Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
32158/16.1T8LSB.L1-4
Relator: MARIA JOSÉ COSTA PINTO
Descritores: PRINCÍPIO DE TRABALHO IGUAL SALÁRIO IGUAL
PRINCÍPIO DA FILIAÇÃO
DESPACHO SANEADOR
NULIDADE PROCESSUAL
TRATAMENTO DE DADOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: I – A diferenciação salarial assente no princípio da filiação não constitui violação do princípio da igualdade salarial, ainda que a razão da diferenciação resida apenas no facto de o trabalhador não ter beneficiado dos aumentos salariais em condições idênticas às desfrutadas por aqueles a quem é aplicável o instrumento de regulamentação colectiva que os prevê, não ser associado das organizações sindicais que outorgaram o instrumento de regulamentação colectiva que, por essa razão, lhe não é aplicável.
II – Se o despacho saneador-sentença conhece do mérito da causa e persiste controvertida factualidade alegada com relevo para a decisão da causa, não padece o mesmo de nulidade processual, mas de erro de julgamento, a demandar, eventualmente, a anulação da sentença para ampliação da matéria de facto.
III – Se a alegação da petição inicial, na parte que não foi vertida no saneador-sentença – porque impugnada – não tem a virtualidade de influir na solução jurídica da causa à face da lei substantiva, o tribunal ad quem não deve determinar a ampliação da matéria de facto e a repetição do julgamento.
(Elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa


I Relatório

1.1. AAA  intentou a presente acção declarativa comum contra BBB, S.A., pedindo (reportamo-nos já à petição inicial aperfeiçoada constante de fls. 29 e ss.) que seja a ré condenada:

1. a abster-se a utilizar, seja sob que pretexto for, os elementos relativos à filiação sindical dos associados do Autor para outros fins que não sejam os referidos no art. 22º da petição inicial, ou seja, para cobrança de quotização sindical e aferir o crédito de horas dos dirigentes sindicais;

2. a aplicar a nova tabela salarial a todos os trabalhadores associados do AAA, ora Autor, com retroactivos a 01 de Janeiro de 2016, acrescido dos respectivos juros moratórios, à taxa legal, desde o vencimento de cada uma das retribuições e até efectivo pagamento; e

3. a pagar ao Autor a quantia de 30.129,54 €, devidamente discriminada e justificada nos art.ºs 54º a 61º-DD da petição inicial, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais que já é possível, desta data, liquidar, a que acrescem os danos patrimoniais e não patrimoniais que o Autor continue a sofrer no futuro, que só cessarão com a cessação das condutas ilícitas e gravemente danosas da Ré para com o Autor e para os seus associados, que se relega o seu montante para liquidação de execução de sentença.

Para tanto alega, em síntese: que é uma associação sindical que representa trabalhadores que prestam serviço para a Ré e que tem outorgado com esta, ao longo de mais de 30 anos, Acordos de Empresa; que ocorreu um processo de negociação colectiva tendo em vista a revisão salarial dos trabalhadores dos CTT que terminou em 23 de Março de 2016 sem que o Autor e a Ré chegassem a acordo, não obstante ter havido acordo relativamente a essa matéria entre a Ré e outros sindicatos; que a Ré não aplicou a tabela salarial resultante daquela revisão aos associados do Autor; que em 29 de Março de 2016 a Ré enviou uma comunicação individual aos associados do Autor comunicando-lhes que o Acordo de Revisão não lhes podia ser aplicado por falta de acordo com o Autor, mas que se pretendessem aceitar os aumentos deveriam comunicar isso à Ré; que a conduta da Ré consubstancia a violação grosseira da autonomia e independência do Autor, a violação de diversas disposições da lei relativa ao tratamento e utilização de dados pessoais e a violação do princípio da igualdade e do princípio trabalho igual salário igual; que essa conduta de envio da comunicação aos trabalhadores e não pagamento da nova tabela salarial consubstancia um apelo à deserção sindical e lhe causou danos muito graves por perda da confiança dos associados e da generalidade dos trabalhadores na capacidade e no interesse na filiação sindical, tendo o A. perdido associados, perdido capacidade de negociação face ao empregador e visto lesada a sua imagem, danos patrimoniais e não patrimoniais que descreve e só cessarão com a cessação das condutas ilícitas e gravemente danosas da Ré para com o Autor e para os seus associados, cujo ressarcimento peticiona.

Designada data para audiência de partes, não foi possível a conciliação (fls. 62).

A R. apresentou contestação na qual alega, no essencial: que o A. não deu o seu acordo à tabela salarial que pretende que seja aplicada aos trabalhadores seus associados, nem nas negociações directas em que participou, nem na fase de conciliação promovida pela DGERT; que vir reclamar a aplicação do Acordo que sempre recusou assinar com a Ré consubstancia um abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium pois o A. recusou expressamente a tabela salarial e quer agora a respectiva aplicação coerciva, pelo que é ilegítima a sua pretensão; que o comunicado em causa não configura qualquer violação da lei quanto ao tratamento e utilização de dados pessoais; que aplicou as tabelas salariais decorrentes do AE CTT 2016 aos trabalhadores associados no Autor e que lhe comunicaram a sua vontade de a ver aplicada; que a aplicação do princípio trabalho igual salário igual não é absoluta e deve compatibilizar-se, designadamente, com o princípio da filiação sindical; que a conduta reiterada do Autor de recusa da celebração de um acordo é que consubstanciou o fundamento material para que o mesmo não fosse unilateralmente imposto pela Ré aos seus trabalhadores filiados no Autor; que o Autor não invocou factos concretos para a alegada violação do princípio trabalho igual salário igual e que não praticou qualquer conduta ilícita que origine a obrigação de indemnizar o Autor, pelo que não se verificam os pressupostos da obrigação de indemnizar.

O A. respondeu à contestação nos termos de fls. 243 e ss., sustentando que a sua conduta não se subsume ao abuso do direito e que não procede a excepção da ilegitimidade.

Fixado valor à acção em € 30.129,54, foi proferido despacho saneador-sentença que decidiu do mérito da causa invocando o disposto no artigo 595.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art. 1.º, n.º 2 al. a) do Código de Processo do Trabalho. Concluiu decidindo julgar improcedente a acção e absolver a R. do pedido.

1.2. O A., inconformado, interpôs recurso arguindo a nulidade da sentença no requerimento de interposição de recurso.

Formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões: 

“h)[1] A fls. 3 da sentença recorrida, o Mmº Juiz a quo consigna não haver necessidade de produção de quaisquer outras provas.

i) Salvo o devido respeito, ao assim decidiu, o Tribunal a quo impediu o Autor de provar factos alegados na petição inicial, designadamente a matéria alegada nos art.ºs 13º, 16º, 25º, 32º, 33º a 38º, 54º a 58º, 60º, 61º-A a 61º-S, 61º-U a 61º-CC da pi, que aqui, por manifesta economia processual, se dá integralmente por reproduzida para todos os efeitos legais, e tal matéria de facto é relevante para a boa decisão da causa.

j) No ordenamento jurídico português compete ao julgador realizar ou ordenar todas as diligências úteis ao apuramento da verdade, atentos os princípios da justiça, da verdade material, do inquisitório, da tutela jurisdicional efectiva e da promoção do acesso à justiça.

k) Assim, ao dispensar a produção de diligências probatórias, o Tribunal a quo impediu, indiscutivelmente, a prova dos factos alegados e que se encontram controvertidos, o que influi de forma relevante na decisão da causa.

l) Ao o fazer violou, de forma grave, os princípios de justiça, da procura da verdade material, do inquisitório, da tutela jurisdicional efectiva e da promoção do acesso à justiça, consagrados nos art.ºs 2º, 3º, 20º, 202º e 205º da CRP. Ilegalidade e inconstitucionalidade essas que aqui se invocam para todos os efeitos legais. Nomeadamente o direito de as partes verem apreciadas todas as questões que sejam imprescindíveis à boa decisão da causa.

m) Acresce que, a interpretação dos artºs 595º, nº 1, al. b), do novo CPC e 61º, nº 2, do CPT no sentido de não exigirem que o Juiz realize ou ordene todas as diligências úteis ao apuramento da verdade, então tal interpretação é inconstitucional por violação dos art.ºs 2º, 3º, 20º, 202º e 205º da CRP.

