Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
857-G/2001.L1-2
Relator: ESAGÜY MARTINS
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
EXECUÇÃO DE SENTENÇA
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
RECLAMAÇÃO
RECURSO
CONVOLAÇÃO
CASO JULGADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/23/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - À execução de sentença, transitada em julgado, instaurada após 01-01-2008, e logo, à oposição que àquela seja deduzida, é aplicável o regime do DL n.º 303/2007 de 24-08, independentemente da acção declarativa de que é apenso ter sido interposta em data anterior.
II – A norma do art.º 688º, n.º 5, do Código de Processo Civil, anterior à reforma de 2007, reveste carácter excepcional.
III – Com a Reforma de 2007, muito embora se tenha mantido o designativo de reclamação para a forma de impugnação do despacho de indeferimento de recurso, o certo é que doutrinalmente esta reclamação passa a ser um verdadeiro recurso. IV - Passando, agora sim, a valer nesta matéria o princípio da adequação formal, consagrado no art.º 199º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
V – No entanto, se a parte que interpõe recurso, confrontada com despacho de indeferimento do mesmo, não recorre nem reclama, apenas requerendo ao juiz a quo a “convolação” do indeferido recurso em reclamação, aquele despacho transita em julgado.
VI - Em hipótese de um segundo despacho do mesmo sentido de despacho anterior transitado em julgado, se tiver sido interposto recurso da segunda decisão, o mesmo tem necessariamente de improceder, dada a vinculação do tribunal e das partes ao caso julgado da primeira decisão.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção (cível) deste Tribunal da Relação


I – Por apenso aos autos de execução comum para prestação de facto, em que são exequentes “A”, “B” e “C”, e executado “D”, e que corre por apenso à ação declarativa respetiva, nos termos do art.º 90º, n.º 3, do Código de Processo Civil, veio aquele último deduzir oposição à execução, na qual, e como “questão prévia”, arguiu a “falta e nulidade da citação de todo o requerimento executivo”.

Sobre aquela recaindo, em 12-12-2011, a decisão, nominada de “sentença”, reproduzida a folhas 14 a 20, com o seguinte teor decisório:
“Pelo exposto julgamos improcedente a invocada nulidade da execução por falta ou nulidade da citação do executado.
 Por falta de fundamentos de oposição válidos, não se recebe a oposição.”.

Mais fixando o valor da causa em € 836,40.

Inconformado, requereu o executado/opoente, em Abril de 2012, a interposição de recurso, como de folhas 21 se alcança.

Sobre tal requerimento recaindo o despacho de 30.04.2012, reproduzido a folhas 22, com os termos seguintes:
“Ao presente processo, até pela data da instauração da execução e da oposição, aplica-se o regime dos recursos emergente da alteração operada pelo d. Lei 303/2007 de 24.08.
Por isso, com o requerimento de interposição do recurso devia a parte recorrente juntar as alegações e respectivas conclusões, o que não fez.
Assim, ao abrigo do disposto no artigo 685°-C, n° 2, alínea h) do C. P. Civil, indefiro o presente recurso.”.

Mostrando-se apresentado, novo requerimento de interposição de recurso, pelo executado/opoente, em 07-05-2012, conforme folhas 24.

Com reporte ao qual foi proferido o despacho de 23-05-2012, com o teor:
“1. O executado opoente apresenta-se a interpor recurso de agravo do nosso despacho de fls. — (que não identifica).
2. O último despacho de que fora notificado foi o nosso despacho de 30.04.2012 que lhe não admitira o recurso que interpusera, com requerimento do mesmo teor do agora apresentado.
3. Ora, tendo havido despacho de não admissão de recurso que lhe foi notificado.
Determina-se no artigo 688°, n° 1 do C. P. Civil que: "Do despacho que não admitir recurso pode o recorrente reclamar para o tribunal que seria competente para dele conhecer no prazo de 10 dias contados da notificação da decisão."
4. Não tendo o recorrente reclamado, naquele prazo de 10 dias, no nosso despacho que não admitira o recurso que interpusera, tal despacho transitou assim como transitara a decisão recorrenda.
Extraia de imediato certidão para instauração da competente execução para cobrança das custas contadas neste e nos processos apensos nos quais decorreu o prazo de pagamento e não tenham sido pagas.”

