| Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:
I - RELATÓRIO
João …, residente na …, propôs a presente acção, com processo especial, emergente de acidente de trabalho, com o patrocínio oficioso do Ministério Público, contra Companhia de Seguros … S.A., com sede no … e Luís …, armador, residente na …, pedindo que, depois de decidido qual a entidade responsável, fosse esta condenada a pagar ao A. o capital de remição de uma pensão anual de €186,63, com inicio em 27 de Novembro de 2004 e, a titulo de retribuição correspondente ao dia do acidente, a quantia de €18,52.
Alegou, para tanto, ser trabalhador do 2.° R e que sofreu um acidente quando procedia à moagem de peixe.
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A R. seguradora contestou alegando que o acidente ocorreu porque o moinho utilizado pelo sinistrado estava completamente desprotegido e à margem de todas as regulamentações legais, pelo que, a sua responsabilidade é apenas subsidiária.
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O R. Patronal também contestou alegando que houve distracção do sinistrado, que conversava com um colega enquanto moía o peixe e que tem a sua responsabilidade transferida para a seguradora. *
Por despacho de 06/04/2005 (fls. 92 e 93), foram fixados os factos assentes e elaborada a base instrutória, sem qualquer reclamação das partes. * *
Após a realização da audiência de julgamento o tribunal respondeu à matéria da base instrutória, também sem qualquer reclamação das partes (fls. 144 a 148).*
Foi oportunamente proferida sentença que julgou a acção procedente e, em consequência, condenou:
- A R. Companhia de Seguros S.A. a pagar ao A. João … o capital de remição de uma pensão no valor de €186,63 (cento e oitenta e seis euros e sessenta e três cêntimos), acrescido de juros de mora a partir de 27 de Novembro de 2004, dia seguinte ao da alta, que se liquidaram, à data da sentença, em €4,66.
- O R. Patronal Luís Manuel … a pagar ao A. a quantia de €18,52 (dezoito euros e cinquenta e dois cêntimos).*
A Ré Seguradora não se conformou com tal decisão e dela interpôs recurso de apelação concluindo, assim:
1 - O acidente ocorreu quando o sinistrado estava a moer peixe utilizando um moinho eléctrico com a potência de 1 HP:
2 - O 2.° Ré tinha adaptado um moinho mecânico e, de forma artesanal, ligou-lhe um motor com aquela potência de forma a fazer o moinho trabalhar electricamente e aumentar a potência para moer 200 kg de peixe ou carne por hora.
3 - O moinho em causa não tinha qualquer mecanismo ou protecção que evitasse o contacto das mãos com a roda ou lâmina que triturava o peixe.
4 - Assim, o A. quando se encontrava a empurrar com o dedo polegar o peixe para dentro do moinho foi apanhado pela lâmina que lhe cortou a cabeça do dedo,
5 - Aquele moinho foi adaptado pelo 2.° R. cerca de um ano antes do acidente
6 - Era habitualmente utilizada pelos trabalhadores e não tinha qualquer protecção.
7 - O que era do conhecimento da entidade patronal.
8 - Se o moinho em causa tivesse protecção o mesmo não teria causado qualquer dano ao trabalhador já que a lâmina ou a roda não era acessível ao trabalhador.
9 - A Co-Ré, entidade empregadora do sinistrado, não cumpriu com as disposições legais de segurança imposta pela lei em vigor e que a terem sido implementadas tinham evitado que o trabalhador sofresse qualquer acidente.
10 - Nomeadamente com o disposto no Art.° 5 do D. L. n.° 331/93 de 25 de Dezembro e o ponto 2. 8 do seu anexo, pelo que a responsabilidade da ora recorrente deverá ser considerada subsidiária.
11 - Na verdade, nos termos daquelas disposições legais (Art.° 5.°) os equipamentos de trabalho colocados à disposição dos trabalhadores têm de cumprir a legislação aplicável relativa à protecção e segurança daqueles, garantido os =eis de segurança mínimos previstos no anexo àquele diploma.
12 - Conforme o descrito no anexo àquele diploma «os elementos móveis de um equipamento de trabalho que possam ocasionar acidentes por contacto mecânico devem ser munidos de protectores ou dispositivos que impeçam o acesso às zonas perigosas ou que interrompam o movimento dos elementos perigosos antes do acesso dos mesmos.»
