Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | LUÍS ESPÍRITO SANTO | ||
Descritores: | COMPETÊNCIA TERRITORIAL COMPETÊNCIA CONVENCIONAL | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/13/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | CONCEDIDO PROVIMENTO | ||
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Sumário: | I- A Lei n.º 10/2003, de 13 de Maio fixou o elenco dos dezoito municípios que integram a área metropolitana de Lisboa. II- Por isso, face ao disposto no artigo 74.º/1 do Código de Processo Civil pode o A. optar pelo Tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida quando, situando-se o domicílio do A. na área metropolitana de Lisboa, o réu tiver domicílio na mesma área metropolitana. (SC) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa ( 7ª Secção ). I – RELATÓRIO. Intentou Banco Mais […] com sede na Rua […] sala 2, em Lisboa, acção com processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergente de contrato, nos termos do Decreto-lei nº 269/98, de 1 de Setembro, contra A. […] Lda., sociedade por quotas, com sede […] Pêro Pinheiro e António […] casado, residente […] Pêro Pinheiro. Alegou, em síntese, que celebrou um contrato de mútuo com a Ré sociedade, para a aquisição de veículo automóvel, tendo-lhe emprestado a importância de 2.000.000$00, a qual deveria ser restituída nas prestações convencionadas, acrescida dos respectivos juros. Acontece que a R. não pagou a 46ª prestação e seguintes. Por termo de fiança datado de 18 de Dezembro de 2001, o R. António […] assumiu perante a A. a responsabilidade de fiador por todas as obrigações assumidas no contrato referido pela Ré sociedade, sendo igualmente responsável, em termos solidários, com a dita Ré sociedade pelo pagamento à A. dos montantes referidos. Conclui pela condenação dos RR. no montante de € 3.886,50, acrescida de juros e de imposto de selo sobre esses juros. Relativamente à competência deste Tribunal, referiu que o mesmo foi escolhido pelas partes no contrato entre elas celebrado. Tal escolha, feita ao abrigo do disposto no art.º 100º, nº 1, com referência ao art.º 110º, ambos do Cod. Civil, nas redacções anteriores às que lhes foram dadas pela Lei nº 14/2006, de 26 de Abril, é válida e legal, atento o disposto nos artsº 5º, 12º, nº 1 e 2, do Cod. Civil. A Lei nº 14/2006, de 26 de Abril, na parte e na medida em que altera a redacção do art.º 110º, nº 1, do Cod. Proc. Civil, é inconstitucional e consequentemente a dita alínea a), do nº 1, do art.º 110º, com a mencionada redacção, é inconstitucional – logo inaplicável pelos Tribunais “ ex-vi “ o disposto no art.º. 204º, da Constituição da República Portuguesa – na interpretação que permita a aplicação do disposto no referido artigo 110º, nº 1, alínea a), a contratos celebrados anteriormente à publicação da referida Lei em que as partes tenham optado, nos termos do artigo 100º, nºs 1, 2, 3 e 4, do Cod. Proc. Civil, por um foro convencional no que respeita à competência dos Tribunais em razão do território, por violação dos princípios da adequação, da exigibilidade e da proporcionalidade, e da não retroactividade consignados nos artsº 18º, nº 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa e, também ainda, por violação dos princípios da segurança jurídica e da confiança, corolários do Estado de Direito Democrático consagrado no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa. Mais referiu que porque o Ré é uma pessoa colectiva, o A. opta pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa como sendo o competente, aliás de harmonia com o disposto no art.