…E, posteriormente, em 21-09-2012, o despacho reproduzido a folhas 27:
“Veio o executado apresentar recurso do despacho de 30 de Abril de 2012, que indeferiu o recurso interposto do indeferimento liminar da oposição deduzida.
A exequente “A”, nas contra-alegações apresentadas, veio alegar que o presente recurso é inadmissível, uma vez que do despacho de indeferimento de recurso não se recorre, reclama-se, encontrando-se tal questão já apreciada por despacho de 23 de Maio de 2012.
Efectivamente, do despacho de fls. 94, de 23 de Maio de 2012, resulta que as questões relacionadas com o recurso que o executado agora pretende interpor, já foram aqui apreciadas, tendo-se concluído neste despacho que "Não tendo o recorrente reclamado, naquele prazo de 10 dias, do nosso despacho que não admitira o recurso que interpusera, tal despacho transitou, assim como transitara a decisão recorrenda.".
Ora, face ao decidido, nada mais há a apreciar, uma vez que as decisões que o executado pretende impugnar já transitaram em julgado.
Resumindo: o recurso da decisão inicialmente interposto não foi admitido, pelo que esta transitou; deste despacho de não admissão do recurso o executado não reclamou no prazo de dez dias, pelo que também o mesmo transitou.
Face ao exposto, não se admite o recurso interposto.
Notifique.”.

Vindo o executado/opoente, em novo requerimento, reproduzido a folhas 33, dizer:
“notificado do despacho da não admissão do recurso da decisão de fls(…), (…) requerer a V. Exa a convolação do recurso em reclamação nos termos previstos no n.º 5 do artigo 688º do CPC na redação anterior à entrada em vigor do Decreto-lei 303/2007, de 24 de Agosto, sendo esta, a disposição a aplicar, ao caso concreto uma vez que a ação deu entrada antes entrada em vigor do referido diploma legal.

Face ao exposto, deve V. Exa admitir a convolação do recurso em reclamação nos termos previsto no n.º 5 do artigo 688º do CPC, na redação anterior à entrada em vigor do Decreto-lei 303/2007, de 24 de Agosto, devendo o mesmo seguir os usuais termos.”.

Ao assim requerido se opondo os exequentes, em requerimento de 18-10-2012, reproduzido a folhas 35-37.

Sendo sobre a requerida convolação proferido despacho, em 06-11-2012, reproduzido a folhas 38, com o seguinte teor:
“Fls. 133 e 142: Como se referiu já nos despachos de fls. 94 e 127 a decisão que não recebeu a oposição transitou já em julgado, o mesmo tendo sucedido com a decisão que não admitiu o recurso interposto daquela decisão.
Por outro lado, a redacção aqui aplicável do artigo 688° do Código de Processo Civil não prevê a convolação requerida.
Pelo exposto, indefere-se o requerido.”.