13 - Ora, o moinho envolvido no sinistro não estava dotada de qualquer protecção que impedisse o contacto de qualquer parte do corpo, em concreto as mãos, com as rodas ou lâminas de triturar.
14 - Além disso a entidade empregadora não forneceu qualquer objecto que pudesse ser utilizado para empurrar o peixe para dentro do moinho para que o material a triturar não estivesse em contacto directo com as mãos.
15 - Pelo que o co-réu, Luís Manuel …, é responsável por não ter implementado as medidas de segurança legalmente exigíveis e necessárias a prevenir lesões aos seus trabalhadores.
16 - Estabelecido desse logo o nexo de causalidade entre o incumprimento das regras de segurança no trabalho e o acidente, é de concluir que este resultou de culpa da entidade patronal que não as respeitou, pelo que a reparação do acidente a que se reportam os autos é da responsabilidade do co-réu entidade patronal, respondendo a co-ré seguradora apenas subsidiariamente pelas prestações normais previstas na Lei, tudo nos termos do disposto no Art.° 18.°, n.° 1 e no Art.° 37.° da Lei 0,100/97, de 13 de Setembro.
À cautela e não prescindindo,
17 - Se assim não se entender então se dirá que o acidente se ficou a dever a culpa exclusiva do sinistrado já que ficou provado que aquele conversava enquanto empurrava o peixe para dentro do moinho.
18 - O comportamento do sinistrado ao introduzir a sua mão esquerda no interior do moinho (máquina trituradora) quando as lâminas giravam a elevada velocidade, o que como atrás já foi referido era facilmente perceptível, é de per si suficiente para dizer que o mesmo foi temerário em alto e relevante grau.
19 - Trata-se de um acto eivado de uma profunda insensatez e total falta de ponderação dos riscos de tal atitude arrojadamente temerária, pelo que encontrando-se preenchidos os requisitos do Art.° 7, n.° 1 alínea b) da Lei n.° 100/97, de 13 de Setembro, o acidente não dá direito a reparação, pelo que os pedidos do A. deverão improceder na íntegra.
Deverá assim, revogar-se a decisão ora recorrida, e absolver a recorrente do pedido, a título principal, respondendo apenas subsidiariamente pelas prestações normais
Contra-alegou o apelado, com o patrocínio do Ministério Público, concluindo pela improcedência do recurso (fls. 180).
A Ré Patronal não apresentou contra-alegações. * II- COLHIDOS OS VISTOS LEGAIS, CUMPRE DECIDIR
A) FUNDAMENTACÃO DE FACTO:
É a seguinte a factualidade que vem dada como assente da 1.a Instância e que este tribunal de recurso aceita:
1 - Em 21 de Setembro de 2004, o A. encontrava-se vinculado ao 2.° R. por um contrato de trabalho por via do qual, mediante e retribuição anual de C6.665,40, sob as ordens e direcção técnicas e disciplinares daquele R., lhe prestava trabalho próprio de pescador.
2 - Naquela data, em execução do contrato acima referido, o A. procedia à moagem de peixe, destinado a fazer engodo para ser utilizado na pesca e, para isso, introduziu peixe num moinho eléctrico quando, aproximando a mão esquerda do moinho, se feri no primeiro dedo dessa mão.
3.-
Em consequência, o A. sofreu traumatismo do dedo polegar da mão esquerda com amputação traumática da primeira falange desse dedo.
4 - Esta lesão foi causa directa e necessária para o A. de períodos de incapacidade temporária absoluta para o trabalho desde aquela data até 26 de Novembro de 2004, e de incapacidade permanente parcial de 0,04 fixada nesta última data.
5 - O A. estava a moer peixe utilizando um moinho eléctrico com a potência de l HP.
6 - O 2.° R. tinha adaptado um moinho mecânico e, de forma artesanal, ligou-lhe um motor com 1 HP de potência, de forma a fazer o moinho trabalhar electricamente e a aumentar a sua potência para moer cerca de 200 Kg de peixe ou carne por hora.
7 - O moinho em causa não tinha qualquer mecanismo que evitasse o contacto das mãos com a roda ou com a lâmina que triturava o peixe.
8 - Assim, o A., quando se encontrava a empurrar com o dedo polegar o peixe para dentro do moinho, o dedo foi apanhado pela serra fina que lhe cortou a cabeça do dedo.
9 - O A. estava a conversar com um colega e ao mesmo tempo a enfiar o peixe no moinho.