n) Em face de tudo o exposto, é a sentença nula por omissão de acto que influi na decisão da causa, nos termos do disposto no nº 1 do artº 195º do CPC, aplicável ex vi artº 1º do CPT. O que se requer seja declarado e, em consequência, seja ordenada a realização de prova testemunhal para prova da matéria de facto alegada na petição inicial e que se mostra controvertida para a boa decisão da causa, e a prolação de despacho saneador, seguindo-se os demais trâmites legais, com as legais consequências.

o) Subsidiariamente, se se entender inexistir a invocada nulidade – o que se não aceita e só por necessidade de raciocínio se refere – sempre se dirá que não poderia o Tribunal a quo deixar de determinar a abertura de período de produção de prova, uma vez que existia matéria de facto alegada ainda controvertida, admitindo e ordenando a realização da prova testemunhal indicada pelo Autor, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 604º, n.º 3, al. d), do novo CPC e artº 67º do CPT, tendendo que, de outra forma, nunca o Autor, ora recorrente, poderia provar a matéria de facto que alegou na petição inicial e que foi impugnada pela Ré, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 342º do CC.

p) Assim sendo, deve ser a sentença recorrida revogada. E, em consequência, devem os autos baixar à 1ª instância, para aí ser elaborado despacho saneador a determinar a abertura de período de produção de prova, seguindo-se os demais trâmites legais. O que se requer seja declarado, com as legais consequências.

Por outro lado,

q) salvo o devido respeito, nos factos provados n.ºs 5, 23 e 24 o Mmº Juiz a quo introduziu considerações e juízos de natureza subjectiva.

r) Assim, deve a matéria de facto ora constante dos factos provados nºs 5, 6, 23 e 24 ser alterada no sentido de serem excluídas todas e quaisquer considerações e juízos de natureza subjetiva, alheios à factualidade relevante, constando apenas o que resulta dos documentos juntos aos autos, passando a ter a seguinte redacção:

- factos provados nºs 5 e 6: “A Ré e os sindicatos (…),(…),(…),(…),(…),(…),(…),(…),(…),(…) e (…) o Acordo de Empresa publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, nº14, de 15.04.2016, e cuja cópia consta de fls. 111 a 113 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido”;

- facto provado nº 23: “Na sequência da comunicação electrónica do Conciliador / mediador de 21.7.2016, o Autor emitiu comunicação electrónica, no mesmo dia, com o seguinte teor “AAA aceita a proposta de mediação.” Em 26.7.2017, o Autor apresentou “declaração” com o seguinte teor: “Como é sabido o  AAA não deu o seu acordo à revisão da matéria salarial que foi publicada no BTE nº 8 de 28 de Fevereiro de 2016. O AAA pediu a passagem do processo negocial à fase de conciliação. Das reuniões havidas resultou a intransitiva por parte dos CTT e a proposta do  AAA em atribuir uma importância de 100€ a todos os trabalhadores. O processo foi encerrado por falta de acordo das partes. O AAA solicitou então a passagem do processo à fase de mediação. Houve troca de comunicações via e-mail com propostas sobre o objecto da conciliação e outras. Dessas comunicações e respostas resultou uma comunicação do AAA de aceitação da proposta do mediador. Ora tal resposta/aceitação, por lapso referia-se ao objecto da mediação. Por esse facto ficou a ideia que o AAA estará de acordo com a proposta do mediador. Naturalmente que o AAA, não fosse o lapso, não poderia estar de acordo com tal proposta porque: . Não assinou essa proposta em Janeiro de 2016; Pediu a conciliação e apresentou propostas; . Interpôs uma acção em Tribunal sobre esta matéria; . Pediu a mediação com a intenção de tentar que os CTT alterassem a sua posição;. De forma alguma iria assinar/aderir a uma matéria que já tinha rejeitado. O AAA esclareceu ainda que este contratempo ou mal entendido, não teve, como é obvio, a intenção de prejudicar, enganar ou menos prezar nem os representantes dos CTT, nem o mediador da DGERT. Embora o processo esteja encerrado, o AAA estará sempre disponível para encontrar soluções a contento das partes”;

- facto provado nº 24: “Na reunião de 26.7.2017 foi lavrada ata com o seguinte teor: “Aos vinte e seis do mês de Julho do ano de dois mil e dezasseis, reuniram nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 527º do Código do Trabalho, nas instalações da Direção Geral do Emprego e das Relações de Trabalho (DGERT), sitas na Praça de Londres, nº 2, em Lisboa, os representantes do AAA, dos BBB, S.A., Sociedade Aberta  -, assim como o Mediador nomeado pelo serviço competente do ministério responsável pela área laboral, todos melhor identificados na folha de presenças em anexo (Anexo I). Iniciados os trabalhos, o Mediador referiu o seguinte: a.1) No dia vinte e um de julho do ano de dois mil e dezasseis, o Mediador remeteu às partes a proposta de mediação (Anexo II); a.2) No dia vinte e um de julho do ano de dois mil e dezasseis, pelos BBB foi comunicada a aceitação global da proposta de mediação (Anexo III); a.3) No dia vinte e um de julho do ano de dois mil e dezasseis, pelos BBB foi comunicada a aceitação global da proposta de mediação (Anexo IV); a.4) No dia vinte e dois de julho do ano de dois mil e dezasseis, o Mediador, face à comunicação das partes relativamente à proposta de mediação, convoca as partes para uma reunião a ocorrer em vinte e seis de Julho de dois mil e dezasseis (Anexo V); a.5) Nodia vinte e dois de julho do ano de dois mil e dezasseis, o Mediador envia às partes um texto de Acordo de Empresas (Anexo VI), no âmbito da reunião agendada para o dia em vinte e seis de julho de dois mil e dezasseis; a.6) No dia vinte e seis de julho do ano de dois mil e dezasseis, o Mediador, tendo verificado a necessidade de corrigir lapsos do texto enviado às parte em vinte e dois de julho do ano de dois mil e dezasseis, envia às partes um texto de AE (Anexo VII) com as devidas retificações. Posto isto, pelo Mediador foi dada a palavra ao AAA. Pelo AAA foi apresentada declaração conforme documento apenso à presente ata (Anexo VIII). Pelos CTT foi dito que face à declaração apresentada pelo AAA na presente reunião de não aceitação do texto  do AE proposto pelo Mediador, a empresa extrai a conclusão de que não se verificou materialmente um acordo do AAA à referida proposta, pelo que perante a posição do AAA è inviável juridicamente um acordo entre as partes, extinguindo-se, em consequência, a mediação nos termos legais. Atendendo à posição do AAA, e face à impossibilidade de se assinar o AE para posterior depósito, o Mediador deu a reunião por encerrada.””

s) Acresce que, a matéria de facto alegada nos artºs 1º e 2º da pi deve ser aditada aos factos dado como provados, porquanto a Ré não a impugna, sendo relevante para a boa decisão da causa; devendo passar a constar dos factos provados a seguinte matéria de facto:

“- O Autor é uma associação sindical, legalmente constituída, cujos estatutos, na sua redação atual, foram aprovados em 18.12.2006 e se encontram publicados no BTE, 1ª série, nº 4, de 29.01.2007, com as alterações introduzidas e publicadas no BTE, 1ª série, nº 21, de 08/6/2015.

- De acordo com o art. 1º desses estatutos o Autor, para além de representar outros trabalhadores, “(...) é a associação sindical constituída pelos trabalhadores nele filiados que exercem a sua actividade na empresa BBB - S. A. (...)””.