º 74º, nº 1, do Cod. de Processo Civil, na redacção dada pela Lei nº 14/2006, de 26 de Abril. Foi proferida decisão, conforme fls. 22 a 24, declarando incompetente, em razão do território, o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, atribuindo tal competência ao Tribunal Judicial da Comarca de Sintra e ordenando a remessa dos autos, após trânsito, a este último Tribunal, fundamentando-se na redacção introduzida pela Lei nº 14/06, de 26 de Abril, aos artsº 74º, nº 1 e 110º, nº 1, alínea a), do Cod. Proc. Civil e na circunstância de, no seu entender, Pêro Pinheiro não integrar a área metropolitana de Lisboa. É desta decisão que foi interposto o competente agravo, admitido conforme despacho de fls. 29. Juntas as respectivas alegações, a fls. 31 a 70, formulou a agravante as seguintes conclusões : 1 - O despacho recorrido ao aplicar o disposto na alínea a), do nº 1 do artigo 110º do Código de Processo Civil, com a reacção que lhe foi dada pela Lei 14/2006, de 26 de Abril, à hipótese dos autos, atento o que consta do contrato aos mesmos junto com a petição inicial, em que as partes escolheram um foro convencional nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 100º, nºs. 1, 2, 3 e 4 do Código de Processo Civil, violou o disposto nos artigos 5º e 12º, nºs. 1 e 2, do Código Civil. 2 - O despacho recorrido, ao interpretar e aplicar como o fez a alínea a) do nº 1 do artigo 110º do Código de Processo Civil, com a redacção que lhe foi dada pela dita Lei 14/2006, de 26 de Abril, à hipótese dos autos e, consequentemente, a não considerar válida e eficaz a escolha do foro convencional constante do contrato dos autos, atento a data da celebração do mesmo e o disposto no artigo 100º, nºs. 1, 2, 3 e 4, do Código de Processo Civil, do que então se dispunha no artigo 110º do mesmo normativo legal, maxime na alínea a) do respectivo nº 1, é inconstitucional por violação dos princípios da adequação, da exigibilidade e da proporcionalidade, e da não retroactividade consignados no artigo 18º, nºs. 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa, e, também ainda, por violação dos princípios da segurança jurídica e da confiança, corolários ambos do principio de um Estado de Direito Democrático consagrado no artigo 2º da Constituição da Republica Portuguesa. 3 – Porque a Ré é uma pessoa colectiva, o A. optou pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, como sendo o competente, aliás de harmonia com o disposto no art.º 74º, nº 1, do Cod. Proc. Civil, na redacção dada pela Lei nº 14/2006, de 26 de Abril. 4 – Atento o facto da sociedade Ré ser uma pessoa colectiva – e assim o A. poder optar pelo Tribunal de Lisboa como competente para apreciar e decidir a acção – o A. não referiu na petição inicial, por entender não ser já necessário, que a sede da sociedade Ré e a residência do Ré António pertencem à área metropolitana de Lisboa – ao contrário do que se pretende no despacho recorrido -, o que permitia, e permite, também, ao A. optar pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, como sendo o competente, de harmonia com o disposto no art.º 74º, nº 1, do Cod. Proc. Civil, na redacção dada pela Lei nº 14/2006, de 26 de Abril. 5 – Na verdade, uma vez que a sede da sociedade Ré e também da residência do R. António se situam na área do Tribunal Judicial da Comarca de Sintra, que faz parte da área metropolitana de Lisboa, nos termos e de harmonia com o disposto na Lei nº 10/2003, de 13 de Maio, ao contrário do que se pretende no despacho recorrido, sempre o A. podia, como pode, optar por escolher o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa como competente para apreciar e decidir a presente acção. 6 - Impõe-se, pois, como se requer, procedência do presente recurso, a revogação do despacho recorrido, e a sua substituição por outro que reconheça a competência territorial do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa para conhecer dos autos onde o mesmo foi proferido. Foi proferido despacho de sustentação conforme fls. 75. II – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS. O conhecimento do presente recurso reconduz-se à apreciação duma única questão de direito, a saber : Determinação do Tribunal territorialmente competente para a interposição e subsequente tramitação de acção de dívida fundada em contrato contendo cláusula de foro convencional, face às alterações introduzidas pela Lei nº 14/06, de 26 de Abril, nos artsº 74º, nº 1 e 110º, nº 1, alínea a), do Cod. Proc. Civil. Passemos à sua análise : Consta da cláusula 14ª do contrato celebrado entre as partes, datado de 16 de Dezembro de 2001 : “ FORO CONVENCIONAL : Para todas as questões emergentes do presente contrato estipula-se como competente o foro da comarca de Lisboa com expressa renúncia a qualquer outro “. A presente acção deu entrada em juízo em 20 de Junho de 2006, ou seja, quando já se encontrava em vigor a redacção introduzida pela Lei nº 14/06, de 26 de Abril, nos artsº 74º, nº 1 e 110º, nº 1, do Cod. Proc. Civil (1). Em virtude da inclusão da primeira parte do nº 1, do art.