10 - O 2.° R. tinha-lhe ordenado que moesse peixe para a faina.
11 - Foi o 2.° R. que adaptou o moinho com aquelas características cerca de um ano antes da ocorrência do acidente.
12 - O A. já efectua este trabalho de enfiar o peixe naquele moinho há mais de 1 ano.
13 - Tal trabalho de moagem é efectuado por todos aqueles que andam no mar e no mesmo tipo de pesca.
14 - Todos utilizam aquele tipo de moinho para a tarefa que o A. estava a efectuar.
13 - O 2.0 R. tinha transferido para a 1.a R. a sua responsabilidade emergente de acidentes de trabalho, do A., pela apólice n.° 10-169.318 e até ao montante salarial anual de €6.665,4 O.
B) OS FACTOS E O DIREITO Questões a decidir:
1.a Questão: Saber se acidente que vitimou o sinistrado se deveu à inobservância por parte da entidade patronal de normas sobre segurança no trabalho.
2.a Questão - Saber se o acidente se ficou a dever exclusivamente a "negligência grosseira" do sinistrado, atento o disposto na al. b) do n.° 1 do art.° 7.° da LAT.
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1.a Questão: Saber se acidente que vitimou o sinistrado se deveu à inobservância por parte da entidade patronal de normas sobre segurança no trabalho:
Quanto a esta questão, escreveu-se na sentença recorrida, nomeadamente o seguinte:
«Em primeiro lugar, notaremos que as regras legais invocadas na contestação nada, ou quase nada, têm que ver com o assunto. O art.° 8.° do Decreto-Lei n.° 441/91, de 14 de Novembro, estabelece a obrigação genérica de o empregador "assegurar aos trabalhadores condições de segurança, higiene e saúde em todos os aspectos relacionados com o trabalho ", o que é perfeitamente inteligível. Concluir daqui que a ocorrência de um acidente, qualquer que ele seja, consubstancia uma violação daquele preceito legal é levar as coisas longe de mais, fruto de um raciocínio simples: a lei impõe a obrigação de evitar acidentes, há um acidente, logo, ele não foi evitado, logo a lei foi violada.
(…)
Mas o facto é que o moinho foi alterado e nisso se baseia a R. para alijar a sua responsabilidade - "A responsabilidade é do segurado, porque modificou o moinho de manual para eléctrico, alterando todas as características iniciais" (documento junto com a contestação a fls. 68. Sendo muito duvidosa esta última parte (veja-se a fotografia de fls. 70 e perguntar-se-á o que é que no moinho original, além do motor, foi alterado), resta a primeira.
Tratava-se de um moinho manual, cuja idade se desconhece, ao qual foi acoplado um motor que o faz trabalhar mais depressa. Trata-se de uma ferramenta habitual na pesca, que todos, incluindo o A., utilizam habitualmente, conforme está exposto na matéria de facto.
Constituirá isto violação das regras de segurança?
Entendemos que não.
Não basta a produção de um resultado danoso para afirmar que foi violada uma obrigação de prevenção. Pretender isto significa um abuso da teoria da equivalência das condições (qualquer causa do dano é juridicamente relevante), afastando todas as possibilidades de vivermos juntos sem que estejamos constantemente a imputar o nosso dano a terceiros. Acresce, fundamentalmente no caso das omissões, que muitas vezes, e por circunstâncias várias, só depois do resultado se descortina o que faltou, o que não foi feito, para o evitar.
Uma dessas circunstâncias é a habituação à ferramenta, é o carácter geral da actividade que se empreende e que de si não é perigosa especificamente (veja-se o art.° 213. °, n.° 2, da Lei n.° 35/2004, de 29 de Julho, onde não vem incluída a actividade piscatória nem o moer peixe). O A. estava a trabalhar com um moinho, igual a todos os outros, como habitualmente faz e, não obstante, feriu-se. Feriu-se porque se distraiu; não se feriu só porque a actividade era perigosa (mesmo tendo sempre em mente que todo o trabalho é perigoso) ou só porque o moinho não tinha uma tampa que impedisse o contacto da lâmina com as mãos. Tudo isto concorreu para que ele se ferisse, não foi especificamente e só a falta desta tampa.
Por estes motivos entendemos que não há que falar aqui em responsabilidade da entidade patronal, nos termos do art.° 18. 0, n.° 1, da Lei n.° 100/97.»
