Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | SOUSA PINTO | ||
Descritores: | FALSIFICAÇÃO DE CHEQUE RESPONSABILIDADE BANCÁRIA CONCORRÊNCIA CULPA CARTA EXTRAVIO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 11/26/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
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Sumário: | A norma que proíbe a aceitação, expedição ou distribuição de quaisquer objetos pessoais que contenham notas de banco, outros títulos ou valores realizados, exceto quando expedidos como valor declarado, também proíbe, concomitantemente, a sua entrega para esses fins. Se os objetos não podem ser aceites, expedidos ou distribuídos pelo serviço de correios, também não podem ser ali entregues para qualquer desses fins. Para além de que, se a norma apenas vinculasse os serviços de correios, a sua eficácia seria bem limitada, a menos que a aceitação de todos os objetos destinados a ser expedidos/distribuídos fosse pessoalmente controlada por um colaborador dos serviços, equipado com meios para identificar, por exemplo, a presença de um cheque no interior de uma carta. E, em qualquer caso, essa proibição contém, em si mesma, o reconhecimento do risco acrescido de extravio dos objetos que são enviados por meio de correio simples. Sempre permitindo julgar imprudente o envio, por esse meio, de dinheiro, ou de objetos com valor realizável | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes desembargadores que integram o presente colectivo do Tribunal da Relação de Lisboa, I – RELATÓRIO MA, Unipessoal, Lda., intentou a presente acção declarativa, sob a forma ordinária, contra Banco Santander Totta, S.A., e Caixa Geral de Depósitos, S.A., pedindo a condenação solidária destas a pagarem-lhe a quantia de € 44.768,82, acrescida de juros à taxa supletiva legal aplicável aos créditos de que são titulares empresas comerciais, sendo que os vencidos ascendem a € 10.281,80. Citadas as Rés, as mesmas apresentaram as respectivas contestações, onde defenderam a sua irresponsabilidade sobre a factuladade alegada pela A., imputando a esta a culpa na situação em apreço. Realizou-se a “Audiência Prévia” onde foi fixado por despacho que o litígio tem por objecto o direito da A. ao pagamento solidário pelas RR. da quantia reclamada correspondente à titulada por cheque que emitiu e que veio a ser falsificado e, não obstante, pago ao ilegítimo portador, por não terem as RR. alegadamente cumprido deveres a que estavam obrigadas em virtude da sua actividade bancária; e a exclusão do dever de indemnizar por culpa da A. ao violar deveres de cuidado na emissão e forma de envio do cheque. Procedeu-se à realização do julgamento, com observância de todo o formalismo legal. Proferida sentença, decidiu-se: «Por todo o exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e, consequentemente, absolvo a R. C.G.D. do pedido e condeno a R. Santander a pagar à A. a quantia de € 55.050,62, acrescida dos juros sobre € 44.768,82 desde o dia 7 de Agosto de 2013 à taxa supletiva de juros moratórios relativamente a créditos de que sejam titulares empresas comerciais.» Inconformado com tal decisão veio a R. Banco Santander recorrer da mesma, tendo apresentado as suas alegações nas quais verteu as seguintes conclusões: «A) No entender do BST, a factualidade considerada provada nos autos impunha que se concluísse que o Banco cumpriu os deveres que lhe incumbiam no que respeita ao pagamento do cheque em causa. B) Consoante ficou demonstrado nos autos, o cheque em apreço foi fisicamente apresentado para depósito na Caixa Geral de Depósitos (CGD) –vd. pontos 11 e 12 da matéria de facto provada. C) Tendo, posteriormente, aquele Banco apresentado o cheque na câmara de compensação - vd. ponto 21 da matéria de facto provada. D) Sendo que, a falsificação praticada in casu respeita unicamente à alteração do nome do beneficiário do cheque - vd. ponto 24 da matéria de facto provada. E) Ora, nos termos do ponto 6.3 do Anexo III da Instrução 3/2009 do Banco de Portugal (Regulamento do SICOI), incumbe ao participante tomador a verificação da regularidade dos cheques que lhe são