º 74º, do Cod. Proc. Civil, no elenco das situações em que a incompetência do Tribunal, em razão do território, é do conhecimento oficioso ( art.º 110º, nº 1, alínea a ) ), deixou de ser permitido às partes, no caso de acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações, o afastamento, por acordo, do critério legal estabelecido ( art.º 100º, nº 1, in fine ). Pretende o agravante que, pelo facto da convenção de atribuição de competência ser in casu anterior à vigência da Lei nº 14/06, de 26 de Abril, o novo regime ( resultante das disposições conjugadas dos artsº 74º, nº 1, 110º, nº 1, alínea a) e 100º, nº 1, do Cod. Proc. Civil ) não abrange, no seu âmbito, a relação material substantiva sub judice. Não lhe assiste razão neste ponto. A competência do Tribunal fixa-se no momento da entrada em juízo da respectiva acção, nos termos gerais do art.º 22º, da Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro. Neste condicionalismo, a convenção de atribuição de competência territorial deixou de relevar por caducidade face à entrada em vigor da Lei nº 14/06, de 26 de Abril, encontrando-se os autos indiscutivelmente subordinados ao novo regime processual instituído. No âmbito da lei processual, vigora a regra da imediata aplicação da lei nova a situações jurídicas constituídas antes da sua entrada em vigor (2). Conforme refere Antunes Varela in “ Manual de Processo Civil “, pag. 45 : “ Tem-se entendido neste sector ( o das normas de processo ) que a nova lei processual deve aplicar-se imediatamente, não apenas às acções que venham a instaurar-se após a sua entrada em vigor, mas a todos os actos a realizar futuramente, mesmo que tais actos se integrem em acções pendentes, ou seja, em causas anteriores postas em juízo. “(3). Da mesma forma, ensina o Prof. Anselmo de Castro, in “ Direito Processual Civil Declaratório “, Volume I, pag. 53 : “… não há que atender à lei reguladora à data da relação material que com o processo se visa tutelar ou efectivar. Sejam quais forem os meios de tutela da relação jurídica no momento em que ela se constitui, o que interessa são apenas os admitidos na altura da sua apresentação em juízo. Se posteriormente à constituição da relação material foram alterados os meios de tutela jurisdicional, seja no sentido de a ampliar, seja no sentido de a restringir, ou modificadas as formalidades do processo, ou até os próprios pressupostos processuais, não há que atender à lei vigente no momento do nascimento da relação material litigiosa. Isto resulta da independência do direito processual em relação ao direito material, ou seja da autonomização da fase da realização jurisdicional ou autoritativa do direito frente à fase da sua realização pacífica. “. Discutindo-se agora a questão adjectiva da competência do Tribunal para conhecer da matéria dos autos – que nada influi, por natureza, na apreciação substantiva do mérito da causa – não há qualquer razão que impeça a extinção – por via e vontade legislativa – da faculdade processual que foi outrora concedida aos celebrantes de serem eles a escolher, por acordo, a instância judicial onde dirimiriam o pleito. Não se trata de negar a validade da cláusula que contemplou a escolha do foro convencional e que tinha fundamento legal quando foi consensualmente acordada. O que sucede, diferentemente, é que no momento em que se coloca a questão da determinação da competência do Tribunal (4), prevalece o comando legislativo que, por superiores razões de interesse público (5), obriga a que a causa seja distribuída no Tribunal do domicílio do Réu, retirando e inutilizando aquela anterior faculdade processual que, pura e simplesmente, caducou, ou seja, deixou de produzir efeitos. Justificando estas alterações, lê-se na “ Exposição de motivos ” da Proposta de Lei n.º 47/X (Diário da Assembleia da República, II Série-A, n.