Não podemos concordar com a fundamentação da sentença recorrida quando nela se concluiu que o acidente de trabalho a que os autos se reportam não se ficou dever a qualquer infracção ou violação de normas de segurança no trabalho, nomeadamente ao disposto na art.° 8.° do Decreto-Lei n.° 441/91, de 14 de Novembro.
Ao caso dos autos tem plena aplicação o que se escreveu no douto e recente acórdão do STJ de 30/03/2006, disponível in www.dgsi.pt., e que passamos a transcrever, com a devida vénia, na parte que interessa:
«O Decreto-Lei n.° 441/91, de 14 de Novembro, conforme resulta da respectiva nota preambular, trata-se de uma lei quadro, que visou, não só dotar o País de um quadro jurídico global que garantisse uma efectiva prevenção de riscos profissionais, mas também dar cumprimento às obrigações do Estado decorrentes da ratificação da Convenção n.° 155 da OIT, sobre segurança, saúde dos trabalhadores e ambiente de trabalho, e adaptar a ordem jurídica interna à Directiva do Conselho (89/391/CEE), de 12 de Junho de 1989, relativa à aplicação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde dos trabalhadores no trabalho. Este diploma contém os princípios que visam promover a segurança, higiene e saúde no trabalho, nos termos do disposto nos artigos 59.° e 64.° da Constituição (artigo 1. °), aplica-se a todos os ramos de actividade, nos sectores público, privado ou cooperativo e social (artigo 2. °), prevendo o artigo 4. ° que «[todos os trabalhadores têm direito à prestação de trabalho em condições de segurança, higiene e protecção da saúde» (n.°1).
Ora, extrai-se do seu artigo 8.° que «[o] empregador é obrigado a assegurar aos trabalhadores condições de segurança, higiene e saúde em todos os aspectos relacionados com o trabalho» (n.° 1), devendo aplicar as medidas necessárias para prevenir a ocorrência de acidentes ou para atenuar as suas consequências (n.º 2).
Assim, o empregador deve: na concepção das instalações e processos de trabalho, proceder à identificação dos riscos previsíveis, combatendo-os na origem, anulando-os ou limitando os seus efeitos, de forma a garantir um nível eficaz de protecção [alínea a)J; integrar no conjunto das actividades da empresa, estabelecimento ou serviço e a todos os níveis a avaliação dos riscos para a segurança e saúde dos trabalhadores, com a adopção de convenientes medidas de prevenção [alínea b)]; dar prioridade à protecção colectiva em relação às medidas de protecção individual [alínea j)]; dar instruções adequadas aos trabalhadores [alínea n)]; ter em consideração se os trabalhadores têm conhecimentos e aptidões em matéria de segurança e saúde no trabalho que lhes permitam exercer com segurança as tarefas de que os incumbir [alínea o)].
Por outro lado, na aplicação das medidas de prevenção, deve o empregador mobilizar os meios necessários, bem como o equipamento de protecção que se torne necessário utilizar, tendo em conta, em qualquer caso, a evolução da técnica (n.°.3 do artigo 8.0).
( … )
Em suma, o Decreto-Lei n.° 441/91 consagra uma explícita obrigação do empregador de aplicar as medidas necessárias para prevenir a ocorrência de acidentes, devendo pôr à disposição do trabalhador os meios de protecção adequados, nomeadamente o correcto equipamento de protecção individual.»
Em relação ao caso concreto dos autos, não podemos deixar de dar atenção, ainda, ao disposto no Decreto-Lei n.° 331/93, de 25 de Setembro, que visou transpor para o direito interno a Directiva n.° 89/655/CEE, do Conselho, de 30 de Novembro de 1989, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde dos trabalhadores na utilização de equipamentos de trabalho e que conforme consta expressamente do seu relatório constitui “um instrumento de acção igualmente importante para orientar as actuações pertinentes no próprio processo de licenciamento e autorização de laboração, pois integra especificações adequadas à prevenção dos riscos profissionais e à protecção da saúde enunciadas no art.° 19.° do Decreto-Lei n.° 441/91, de 14 de Novembro.”