apresentados. F) Por outro lado, e diversamente do entendido pela sentença, julga-se que in casu o BST não tinha o dever de “primeiro se certificar junto da cliente” antes de pagar o cheque. G) Com efeito, o BST não havia sido previamente informado de nenhuma anomalia relativamente ao preenchimento do cheque, sendo que a falsificação não era relativa à assinatura da cliente do BST. H) Aliás, a própria sentença refere que o BST “dificilmente descobriria” a alteração efectuada no nome do beneficiário do cheque. I) Desta forma, e face à matéria provada nos autos, impunha-se concluir que o cheque aparentava ser verdadeiro. J) O exposto exclui a culpa (e a inerente responsabilidade) do BST pelo pagamento do dito cheque. L) Sem conceder, ainda se alega, a título subsidiário, que resultou claro da prova produzida nos autos que a A., relativamente ao cheque em causa, violou os deveres de diligência que lhe incumbiam. M) E que, o comportamento negligente da A. - por acção e omissão foi absolutamente decisivo para a falsificação e consequente pagamento do cheque dos autos. N) Tal circunstância - na hipótese, que se admite academicamente, de ser entendido que o BST não conseguiu demonstrar que agiu com a diligência que lhe era exigível - implica o afastamento da presunção de culpa que, na referida hipótese, impenderia sobre o BST – vd. artº 570º, nº 2, CC. O) Com o inerente afastamento de qualquer obrigação de indemnizar por parte do Banco. P) Ao entender diversamente a sentença recorrida incorreu em violação de lei, designadamente dos artºs 570º, nº 2, 796º, nº 1, e 799º, nº 1, do CC. Q) Sem conceder, importa, por cautela e dever de patrocínio, ainda aduzir, a título subsidiário - para a hipótese, que se tem por académica, de vir a ser entendido que foi feita prova bastante da culpa do BST quanto ao pagamento do cheque em apreço - o seguinte: R) Nos termos do artº 570º, nº 1, do CC, “Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida, ou mesmo excluída”. S) Ora, como se explanou supra, julga-se que in casu está amplamente demonstrado que o comportamento culposo da A. - por acção e omissão - foi absolutamente decisivo para a ocorrência do sucedido com o cheque. T) Tal circunstância impõe que, na hipótese académica em apreço, seja determinada uma distribuição de culpas entre a A. e o BST pelo sucedido, na proporção das respectivas responsabilidades. U) Ao entender diversamente a sentença recorrida incorreu em violação de lei, designadamente do artºs 570º, nº 1, do CC. NESTES TERMOS, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, revogando-se, por consequência, a sentença recorrida, como é de J U S T I Ç A!» A A. apresentou contra-alegações nas quais defendeu a bondade da decisão recorrida e pugnou pela improcedência do recurso. II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Cumpre apreciar e decidir as questões suscitadas pela apelante, sendo certo que o objecto daquelas se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações. A questão global que cumpre conhecer traduz-se em saber se, atenta a factualidade apurada, o Banco Santander terá cumprido os seus deveres no que concerne ao pagamento do cheque em causa e se a A. não terá, antes, omitido deveres de diligência que afastariam a responsabilidade total ou, pelo menos, parcial, do dever do Banco Santander de indemnizar. II – FUNDAMENTOS 1. De facto Na sentença recorrida foram os seguintes os factos dados por provados: 1 - A A. dedica-se à actividade de exploração de farmácia e estabelecimentos para comércio de produtos farmacêuticos; 2 - MA é farmacêutica e a sócia gerente da A.. 3 - A A. é proprietária do estabelecimento de farmácia denominado Farmácia ..., sito no Largo ..., Loulé. 4 - No dia 17 de Setembro de 2010, no interior da Farmácia ..., MA emitiu, preencheu e assinou, a favor da “U”, o cheque nº 0300000085, no valor de €44.768,87, sobre a conta nº 0003.22789309020 de que a A. é titular no Banco Santander Totta, agência de Loulé - Mealha. 5 - MA preencheu ainda uma carta pré-impressa, dirigida à U, onde informava que juntava à mesma o cheque supra descrito para pagamento das facturas relativas a Julho de 2010, solicitando a acusação da recepção da carta e envio do recibo respectivo. 