º 69, de 15 de Dezembro de 2005, pp. 11-15), que esteve na origem da Lei n.º 14/2006: “ 1 – O Programa do XVII Governo Constitucional assumiu como prioridade a melhoria da resposta judicial, a consubstanciar, designadamente, por medidas de descongestionamento processual eficazes e pela gestão racional dos recursos humanos e materiais do sistema judicial. A necessidade de libertar os meios judiciais, magistrados e oficiais de justiça para a protecção de bens jurídicos que efectivamente mereçam a tutela judicial, e devolvendo os tribunais àquela que deve ser a sua função constitui um dos objectivos da Resolução do Conselho de Ministros n.º 100/2005, de 30 de Maio de 2005, que, aprovando um Plano de Acção para o Descongestionamento dos Tribunais, previu, entre outras medidas, a «introdução da regra de competência territorial do tribunal da comarca do réu para as acções relativas ao cumprimento de obrigações, sem prejuízo das especificidades da litigância característica das grandes Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto». A adopção desta medida assenta na constatação de que grande parte da litigância cível se concentra nos principais centros urbanos de Lisboa e do Porto, onde se situam as sedes dos litigantes de massa, isto é, das empresas que, com vista à recuperação dos seus créditos provenientes de situações de incumprimento contratual, recorrem aos tribunais de forma massiva e geograficamente concentrada. Ao introduzir a regra da competência territorial do tribunal da comarca do demandado para este tipo de acções reforça-se o valor constitucional da defesa do consumidor – porquanto se aproxima a justiça do cidadão, permitindo-lhe um pleno exercício dos seus direitos em juízo – e obtém-se um maior equilíbrio da distribuição territorial da litigância cível. O demandante poderá, no entanto, optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida, quando o demandado seja pessoa colectiva ou quando, situando-se o domicílio do credor na Área Metropolitana de Lisboa ou do Porto, o demandado tenha domicílio nessa mesma área. No primeiro caso, a excepção justifica-se por estar ausente o referido valor constitucional de protecção do consumidor; no segundo, por se entender que este intervém com menor intensidade. Com efeito, nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto não se afigura especialmente oneroso que o réu ou executado singular continue a poder ser demandado em qualquer das demais comarcas da área metropolitana em que reside, nem se descortinam especiais necessidades de redistribuição do volume processual hoje verificado em cada uma das respectivas comarcas.”. Esta solução determinada pela vontade do legislador ordinário, contrariamente ao sustentado pelo recorrente, não contende com qualquer princípio de natureza constitucional. Alega o recorrente, em primeiro lugar, que a norma que vem questionada viola o disposto no artigo 18.º, nºs 2 e 3, da Constituição. É, contudo, manifesto que, nesta parte, não lhe assiste qualquer razão. E, desde logo, pela razão evidente de que aquele preceito constitucional se refere às leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, o que, manifestamente, não é o caso da norma que vem questionada. Com efeito, não se vislumbra qual o direito, liberdade e garantia que possa estar a ser restringido pela norma cuja constitucionalidade vem questionada, sendo certo que não pode ser, ao contrário do que o recorrente refere na sua alegação, o «direito das partes contraentes […] a poderem escolher, poderem acordar, um foro convencional, em razão do território, para dirimir conflitos emergentes do dito contrato, isto é do contrato dos autos». Como é óbvio, o direito de as partes convencionarem o foro territorialmente competente para a resolução dos litígios eventualmente resultantes dos contratos que celebrem não é um direito constitucionalmente garantido, não constituindo direito, liberdade e garantia, no sentido do artigo 18.