Inconformado, recorreu o opoente, formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões:
“I. O recorrente interpôs recurso, por requerimento, da sentença que indeferiu liminarmente a oposição executada.
 II. Fê-lo com base no regime recursório anterior ao DL 303/07 de 24.08, atendendo a que a ação principal de que depende, é anterior à entrada em vigor do supra referido DL.
 III. O mesmo foi indeferido com base de que se tratava de um processo instaurado após a entrada em vigor do supra referido DL, no entendimento do tribunal a quo, que salvo melhor entendimento de V.ª Ex.ª, laborou em erro.
 IV. Porquanto se reitera: aos apensos é aplicável o mesmo regime processual aplicável ao processo principal.
 V. Assim sendo imperativo a aplicação do anterior regime processual, i e, o regime processual aplicável em tudo semelhante, ao aplicável ao processo principal.
 VI. Pelo que a sentença viola a lei e deve ser revogada.
 VII. Na verdade a sentença viola o princípio fundamental de que as decisões judiciais tem de ser fundamentadas, aplicando-se por extensão aos despachos recorríveis, cfr. art. 666.º do CPC, aplicável in casu.
 VIII. Ademais, volta a laborar em erro o tribunal a quo, salvo melhor entendimento de V.ª Ex.ª, quando é requerida a convolação em reclamação ao abrigo do art 688º CPC, versão processual aplicável aos autos principais, e uma vez mais, entende o tribunal a quo, erroneamente, não haver       lugar à sua aplicação, mas por o subsumir ao actual art.º 688º CPC.
 IX. Pelo que, se conclui, que sempre laborou em erro o tribunal a quo, ao ter enformado as suas decisões, ilegítimas que são, num regime processual que não o correctamente aplicável in caso.
 X. Ao abrigo do regime aplicável. in casu, i e, o anterior à entrada em vigor do DL 303/07 de 24.08, deveria ter sido admitido o primeiro recurso interposto, bem como, deveria ter sido deferido, ao abrigo do art. 688.º/5 CPC, porquanto o regime processual aplicável o prevê, a convolação de recurso em reclamação.
XI. Reitera-se: sempre o tribunal a quo laborou em erro, ao ter consubstanciado todas as decisões, ilegítimas processualmente que o são, num regime processual não aplicável ao caso concreto, decisões estas que violam o regime legal recursório aplicável, o que se argui para todos os devidos efeitos legais.”.

Remata com a anulação do “despacho-sentença apelado devendo o Mmo, juiz a quo aceitar o requerimento de recurso oportunamente interposto pelo recorrente, ou ainda que assim não se entenda, o que se concebe sem conceder, deve o Mmo. juiz a quo aceitar a convolação de recurso em reclamação, a contrario, deverá o juiz a quo elencar (em obediência aos ditames legais), a matéria fáctica e de direito e prolatar à adequada subsunção "de jure” da mesma”.

Não se vislumbrando, neste caderno, resposta a essas alegações.

II- Corridos os determinados vistos, cumpre decidir.
Sendo, preliminarmente, de assinalar que conquanto se rematem as conclusões das alegações propugnando a “anulação do despacho-sentença apelado”, ponto é que o despacho objeto do recurso é, como claramente se referencia no requerimento de interposição daquele, o “despacho de fls. , no qual se entende que a redacção do artigo 688º C.P.C. aplicável não prevê a convolação requerida”.
Ou seja, portanto, o despacho de 06-11-2012, reproduzido a folhas 38.

Que não o despacho-“sentença”, de  12-12-2011, reproduzido a folhas 14 a 20, do qual foi requerida a interposição de recurso, indeferida por despacho de 30.04.2012…
…Contra o qual foi requerida a interposição de recurso, indeferida por despacho de 21-09-2012…considerando que “o recurso da decisão inicialmente interposto não foi admitido, pelo que esta transitou; deste despacho de não admissão do recurso o executado não reclamou no prazo de dez dias, pelo que também o mesmo transitou”…
…E na sequência do qual veio então o Executado apresentar o requerimento de “convolação do recurso em reclamação” (referido ao recurso interposto do despacho de 30.04.2012)…
…Que indeferido foi pelo referido despacho de 06-11-2012.

Isto posto:
Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objeto daquele – vd. art.ºs 684º, n.º 3, 690º, n.º 3, 660º, n.º 2 e 713º, n.º 2, do Código de Processo Civil é questão proposta à resolução deste Tribunal, a de saber se era caso de deferimento da requerida convolação em reclamação, do recurso que o Recorrente pretendeu interpor do despacho de 21-09-2012.
Retirando, na positiva, as consequências que, no caso, se impuserem.
*
1. Antes de mais, impõe-se definir o regime recursório aplicável nos autos de oposição à execução respetivos.