6 - MA colocou o cheque e a carta supra descritas no interior de um envelope que endereçou à “U”. 7 - De seguida, entre as 20h30 e as 22h00 do dia 17.09.2010, a MA saiu da farmácia e dirigiu-se à estação dos CTT sita ..., Loulé, e colocou esse envelope com os documentos supra descritos na caixa de recolha de correio, com abertura para o exterior, existente nessa estação. 8 - Entre o momento em que a MA colocou a carta supra descrita na caixa de recolha de correio da estação dos CTT (17.09.2010, sexta feira à noite) e o dia 20 de Setembro de 2010 (segunda-feira), desconhecidos dirigiram-se a essa caixa e partiram a fechadura da porta exterior, retirando do interior daquela caixa de recolha de correio o envelope que a MA deixara na mesma, fazendo seus a carta e o cheque acima referidos, documentos que estavam no interior do envelope. 9 - Na posse desses objectos, esses desconhecidos abandonaram o local. 10 - Em momento não concretamente apurado, mas que se situa entre 17 de Setembro de 2010 e 20 de Setembro de 2010,LS, aproveitando o facto de ter na sua posse o cheque nº 0300000085, no valor de € 44.768,82, que obteve de forma não concretamente apurada, logo decidiu elaborar um plano, a que aderiu depois RA e com o qual ambos concordaram, para poderem aproveitar-se desse facto para se apropriarem do montante de € 44.768,82, escrito no cheque. 11 - Após indivíduo cuja identidade se não apurou em concreto ter escrito, na zona destinada ao beneficiário do cheque, por cima da palavra “U”, o nome “Hugo”, uma vez que este nome, fictício, era o que melhor encaixava nas letras que compunham a palavra “U”, e no verso do cheque, na zona destinada ao endosso, ter escrito novamente “Hugo”, como se duma assinatura se tratasse, no dia 20 de Setembro de 2010 (segunda-feira),LS dirigiu-se a uma máquina de self-banking, sita junto do balcão de Borba da R. Caixa Geral de Depósitos, munido do cheque supra descrito e do seu cartão de débito associado à conta nº 0133.028166.500 desse Banco, por si titulada. 12 - Aí chegado, e após introduzir o cartão na máquina self-banking e o seu código pin secreto, procedeu ao depósito do cheque supra descrito e alterado da forma descrita. 13 - O montante de € 44.768,82 foi efectivamente creditado, nessa sua conta bancária, à custa da referida conta bancária nº 0003.22789309020 de que a A. é titular no Banco Santander Totta, agência de Loulé - Mealha. 14 - Ainda em prossecução do plano supra descrito, no dia 21 de Setembro de 2010, RA dirigiu-se ao balcão da Caixa Geral de Depósitos de Pinhal Novo e contratou com este Banco a abertura de uma conta à ordem nova, à qual foi atribuído o nº 0616.016821.600. 15 - No dia 23 de Setembro de 2010,LS dirigiu-se a uma máquina Multibanco (ATM) sita em Alcochete, munido do seu cartão de débito associado à conta nº 0133.028166.500 da Caixa Geral de Depósitos, por si titulada. 16 - Aí chegado, e após introduzir o cartão na máquina ATM e o seu código pin secreto, LS ordenou a transferência do montante de € 19.000,00, valor proveniente do cheque descrito, para a conta nº 0616.016821.600 que o RA tinha acabado de abrir. 17 - Luís e Ricardo procederam então a vários levantamentos, em diversos balcões da Caixa Geral de Depósitos, bem como a transferências bancárias, fazendo seu o montante global de € 44.768,82 €, que usaram para benefício dos próprios, tudo entre os dias 20 e 23 de Setembro de 2010. 18 - A U, cuja denominação completa é U - Cooperativa Farmacêutica, CRL, dedica-se a adquirir, armazenar e fornecer, directa ou indirectamente, aos seus cooperadores os bens e serviços necessários à actividade destes enquanto proprietários de farmácia. 19 - A A. não emitia cheques a favor de pessoas singulares sacados sobre a conta referida no ponto 4 de montantes da ordem do valor do cheque referido no ponto 4. 20 - Os funcionários da agência de Loulé - Mealha do Banco Santander Totta tinham conhecimento do facto referido no ponto 19. 21 - O cheque referido no ponto 4 foi apresentado pela R. C.G.D. na câmara de compensação. 