º da Constituição, pelo que, no caso, este preceito não é, pura e simplesmente, aplicável. Aliás, ainda que se pretendesse fundar a alegada inconstitucionalidade numa eventual violação da exigência de proporcionalidade, como limitação geral ao exercício do poder público, decorrente do princípio do Estado de Direito Democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição – o que o recorrente, todavia, não faz –, sempre se dirá que tal pretensão também não procederia, pois, além de não estar em causa nenhum direito constitucionalmente garantido, também se não vislumbra que a medida legislativa seja manifestamente inadequada, corresponda a opção manifestamente errada do legislador ou tenha carácter manifestamente excessivo ou inconvenientes manifestamente desproporcionados em relação às vantagens que apresenta. Da alegada violação dos princípios da segurança jurídica e da confiança, decorrentes do princípio do Estado de Direito Democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição. Alega ainda o recorrente que a norma que vem questionada, na parte em que seja aplicável a contratos celebrados antes da entrada em vigor da referida Lei n.º 14/2006, é inconstitucional, por se traduzir numa situação de retroactividade violadora dos princípios da segurança jurídica e da confiança, decorrentes do princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição. Vejamos. Como o Tribunal Constitucional tem reiteradamente afirmado, o princípio da não retroactividade da lei encontra-se consagrado na Constituição, de modo expresso, unicamente para a matéria penal (desde que a lei nova não seja mais favorável ao arguido) – nºs 1 e 4 do artigo 29.º –, para as leis restritivas de direitos, liberdades e garantias – n.º 3 do artigo 18.º –, e para o pagamento de impostos – artigo 103.º, n.º 3 –, podendo, consequentemente, dizer-se que a Constituição não consagra um princípio geral de proibição de emissão de leis retroactivas. O Tribunal vem, porém, igualmente afirmando, na sequência de entendimento que vem já da Comissão Constitucional, que o princípio do Estado de direito democrático (consagrado no artigo 2.º da Constituição) postula «uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas», razão pela qual «a normação que, por sua natureza, obvie de forma intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva àqueles mínimos de certeza e segurança que as pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar, como dimensões essenciais do Estado de direito democrático terá de ser entendida como não consentida pela lei básica» (cf., entre vários outros nesse sentido, o Acórdão n.º 303/90, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 17.º vol., pág.65). Mas, sendo assim, o Tribunal tem, contudo, tido sempre o cuidado de esclarecer que o que se acaba de dizer não conduz a que seja absolutamente vedada ao legislador a emissão de normas com eficácia retroactiva. Como se ponderou, por exemplo, no Acórdão n.º 304/2001 (disponível na página Internet do Tribunal em www.tribunalconstitucional.pt), citando Vieira de Andrade (Os Direitos Fundamentais na Constituição da República Portuguesa, p. 309), «entender o contrário representaria, ao fim e ao resto, coarctar a ‘liberdade constitutiva e a auto-revisibilidade’ do legislador, características que são ‘típicas’, ‘ainda que limitadas’, da função legislativa». Tem, pois, o Tribunal sempre dito (cf. Acórdão n.º 304/2001, já citado) que, em cada caso, haverá que «proceder a um justo balanceamento entre a protecção das expectativas dos cidadãos decorrentes do princípio do Estado de direito democrático e a liberdade constitutiva e conformadora do legislador, também ele democraticamente legitimado, legislador ao qual, inequivocamente, há que reconhecer a legitimidade (senão mesmo o dever) de tentar adequar as soluções jurídicas às realidades existentes, consagrando as soluções mais acertadas e razoáveis, ainda que elas impliquem que sejam ‘tocadas’ relações ou situações que, até então, eram regidas de outra sorte. Um tal equilíbrio, como o Tribunal tem assinalado, será postergado nos casos em que, ocorrendo mudança de regulação pela lei nova, esta vai implicar, nas relações e situações jurídicas já antecedentemente constituídas uma alteração inadmissível, intolerável, arbitrária, demasiado onerosa e inconsistente, alteração com a qual os cidadãos e a