Por outro lado,

t) o ora recorrente é o sindicato maioritário da recorrida, abrange mais de metade dos trabalhadores sindicalizados da recorrida. Ou seja, pese embora o nº de associações sindicais subscritoras de tal AE, o mesmo (AE) não abrangeu nem metade dos trabalhadores sindicalizados da Ré.

u) Acresce que, a recorrida não alegou, nem provou, que os associados do ora recorrente autorizaram o tratamento dos dados acerca da sua filiação sindical para a comunicação ora em análise, nem a recorrida se limitou a informar cada trabalhador como proceder internamente, porquanto, se tal fosse a intenção, a mesma certamente não teria utilizado tais dados sensíveis (filiação sindical) e teria informado em termos genéricos.

v) Aliás, tanto assim é que, como resulta dos factos provados nºs 7 e 8, tal comunicação foi efectuada após a Ré comunicar ao Autor que não aplicaria os aumentos de retribuição aos seus associados.

w) Acresce ainda que, em nosso entender, também tal tratamento de dados sensíveis não se encontra abrangida pela Autorização de Isenção nº 1/99 da CNPD, dado que, por um lado, o tratamento tem de ser automatizado, não podendo, por isso, existir uma selecção de destinatários e, por outro lado, tem de ter como finalidade exclusiva o cálculo e pagamento de retribuições.

x) Ora, do documento subscrito pela Ré ora em análise o mesmo “convida” cada um dos associados do Autor a aceitarem os aumentos salariais, sob pena de os mesmos não lhe serem aplicados. O que são situações manifestamente distintas.

y) Pelo que, a conduta da Ré de consulta, tratamento e utilização de base de dados quanto aos elementos relativos à filiação sindical dos seus trabalhadores associados do recorrente para fins não autorizados constituiu, de per si, a violação da Lei quanto ao tratamento e utilização de dados pessoais, designadamente o disposto no artº 7º, nº 1, da Lei nº 67/98, de 28/10.

z) Por outro lado, nos termos da legislação laboral o silêncio, em determinadas situações, como sucede com os regulamentos internos de empresa, vale como declaração negocial para efeitos de aceitação e nunca de recusa, nos termos do disposto no art. 104º do CT, aplicável por analogia à aplicação das tabelas salariais.

aa) Pelo que, a admitir-se que a comunicação da requerida é lícita – o que se não aceita e só por necessidade de raciocínio se refere -, então o silêncio dos associados do recorrente valeria como aceitação do aumento das remunerações base mensais e nunca como recusa. E, consequentemente, após a sua comunicação, a recorrida encontra-se obrigada a aplicar os referidos aumentos a esses trabalhadores que nada digam, tanto por via do disposto na legislação civil, como no art. 104.º do CT.

bb) Por outro lado ainda, o que está em causa nos presentes autos, contrariamente ao que se consigna na sentença recorrida, é saber se um trabalhador da recorrida, que é associado do recorrente, que tem a mesma categoria profissional de um outro trabalhador da recorrida, que não é associado da recorrente, terá – em consequência da filiação ou não filiação na recorrente – um aumento salarial idêntico.

cc) Ora, a decisão da recorrida de não aplicação da mesma tabela salarial a todos os seus trabalhadores, com fundamento na filiação destes (facto provado nº 7) constituiu uma violação grosseira dos princípio da igualdade e o princípio de “trabalho igual, salário igual, bem como constitui uma prática anti-sindical.

dd) E tal direito – aumento salarial idêntico para todos os trabalhadores – é um direito constitucionalmente consagrado e irrenunciável, não integrando a autonomia privada das partes. Ou seja, o direito ao salário – e consequentemente ao seu aumento – é um direito em relação ao qual a vontade das partes é irrelevante, porquanto os art.sº 31º do CT/2009 e 59º, nº 1, al. a), da CRP são preceitos legal e constitucional inderrogáveis.

ee) Ora, a conduta da recorrida de não aplicação das mesmas tabelas salariais a todos os seus trabalhadores, com fundamento na filiação sindical destes, constitui uma violação grosseira dos princípio da igualdade e o princípio de “trabalho igual, salário igual”, constitucionalmente consagrados nos art.s 13º e 59º, nº 1, al. a), da CRP, e legalmente consagrados no artº 31º do CT/2009

ff) Na verdade, independentemente da sua filiação sindical, os trabalhadores que executam as mesmas tarefas, com o mesmo tempo de antiguidade, têm direito a auferir a mesma retribuição.

gg) Devendo, por isso, a recorrida aplicar a todos os trabalhadores – independentemente da sua filiação sindical - os referidos aumentos, sem necessidade de adesão individual por parte destes, dado que apenas dessa forma se cumpre o princípio constitucional da igualdade.

hh) Assim, não pode este Venerando Tribunal deixar de concluir pela ilicitude da conduta da recorrida. O que se requer.

Por outro lado:

ii) como supra se alegou, o aumento salarial idêntico para todos os trabalhadores é um direito constitucionalmente consagrado e irrenunciável, não integrando a autonomia privada das partes.

jj) A Recorrida não alegou, nem provou nenhum dos pressupostos do abuso de direito, designadamente que alguma vez tenha confiado que o Autor não iria instaurar acção judicial com vista a que fosse aplicado a todos os trabalhadores o aumento salarial. Em especial, quando antes instaurara uma providência cautelar, com tal objecto.

kk) Pelo que, é manifesto que não se encontram preenchidos, no caso sub iudice, os pressupostos do abuso de direito.

Por outro lado ainda:

ll) quanto à questão dos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais causados ao Autor pela Ré, relativamente à conduta ilícita da recorrida, dá-se integralmente por reproduzido, por manifesta economia processual, o supra alegado na terceira questão (conclusões t) a hh)).

mm) Quanto ao nexo causal, o recorrente alegou todos os factos demonstrativos do nexo causal, ou seja, da ligação causal, entre os danos e a conduta da Ré. Designadamente alegou factos demonstrativos da “saída de trabalhadores” do Autor e a conduta da Ré, bem como teve de suportar custos acrescidos com vista a esclarecer os seus associados, a evitar que os mesmos deixassem de ser associados e a tentar que os que deixaram voltassem a reinscrever-se no Autor.

nn) Para além disso, a conduta da recorrida ameaça direitos legítimos do próprio recorrente, quer per si, quer enquanto representante do interesse colectivo dos trabalhadores que representa, designadamente os que se pretendem com a actividade sindical e com a contratação colectiva.

oo) Pelo que se mostram preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil.

pp) Assim sendo, deve a sentença recorrida ser revogada e deve a Ré ser condenada nos precisos termos dos pedidos formulados na petição inicial aperfeiçoada. O que se requer seja declarado, com as legais consequências.

qq) Sem prescindir, se este Venerando Tribunal entender dever ser produzida prova dos factos alegados na petição inicial, então deverá ser revogada a sentença recorrida, ordenando-se a baixa dos autos à primeira instância, para aí ser produzida a prova dos factos alegados, seguindo-se os demais trâmites legais até final; assim se fazendo, com mui suprimento de V.s Exªs Venerandos Desembargadores, JUSTIÇA!.”

1.3. A R. apresentou resposta às alegações, rematando a mesma com as seguintes conclusões:

“A) Vem a Recorrente, inconformado com a sentença, interpor o presente recurso fundamentado em cinco aspectos:

1ª – O Tribunal a quo não realizou todas as diligências probatórias que influem na decisão da causa, o que configura nulidade da sentença?

2ª – O Tribunal apreciou correctamente a prova documental junta aos autos?

3ª - É lícita a conduta da Recorrida quanto à consulta, tratamento e utilização de dados pessoais nos termos em que foram efectuados, bem como da não aplicação da nova tabela salarial a todos os trabalhadores associados no Autor, ora Recorrente?

4 ª – Em caso de resposta negativa à questão anterior, actua o Recorrente com abuso de direito?

5ª – As condutas da Recorrida causaram prejuízos patrimoniais e não patrimoniais ao Autor?

B) Sucede que face à decidida inexistência de facto ilícito gerador de responsabilidade civil e face ao comportamento da Recorrente , em manifesto e decidido abuso de direito, ficaram precludidos por desnecessidade absoluta, os factos sobre os quais a Recorrente pretendia a produção de prova, designadamente:

- É irrelevante para o bom julgamento da causa, o número de trabalhadores que se desvincularam da Recorrente por via de uma putativa actuação ilícita da Recorrida e o afirmado nos art.s 61-A a 61-S, 61 –U a 61º --CC da PI.

- É irrelevante para o bom julgamento da causa a que dias recebem os trabalhadores a sua retribuição.