22 - Os representantes da R. Santander na câmara de compensação não contactaram a agência de Loulé - Mealha para a verificação do cheque referido no ponto 4. 23 - O cheque referido no ponto 4 é um cheque cruzado. 24 - A palavra “U” constante do cheque referido no ponto foi alterada para “Hugo” mediante a colocação da letra maiúscula “H” antes da letra maiúscula “U”; a colocação da barriga da letra minúscula “g” na letra minúscula “d”; a transformação da letra minúscula “i” na letra minúscula “o” com a perna deitada; a transformação da letra minúscula “f” na letra maiúscula respectiva, ficando a parte inferior do traço do “F” abaixo da linha; e acrescentando os dizeres “ia Silva Simões” a seguir à letra minúscula “r”. 25 - O espaço do cheque referido no ponto 4 a seguir à palavra “U” não foi inutilizado com um traço contínuo horizontal. 26 - A A. pagou à U o montante de € 44.768,82 em Novembro de 2010. 2. De direito Apreciemos então a questão suscitada pela apelante, a qual, como referimos supra, traduz-se em saber se, atenta a factualidade apurada, o Banco Santander terá cumprido os seus deveres no que concerne ao pagamento do cheque em causa e se a A. não terá, antes, omitido deveres de diligência que afastariam a responsabilidade total ou, pelo menos, parcial, do dever do Banco Santander de indemnizar. A sentença considerou, a propósito dos deveres que incidiam sobre o Banco Santander, ser este o único responsável pelo dano sofrido pela A., baseando-se no facto de a ora recorrente não ter agido com a diligência necessária exigível a uma entidade bancária que tem a obrigação de proteger o comércio bancário e os seus clientes. Acompanhamos a sentença neste entendimento, pois que da matéria que resultou provada resultará que a Ré, designadamente na câmara de compensação, não agiu com a diligência exigida para o tratamento dum cheque de valor elevado (€44.768,82) que se apresentava com algumas rasuras na parte respeitante à indicação do nome do seu beneficiário, sendo certo que nessas circuntâncias deveria ter entrado em contacto com a agência onde se mostrava sediada a conta, o que a ter sucedido levaria muito provavelmente a que se informasse que essa conta só era movimentada para pagamentos a pessoas colectivas, logo poderia ter obstado a que o dano tivesse ocorrido. Esse seu comportamento era-lhe exigível atenta a elevada quantia em causa (na CGD, pelo que a testemunha Romeu Joaquim terá afirmado em audiência, os seus funcionários que se encontram na câmara de compensação têm a indicação de enviarem às agências, antes de darem o seu visto de pagamento aos seus congéneres bancários, todos os cheques de valor superior a 7.500,00€, para que as agências visualizem os cheques e os confrontem com os elementos disponíveis referentes às contas sacadas, sendo certo que não se tendo apurado qual o valor que a Ré estipularia para esse valor de “truncagem”, o que é facto é que atento o valor em causa, ele situar-se-ia abaixo dele) e a circunstância de ser visível à vista desarmada que na indicação do nome do beneficiário “a escrita tinha sido retocada e existiam traços sobrepostos” e o “U” que consta do nome Hugo apresenta-se maiúsculo no meio dum nome, quando é certo que as letras maiúsculas por norma só surgem no seu início. Todos estes indicadores encontram-se espelhados nos pontos 19 a 22 da matéria provada. O comportamento do Banco apelante revela-se também desrespeitador do estabelecido na Instrução n.º 3/2009, seu Anexo III (“Procedimentos relativos à compensação de cheques”), do Banco de Portugal, designadamente no que concerne ao seu Ponto 7.2, pois que na qualidade se participante/sacado estava “… obrigado a receber, tratar e controlar a informação respeitante a todos os cheques ou documentos afins, que lhe for transmitida pelos outros participantes através do Banco de Portugal ou da entidade a que se refere o n.º 13 do capítulo III do presente Regulamento”. Por seu turno o Ponto 8.3 estabelece que “Os cheques e documentos afins compensados podem ser devolvidos aos apresentantes, desde que se verifique, pelo menos, um dos motivos constantes do Anexo IV, aplicando-se aos documentos, afins, com as necessárias adaptações, os motivos previstos para a devolução de cheques.” O indicado Anexo IV (“Motivos de devolução de cheques”), prevê no seu n.