obstáculos ao conhecimento do mérito da causa. * Nos termos do art. 286º, nº 1, do Cód. Proc. Penal, “a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento”. Daqui se conclui que a instrução não equivale a um julgamento antecipado, como também não pode ser confundida como uma continuação do inquérito – ela visa tão-só uma comprovação (ou não) da decisão do Ministério Público. Assim, importa neste momento, e tendo em conta o disposto nos arts. 308º, n.º1 e 283º, nºs. 1 e 2, do C.P.P., apreciar da existência nos autos de elementos probatórios suficientes que permitam concluir pela existência de uma possibilidade razoável de que as Arguidas venham a ser condenadas pela prática do crime que lhes foi imputado na acusação particular (com a qualificação jurídica supra enunciada) e, consequentemente, de lhes vir a ser aplicada uma pena. Por outras palavras, está em causa apurar se nos autos existem indícios suficientes de que as Arguidas cometeram o crime de difamação. Vejamos. * De harmonia com o disposto no art. 182º do Código Penal, à difamação verbal é equiparada aquela que é feita por escrito. Encontrando-se as declarações das Arguidas formalizadas por escrito, apreciemos, pois, se há indícios de que as mesmas praticaram este crime. Para o efeito, considero e declaro reproduzidas as razões de facto que, não conclusivas, constam da acusação particular e do requerimento de abertura de instrução (art. 307º, nº 1, do Cód. Proc. Penal), designadamente que: v A Arguida M… e o Assistente têm uma filha comum, menor, de nome Carolina. v Em Junho de 2003, o Assistente e a Arguida M… foram observados por Carlos Alberto de Mesquita Carvalho, que exerce e assina como especialista em Psicologia Transpessoal. v Por “Relatório Analítico” datado de 22/06/2003, Carlos Carvalho declarou que, após ter consultado P… durante 4 horas, concluiu que o mesmo “tem aspectos de imaturidade e comportamentos oscilantes e paradoxais”. v O Assistente, que acompanhou a Arguida a uma consulta médica com Jorge Faro da Costa, que exerce e assina como Médico Especialista em Medicina Geral e Familiar, declarou em 09/06/2004, que se apercebeu que o Assistente se tratava “de uma pessoa com grau de dependência materna pouco esperável na sua idade”, e que tinha “um grau de imaturidade evidenciado pela sua incapacidade de assumir a sua quota parte de responsabilidade na situação vivida pelo casal. Para além disso, e baseado também em informações transmitidas quer pela S... quer pelos seus pais, parece-me ter uma tendência autoritária para com terceiros (por exemplo para com o filho mais velho da sua companheira e a sua própria filha), que poderá ser explicada como compensação da relação de dependência em relação à sua mãe”. v A Arguida M… dirigiu-se com a filha Carolina a uma consulta com a Arguida Pa…, que exerce e assina como Psicóloga Clínica Especialista em Neuropsicologia Infantil, para que esta procedesse a um estudo clínico da menor. v Nessa sequência, a Arguida Pa… elaborou uma Informação Clínica datada de 27/01/2004, onde fez constar, além do mais, que “A Carolina, de 3 anos e meio, esteve nesta consulta com a mãe por apresentar alguma instabilidade emocional em relação à figura do pai. (…) Segundo os profissionais que avaliaram o pai da Carolina, este apresenta uma instabilidade emocional, tendo problemas do foro psiquiátrico que não assume nem quer ajuda para superar as suas dificuldades. (…) Seria aconselhável neste momento as visitas do pai serem suspensas, até o pai da menor ser capaz de resolver a sua instabilidade emocional e ser capaz de manter uma relação saudável com a Carolina (…). Na minha opinião, a presença do pai na vida desta criança será importante para o seu desenvolvimento, desde que não ponha em risco a estabilidade e integridade desta e quando o pai perceber qual deverá ser o seu papel nesta relação e a forma correcta de agir com a filha. A Carolina vai continuar a ter acompanhamento psicológico, de forma a que perca os medos que tem e que possa ter uma percepção diferente em relação ao pai, pretendendo-se que veja este não como um intruso mas como alguém que lhe poderá dar afecto”. v No dia 3 de Maio de 2004, a Arguida M… fez dar entrada das suas alegações neste Tribunal, para serem juntas ao processo que corria termos sob o nº 74/03.2TBVPT-A e que se destinava a alterar a regulação do exercício do poder paternal referente à menor Carolina. v Tais alegações foram acompanhadas da Informação Clínica subscrita pela Arguida Pa.... * Estes são, no essencial, os factos. * O Direito: Comete o crime de difamação “quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo” – art. 180º, nº 1, do Cód. Penal. A incriminação em apreço constitui uma tutela do direito à honra, bem jurídico constitucionalmente protegido, atento o disposto no art. 25º, n.