- São irrelevantes para a boa decisão da causa e conclusivos os art.sº 25º, 32º, 33º a 38º, 54º a 58, 60º da PI.

C) Em face do exposto não foram violados quaisquer princípios enformadores do ordenamento jurídico vigente, designadamente os princípios de justiça, da procura da verdade material, do inquisitório, da tutela jurisdicional efectiva e da promoção do acesso à justiça, consagrados nos art.ºs 2º, 3º, 20º, 202º e 205º da CRP.

D) Por consequência lógica, esta interpretação estende-se ao pedido subsidiário, que refere – “sempre se dirá que não poderia o Tribunal a quo deixar de determinar a abertura de período de produção de prova, uma vez que existia matéria de facto alegada ainda controvertida, admitindo e ordenando a realização da prova testemunhal indicada pelo Autor, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 604º, n.º 3, al. d), do novo CPC e artº 67º do CPT.”

E) Uma vez que a matéria especificamente abordada nestas alegações em nada contribuiria para a boa decisão da causa atendendo à falta de pressupostos do seu interesse, conjugada com o princípio da economia processual, bem andou o MM.º Juiz ao decidir como decidiu.

F) A sentença posta em crise fez uma vez mais correcta aplicação do princípio da livre apreciação da prova, tanto mais que na sua maioria se trata de documentos autênticos, transcritos de bases de dados públicas e que serviram para suporte da ordem cronológica dos factos descrita na contestação e sumariamente reiterada na sentença e no ponto 4º destas alegações.

G) Não foi invocado qualquer facto putativamente suportado por documento e não vertido quer na matéria tida como por assente, quer na alegação da Recorrente.

H) Em face do exposto a declaração aposta na sentença de que : “… já neste momento, os autos contêm, sem necessidade de produção de quaisquer provas, todos os elementos necessários ao integral conhecimento e decisão da causa…”, nenhum reparo merece e está de acordo com as normas adjectivas e substantivas enformadoras do direito probatório.

I) As finalidades das bases de dados do empregador relativamente à filiação sindical dos seus trabalhadores não se resumem apenas às indicadas pelo A., existindo necessariamente outras, nomeadamente as referidas pela R. na contestação, assim considerando o teor da comunicação em causa inteiramente legítimo e lícito, inserindo-se no âmbito de aplicação da Lei n.º 67/98 (artigo 6.º) e na Autorização de Isenção n.º 1/99 da CNPD.

J) É esta a solução que decorre da Lei e da referida Autorização de isenção, pelo que nenhum reparo quanto a este tema decidido merece a sentença posta em crise.

Aliás,

L) Se o tratamento de dados relativos à filiação sindical apenas fosse permitindo para as finalidades que a Recorrente identifica no art. 22º da p.i. como poderiam as entidades empregadores, num sistema constitucional como o português em que vigora o princípio da pluralidade sindical, saber quais os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho a aplicar a cada trabalhador em função da sua filiação sindical?

M) E como poderiam os empregadores não aplicar as portarias de extensão que expressamente excluem do seu âmbito subjetivo trabalhadores filiados em determinadas associações sindicais (cf. por exemplo Portaria nº 334/2016, de 26 de dezembro, que exclui do seu âmbito – art. 1º, nº 3 – os trabalhadores filiados em sindicatos representados pela (...)?

N) E como poderiam os empregadores dar cumprimento ao dever de informar o trabalhador do instrumento de regulamentação aplicável, estatuído na alínea l) do nº 3 do art.º 106º do Código do Trabalho?

Ademais,

O) A entidade oficial a quem compete a regulação do acesso a dados pessoais e seu tratamento, a Comissão Nacional de Protecção de Dados (adiante designada CNPD) emitiu a Autorização de Isenção nº 1/99 (in www.cnpd.pt), que é clara quanto à licitude da utilização de tais dados, que neste particular aspecto assume relevância suficiente para merecer transcrição: “Art.º 1º Estão isentos de notificação à CNPD os tratamentos automatizados, relativamente a funcionários ou empregados, que tenham como finalidade exclusiva: a) O cálculo e pagamento de retribuições, prestações acessórias, outros abonos ou gratificações.

(…)

Art.º 2º Os dados tratados deverão ser os estritamente necessários à realização das finalidades referidas no artigo anterior, limitando-se às seguintes categorias de dados: a) Dados de identificação: o nome, data de nascimento, naturalidade, filiação, sexo, nacionalidade, morada e telefone, habilitações literárias, (…) número de sócio do sindicato (sublinhado nosso).”

Ou seja, para os efeitos previstos quer na Autorização de Isenção da CNPD, quer nos termos das alíneas a) e b) do art.º 6º da Lei nº 67/98, de 26 de outubro, é lícito o tratamento de dados pessoais dos trabalhadores relativos a filiação sindical, independentemente do consentimento expresso do trabalhador.

P) O A., ora Recorrente vem pedir, através da presente ação, nomeadamente, que a R., ora Recorrida, seja condenada “a aplicar a nova tabela salarial a todos os trabalhadores associados no A., com retroativos a 1 de janeiro de 2016”.

Q) A tabela salarial a que a Recorrente se refere e que pretende que seja aplicada a todos os seus associados é a que consta do Acordo de Empresa publicado no Boletim do Trabalho e Emprego (BTE), 1ª série, nº 14, de 15/4/2016 (cfr. documento n.º 1, que ora se junta e dá por reproduzido para todos os efeitos legais).

E a verdade é que,

R) A Recorrente participou nas negociações diretas entre a R., ora Recorrida e outras dez associações sindicais, relativas ao AE CTT 2016. As quais decorreram entre 5 de fevereiro e 23 de março de 2016.

S) Nessa reunião a R ,ora Recorrida declarou expressamente que “(...) lamenta o fato de não ter sido possível ao AAA [o A., ora Recorrente] aceitar um acordo nos mesmos termos em que foi outorgado unanimemente com todas as demais associações sindicais representativas dos trabalhadores dos CTT.(...)” (cf. documento n.º 7).

T) É esse acordo que a Recorrente não aceitou, nem nas negociações diretas, nem na fase conciliação, cuja aplicação vem agora vem reclamar em juízo!

U) A Recorrente pretende, através da presente ação, o melhor dos dois mundos – rejeitar a celebração de um acordo com o conteúdo do AE CTT 2016, mantendo-se inteiramente livre para o criticar, e criticar quem o outorgou, mas ao mesmo tempo pretende que os seus associados beneficiem do acordo que se recusou a assinar.

V) Como parece evidente, a conduta da Recorrente excede largamente os limites impostos pela boa-fé

X) E excede manifestamente as finalidades sociais e económicas que presidem e justificam, em geral, o princípio da igualdade e em particular o princípio da igualdade em matéria retributiva, na sua dimensão de aplicação às relações entre particulares

Z) Em face do exposto bem andou o MM Juiz a quo ao considerar como ilícita por abuso de direito a actuação da Recorrente.

A1) Relativamente ao segundo pedido formulado pelo A., considerou o tribunal não existir qualquer discriminação salarial ilícita, uma vez que a não aplicação da nova tabela salarial a alguns dos trabalhadores do AAA assenta, evidentemente, no princípio da filiação e, também, no facto de o AAA, a Recorrente, ter recusado subscrever o Acordo de Revisão.

De qualquer modo,

B1) O artigo 483.°, n.º 1 do Código Civil, prevê que “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. São, assim, pressupostos da responsabilidade por facto ilícito: o facto voluntário do agente, a ilicitude (material), a culpa ou o nexo de imputação do facto ao lesante, os danos e o nexo de causalidade entre o facto e os danos.

C1) A Recorrente não consubstancia em concreto qualquer facto que constitua pressuposto da responsabilidade por facto ilícito e não alicerça os danos patrimoniais e não patrimoniais que alega ter sofrido em factos materiais  concretos, referindo-se a eles apenas de forma global e em termos conclusivos.

Com efeito,

D1) Mesmo que a conduta da R., ora Recorrida, fosse ilícita, o que se invoca sem conceder, A Recorrente não descreve quaisquer factos concretos que demonstrem o nexo de causalidade entre tal alegada conduta e os prejuízos sofridos. Limitando-se à exposição de considerações, raciocínios e conclusões. Pelo que mais uma vez andou bem o MM.º Juiz a quo.