comunidade não poderiam contar, expectantes que estavam, razoável e fundadamente, na manutenção do ordenamento jurídico que regia a constituição daquelas relações e situações. Em tais casos, a lei viola aquele mínimo de certeza e segurança que as pessoas devem poder depositar na ordem jurídica de um Estado de direito, impondo-se, então, a intervenção do princípio da protecção da confiança e segurança jurídica que está implicado pelo princípio do Estado de direito democrático, por forma que a nova lei não vá, de forma acentuadamente arbitrária ou intolerável, desrespeitar os mínimos de certeza e segurança, que todos têm de respeitar.» No caso em apreço, porém, tal não se verifica. Em primeiro lugar, porque qualquer expectativa que as partes possam ter no momento da celebração de um contrato relativamente à intangibilidade de uma cláusula de escolha do foro territorialmente competente para julgar eventuais litígios emergentes do mesmo é sempre, no mínimo e por natureza, limitada. E isto porque uma tal cláusula sempre estará condicionada pela eventualidade de uma reorganização judiciária, a que o legislador decida proceder, e que, no limite, pode mesmo fazer desaparecer o tribunal que as partes convencionaram como territorialmente competente. Por outro lado, há que ter em conta que a cláusula de convenção de foro é uma cláusula que não respeita ao sinalagma do contrato, tendo antes a ver com a patologia deste e com a fixação de um pressuposto processual da competência territorial dos tribunais. Competência esta que também possui normas que estão subtraídas, de todo, à possibilidade de convenção. Ora, o facto é que, sempre se entendeu que, em matéria processual, as expectativas das partes ou não merecem, de todo, a tutela da confiança ou só em termos mitigados dela podem beneficiar. Além disso, no caso concreto, a acção foi proposta já após a entrada em vigor da nova lei, sendo certo que a competência dos tribunais se fixa de acordo com a lei em vigor à data da respectiva propositura. Não pode, assim, designadamente pelas razões que se acabam de expor, afirmar-se que no momento da celebração do contrato o ora recorrente gozasse de uma forte expectativa jurídica, legitimamente fundada, de que, mesmo no domínio do regime jurídico vigente antes da Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril, qualquer litígio resultante do mesmo viria a ser julgado pelo tribunal convencionado. Com efeito, embora pudesse existir a expectativa de que um eventual litígio decorrente do contrato celebrado viesse a ser julgado pelo foro convencionado, essa expectativa sempre seria «enfraquecida» ou «menos consistente» (para utilizarmos, uma vez mais, as palavras do Acórdão n.º 304/2001, já citado), pela possibilidade, razoável, de uma interpretação do quadro normativo anterior à entrada em vigor da citada Lei n.º 14/2006, que conduzisse já, por outra via, à invalidade da referida cláusula. Acresce, finalmente, que, no caso concreto, no que se refere às acções destinadas à cobrança de dívidas resultantes da celebração de contratos de crédito ao consumo, a solução normativa editada pelo legislador, mesmo na interpretação que agora vem questionada – no sentido da aplicação, a contratos já existentes, da regra da impossibilidade de alteração, por convenção das partes, das normas sobre a competência territorial, por força do disposto na nova alínea a) do n.º 1 do artigo 110.º, que, passando a determinar o conhecimento oficioso da incompetência em razão do território nas causas a que se refere a primeira parte do n.º 1 do artigo 74.º, inviabiliza o funcionamento da estipulação efectuada ao abrigo do artigo 100.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil –, também não é arbitrária, podendo justificar-se à luz do objectivo constitucional de protecção dos interesses dos consumidores, enunciado no artigo 60.º da Constituição.” (10) Saliente-se, ainda, que não existe o direito subjectivo do A. à fixação da competência territorial, conquistado (11) - por anterior convenção - no momento em que não se havia constituído, ainda, a relação processual ( baseada no eventual e futuro incumprimento do citado contrato ). |