º1, da Constituição da República Portuguesa, que dispõe que a todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom-nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação. A previsão do art. 180º do Código Penal mais não é do que a consagração penal de um direito que a Constituição protege, enquanto bem de cariz pessoalíssimo e imaterial, do qual só o próprio sujeito é titular - cfr. Faria Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, t. 1, p. 602. * No entanto, nem todos os factos que envergonham ou humilham são criminalmente punidos, tudo dependendo da intensidade da ofensa. Pautando-se o Direito Penal por um princípio de intervenção mínima, há uma linha delimitadora dos comportamentos ilícitos, até à qual não há responsabilidade jurídico-penal. Por outro lado, os factos ou juízos imputados têm que ser valorados à luz do meio social e cultural em que os visados se inserem, de harmonia com a mentalidade e concepções morais aí dominantes. Só com todos estes dados se pode avaliar o carácter ofensivo do comportamento e o seu grau. * Cumpre salientar que a lei penal anterior a 1982 exigia, ao preenchimento do crime, o animus difamandi, pelo que seria necessário existirem indícios dessa intenção. Porém, já assim não sucede hoje – é irrelevante, no que concerne ao cometimento do crime, que as arguidas tenham ou não tido intenção de difamar - o tipo subjectivo previsto no art. 180º, n.º 1, do Cód. Penal, basta-se e é preenchido com o dolo genérico, ainda que eventual, “a consciência, por parte do agente, de que a sua conduta é de molde a produzir a ofensa da honra ou consideração de alguém” – Leal-Henriques e Simas Santos, Código Penal, 2º Volume, 2ª Edição, 318. Assim, importa apenas apreciar a conduta e concluir se a mesma é ou não apta a produzir a ofensa, no sentido de provocar, em si mesma, uma reprovação ético-social. * Ora, apreciados os factos, não se vislumbra que os mesmos tenham produzido qualquer ofensa no Assistente que mereça a tutela do Direito, e menos ainda a tutela do pelo Direito Criminal. Na verdade, dos mesmos resulta apenas que a mãe da menor Carolina (aqui a Arguida M…) se dirigiu a uma especialista em Neuropsicologia Infantil (Arguida Pa...) para que, no âmbito da sua competência funcional, elaborasse um relatório sobre a situação emocional da menor. Por sua vez, Pa... não elaborou juízos de valor sobre o Assistente nem em algum lado mencionou que o tivesse observado. Limitou-se tão só a mencionar as conclusões a que outros especialistas tinham chegado sobre a situação psicológica e psiquiátrica do Assistente e a relevá-los no âmbito do que lhe era pedido, ou seja, a descrever o reflexo da situação do Assistente no dia a dia da menor e no seu equilíbrio emocional. Nada fez que ultrapasse o seu dever profissional e, informando o Tribunal, nada mais fez que cumprir o dever de informação que lhe incumbia, uma vez que “as entidades públicas e privadas têm o dever de colaborar com o Tribunal, prestando as informações de que disponham e que lhes forem solicitadas”. O Juiz pode ainda nomear ou requisitar assessores técnicos a para quês estes realizem exames e elaborem pareceres, devendo estes prestar toda a colaboração - – artigos 147º-B, nº 2 e 147º-C, da Organização Tutelar de Menores. Ora, é por demais notório que a informação de que Pa... dispunha era relevante e essencial para o Tribunal decidir sobre a pretendida alteração da regulação do exercício do paternal da menor Carolina. Não se vê, pois, como sancioná-la por ter prestado tal informação. E, por idênticas razões, não se vê como sancionar a mãe da menor que, no exercício de um direito que lhe assiste, juntou a mencionada informação para fundamentar as suas alegações. Tudo dito e visto, não pode ainda deixar de se afirmar que, a ser de outro modo, nunca se poderia exigir qualquer informação aos Técnicos de Saúde e demais colaboradores da Justiça se estes, conhecedores de informações essenciais às decisões judiciais, acabassem por se confrontar com o legítimo medo de que, prestando-as, poderiam ser civil ou criminalmente punidos. * Assim, e sem mais considerandos, entendo que não existem indícios suficientes que permitam submeter as Arguidas a julgamento, motivo por que decido não pronunciar M… e Pa… pelo crime de difamação. 