Nos termos do art.º 11º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, “Sem prejuízo do disposto no número seguinte, as disposições do presente decreto-lei não se aplicam aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor.”.
Tratando-se, no n.º 2, da aplicação imediata aos processos então pendentes, na data da entrada em vigor da portaria nele aludida, dos art.ºs que referencia, respeitantes à tramitação eletrónica.
Sendo que o sobredito Decreto-Lei “entra em vigor no dia 1 de Janeiro de 2008”, “Sem prejuízo” da entrada “em vigor no dia seguinte ao da publicação do presente decreto-lei”, do artigo 1º do mesmo, “na parte em que altera os artigos do Código de Processo Civil referidos no n.º 2 do artigo” 11º, cfr. art.º 12º do dito.

Não sofrendo crise que a execução de que a presente oposição é apenso foi requerida já após 1 de Janeiro de 2008, como de resto está implícito – sem impugnação a propósito – no despacho de 30-04-2012.
Pretendendo no entanto o Recorrente, e como visto, ser de aplicar o regime recursório anterior ao Decreto-Lei n.º 303/2007, por isso que relevaria nesta concreta matéria de sucessão de leis no tempo, a anterioridade relativamente à entrada em vigor do dito Decreto-Lei, da “ação principal de que depende”…a execução e a oposição à mesma.

Ora, como refere Abrantes Geraldes, em sede de dúvidas suscitadas pela aplicação prática do supracitado art.º 11º - e depois de considerar quanto “aos recursos que, no âmbito de processos já pendentes naquela data, tenham por objecto decisões proferidas em apensos iniciados depois, como sucede, no âmbito da acção executiva, com a oposição : depois, como sucede, no âmbito da acção executiva, com a oposição, reclamação de créditos ou embargos de terceiro. Considerando que se trata de procedimentos ou fases incidentais de uma instância já iniciada, tais recursos continuarão a obedecer ao regime anterior.
(…)
Já, porém, a solução é diversa se se tratar de decisões proferidas no âmbito de processos executivos iniciados depois daquela data e que tenham por base sentenças proferidas em acções declarativas anteriormente instauradas. Nestes casos, uma vez que a instância executiva é autónoma em relação à declarativa, ser-Ihes-á aplicável já o novo regime.”.

Nesse mesmo sentido podendo ver-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 31-05-2012,[1] em cujo sumário ler-se pode: “I - À execução de sentença, transitada em julgado, instaurada após 01-01-2008 é aplicável o regime do DL n.º 303/2007 de 24-08, independentemente da acção declarativa de que é apenso ter sido interposta em data muito anterior. II - Do facto da execução correr por apenso à acção declarativa não resulta que aquela não tenha autonomia em relação a esta.”.

Pois como mais se considera na fundamentação daquele aresto, “o que é decisivo é que os processos, apensados embora, tenham ou não autonomia entre si.”.
E “De facto, por exemplo, a oposição deduzida em 2009 a uma execução fundada numa letra de câmbio instaurada em 2007 faz parte do processo de execução, e assim constitui oposição de processo pendente em 01/01/2008, dada a clara interferência existente entre a execução e a respectiva oposição, como se reconhecerá.  
Ora nada disto – nenhuma conexão, nenhuma interferência – ocorre quando está em causa uma acção executiva de uma sentença proferida em acção declarativa há muito julgada e finda.
De facto, nenhuma decisão há que proferir na acção declarativa, nem qualquer decisão proferida na execução vai interferir numa acção condenatória transitada em julgado, finda.
(…)
Há aqui uma verdadeira autonomia de acções que de acordo com a posição tomada pelo legislador devem ser submetidas a regimes processuais distintos.”.

É pois aplicável, in casu, aos recursos interpostos ou a interpor na oposição à execução, como nesta, o regime estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto.

2. No anterior regime recursório, perante despacho de indeferimento ou retenção do recurso, cabia reclamação nos termos do art.º 688º, n.º 1, do Código de Processo Civil, para o presidente do tribunal que seria competente para conhecer do recurso, a qual deveria ser motivada, cfr. n.º 2, 2ª parte, do mesmo art.º.
Sendo que, “Se, em vez de reclamar, a parte impugnar por meio de recurso” um tal despacho, “mandar-se-ão seguir os termos próprios da reclamação.”, vd. n.º 5.