Nestes termos, nos melhores de Direito e sempre com o Douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser considerado improcedente e mantida a decisão posta em crise.”

1.4. O recurso foi admitido por despacho de fls. 346, no qual o Mmo. Juiz a quo sustentou não se verificar a apontada nulidade da sentença, indeferindo-a.

1.5. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se, em parecer que não mereceu resposta das partes, no sentido de que o recurso não merece provimento.
                                                                                                                           *

Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre decidir.
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2. Objecto do recurso

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho –, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal, por ordem lógica da sua apreciação, prendem-se com a análise:

1.ª – da invocada nulidade do saneador-sentença (que inclui, caso se considere inexistir nulidade, a análise da sub-questão da inconstitucionalidade do artigo 595.º n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil);

2.ª – da impugnação da decisão de facto quanto ao teor dos factos 5, 6, 23 e 24 da sentença, que o recorrente entende deverem ser alterados na sua redacção e quanto ao alegado nos artigos 1.º e 2.º da petição inicial, que o recorrente entende deverem considerar-se provados;

3.ª – da violação do princípio da igualdade na sua vertente “trabalho igual salário igual” com a não aplicação da tabela salarial aprovada no AE de 2016 aos trabalhadores sindicalizados no recorrente;

4.ª – do abuso do direito do A., ora recorrente;

5.ª – da existência de utilização ilícita de dados da filiação sindical;

6.ª – da indevida relevância conferida ao silêncio como meio declarativo;

7.ª – da responsabilidade da recorrida pela reparação dos danos patrimoniais e danos não patrimoniais invocados na petição inicial.
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3. Da nulidade do saneador-sentença

Começa o recorrente por invocar   que a sentença é nula por omissão de acto que influi na decisão da causa, nos termos do disposto no nº 1, do artigo 195º do CPC, pedindo que, por isso, seja ordenada a prolação de despacho saneador e a realização de prova testemunhal para prova da matéria de facto alegada na petição inicial que se mostra controvertida, seguindo-se os demais trâmites legais, com as legais consequências.

Defende que, ao decidir não haver necessidade de produção de quaisquer outras provas, o tribunal a quo impediu o Autor de provar factos alegados na petição inicial, designadamente a matéria alegada nos artigos 13º, 16º, 25º, 32º, 33º a 38º, 54º a 58º, 60º, 61º-A a 61º-S, 61º-U a 61º-CC da petição inicial, e tal matéria de facto é relevante para a boa decisão da causa, pelo que o tribunal violou, de forma grave, os princípios de justiça, da procura da verdade material, do inquisitório, da tutela jurisdicional efectiva e da promoção do acesso à justiça, consagrados nos artigos 2º, 3º, 20º, 202º e 205º da CRP, ilegalidade e inconstitucionalidade que igualmente invoca, afirmando que a interpretação dos artigos 595º, nº 1, al. b), do novo CPC e 61º, nº 2, do CPT no sentido de não exigirem que o Juiz realize ou ordene todas as diligências úteis ao apuramento da verdade, é inconstitucional por violação dos artigos 2º, 3º, 20º, 202º e 205º da CRP.

Na perspectiva do recorrente, o tribunal a quo teria deste modo praticado uma nulidade processual prescrita no artigo 195.º do Código de Processo Civil e não uma qualquer das nulidades do próprio acto decisório que se mostram enunciadas no artigo 615.º do Código de Processo Civil.

Vejamos.

Fora das situações enunciadas nos artigos 186.º a 194.º Código de Processo Civil, que integram as nulidades principais, dispõe o n.º 1 do artigo 195.º do mesmo diploma, que a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influenciar a decisão da causa. Trata-se das nulidades secundárias ou atípicas, que não são do conhecimento oficioso, estando dependentes de arguição pela parte interessada, como decorre do n.º 3 do artigo 200.º CPC.

A apreciação, em recurso, de uma alegada nulidade processual prescrita no artigo 195.º do Código de Processo Civil pressupõe, em princípio, que a mesma foi previamente arguida perante o tribunal a quo, e por este decidida. E pressupõe, também, que o foi no prazo de 10 dias consignado no artigo 149.º do CPC, prazo que é peremptório, pelo que o seu decurso faz extinguir o direito de arguir a nulidade (artigo 139.º, n.º 3 do Código de Processo Civil). Da decisão proferida sobre o requerimento de arguição de nulidade caberá recurso, nos termos gerais.

Só assim não será quando a nulidade esteja coberta por uma decisão judicial, caso em que o meio adequado de reacção é o recurso desta decisão judicial.

É o que ocorre se uma nulidade processual não sanada está coberta por uma sentença. Embora não se configure uma das nulidades específicas previstas no n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, não deixa, no entanto, de inquinar a sentença que a assumiu, sendo o modo adequado de reagir contra a mesma o recurso a interpor da sentença[2].

Assim, se o Juiz da 1.ª instância profere uma decisão que fundamenta, além do mais, num acto processual que foi praticado em desconformidade com a lei adjectiva, verifica-se uma irregularidade susceptível de influir na decisão do mérito da causa, que configura uma nulidade processual, nos termos do n.º 1 do artigo 195.º do Código de Processo Civil. Uma vez que tal decisão sancionou a falta cometida, dando cobertura a esse desvio processual e assumindo-o como seu, passa aquela nulidade processual a inquinar a decisão final como vício próprio desta.

No caso sub judice, o recorrente reclama, por um lado, a falta de prolação de despacho saneador e, por outro, o não ter sido ordenada a realização de prova testemunhal para prova da matéria de facto alegada na petição inicial e que, na sua perspectiva, se mostra controvertida para a boa decisão da causa.

Ora, quanto à reclamada prolação do despacho saneador stricto sensu, não se compreende que o recorrente sinalize em recurso a sua falta quando o Mmo. Julgador a quo o proferiu a fls. 249-250, após fixar o valor à causa,

Quanto a não ter sido ordenada a realização de prova testemunhal para prova da matéria de facto alegada na petição inicial e que se mostra controvertida para a boa decisão da causa, resulta da leitura da decisão sob censura que tal constitui consequência de uma concreta opção decisória, não se traduzindo na simples omissão de um acto processual que a lei prescreve.

Com efeito, estabelece o artigo 61.º, n.º 2 do Código de Processo do Trabalho, “[s]e o processo já contiver os elementos necessários e a simplicidade da causa o permitir, pode o juiz, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 3º do Código de Processo Civil, julgar logo procedente alguma excepção dilatória ou nulidade que lhe cumpra conhecer, ou decidir do mérito da causa”.

Por seu turno, o artigo 595.º, n.º 1 do Código de Processo Civil dispõe que o despacho saneador se destina a conhecer das excepções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes ou que deva apreciar oficiosamente [alínea a)] bem como a conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma excepção peremptória [alínea b)].

O Mmo. Juiz a quo entendeu que os autos continham, na  quele  momento e “sem necessidade de produção de quaisquer provas, todos os elementos necessários ao conhecimento e à boa decisão da causa” e passou, de seguida, a esse conhecimento, invocando o disposto no artigo 595.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art. 1.º, n.º 2 al. a) do Código de Processo do Trabalho.

Após enunciou as questões que considerou dever decidir em face do objecto traçado pelas partes nos seus articulados, a saber:

«A) apreciar e decidir se a Ré utilizou ilicitamente os elementos relativos à filiação sindical dos associados do Autor;

B) apreciar e decidir se a Ré está obrigada a aplicar a nova tabela salarial a todos os trabalhadores associados do Autor, e, no caso afirmativo, se se verifica a excepção peremptória do abuso de direito deduzida pela Ré;

C) e se apreciar e decidir se a Ré está obrigada a indemnizar o Autor relativamente aos danos patrimoniais e não patrimoniais invocados.»

E elencou os factos que entendeu provados por acordo das partes, prova documental produzida e confissão, entre os alegados (que não constituem conclusões e/ou conceitos de direito) que entendeu terem interesse para a decisão da causa, passando a decidir de mérito.