º 1 quais as situações que podem dar azo à devolução dos cheques, referindo: “1. Os participantes no subsistema de compensação de cheques apenas podem devolver cheques (ou documentos afins, quando aplicável) pelos motivos que a seguir se indicam, os quais se apresentam hierarquizados, tendencialmente, por ordem de prevalência. a) Na qualidade de instituição sacada: (…). Cheque viciado Quando os elementos do cheque, designadamente, a assinatura, a importância, a data de emissão ou o beneficiário Sublinhado nosso. estiverem viciados. (…).” Era pois obrigação da Ré apelante, face à visível viciação do nome do beneficiário do cheque, devolver o cheque à agência de não permitir que o mesmo fosse descontado, como foi. Há que ter presente que na câmara de compensação, pontuam (ou devem pontuar) profissionais dotados de experiência e conhecimentos acrescidos sobre matérias cartulares que incluem a possível adulteração de cheques. Pelo que deixamos exposto temos pois de concluir que a responsabilidade da apelante existiu e como tal é passível de ser responsabilizada pelo dano sofrido pela Apelada. Mas será que a sua responsabilidade é exclusiva? Terá, ou não, a Autora, com o seu comportamento, contribuído também para o dano verificado. A nossa resposta a tal questão é afirmativa, isto é, a apelada também contribuiu para o dano por si própria sofrido. Vejamos. A A. enviou um cheque no valor de €44.768,82, dirigido à empresa “U – Cooperativa Farmacêutica, CRL”, através de carta simples, colocada numa caixa de recolha de correio, com abertura para o exterior, existente na estação de correios de Loulé (facto 7.). O cheque em causa, é um cheque cruzado. Ora, de acordo com o estabelecido no Regulamento do Serviço Público de Correio (Dec.-Lei n.º 176/88 de 18 de Maio), seus artgs. 12.º, n.º 1, al. h) e 29.º, n.ºs 1 e 2, o envio de cheques, como o dos autos, só pode ser enviado por via postal desde que registado com valor declarado. Tais normativos não se podem considerar apenas dirigidos e constituírem mera imposição à entidade expedidora, antes são vinculativos para todos quantos pretendam usar os serviços postais. Como é referido no recente acórdão desta Relação de 02/07/2015 Apelação n.º193/11.1TJLSB-2, disponível em www.dgsi.pt , «A norma que proíbe a aceitação, expedição ou distribuição de quaisquer objetos pessoais que contenham notas de banco, outros títulos ou valores realizados, exceto quando expedidos como valor declarado, também proíbe, concomitantemente, a sua entrega para esses fins. Se os objetos não podem ser aceites, expedidos ou distribuídos pelo serviço de correios, também não podem ser ali entregues para qualquer desses fins. Para além de que, se a norma apenas vinculasse os serviços de correios, a sua eficácia seria bem limitada, a menos que a aceitação de todos os objetos destinados a ser expedidos/distribuídos fosse pessoalmente controlada por um colaborador dos serviços, equipado com meios para identificar, por exemplo, a presença de um cheque no interior de uma carta. E, em qualquer caso, essa proibição contém, em si mesma, o reconhecimento do risco acrescido de extravio dos objetos que são enviados por meio de correio simples. Sempre permitindo julgar imprudente o envio, por esse meio, de dinheiro, ou de objetos com valor realizável.» No caso, a recorrida limitou-se através de postal simples, a colocar no seu interior um cheque de valor elevado, sendo certo que essa sua postura revela um comportamento temerário, nada consentâneo com os cuidados que um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso assumiria. Com efeito, é sabido que os serviços postais, por vicissitudes várias (enganos dos carteiros na colocação das cartas nas caixas devidas, alguns furtos e mesmo descaminhos não totalmente esclarecidos), não constituirão um modo seguro de fazer pagamentos em dinheiro ou cheque. Esse risco avoluma-se quando falamos de correio simples, não registado, sendo certo que a lei vai mais longe (como vimos pelos indicados normativos do Regulamento do Serviço Público de Correio) ao exigir que tal circulação de valores tenha de ser feita mediante registo com valor declarado. A A./apelada ao ter agido como agiu “potenciou o extravio e a falsificação do cheque, assim tendo contribuído culposamente para esse extravio e falsificação” Nas palavras de Farinha Alves, relator no apontado acórdão de 02/7/2015. Em idêntico sentido, aqui deixamos parte significativa do acórdão, também desta Relação de 15-12-2011, proc. n.