No art.º 688º, na redação resultante da reforma introduzida pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, a reclamação passou a ser para o tribunal que seria competente para conhecer do recurso, omitiu-se a possibilidade de reclamação do despacho que retenha o recurso – pela óbvia razão de ter deixado de haver recursos autónomos com subida diferida – e deixou de se exigir a motivação da reclamação, “substituída” pela necessária instrução da mesma não só com o requerimento de interposição de recurso, como também com as alegações respetivas, cfr. n.ºs 1 e 3.
Sem previsão paralela à do anterior n.º 5.

Referem porém José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes,[2] que aquela norma era, “tal como a norma contida na 2ª parte do art.º 687-3, que o Decreto-Lei 303/2007 revogou (erro na espécie de recurso), manifestação do princípio geral relativo à correcção oficiosa do erro na forma do processo (art 199). A sua supressão deve, por este motivo, ser considerada como não implicando hoje solução diversa.”.
No mesmo sentido podendo ver-se Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes.[3]
Também J. F. Salazar Casanova e Nuno Salazar Casanova,[4] sustentando dever-se “continuar a entender da mesma forma, determinando-se que suba como reclamação ao tribunal superior o indevidamente interposto recurso desde que, como é evidente, os prazos atinentes à reclamação tenham sido observados”.

E assim se nos afigura também dever ser, embora não exatamente com apelo a uma sorte de ultra vigência de princípio geral emergente no citado art.º 688º, n.º 5, anterior à reforma do regime recursório introduzido pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto.
É que a supracitada norma, como sustenta Amâncio Ferreira,[5] reveste carácter excepcional, atento o local em que foi incluída e os termos em que se encontra redigida.
Ensinando Oliveira Ascensão[6] que na “relação regra-excepção: à regra estabelecida pela primeira opõe-se a excepção, que para um sector mais ou menos amplo de situações é aberta pela segunda. A excepção é pois necessariamente de âmbito mais restrito que a regra, e contraria a valoração ínsita nesta, para atingir finalidades particulares.”.

Sobrelevando assim a consideração de estarmos, ao cabo e ao resto, perante uma impugnação de uma decisão, apresentada a um tribunal superior –que, conforme dá nota Fernando Amâncio Ferreira,[7] em Espanha se denomina recurso de queixa, o qual “se configura como um recurso devolutivo, de natureza ordinária, a interpor perante o órgão a quem compete julgar o recurso rejeitado”.
Sendo que também entre nós, e no domínio do Código de Processo Civil de 1939, art.º 689º, se consagrava o recurso de queixa, para o presidente do tribunal superior que fosse competente para o conhecimento do recurso, da decisão que não admitisse qualquer recurso ordinário.
Com a Reforma de 2007, muito embora se tenha mantido o designativo de reclamação para a forma de impugnação do despacho de indeferimento de recurso, o certo é que, como assinala Armindo Ribeiro Mendes, “Doutrinalmente esta reclamação passa a ser um verdadeiro recurso porque é uma impugnação dirigida ao tribunal com competência para conhecer do recurso, se este tivesse sido admitido”.[8]
E, por isso mesmo, a excepcional convolação, até então admitida pelo n.º 5 do artigo 688º citado, deixou de fazer parte do texto legal.
Passando, agora sim, a valer nesta matéria o princípio da adequação formal, consagrado no art.º 199º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Perante o erro na espécie de recurso, o tribunal, paternalmente – é essa a opção do legislador – vai suprir a inépcia técnica da parte.

Nesta linha, e na jurisprudência, podendo ver-se o voto de vencido de Urbano Dias, no Acórdão Uniformizador de jurisprudência, do Supremo Tribunal de Justiça, de 20-01-2010,[9] proferido no âmbito de vigência do artigo 668.º, n.º 5, do Código de Processo Civil – na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto – cuja aplicação analógica à hipótese de recurso de decisão do relator, de que apenas caiba reclamação para a conferência, foi em tal aresto acolhida.