Entendendo o recorrente que esta opção decisória é errada, o meio correcto para invocar este desacerto consiste na imputação ao saneador-sentença de um erro de julgamento e não de uma qualquer nulidade processual ou de sentença.

Com efeito, para aferir se se verifica a condição essencial mencionada nos artigos 61.º, n.º 2 do CPT e 595.º, n.º 1, alínea b)do CPC – a de não haver “necessidade de mais provas” ou, o que lhe equivale, “o processo já contiver os elementos necessários” –, é imprescindível um prévio juízo de integração ou inclusão dos factos alegados na previsão das correspondentes normas jurídicas, juízo que vai ditar também a opção quanto à relevância de cada um dos factos alegados pelas partes para a decisão da causa. E é igualmente necessário um juízo de avaliação sobre se os factos alegados que se revistam de tal interesse, se mostram, ou não, provados nos autos no momento da prolação do despacho saneador, de modo a que seja possível a decisão de mérito.

Sendo, pois, a questão de direito e de facto, ou apenas de facto, terá o processo de “conter sempre todos os elementos para uma decisão conscienciosa”, não sendo possível a subsistência de “qualquer margem de indeterminação a resolver pelo recurso a critérios de oportunidade”, tratando-se de saber como deve aplicar-se o direito, ou se todos os factos que interessam à sua aplicação estão ou não admitidos por acordo ou já provados de um qualquer outro modo[3].

O eventual erro na efectivação destes juízos não acarreta a nulidade da decisão nos termos do preceituado no artigo 615.º do CPC, nem resulta de eventual nulidade processual anterior nos termos do preceituado no artigo 195.º do CPC, constituindo, isso sim, um erro de julgamento em resultado de uma interpretação e enquadramento jurídico incorrectos que acabam por afectar o conteúdo da decisão de facto ou de direito.

É pois neste plano que deverá ser avaliada a argumentação do recorrente no sentido de saber se in casu era possível afirmar a desnecessidade de prova, ou de mais provas, e que a causa podia terminar por decisão de fundo, conhecendo o juiz, como conheceu, do mérito do pedido, ou se é necessário determinar a ampliação da base de facto para possibilitar uma conscienciosa decisão de mérito, nos termos do preceituado no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art. 1.º, n.º 2 al. a) do Código de Processo do Trabalho.

O que pressupõe a prévia análise da relevância – ou irrelevância – para a decisão, dos factos que o A. alegou na petição inicial e que quer ver submetidos a prova.

Assim, conclui-se que não se verifica a invocada nulidade do saneador-sentença.

Deve dizer-se que não se vislumbra em que medida podem considerar-se afrontados os princípios de justiça, da procura da verdade material, do inquisitório, da tutela jurisdicional efectiva e da promoção do acesso à justiça, consagrados nos artigos 2º, 3º, 20º, 202º e 205º da CRP, na medida em que os artigos 595º, nº 1, al. b), do novo CPC e 61º, nº 2, do CPT de modo algum dispensam o Juiz de realizar ou ordenar todas as diligências úteis ao apuramento da verdade quando sejam controvertidos factos alegados e necessários à apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma excepção peremptória. 

Essa dispensa ocorre, apenas, quando para dar resposta ao pedido ou à parte do pedido correspondente – aplicando o direito aos factos – não haja necessidade de mais provas do que aquelas que já estão adquiridas no processo, inexistindo outros factos alegados e controvertidos susceptíveis de condicionar essa resposta. Tal pode acontecer por inconcludência do pedido, procedência ou improcedência da excepção peremptória e procedência ou improcedência do pedido. Especificamente no caso de inconcludência do pedido, o juiz deve conhecer do mérito da causa no despacho saneador quando a análise dos factos alegados pelo autor não permite deles retirar o efeito jurídico pretendido[4]. Em tal situação, é inútil produzir prova sobre eventuais factos alegados que sejam controvertidos quando os mesmos não são susceptíveis de alterar a avaliação jurídica dos demais desde já apurados.

Tal não significa a insindicabilidade, nos termos gerais, do juízo efectuado a propósito do preenchimento da hipótese do artigo 595.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil, podendo em sede de recurso aferir-se se houve indevida desconsideração de factualidade alegada, por relevante para a decisão da causa, segundo o critério objectivado naquele preceito, caso em que pode considerar-se prematura a decisão sobre o mérito da causa em sede de saneador-sentença e deverão prosseguir os autos para permitir à parte fazer prova daquela factualidade por si invocada e que é relevante para a decisão à luz do regime jurídico aplicável.
Mas, uma vez verificada a hipótese daquele artigo 595.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil, a prossecução dos autos com a produção de prova com vista ao apuramento da verdade sobre factos irrelevantes para a sorte do litígio, consubstanciaria a prática proibida de actos inúteis (artigo 130.º do Código de Processo Civil) e em nada cercearia o direito das partes de verem apreciadas pelo tribunal todas as questões imprescindíveis à boa decisão da causa nem, em geral, afrontaria os direitos consagrados nos artigos 2.º, 3.º, 20.º, 202.º e 205.º da Constituição da República Portuguesa.

Como se nos afigura cristalino, os princípios da justiça, da procura da verdade material, do inquisitório, da tutela jurisdicional efectiva e da promoção do acesso à justiça, não impõem ao tribunal que se empenhe no apuramento da verdade de quaisquer factos, mas apenas daqueles que são necessários à justa composição do litígio com referência aos pedidos formulados.

Improcedem as alegadas nulidade e inconstitucionalidade.

Não estando o tribunal vinculado à qualificação jurídica dada pelas partes, nada obsta a que, no momento próprio, se conheça do (eventual) erro de julgamento que o recorrente suscita indevidamente sob a capa da nulidade, apreciando-se então a argumentação por si desenvolvida e que poderá relevar no plano da suficiência ou insuficiência da decisão de facto para a decisão de mérito.

Apreciação esta que sempre se nos impõe oficiosamente, nos termos prescritos no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art. 1.º, n.º 2 al. a) do Código de Processo do Trabalho, sempre que seja de concluir que, afinal, o estado do processo não permitia no momento do saneador o conhecimento imediato do mérito da causa, sendo necessário ampliar a decisão de facto com a enunciação dos temas da prova relacionados com factos que ainda subsistem controvertidos (cfr. o artigo 596.º do CPC).
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4. Fundamentação de facto

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4.1. O recorrente impugnou a decisão de facto quanto ao teor dos factos 5, 6, 23 e 24 da sentença, defendendo que devem ser alterados na sua redacção.

Segundo alega, o Mmo. Juiz a quo introduziu considerações e juízos de natureza subjectiva nos factos provados n.ºs 5, 6, 23 e 24 e destes devem ser excluídas aqueles considerações e juízos, por alheios à factualidade relevante, constando apenas o que resulta dos documentos juntos aos autos.

Propõe para estes factos a redacção que fez constar da conclusão r).

Analisando os factos provados na sentença, verifica-se que no facto 5. a única expressão que acresce ao pretendido pelo recorrente é “Mas houve acordo a Ré e sindicatos…”, seguindo-se a identificação dos sindicatos subscritores do Acordo de Empresa publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 14, de 15 de Abril de 2016. Cremos que não consta aqui qualquer juízo de natureza subjectiva. Nos factos 3. e 4. descreveu-se que o processo de negociação colectiva com vista à revisão salarial dos trabalhadores da R. para o ano civil de 2016 terminou sem que o A. e a R. chegassem a acordo e a constatação da existência do acordo referido no facto 5. com os sindicatos subscritores do AE é uma inferência de facto linear e necessária face ao teor do próprio instrumento de regulamentação colectiva. Zelando contudo pela total objectividade da descrição de facto, poderá retirar-se a palavra “mas”, aproveitando-se o ensejo para acrescentar a palavra “entre” que por evidente lapso dele não consta.