Dispõe nomeadamente o art.° 3.° deste diploma:
«Para efeitos do presente diploma, entende-se por:
a) "Equipamento de trabalho", qualquer máquina, aparelho, ferramenta ou instalação utilizados no trabalho;
b) "Utilização de um equipamento de trabalho", qualquer actividade em que o trabalhador entre em relação com um equipamento de trabalho, nomeadamente a colocação em serviço ou fora dele, o uso, o transporte, a reparação, a transformação, a manutenção e a conservação, incluindo a limpeza;
c) "Zona perigosa", qualquer zona dentro ou em tomo de um equipamento de trabalho onde a presença de um trabalhador exposto o submeta a riscos para a sua segurança ou saúde;
d) "Trabalhador exposto", qualquer trabalhado que se encontre, totalmente ou em parte, numa zona perigosa;
e) "Operador", qualquer trabalhador incumbida da utilização de um equipamento de trabalho.
E o seu art.° 4.° com a epigrafe "Obrigações gerais dos equipamentos de trabalho" dispõe, na parte que nos interessa, o seguinte:
«Constitui obrigação das entidades empregadoras:
a) Tomar as disposições necessárias para que os equipamentos de trabalho sejam adequados ao trabalho a efectuar e permitam garantir a segurança e a saúde dos trabalhadores durante a sua utilização;
E o seu art.° 5.° com a epígrafe "Características gerais dos equipamentos de trabalho", determina o seguinte:
«a) Os equipamentos de trabalho, colocados pela primeira vez à disposição dos trabalhadores depois da entrada em vigor do presente diploma a, têm de cumprir a legislação aplicável relativa à protecção da sua segurança e saúde que garanta os níveis de segurança constantes do anexo ao presente diploma, que dele faz parte integrante;
b) Os equipamentos de trabalho já colocados à disposição dos trabalhadores à data da entrada em vigor do presente diploma devem, até 31 de Dezembro de 1996, obedecer às prescrições mínimas previstas no anexo.»
E quanto às prescrições mínimas gerais aplicáveis aos equipamentos de trabalho referidas neste art.° 5.°, o Anexo do citado diploma determina expressamente no seu ponto 2.8, nomeadamente o seguinte:
«2.8 - Os elementos móveis de um equipamento de trabalho que possam ocasionar acidentes por contacto mecânico devem ser munidos de protectores ou dispositivos que impeçam o acesso às zonas perigosas ou que interrompam o movimento dos elementos perigosos antes do acesso às mesmas.»
Vem dado como provado que:
1 - Em 21 de Setembro de 2004, o A. encontrava-se vinculado ao 2.° R. por um contrato de trabalho por via do qual, mediante e retribuição anual de €6.665,40, sob as ordens e direcção técnicas e disciplinares daquele R., lhe prestava trabalho próprio de pescador.
2 - Naquela data, em execução do contrato acima referido, o A. procedia à moagem de peixe, destinado a fazer engodo para ser utilizado na pesca e, para isso, introduziu peixe num moinho eléctrico quando, aproximando a mão esquerda do moinho, se feriu no primeiro dedo dessa mão.
3 - Em consequência, o A. sofreu traumatismo do dedo polegar da mão
esquerda com amputação traumática da primeira falange desse dedo,
5 - O A. estava a moer peixe utilizando um moinho eléctrico com a potência de
6 - O 2.° R. tinha adaptado um moinho mecânico e, de forma artesanal, ligou-lhe um motor com 1 de potência, de forma a fazer o moinho trabalhar electricamente e a aumentar a sua potência para moer cerca de 200 Kg de peixe ou carne por hora.
7 - O moinho em causa não tinha qualquer mecanismo que evitasse o contacto das mãos com a roda ou com a lâmina que triturava o peixe.
8 - Assim, o A., quando se encontrava a empurrar com o dedo polegar o peixe para dentro do moinho, o dedo foi apanhado pela serra fina que lhe cortou a cabeça do dedo.
11 - Foi o 2.° R. que adaptou o moinho com aquelas características cerca de um ano antes da ocorrência do acidente.
Perante este circunstancialismo e, tendo em atenção que, como vem provado, o moinho em causa não tinha qualquer mecanismo que evitasse o contacto das mãos do sinistrado com a roda ou com a lâmina que triturava o peixe para a produção do engodo para a pesca, não podemos deixar de considerar que o Réu Patronal, Luís …, ao não ter implementado, a medida de segurança individual legalmente exigível colocação de protector no moinho eléctrico de fabrico artesanal que impedisse o contacto directo das mãos e dedos do sinistrado com as lâminas de trituração do peixe, de modo a prevenir a possibilidade de eventuais acidentes, sempre possíveis de acontecer ao mais leve descuido do trabalhador -, não observou as regras de segurança no trabalho que se impunham, de acordo com o disposto, nomeadamente nos n.ºs 1 e 2 e 3 do art.° 8.° Decreto-Lei n.° 441/91, de 14 de Novembro e, no disposto na ai. a) do art.° 5.° do Decreto-Lei n.° 331/93, de 25 de Setembro, em conjugação com o determinado no ponto 2.8 do seu Anexo.