3. Ora, assim sendo, deveria o senhor juiz a quo, ao invés de indeferir, tout court – pelo despacho de 21-09-2012 – o recurso cuja interposição foi requerida do despacho de 30-04-2012 – que indeferiu o recurso interposto do despacho de indeferimento liminar da oposição deduzida – ter mandado seguir os termos próprios da reclamação.

Não o tendo feito, ou bem que se entende ter sido cometida uma nulidade secundária, contra a qual – posto que coberta por despacho – caberia recorrer…

…Ou bem que se considera ser essa ainda matéria de indevida não admissão do recurso, a justificar reclamação nos quadros do art.º 688º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
O que nada o executado fez, optando por requerer ao juiz a quo, a convolação do indeferido recurso em reclamação do art.º 688º, n.º 1, do Código de Processo Civil.



Sendo que tal requerimento de “convolação” – de todo inassimilável a requerimento de interposição de recurso, ou mesmo de “reclamação”, do despacho de indeferimento de 21-09-2012 – não obstou ao trânsito em julgado do referido despacho, cfr. a propósito o art.º 691º, n.º 2, alínea g) e n.º 5, do Código de Processo Civil.

Decorrendo do disposto no art.º 666º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil, que após o proferimento de uma decisão judicial, verifica-se a extinção do poder jurisdicional do juiz, o que significa que o tribunal não pode, motu próprio, voltar a pronunciar-se sobre a matéria apreciada.
Nas palavras de Teixeira de Sousa,[10] “desta extinção decorrem dois efeitos: - um efeito negativo, que é a insusceptibilidade de o próprio tribunal que proferiu a decisão tomar a iniciativa de a modificar ou revogar; - um efeito positivo, que é a vinculação desse tribunal à decisão por ele proferida.”.
O juiz poderá ainda rectificar erros materiais, suprir alguma nulidade processual, esclarecer a decisão ou reformá-la quanto a custas ou multa.
Mas, como referem Antunes Varela. J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora,[11] “o que não pode é alterar já a decisão, nem os seus fundamentos. Não pode já modificar o seu sentido ou alcance”.

Para além dos efeitos decorrentes da extinção do poder jurisdicional temos ainda que não sendo a decisão impugnada, transitando pois em julgado, tal “realiza…um efeito negativo, que se traduz na insusceptibilidade de qualquer tribunal (…) se voltar a pronunciar sobre a decisão proferida, - um efeito positivo, que resulta da vinculação do tribunal que proferiu a decisão e, eventualmente, de outros tribunais ao que nela foi definido ou estabelecido.”.[12]
São os efeitos processuais do caso julgado.

Do caso julgado formal se ocupando o art.º 672º, do Código de Processo Civil, nos termos do qual “Os despachos, bem como as sentenças, que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo, salvo se por sua natureza não admitirem o recurso de agravo”.
Anotando a propósito José Lebre de Freitas. A. Montalvão Machado. Rui Pinto,[13] que “O despacho que recai unicamente sobre a relação processual não é (…) apenas o que se pronuncia sobre os elementos subjectivos e objectivos da instância... e a regularidade da sua constituição…mas também todo aquele que, em qualquer momento do processo, decide uma questão que não é de mérito.”.
Em tal espécie decisória se incluindo assim, como também anotam aqueles autores, “Quer a sentença de absolvição da instância…quer a sentença que decida um incidente com a estrutura de uma causa, quer os despachos interlocutórios…”.