2- As conclusões do recurso do assistente/recorrente (transcrição): 1°- O objecto do presente recurso é o douto despacho da Meritíssima Juíza de fls. 265 a 275 dos autos, que decidiu não pronunciar as arguidas M… e Pa…, pela co-autoria material e sob a forma consumada, de um crime de difamação. Tal douto despacho alega em síntese que "(...) não existem indícios suficientes que permitam submeter as Arguidas a julgamento, motivo por que decido não pronunciar(...)", fundamentando tal decisão na junção aos autos de dois documentos elaborados por especialistas que permitiram concluir que a arguida S… apenas exerceu um direito que lhe assiste e a arguida Pa… um dever funcional, profissional de informar o Tribunal. 2°- Em 17 de Dezembro de 2005 as arguidas foram acusadas pelo crime de difamação pelo ora recorrente e pelo M.P. conforme folhas..., pela prática do crime de difamação, uma vez que arguida S… juntou ao processo de R.P.P. n° 74/03.2 TBVPT-A um relatório elaborado pela arguida Pa…, na qualidade de Neuropsicologia Infantil onde constava que o assistente, ora recorrente "segundo os profissionais que avaliaram o pai da Carolina, este apresenta muita instabilidade emocional, tendo problemas do foro psiquiátrico....", sem que no entanto, alguma vez o tenha analisado, visto ou conhecido, baseando-se assim apenas nas declarações da arguida S…, que pretendia descredibilizar, humilhar e ofender o ora recorrente, perante um órgão de soberania, a fim de conseguir a sua pretensão - impedir a alteração da regulação do Exercício do Poder Paternal da filha menor de ambos, requerida pelo ora recorrente. 3°- Em 25/01/2006, as arguidas requereram abertura de instrução e juntaram os documentos constantes de fls .... 4°- Assim, a matéria probatória trazida à colação traduziu-se nos documentos supra referidos e foi com base nestes que a Meritíssima Juíza fundamentou o seu douto despacho de não pronúncia. 5°- Deste modo cabe apreciar o teor dos supra referidos documentos e aferir se estes permitem concluir que não há quaisquer indícios da prática do crime que as arguidas vinham acusadas. 6°- De facto, o Tribunal "a quo" entendeu que os documentos 1 e 2 de fls..., consubstanciam dois relatórios de especialistas, que permitiram à arguida Pa… fazer constar do seu relatório que o ora recorrente sofre de problemas psiquiátricos, sendo esta declaração uma mera reprodução daqueles. 7°- Do documento 1 de fls..., datado de 22/06/2003 e elaborado por Carlos Carvalho, cuja especialidade (?) é de Medicina Tradicional e Psicologia Transpessoal, consta que o ora recorrente " Tem aspectos de imaturidade e comportamentos oscilantes e paradoxais". Mais se sabe que o recorrente e a arguida S... se deslocaram ao seu estabelecimento um dia pelo período de quatro horas e, tal como foi mencionado pelo recorrente em sede de debate instrutório, que tal deslocação se deveu a uma consulta de homeopatia. 8°- Relativamente ao doc. 2 (carta e não relatório) de fls... datado de 09!06/2004, elaborado pelo Dr. Jorge Faro da Costa, médico especialista em medicina geral e familiar, e médico de família da arguida S..., seus pais e parentes, consta que o recorrente se trata " de uma pessoa com grau de dependência materna pouco esperável na sua idade, um grau de imaturidade evidenciado pela sua incapacidade de assumir a sua quota parte de responsabilidade na situação vivida pelo casal, bem como em tomar uma atitude que deveria ser necessariamente assumida por ele". Refere nessa carta que tal apreciação foi feita de forma superficial uma vez que teve lugar numa consulta da arguida S... e não do ora recorrente por aquela se apresentar com um "quadro ansioso e depressivo reactivo à situação que atravessava a sua relação conjugal". 9°- Acrescenta que o ora recorrente tem "uma tendência autoritária para com terceiros (por exemplo com o filho mais velho da sua companheira e a sua própria filha) que poderá ser explicada como compensação da relação de dependência em relação à sua mãe uma vez que esta parece exercer uma marcada autoridade sobre ele", fundamentando tal consideração nas informações transmitidas pela arguida S... e pelos pais desta. 10°- Não se percebe, pois, como é que a pedido da arguida S..., a arguida Pa…, que nunca viu o recorrente, elabora um relatório para um processo judicial, na qualidade de testemunha com especiais conhecimentos técnicos e científicos na área de Neuropsicologia Infantil, e nele faz menção expressa que o assistente "(...)segundo os profissionais que avaliaram o pai da Carolina, este apresenta(...) problemas do foro psiquiátrico(...)", a fim de fundamentar que a alteração do poder paternal requerida é injustificada, sem incorrerem ambas num crime de difamação, bem sabendo que tais afirmações não eram, nem podiam ser verdadeiras. 