E certo que in casu, estando provada a violação das regras de segurança no trabalho por parte do Réu Patronal, não está directamente demonstrada a existência do nexo causal entre a inobservância destas normas segurança e a produção do acidente.
Todavia, se, como vem provado, o moinho em causa não tinha qualquer mecanismo que evitasse o contacto das mãos do sinistrado com a roda ou com a lâmina que triturava o peixe (cfr. n.° 7 da matéria de facto provada) e, se este mesmo sinistrado, quando se encontrava a empurrar com o seu dedo polegar o peixe para dentro do moinho, foi apanhado pela serra fina que lhe cortou a cabeça do dedo (cfr. n.° 8 da matéria de facto), tal só nos pode levar a concluir, através de uma mera presunção judicial (art.°s 349.° e 351.° do Código Civil), com recurso a estes factos conhecidos e às regras da experiência, que o acidente não teria ocorrido se o referido moinho estivesse munido daquele mecanismo de protecção individual.
Logo, o acidente teria sido consequência directa da violação, por parte da Ré patronal, dos nos n.°s 1 e 2 e 3 do art.° 8.° Decreto-Lei n.° 441/91, de 14 de Novembro e do disposto na al. a) do art.° 5.° no Decreto-Lei n.° 331/93, de 25 de Setembro , em conjugação com o determinado no ponto 2.8 do seu Anexo.
Está assim provado, pela via das presunções judiciais (art.°s 349,° e ss. do Código Civil), também o nexo de causalidade entre a inobservância das regras de segurança no trabalho por parte da Réu Patronal e o acidente dos autos, tendo ele de responder, como entidade empregadora, em via principal e agravada, enquanto a Ré Seguradora responderá apenas subsidiariamente pelas prestações normais, nos termos das disposições conjugadas dos art.°s 18.°, n.° 1, al. b) e 37.°, n.° 2, ambos da Lei n.° 100/97, de 13 de Setembro.
Procedem, assim, as conclusões do recurso.
E, como está em causa, a aplicação de preceitos inderrogáveis (art.° 74.° do Código de Processo do Trabalho, em conjugação com o disposto no art.° 35.° da LAT), haverá lugar à condenação do Réu Patronal "extra vel ultra petitum", por o sinistrado ter direito a dele receber uma pensão agravada, atento o disposto na al. b) do n.° 1 do art.° 18.° da LAT, apesar de não ter sido pedida.
Efectuados os respectivos cálculos temos:
Valor da pensão agravada: €6.665,40X0,04=€266,61
Valor da pensão normal: €6.665,40X0, 70X0,04=€186,63- al. d) do n.º 1 do art.º 17.º da LAT:
2.° Questão - Saber se o acidente se ficou a dever exclusivamente a "negligência grosseira" do sinistrado, atento o disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 7.º da LAT:
O conhecimento desta questão suscitada, também, pela recorrente, nas suas alegações de recurso, ficou naturalmente prejudicado, pela solução encontrada ao tratarmos da 1.a questão (n.° 2 do art.° 660.° do C. P. Civil).
III - DECISÃO:
Nestes termos acorda-se em julgar totalmente procedente o recurso da Ré Seguradora e, em consequência:
A) - Condena-se o Réu Patronal, a título principal, a pagar ao Autor, João …, o capital de remição de uma pensão no valor de €266,61, devida desde 27 de Novembro de 2004, dia imediato ao da alta, a que acrescem juros de mora legais desde a mesma data.
B) Condena-se a Ré Seguradora, a título meramente subsidiário, a pagar ao Autor, João …, o capital de remição de uma pensão no valor de €186,63 , devida desde 27 de Novembro de 2004, dia imediato ao da alta, a que acrescem juros de mora legais desde a mesma data.
Custas legais, em ambas as instâncias, em via principal, pelas Ré Patronal e, subsidiariamente, pela Ré Seguradora.
(Processado e revisto pelo relator)
Lisboa, 24/05/06
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