O art.º 675º, n.º 1, do Código de Processo Civil dispõe expressamente para a hipótese de, não sendo tais efeitos processuais respeitados, ocorrerem casos julgados contraditórios, que “Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, vale aquela que primeiramente transitar em julgado.”.
Sendo tal princípio da prioridade do trânsito em julgado igualmente aplicável, por força do disposto no n.º 2 do mesmo art.º, às “decisões que, num mesmo processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual.”.
Mas a mesma solução vale desde logo -  e por maioria de razão – para as hipóteses de decisão não transitada em julgado, posto que impugnada, contrária a decisão anterior, transitada em julgado.
Assim referindo José Lebre de Freitas. A. Montalvão Machado. Rui Pinto,[14] que as tais decisões recaindo unicamente sobre a relação processual, contempladas no art.º 672º, do Código de Processo Civil, “limitam a sua força obrigatória ao processo, sendo nele inadmissível – e, por isso ineficaz (art. 675-2) – decisão posterior sobre a mesma questão que deles tenha sido objecto”.
Concluindo Teixeira de Sousa[15] do mesmo princípio da prioridade do trânsito em julgado, e reportando-se à hipótese de um segundo despacho do mesmo sentido de despacho anterior transitado em julgado, que “Por isso, se tiver sido interposto recurso da segunda decisão, o mesmo tem necessariamente de improceder, dada a vinculação do tribunal e das partes ao caso julgado da primeira decisão.”.

No caso, o despacho recorrido – de 06-11-2012 – reproduzindo razões anteriormente alinhadas no despacho de 21-09-2012, como aliás no de 23-05-2012 – indeferiu a requerida convolação, no mesmíssimo pressuposto que subjazeu ao despacho de não admissão do recurso do despacho de 30 de Abril de 2012.

Sendo que o deferimento dessa convolação afrontaria o caso julgado formal operado pelo despacho de 21-09-2012, ao permitir convolar em reclamação um recurso cuja interposição fora já indeferida por despacho não objeto de impugnação.

Improcedendo assim, e afinal, as conclusões do Recorrente.

Sem que se deixe também de assinalar que, efetivamente, cobrando aplicação o regime recursório introduzido pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, o requerimento de interposição de recurso – e designadamente de despacho de indeferimento liminar… – deverá incluir a alegação do recorrente…sob pena de indeferimento, cfr. art.ºs 684º-B, n.º 2 e 685º-C, n.º 2, alínea b), ambos do Código de Processo Civil.


III – Nestes termos, acordam em julgar o recurso improcedente, confirmando o despacho recorrido.

Custas pelo Recorrente, que decaiu totalmente.
  
Em observância do disposto no n.º 7 do art.º 713º, do Código de Processo Civil, passa a elaborar-se sumário, da responsabilidade do relator, como segue:
(…)
***
   
Lisboa, 2013-05-23 

Ezagüy Martins
Maria José Mouro
Maria Teresa Albuquerque
----------------------------------------------------------------------------------------
[1] Proc. 1953/03.2TBGDM-E.P1.S1, Relator: SÉRGIO POÇAS, in www.dgsi.pt/jstj.nsf.
[2] In “Código de Processo Civil, Anotado”, Vol. 3º, Tomo I, 2ª Ed., Coimbra Editora, 2008, págs. 73-74.
[3] In “Dos recursos”, Quid Júris, 2009, págs. 215-216,
[4] In “Apontamentos Sobre a Reforma dos Recursos, Separata da Revista da Ordem dos Advogados, Ano 68, I, Janeiro de 2008, pág. 79.
[5] In “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 6.ª Edição págs. 98 a 99, nota 192.
[6] In “Introdução ao estudo do direito”, ano lectivo de 1970/71, Revisão parcial em 1972/73, Edição dos SSUL, pág. 464.
[7] In “Manual dos Recursos em Processo Civil, 3ª edição, página 87, nota 164.
[8] In “Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra Editora, 2009, página 111.
[9] Proc. 103-H/2000.C1.S1, Relator: JOÃO BERNARDO, in www..dgsi.pt/jstj.nsf.
[10] In “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, LEX, 1997, pág.572.
[11] In “Manual de Processo Civil”, 2ª ed. (Reimpressão), Coimbra Editora, 2004, pág. 699.
[12] Teixeira de Sousa in op. et loc. cit.
[13] In “Código de Processo Civil, Anotado”, Vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pág. 681.
[14] In op. et. loc. cit.
[15] In op. cit., pág. 573.