11°- Muito menos compreensível é a conclusão do Tribunal recorrido, que face àqueles documentos juntos em sede de instrução, considera que os indícios da prática do crime que existiam, esvaneceram-se pelo facto de tais afirmações se terem limitado a " reproduzir conclusões de especialistas" (?!), e que a arguida Pa…tinha inclusivamente esse dever funcional de informação. Quando é notório para um qualquer homem médio, que nenhum deles menciona tais características do assistente (o que também não o poderiam fazer dadas as circunstâncias já mencionadas em que o observaram); E mesmo que o fizessem nunca poderiam fundamentar o relatório da arguida visto que nenhum deles se encontra habilitado para o efeito, já que não são psiquiatras. 12°- As arguidas de comum acordo e com o objectivo de denegrirem a imagem do recorrente perante o Tribunal e consequentemente obterem proveito desse facto numa decisão favorável a uma delas, devem ser pronunciadas pelo crime por que foram acusadas, visto que os indícios dessa prática existem, põem e puseram em crise o bom nome do recorrente quer perante o Tribunal recorrido quer perante a entidade para quem aquele trabalha, e nenhum daqueles documentos esvaziam esses indícios, antes pelo contrário, reforçam-nos. 13°- O nosso inconformismo e indignação assenta ainda na circunstância de que o entendimento perfilado pela Meritíssima Juíza "a quo", relativamente à dignidade penal do comportamento das arguidas ser, sem quebra do devido e tido respeito, absolutamente desajustado ao caso concreto em apreço, se atendermos nas consequências que aquelas afirmações têm para o recorrente, que é Agente da P.S.P. 14°- Não pode, em última análise, deixar de se afirmar que a ser de outro modo, sempre que alguém quisesse difamar outrem, ainda que em tribunal, bastar-lhe-ia juntar declarações de especialistas de duvidosa credibilidade num caso e/ou em cartas a pedido mesmo que de especialidade diversa noutro caso, onde se fizessem juízos de valor sobre pessoas que não consultaram sequer, para ver legitimado tal comportamento (?! ! ). 15°- Confirmando os indícios da prática do crime de que vêm acusadas as arguidas e pronunciando-as, o Tribunal recorrido por um lado não estaria a condená-las, mas apenas a dar-lhes a possibilidade de em sede de julgamento fazerem a sua defesa, e por outro lado não impedia, como fez, a possibilidade de uma pessoa digna e ofendida ver reposta de alguma forma a sua honra e dignidade. 16°- Mas não, por via do despacho ora recorrido, o Tribunal a quo mais não fez do que vir confirmar as ofensivas afirmações proferidas naquele relatório pela arguida Pa… e trazidas a Tribunal pela arguida S…, legitimando-as, o que se tornou num duplo "castigo" para o ora recorrente, que de todo não podemos aceitar Pelo exposto deverá o douto despacho recorrido ser revogado e substituído por outro, que pronuncie as arguidas S… e Pa… pela prática em co-autoria material de um crime de difamação (…) 3- E as conclusões do MP (transcrição):1. No dia 3 de Maio de 2004, a Arguida M… fez dar entrada das suas alegações neste Tribunal, para serem juntas ao processo que corria termos sob o n.º 74/03.2TBVPT-A e que se destinava a alterar a regulação do exercício do poder paternal referente à menor Carolina, filha da Arguida M… e do Assistente; 2. Tais alegações foram acompanhadas da Informação Clínica subscrita pela Arguida Pa..., de onde constava "segundo os profissionais que avaliaram o pai da Carolina, este apresenta muita instabilidade emocional, tendo problemas do foro psiquiátrico, que não assume, nem quer ajuda para superar a sua dificuldade", e que se basearam em pareceres de médicos que tinha na sua posse. 3. Com o requerimento de abertura de instrução entrado a 25 de Janeiro de 2006, vieram as Arguidas juntar um "Relatório Analítico" subscrito por Carlos Carvalho onde declarou que, após ter consultado P… durante 4 horas, concluiu que o mesmo "tem aspectos de imaturidade e comportamentos oscilantes e paradoxais"; 4. Foi ainda junta informação médica subscrita por Jorge Faro da Costa, especialista em Medicina Geral e Familiar, que declarou que se apercebeu que o assistente se tratava "de uma pessoa com grau de dependência materna pouco esperável na sua idade" e que tinha "um grau de imaturidade evidenciado pela sua incapacidade de assumir a sua quota parte de responsabilidade na situação vivida pelo casal. Para além disso, e baseado também em informações transmitidas quer pela S… quer pelos seus pais, parece-me ter uma tendência autoritária para com terceiros (por exemplo para com o filho mais velho da sua companheira e a sua própria filha), que poderá ser explicada como compensação da relação de dependência em relação à sua mãe"; 5. A Arguida Pa... agiu, assim, no cumprimento de um dever, de informar o Tribunal, utilizando os especiais conhecimentos que possui e que se afiguravam essenciais para a boa decisão acerca da alteração da regulação do exercício do poder paternal referente à menor Carolina; 6. E, conseguiu provar, através dos documentos juntos ao processo, que, na elaboração do seu relatório agiu em boa fé tendo reputado como verdadeiras as conclusões obtidas por outros profissionais médicos. 