Passará o facto 5. a ter a seguinte redacção:

5. Houve acordo entre a Ré e os sindicatos (…)(…)(…)(…)(…)(…)(…)(…)(…)(…),

Quanto ao facto 6., a saber:

6. Os quais subscreveram o Acordo de Empresa publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, nº14, de 15.04.2016, e cuja cópia consta de fls. 111 a 113 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, e no qual está consignado: «Acordo de empresa entre os BBB, SA - Sociedade Aberta e o (…) e outras… Considerando a valorização de um clima de estabilidade e paz social na empresa que constituem objetivos dos BBB e das associações sindicais outorgantes, é celebrado hoje, dia 23 de março de 2016, o presente acordo de empresa que vem rever, em matéria salarial, o acordo de empresa entre as partes celebrado e publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, nº8, de 28 de fevereiro de 2015 (AE BBB 2015), nos seguintes termos…».

tem o mesmo um conteúdo estritamente consonante com o que consta do AE, reproduzindo com exactidão o que as partes outorgantes fizeram constar do texto que colocaram a anteceder a cláusula 1.ª do AE publicado (vide a pág. 808 do Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 14, de 15 de Abril de 2016). Mantém-se pois o mesmo com a redacção que dele consta.

Quanto ao facto 23., entendemos que a cisão em dois factos distintos das duas posições expressas pelo A. face ao texto da proposta de mediação apresentada pelo mediador da DGERT no dia 21 de Julho poderá tornar a decisão de facto mais clara pelo que se acolhe a posição do recorrente AAA transcrevendo o essencial das suas comunicações documentadas nos autos.

Passará assim a constar da decisão o seguinte:

23. Na sequência da comunicação electrónica do mediador referida no facto 21., o Autor emitiu no mesmo dia 21 de Julho de 2016 comunicação electrónica com o seguinte teor:

 “O AAA aceita a proposta de mediação.”

23-A. Em 26 de Julho de 2016, o Autor apresentou “declaração” com o seguinte teor:

“Como é sabido o AAA não deu o seu acordo à revisão da matéria salarial que foi publicada no BTE nº 8 de 28 de Fevereiro de 2016. O AAA pediu a passagem do processo negocial à fase de conciliação. Das reuniões havidas resultou a intransitiva por parte dos CTT e a proposta do AAA em atribuir uma importância de 100€ a todos os trabalhadores. O processo foi encerrado por falta de acordo das partes. O AAA solicitou então a passagem do processo à fase de mediação. Houve troca de comunicações via e-mail com propostas sobre o objecto da conciliação e outras. Dessas comunicações e respostas resultou uma comunicação do AAA de aceitação da proposta do mediador. Ora tal resposta/aceitação, por lapso referia-se ao objecto da mediação. Por esse facto ficou a ideia que o AAA estará de acordo com a proposta do mediador. Naturalmente que o AAA, não fosse o lapso, não poderia estar de acordo com tal proposta porque: Não assinou essa proposta em Janeiro de 2016; Pediu a conciliação e apresentou propostas; Interpôs uma acção em Tribunal sobre esta matéria; Pediu a mediação com a intenção de tentar que os BBB alterassem a sua posição;. De forma alguma iria assinar/aderir a uma matéria que já tinha rejeitado. O AAA esclareceu ainda que este contratempo ou mal entendido, não teve, como é obvio, a intenção de prejudicar, enganar ou menos prezar nem os representantes dos BBB, nem o mediador da DGERT. Embora o processo esteja encerrado, o AAA estará sempre disponível para encontrar soluções a contento das partes”;

Quanto ao facto 24., relativo à reunião de 26 de Julho de 2017, cremos que é desnecessário transcrever no mesmo todo o conteúdo da acta que foi lavrada na medida em que esta se limita a relatar os antecedentes factos já expressos no elenco do saneador-sentença e o seu conteúdo útil se restringe à parte final que se mostra também, expressis verbis, transcrita no ponto 24. da decisão de facto.

Diz ainda o recorrente que os artigos 1.º e 2.º da petição inicial devem considerar-se provados.

Em tais artigos o A. alegou que:

 «1º - O Autor é uma associação sindical, legalmente constituída, cujos estatutos, na sua redação atual, foram aprovados em 18.12.2006 e se encontram publicados no BTE, 1ª série, nº 4, de 29.01.2007, com as alterações introduzidas e publicadas no BTE, 1ª série, nº 21, de 08/6/2015.

2º - De acordo com o art. 1º desses estatutos o Autor, para além de representar outros trabalhadores, “(...) é a associação sindical constituída pelos trabalhadores nele filiados que exercem a sua actividade na empresa BBB - S. A. (...)”.»

Estando provado no facto 1. que “[o] Autor é uma Associação Sindical que representa, na actualidade, pelo menos, 4543 trabalhadores dos, pelo menos, 10 400 que prestam serviço para a Ré”, cremos que tanto basta para se configurar a natureza do A. e a sua importância relativa em termos de representatividade de trabalhadores no seio da organização empresarial da R., estando o mais alegado nos artigos 1.º e 2.º da petição inicial disponível em publicação oficial, o Boletim de Trabalho e Emprego, pelo que sempre o tribunal poderá lançar mão do que do mesmo consta, a ser necessário.

Mantém-se neste aspecto a decisão de facto.
                                                                                                                           *

4.2. Haverá a este passo que avaliar se deve ordenar-se o apuramento em audiência de julgamento dos factos que o recorrente entende estarem em falta, alegados nos artigos 13º, 16º, 25º, 32º, 33º a 38º, 54º a 58º, 60º, 61º-A a 61º-S, 61º-U a 61º-CC da petição inicial.

São eles os seguintes:

«13º - O que, de imediato, foi contestado pelos representantes do Autor.

(…)

16º - Os vencimentos dos trabalhadores da Ré são pagos, por regra, no dia 25 de cada mês.

(…)

25º- Ao invés, apesar do cuidado posto na redação do dito comunicado, não é outra coisa senão um apelo claro e inequívoco à deserção sindical, com os propósitos e consequências que adiante se alegarão.

(…)

32º - Como, aliás, sempre aconteceu ao longo de décadas na empresa Ré.

33º- Isto é, os associados do Autor ao não beneficiarem de um aumento salarial idêntico àquele que foi conferido a todos os outros trabalhadores que na Ré desempenham tarefas absolutamente semelhantes em qualidade, quantidade, duração, intensidade, dificuldade, penosidade e perigosidade, têm a mesma categoria profissional e detêm as mesmas qualificações profissionais, só pela circunstância de pertencerem a uma organização sindical que não assinou o acordo de empresa ou não ser sindicalizado, tal implica a postergação do direito consignado no art.º 59º, nº 1, al. a), da CRP.

34º - Atente-se, por exemplo, que é absolutamente violador do princípio da igualdade ter dois carteiros a exercer as mesmas funções, nas mesmas condições, mas a auferirem salários distintos em virtude da sua filiação sindical.

35º - Como acontece, a título meramente exemplificativo, com os carteiros que prestam trabalho no Centro de Distribuição Postal de …, no Centro de Distribuição Postal do …, no Centro de Distribuição Postal de … ou em qualquer outro local de distribuição em que os que se encontram filiados no autor e que não aceitaram o “convite” da ré efetuado nos termos do documento ora junto sob o nº 2, ganham menos do que os seu colegas filiados noutros sindicatos ou não filiados.

36º - O mesmo se passando com os trabalhadores com a categoria de TNG (Técnico de Negócio e Gestão) que prestam trabalho nas lojas de correios espalhadas pelo país;

37º - com os motoristas e os carteiros a exercer funções de motorista nos setores de logística e transportes de Lisboa, Coimbra e Porto;

38º - enfim, com todos os trabalhadores, independentemente da sua categoria profissional a prestarem serviço em todos os locais de atividade da ré, que se vêm diferenciados salarialmente, em função única e exclusivamente de pertencerem ou não ao sindicato autor.

