Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3464/2005-9
Relator: TRIGO MESQUITA
Descritores: ASSISTENTE
ELEIÇÃO
INFRACÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/19/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: Não tem um qualquer cidadão, fora do que dispõe o artº 166º da Lei Orgânica nº 1/2001, de 14 de Agosto, ou seja “...qualquer partido político, coligação ou grupo de cidadãos concorrentes pode constituir-se assistente nos processos penais relativos ao acto eleitoral” legitimidade para se constituir assistente em situação de prática de crime eleitoral.
Decisão Texto Integral: Acordam na 9.a Secção Criminal de Lisboa:

No processo n.° 386/02.2TDLSB do 5.° Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, por despacho de 27.11.2004 (fls. 3184 e verso), o Mmo Juiz a quo indeferiu o requerimento do denunciante (A) para constituição de assistente por entender não assistir esse direito, tendo em conta o texto da Lei Orgânica n.° 1/2001 — artigo 166.°.
O denunciante interpôs recurso do referido despacho de indeferimento que:
A) Não foi aberta a instrução, porque o requerente não pode, alegadamente, ser admitido como Assistente;
B) Contudo, o artigo 166° da L.O. apenas alarga e não restringe, o âmbito de aplicação da norma própria do CPP;
C) Esta, permite ao recorrente ser admitido como Assistente, por ser ofendido, ou melhor, por ter um interesse directo na lide;
D) Com efeito, qualquer cidadão eleitor não é alheio ao resultado lícito, ou ilícito,de uma eleição;
E) Uma interpretação diferente e literal do referido artigo 166° toma o preceito inconstitucional por contrário ao artigo 13° da CRP;
F) Inconstitucionalidade que, desde já, se argui para efeitos de eventual recurso para o T.C.;
G) Por conseguinte, a decisão recorrida, ou faz errada interpretação do artigo 166° da L.O., ou, aplicou preceito inconstitucional, motivos ambos, para ser revogada;
H) O ordenamento jurídico manda, pelo contrário, receber o recorrente como assistente e abrir a instrução, perante um despacho do M.P. que se contradiz, afirmando a fraude eleitoral, mas sobrestando nos responsáveis.".
O Digno Magistrado do Ministério Público, em proficiente promoção, infira a posição do participante, concluindo pela improcedência da sua pretensão.
O ilustre Procurador-geral adjunto neste tribunal concluiu igualmente pela improcedência do recurso.
Foi dado cumprimento ao artigo 417.° do C.P.Penal.
II.
Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.
Em causa, no presente recurso, está a questão da legitimidade de um cidadão eleitor para se constituir assistente em processo criminal relativo á prática de crime eleitoral.
Nos termos do artigo 68.° do C.P.Penal podem constituir-se assistentes em processo penal, além das pessoas a quem leis especiais conferirem esse direito, os ofendidos, considerando-se como tais os titulares dos interesse que a lei especialmente quis proteger com a incriminação, desde que maiores de 16 anos (alínea a) e ainda qualquer pessoa nos crimes contra a paz e a humanidade, bem como nos crimes de tráfico de influência, favorecimento pessoal praticado por funcionário, denegação de justiça, prevaricação, corrupção, peculato, participação económica em negócio e de fraude na obtenção ou desvio de subsídio ou subvenção (alínea e) — e o legislador não incluiu os crime eleitorais nos chamados de acção popular, como bem refere a magistrada do Ministério Público recorrida.
Assim, tomando como ofendidos apenas os titulares dos interesses que a lei quis proteger consagrou-se, ou melhor, manteve-se consagrado o conceito estrito de ofendido que a doutrina e a jurisprudência formularam sem divergências de maior no domínio do CPP de 1929 (cfr. v.g. na doutrina Beleza dos Santos, "Partes Particularmente Ofendidas em Processo Criminal", RLJ, ano 57, Figueiredo Dias, "Direito Processual Penal", 1° vol., p.505-506 e 512-513; Cavaleiro de Ferreira, "Curso de Processo Penal", I, p. 129; com significado, na jurisprudência, o Ac. do STJ de 66.1.5, BMJ 153-133).
Neste conceito de ofendido não cabem, por isso, o titular de interesses mediata ou indirectamente protegidos, o titular de uma ofensa indirecta ou o titular de interesses morais - "Não é ofendido qualquer pessoa prejudicada com o crime: ofendido é somente o titular do interesse que constitui objecto jurídico imediato do crime" (cfr. Germano Marques da Silva, in "Curso de Processo Penal, vol. 1. ed. de 1996, pág. 244).
Podem estes ser lesados e nessa qualidade sujeitos processuais como partes civis mas não constituir-se assistentes.
A aplicação deste conceito leva, portanto, a que se determine qual o interesse jurídico-penal que em certa situação concreta haja sido violado, qual o bem jurídico que certa norma protege.

Um particular não é, pois, titular do interesse que a lei especialmente quis proteger ainda que possa eventualmente ser lesado e, nessa medida, sujeito processual como se referiu supra.
É essa precisamente a situação do recorrente.
O bem ou interesse jurídico objecto de tutela penal, neste tipo de ilícito, é a verdade dos resultados eleitorais. Tal interesse é meramente mediato, consoante decorre da lei, sendo directo o interesse dos concorrentes, que assim são os potenciais ofendidos.
Vem, porém, invocar o artigo 166° da Lei Orgânica n.° 1/2001, de 14 de Agosto.
Porém, dispõe o art.° 166° da Lei Orgânica n.° 1/2001, de 14 de Agosto, que "qualquer partido político, coligação ou grupo de cidadãos concorrentes pode constituir-se assistente nos processos penais relativos ao acto eleitoral".
A previsão desta norma não inclui, pois, o cidadão eleitor.
E se esta norma especial não o inclui, ele é igualmente excluído da previsão do art.° 68° do C.P.P..
III.
Pelo exposto nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente, fixando a taxa de justiça em 3 UC's com 1/4 de procuradoria e legal acréscimo.

Lisboa, 19/05/05

Trigo Mesquita
Maria da Luz Batista
Almeida Cabral