7. Mais se dirá que colheu as informações que, nas circunstâncias, se impunham e era possível obter, mais não lhe sendo exigível no caso em apreço. 8. Relativamente à Arguida M…, diremos que agiu em cumprimento de um interesse legitimo, exercendo o direito de acção que lhe assiste; 9. Tendo para o efeito recolhido todas as provas necessárias para a boa decisão da causa e, entregou-as à Arguida Pa..., para que esta, dentro dos seus especiais conhecimentos pudesse informar o Tribunal do que seria melhor para a menor Carolina; 10. Pelo que, apesar de, em abstracto as expressões utilizadas no relatório subscrito por pela Arguida Pa... poderem ser ofensivas da honra e dignidade do Assistente, o certo é que, por um lado com a imputação do facto desonroso agiram as arguidas para realizar interesses legítimos (direito de acção e dever de informar o Tribunal) e, por outro, lograram provar a verosimilhança das suas imputações, não devem, ser punidas por crime de difamação. 4- As conclusões das recorridas (transcrição): 1. As recorridas entendem que o Tribunal “a quo” decidiu bem ao não pronunciá-las pelo crime de difamação, por falta de indícios que permitam submetê-las a julgamento. 2. O relatório clínico elaborado pela recorrida Pa... a pedido da recorrida S..., tinha como objectivo informar o tribunal “a quo” de forma a que este pudesse obter todos os elementos indispensáveis para decidir a Regulação do poder paternal, designadamente no que concerne aos cuidados a ter pelos pais no que tange aos contactos a ter com a menor. 3. A recorrida Pa... limitou-se a reproduzir na sua informação clínica, no que diz respeito ao recorrente, as apreciações/conclusões a que chegaram os médicos que observaram o recorrente, com o intuito de esclarecer o tribunal “a quo” acerca do quadro clínico do pai da menor. 4. Essa informação clínica não encerra de forma alguma uma reprovação ético-social, ofensiva da reputação do recorrente, não são formulados quaisquer juízos de desvalor sobre o recorrente nem são feitas afirmações que se traduzam numa apreciação pessoal negativa sobre o carácter da sua pessoa. 5. As recorridas limitam-se a carrear para o processo de regulação de poder paternal, elementos indispensáveis à boa decisão da causa, coisa que representa a realização de um interesse legitimo, de um direito de mãe e de um dever público de esclarecer o Tribunal. 6. O “animus” das recorridas foi realizar a função pública, inerente ao direito/dever de informar, pelo que inexiste ofensa à honra do recorrente. 7. As recorridas apenas divulgaram factos ou palavras alheias, relacionando-se negativamente com o seu conteúdo, pelo que a “facti specie” do crime de difamação não está realizada por falta de tipicidade. 8. É ainda de salientar que o tribunal “a quo” não é um terceiro num processo de Regulação de poder paternal por se tratar de órgão de soberania a quem tem de ser levados e transmitidos todos os elementos indispensáveis à sua decisão. 9. A haver alguma conduta ilícita, o que se rejeita desde já, nunca se seriam as ora recorridas, as agentes da comissão da mesma, uma vez que se limitaram a reproduzir Apreciações/Conclusões levadas a cabo por Técnicos de Saúde, colaboradores da Justiça por conhecedores de informações essenciais às decisões judiciais. Termos em que deve ser mantida a decisão proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Vila do Porto. 4- O recurso reporta-se à apreciação da existência dos indícios suficientes para a pronúncia das arguidas pelo crime de difamação que o assistente/recorrente entende existirem. O que importa a este Tribunal apreciar e apurar é se do inquérito e da instrução resultam indiciados factos que possam conduzir àquela pronúncia. 