º 1063/10.6TVLSB-7 Disponível em www.dgsi.pt , que quer a apelante, quer o acórdão de 02/07/2015 também citam: «(…). Vejamos se, por sua vez, a titular da conta, cliente na convenção de cheque, satisfez, também ela, os deveres de cuidado a que estava adstrita no manuseio dos cheques. Cabia-lhe, como dissemos, zelar pela sua guarda e segurança. O risco de extravio de tais bens ou valores leva a que o Regulamento do Serviço Público dos Correios, aprovado pelo Dec. Lei nº 176/88, de 18.05 - art. 12º, nº 1, alínea h) - e a Convenção Postal Universal (DR 1ª série A, nº 110, de 11 de Maio de 2004) – art. 25º, nº 5 - proíbam a aceitação, expedição ou distribuição de objectos pessoais que contenham notas de banco, outros títulos ou valores realizados, excepto quando expedidos como valor declarado. E é facto notório o risco desse extravio, sendo comummente sabido que o mesmo aumenta exponencialmente quando a expedição, em violação da citada proibição, é feita através de simples carta selada, como terá acontecido nos autos. Note-se que, em bom rigor, o alegado e demonstrado não é exactamente que a carta tenha chegado a ser entregue para expedição nos CTT, mas tão só que o cheque foi colocado, por funcionária da autora, “no interior de uma carta, selando- -a com selo azul e com destino ao correio, indicando como destinatária da mesma” a P…LDª, tendo o cheque sido interceptado no seu trajecto nunca chegando ao seu destinatário. Como quer que seja, se o tiver entregue para expedição nos CTT, através de carta simples, terá actuado com manifesto desprezo por regras básicas de segurança do título, não podendo deixar de saber que punha em flagrante risco a sua preservação e entrega ao destinatário. (…) Impõe-se, pois, concluir que a falta de cuidado e zelo elementares, por parte da apelante, foram, se não determinantes, pelo menos largamente potenciadoras da intercepção do título por terceiro que depois veio a falsificar o seu endosso e a levantá-lo na conta do sacador. (…).» Aqui chegados, face a esta situação de concorrência de culpas, importa saber em que medida se repartirá a responsabilidade de A. e R., tendo presente o estabelecido no art.º 570.º do Código Civil. Ora, perante uma actuação da R. que deu azo ao pagamento indevido do cheque na medida em que o validou quando apresentava rasuras na indicação do beneficiário, tendo tido uma postura displicente, atento o seu valor (relembre-se 44.768,82€) e os costumes bancários (reenvio do título à agência), deparamo-nos também com uma atitude negligente assumida pela lesada de remeter a uma sua fornecedora um cheque de montante muito elevado por correio simples. Na nossa óptica as responsabilidades deverão ser repartidas em proporção igual, pelo que o montante indemnizatório pedido pela A. deverá ser reduzido a metade. Pelo que se deixa dito o recurso procederá em parte, nos termos expostos. IV – DECISÃO Assim, os juízes desembargadores que integram o presente colectivo, acordam em julgar parcialmente procedente aapelação, alterando-se a decisão recorrida no sentido de julgar a ação apenas parcialmente procedente, condenando a ré a pagar à autora a quantia de € 27.525,31 (vinte e sete mil quinhentos e vinte cinco euros e trinta e um cêntimos), acrescida de juros de mora, contados à taxa supletiva legal de juros comerciais, desde 7 de Agosto de 2013 até integral pagamento. Custas, em ambas as instâncias, na proporção do decaimento – ½ pela autora/apelada e ½ pela ré/apelante. Lisboa, (José Maria Sousa Pinto) (Jorge Vilaça Nunes) (João Vaz Gomes) |