5- Importa começar por sublinhar que a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não uma causa a julgamento - art. 286º, nº1 do CPP, no sentido de que não se está perante um novo inquérito, mas apenas perante um momento processual de comprovação. Ora, um dos fundamentos do arquivamento do inquérito pelo MP e do despacho de não pronúncia pelo juiz de instrução é a insuficiência dos indícios da verificação do crime ou de quem foram os seus agentes - arts. 277º, nº 2 e 308º, º1 do CPP. A pronúncia só deve ter lugar quando tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se ter verificado o crime e de quem foi o seu agente - arts. 283º e 308º, nº 1 do CPP. Na decisão instrutória de não pronúncia, o juiz decide que os autos não estão em condições de prosseguir para a fase de julgamento, por não se verificarem os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança criminais. Nos termos do disposto no art. 308º, nº 1 do CPP, “ se até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia”. Por seu turno o art. 283º, nº2 do mesmo diploma - aplicável ex vi do disposto no nº 2 do art. 308º estipula que “ consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou medida de segurança”. Por “indiciação suficiente” entende-se a verificação suficiente de um conjunto de factos que, relacionados e conjugados, componham a convicção de que, com a discussão ampla em julgamento, se poderão vir a provar - com um juízo de certeza e não de mera probabilidade - os elementos constitutivos da infracção por que os agentes virão a responder - Ac. do STJ , de 10.12.92, proc. Nº 427747. Como refere o Prof. Figueiredo Dias, “ os indícios só serão suficientes e a prova bastante, quando, em face deles, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado ou quando esta seja mais provável do que absolvição” -Direito Processual Penal, pág. 133. E adianta: “ tem pois razão Castanheira Neves quando ensina que na suficiência dos indícios está contida a mesma exigência de verdade requerida pelo julgamento final, só que a instrução preparatória (e até a contraditória) não mobiliza os mesmos elementos probatórios que estarão ao dispor do juiz na fase de julgamento, e por isso, mas só por isso, o que seria insuficiente para a sentença poder ser bastante ou suficiente para a acusação”. Indícios, no sentido em que a expressão é utilizada no art.308º do CPP, são pois meios de prova enquanto são causas ou consequências, morais ou materiais, recordações ou sinais, do crime. Para a pronúncia ou para a acusação, a lei não exige a prova, no sentido da certeza moral da existência do crime, bastando-se com a existência de indícios, de sinais dessa ocorrência. No juízo de quem acusa, bem como daquele de quem pronuncia, tem de estar presente a defesa da dignidade da pessoa humana, nomeadamente a necessidade de protecção contra intromissões abusivas na sua esfera de direitos, a recordar os salvaguardados na Declaração Universal dos Direitos do Homem e que entre nós se revestem de dignidade constitucional - art. 2º da DUDH e art. 27º da CRP. É por tudo isto que a doutrina e a jurisprudência vêm entendendo que aquela possibilidade razoável de condenação é um possibilidade mais positiva do que negativa. O juiz só deve pronunciar o arguido quando, pelos elementos de prova recolhidos nos autos, forma a sua convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que não o tenha cometido, isto é, os indícios são suficientes quando haja uma alta probabilidade de futura condenação do arguido ou pelo menos, uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição. Pelo que, em síntese, constitui indiciação suficiente o conjunto de elementos que, relacionados e conjugados, persuadem da culpabilidade do agente, fazendo vingar a convicção de que virá a ser condenado pelo crime que lhe é imputado. 6-Segundo o art. 180º, nº 1 do CP, comete o crime de difamação e cita-se: “ Quem dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo…”. A honra (e, por aproximação, o bom nome) está ligada à imagem que cada um tem de si próprio, construída interiormente mas também a partir de reflexões exteriores, repercutindo-se no apego a valores de probidade e honestidade; a reputação (e também a boa fama) representa a visão exterior sobre a dignidade de cada um, ao apreço social, o bom nome de que cada um goza no círculo das suas relações - Acórdão do STJ de 12 de Janeiro de 2000 in BMJ 493-156. A doutrina dominante no nosso ordenamento jurídico, acerca do conceito de honra, tempera a concepção normativa com uma dimensão fáctica (concepção dual): "a honra é vista como um bem jurídico complexo que inclui quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior”. Sem margens para dúvida, esta é a única concepção compatível com a nossa lei. Na verdade, e ao contrário do que acontece noutras legislações, o ordenamento jurídico-penal português, na linha da tradição anterior e, sobretudo, em inteira consonância com a ordem constitucional, alarga a tutela da honra também à consideração ou reputações exteriores. Forma de perceber as coisas que é posta em destaque e salientada por Figueiredo Dias quando escreve: "a jurisprudência e a doutrina jurídico-penais têm correctamente recusado sempre qualquer tendência para uma interpretação restritiva do bem jurídico honra, que o faça contrastar com o conceito de consideração (...) ou com os conceitos jurídico constitucionais de bom nome e de reputação. Nomeadamente, nunca teve entre nós aceitação a restrição da honra ao conjunto de qualidades relativas à personalidade moral, ficando de fora a valoração social dessa mesma personalidade; ou a distinção entre opinião subjectiva e opinião objectiva sobre o conjunto das qualidades morais e sociais da pessoa; ou a defesa de um conceito puramente fáctico, quer -no outro extremo - estritamente normativo". Faria Costa, RLJ nº 3926. O crime de difamação exige para além do elemento objectivo que é o bem jurídico protegido, ou seja a consideração social e pessoal do visado analisado em função do conteúdo e extensão daquele bem e a partir do qual se aferirá o seu elemento subjectivo, a antijuricidade da conduta do agente (que reveste a forma dolosa). A jurisprudência e a doutrina têm sido unânimes no sentido de referir que basta o dolo genérico em qualquer das suas formas - arts. 13 e 14 do CP - “bastando, portanto, que o agente, ao realizar voluntariamente a acção, se tenha dado conta da capacidade ofensiva da integridade moral da pessoa visada, não se exigindo qualquer finalidade ou motivação especial”- por todos, o Ac. TRP, de 25.01.1995, CJ, Ano XX, tomo I, pág. 245. 7- Resulta da prova recolhida ao longo o inquérito e da instrução que: • a arguida M… e o assistente têm uma filha comum, menor, de nome Carolina; • em Junho de 2003, o assistente e a arguida M… foram observados por Carlos Aberto de Mesquita Carvalho, que exerce e assina como especialista em Psicologia Transpessoal; • por "Relatório Analítico" datado de 22/06/2003, Carlos Carvalho declarou que, após ter consultado P… durante 4 horas, concluiu que o mesmo "tem aspectos de imaturidade e comportamentos oscilantes e paradoxais"; • o assistente, que acompanhou a arguida a uma consulta médica com Jorge Faro da Costa, que exerce e assina como Médico Especialista em Medicina Geral e Familiar, declarou em 09/06/2004, que se apercebeu que o assistente se tratava "de uma pessoa com grau de dependência materna pouco esperável na sua idade" e que tinha "um grau de imaturidade evidenciado pela sua incapacidade de assumir a sua quota parte de responsabilidade na situação vívida pelo casal. Para além disso, e baseado também em informações transmitidas quer pela S... quer pelos seus pais, parece-me ter uma tendência autoritária para com terceiros (por /exemplo para com o filho mais velho da sua companheira e a sua própria filha), que poderá ser explicada como compensação da relação de dependência em relação à sua mãe”; • a arguida M… dirigiu-se com a filha Carolina a uma consulta com a arguida Pa..., que exerce e assina como Psicóloga Clínica Especialista em Neuropsicologia Infantil, para que esta procedesse a um estudo clínico da menor; • nessa sequência, a arguida Pa... elaborou uma informação Clínica datada de 27/01/2004, onde fez constar, além do mais, que " A Carolina, de 3 anos e meio, esteve nesta consulta com a mãe por apresentar alguma instabilidade emocional, em relação à figura do pai. (...) Segundo os profissionais que avaliaram o pai da Carolina este apresenta uma instabilidade emocional, tendo problemas do foro psiquiátrico que não assume nem quer ajuda para superar as suas dificuldades. (...) Seria aconselhável neste momento as visitas do pai serem suspensas, até o pai da menor ser capaz de resolver a sua instabilidade emocional e ser capaz de manter uma relação saudável com a Carolina (...). Na minha opinião, a presença do pai na vida desta criança será importante para o seu desenvolvimento, desde que não ponha em risco a estabilidade e integridade desta e quando o pai perceber qual deverá ser o seu papel nesta relação e a forma correcta de agir com a filha. A Carolina vai continuar a ter acompanhamento psicológico, de forma a que perca os medos que tem e que possa ter uma percepção diferente em relação ao pai, pretendendo-se que veja este não como um intruso mas como alguém que lhe poderá dar afecto”; • no dia 3 de Maio de 2004, a arguida M… fez dar entrada das suas alegações neste Tribunal, para serem juntas ao processo que corria termos sob o n.º 74/03.2TBVPT-A e que se destinava a alterar a regulação do exercício do poder paternal referente à menor Carolina; • tais alegações foram acompanhadas da Informação Clínica subscrita pela arguida Pa.... Entende o assistente que a sua imagem e que foi construindo de si mesmo poderia ficar comprometida com o facto de passar a ser visto como um sujeito que tem problemas do foro psiquiátrico. A reputação do assistente seria abalada. Acontece que, conforme já referido, estas expressões foram utilizadas com as alegações apresentadas pela arguida M…, em processo de alteração da regulação do poder paternal, referente à menor Carolina. Pelo que a recorrida M… estava a agir mediante um interesse legítimo (envolve a prossecução de uma finalidade reconhecida pelo Direito como sendo digna de tutela, independentemente da sua natureza pública ou privada, ideal ou material), no exercício do direito de acção que lhe assiste. O que, no entanto, só por si, não chega para justificar a conduta das arguidas, facto por que, o MP acompanhou, em parte, a acusação particular proferida pelo assistente.(recorde-se a este respeito a sua posição vertida nas conclusões da sua resposta 10. Pelo que, apesar de, em abstracto as expressões utilizadas no relatório subscrito por pela Arguida Pa... poderem ser ofensivas da honra e dignidade do Assistente, o certo é que, por um lado com a imputação do facto desonroso agiram as arguidas para realizar interesses legítimos (direito de acção e dever de informar o Tribunal) e, por outro, lograram provar a verosimilhança das suas imputações, não devem, ser punidas por crime de difamação.) Concretizemos, no entanto, os fundamentos que servem de base à nossa decisão. É necessário, para que a difamação não seja punida que, para além da realização de um interesse legítimo, a imputação do facto desonroso seja verdadeira. À imputação verdadeira equivale aquela que o agente considerou como tal, depois de colhidas as informações que, nas circunstâncias, se impunham e era possível obter. Cabe ao agente da ofensa a prova, quer do interesse legítimo, quer da verdade ou verosimilhança da imputação (verosimilhança, na acepção da 2° parte da alínea do n°2, e do n°4, do art°180°). E, foi precisamente a prova dessa veracidade que as arguidas vieram fazer em sede de instrução, com a junção de novos documentos, que atestam que, de facto o assistente já tinha sido observado por profissionais de saúde que elaboraram o seu juízo clínico sobre o mesmo, que serviu de base ao relatório apresentado pela recorrida Pa..., que, em boa fé, reputou como verdadeiras as conclusões obtidas por outros profissionais médicos. Nesse relatório junto ao processo de alteração da regulação do exercício do poder paternal, não consta um juízo de valor por parte da arguida. Ela apenas se limita a extrair uma conclusão dos relatórios apresentados por outros médicos e que nessa altura tinha na sua posse, dizendo "Segundo os profissionais que avaliaram o pai da Carolina...". Não poderemos dizer que agiu à margem do dever de lealdade e das específicas regras de cuidado que as leges artis, típicas do seu agrupamento profissional, lhe impõem. Antes pelo contrário, achamos que actuou segundo o dever de cuidado que o caso exigia, pelo que acompanhamos aqui as observações efectuadas pela Mma Juiz do Tribunal a quo quando refere "a ser de outro modo, nunca se poderia exigir qualquer informação aos Técnicos de Saúde e demais colaboradores da Justiça se estes, conhecedores de informações essenciais às decisões judiciais, acabassem por se confrontar com o legítimo medo de que prestando-as, poderiam ser civil ou criminalmente punidos." Ora, não pode considerar-se ofensivo da honra tudo aquilo que o assistente entende que o atinge, mas tão só o que na opinião da generalidade das pessoas de bem, deve considerar-se ofensivo dos valores sociais e individuais de respeito. A protecção penal dada à honra e consideração e a punição dos factos lesivos desses bens jurídicos, só se justifica em situações em que objectivamente as palavras proferidas não têm outro conteúdo ou sentido que não a ofensa, ou em situações em que, uma vez ultrapassada a mera susceptibilidade pessoal, as palavras dirigidas à pessoa a quem o foram, são indubitavelmente lesivas da honra e da consideração do lesado. O que não acontece, no caso em apreço. Por tudo o exposto, conclui-se pela injustificabilidade da submissão das arguidas a julgamento, pois que, em tal sede, o resultado conduziria, em termos prognósticos, a uma absolvição. Termos em que o despacho de não pronúncia em apreciação não merece qualquer censura, improcedendo, deste modo, o recurso interposto. III Pelo exposto, acordam as Juízas deste Tribunal, em negar provimento ao recurso interposto por P…, mantendo na íntegra o despacho recorrido. Custas pelo recorrente que se fixam em 4 UC. O presente Acórdão foi elaborado em processador de texto e revisto pela Relatora que rubricou. Lisboa, 20.06.2006 Relatora: Margarida Blasco 1ª Adjunta: Desembargadora Filomena Lima 2ª Adjunta: Desembargadora Ana Sebastião |