(…)

54º - A conduta da Ré supra descrita, concretizada através dos dois meios, envio da comunicação e anexa declaração (Cf. documentos 2 e 3), com a consequente violação de dados pessoais supra alegada e não pagamento da nova tabela salarial consubstancia, de forma inequívoca, um apelo à deserção sindical, com o único propósito de enfraquecer e limitar a actividade do Autor, fragilizando o direito à contratação colectiva desta associação sindical, pondo em causa a sua imagem de associação sindical representativa e idónea, bem como o seu poder negocial em sede de discussão dos instrumentos de regulamentação colectiva;

55º - Fazendo crer que não só é inútil a pertença a uma associação sindical, no caso ao AAA, como é mesmo prejudicial;

56º - Com o que também prejudica a ação constitucionalmente atribuída aos sindicatos em geral e, ao AAA em particular, que, dessa forma, perde não apenas associados e, consequentemente, capacidade económico-financeira, pois vê-se sem o pagamento das respectivas quotas, mas também perde capacidade de negociação face ao empregador (ora Ré) e vê prejudicada – de forma irreparável - a sua imagem, prestígio e reputação face aos seus associados e à generalidade dos trabalhadores que potencialmente a ele podem vir a aderir.

57º - Constituindo, assim, por um lado, uma clara ingerência na autonomia e independência sindical e, por outro, na própria autonomia colectiva dos trabalhadores, porquanto condiciona e restringe, de forma inadmissível, o exercício de um direito fundamental e exclusivo dos sindicatos de contratação colectiva.

58º - Ou seja, a conduta ajuizada constitui, de forma indisfarçável, uma prática antisindical,

proibida e punida por lei.

(…)

60º

Na verdade, perdida a confiança dos associados e da generalidade dos trabalhadores na capacidade e no interesse na filiação sindical e lesada a imagem do Autor, tudo nos termos supra alegados muito dificilmente haverá recuperação no futuro.

61º-A - Sendo que, o Autor exerce a sua actividade, fundamentalmente, com os recursos financeiros provenientes das quotas dos seus associados, trabalhadores da Ré BBB;

61º-B - e sem as mesmas (quotas) não poderá manter a sua actividade ou, pelo menos, terá de a reduzir drasticamente;

61º-C - com o consequente prejuízo para si, enquanto entidade, e para os seus associados que aí se mantenham;

61º-D - bem como para o exercício de direitos fundamentais e constitucionais, como a contratação colectiva e a actividade sindical.

61º-E - Sendo que, decorrente da decisão da Ré de não aplicação da nova tabela salarial a todos os trabalhadores associados do ora Autor, deixaram de ser associados do Autor, imediatamente, 117 pessoas e nos meses imediatos saíram mais 98 associados.

61º-F - O que perfaz um total de menos (117 + 98) 215 associados do Autor.

61º-G - Ora, se tivermos em conta que, em média, cada associado paga uma quota mensal de 8 €, o Autor teve um prejuízo mensal de (215 associados x 8 €) 1.720 € (mil, setecentos e vinte euros).

61º-H - A título exemplificativo atente-se que, no mês de Março de 2016, o Autor recebeu a quantia de 48.096,67 € a título de quotas, enquanto que, no mês de Novembro de 2016, recebeu a quantia de 46.415,61 €, o que traduz uma redução, a título de quotas recebidas, de (48.096,67 € - 46.415,61 €) 1.681,06 € (mil, seiscentos e oitenta e um euros e seis cêntimos), valor que se computa como valor médio mensal.

61º-I - Assim, o Autor, desde Abril de 2016 a Dezembro de 2016 (data da primitiva pi), sofreu um prejuízo patrimonial de (1.681,06 € x 9 meses) 15.129,54 € (quinze mil, cento e vinte e nove euros e cinquenta e quatro cêntimos).

61º-J - Acresce que, o autor teve de reforçar a sua actividade sindical após a comunicação individual da Ré supra melhor identificada e da não aplicação, por parte desta (Ré), da nova tabela salarial aos associados do Autor;

61º-L - com vista a esclarecer os seus associados de tal situação;

61º-M - a evitar que os mesmos deixassem de ser associados;

61º-N - e a tentar que aqueles que deixaram de o ser voltassem a reinscrever-se no Autor.

61º-O - O que tudo determinou que o autor tivesse um aumento de gastos com deslocações e ajudas de custo dos seus dirigentes sindicais aos vários locais de trabalho da Ré em todo o país, em que o mesmo tinha associados;

61º-P - designadamente os dirigentes da região centro deslocaram-se aos estabelecimentos da Ré (lojas, serviços centrais, centros de distribuição postal) existentes na região centro para realizar sessões de esclarecimento e reuniões;

61º-Q - E de igual modo os dirigentes do autor da região do norte e do sul e ilhas deslocaram-se aos estabelecimentos da Ré (lojas, serviços centrais, centros de distribuição postal) existentes nessas regiões (norte, sul e ilhas) para realizar sessões de esclarecimento e reuniões;

61º-R - com o consequente aumento de custos de deslocação em transporte e em ajudas de custo com os dirigentes do Autor;

61º-S - Que se computam, modestamente, nesta data, em 10.000 € (dez mil euros).

(…)

61º-U - designadamente o direito ao bom nome, à reputação e à imagem do Autor;

61º-V - cujos sócios perderam a confiança e entenderam que seria inútil e estariam mesmo a ser prejudicados por ser associados do Autor face à conduta supra descrita da Ré;

61º-X - deixando, consequentemente, de ser seus associados;

61º-Z - bem como o direito à protecção legal dos dados dos associados do Autor;

61º-AA - cujos associados viram, sem o seu consentimento, os seus dados de filiação sindical ser utilizados pela Ré;

61º-BB - E, ainda, ao exercício da sua actividade sindical e à contratação colectiva.

61ºº-CC - O Autor sofreu, assim, danos não patrimoniais relevantes que a Ré deve indemnizar e que se computam, modestamente, nesta data, em 5.000 € (cinco mil euros).»

Alega o recorrente que esta matéria de facto é “relevante para a boa decisão da causa” e que o tribunal a quo impediu a prova destes factos alegados e controvertidos.

Nos termos do artigo 662º, n.º 2 alínea c), do Código de Processo Civil, o Tribunal da Relação deve, mesmo oficiosamente, “[a]nular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta”.

Assim, quando a decisão de facto constante da sentença seja insuficiente para a decisão de direito face aos pedidos deduzidos, deve ordenar-se a sua ampliação, o que ocorre quando haja factos controvertidos e relevantes para a decisão da causa, segundo o critério objectivado no n.º 1 do art.º 511.º do CPC, devendo em tal caso permitir-se à parte fazer prova da factualidade por si invocada com a prossecução dos autos para a fase da instrução em 1.ª instância. 

Deve começar por se dizer que o recorrente não expende qualquer esforço argumentativo no sentido de sustentar a importância para a decisão final da causa dos factos que elenca.

Analisemos todavia cada um deles, procurando aferir da sua relevância, face ao modo como se encontra estruturada a acção na petição inicial aperfeiçoada, para a apreciação dos pedidos deduzidos.

No que diz respeito ao art. 13º da petição inicial, não vemos que a alegação do A. de que os seus representantes contestaram logo no final das negociações a decisão da R. de não aplicar aos seus associados os aumentos da retribuição (comunicação referida no artigo 12.º) tenha algum relevo no sentido de sustentar o seu alegado direito àqueles aumentos salariais, direito que o Autor faz radicar no princípio da igualdade na sua vertente “trabalho igual salário igual”. Mesmo que se perspective a alegação da R. de que o A., a reconhecer-se o direito que alega, abusa do direito, este artigo 13.º não pode perspectivar-se como uma espécie de impugnação motivada antecipada da alegação do abuso do direito. Isto porque a R. não invoca o abuso do direito com fundamento em ter o A. actuado de forma a criar-lhe a expectativa de que não iria reclamar o direito à aplicação da tabela salarial do AE de 2016, caso em que poderia vislumbrar-se algum interesse em saber que o A. logo no final das negociações se rebelou contra a intenção da R. de não aplicar a tabela aos seus associados. Na medida em que a R. radica a sua alegação de que o A. actuou em venire contra factum proprium perspectivando a contradição entre os pedidos formulados nesta acção, por um lado, e os actos do A. quando se recusou a outorgar o AE de 2016 com as novas tabelas salariais e dos trabalhadores que livremente não quiseram expressar a sua vontade no sentido de as mesmas lhes serem aplicadas, aquele alegado inconformismo que se teria verificado o final das negociações nada adianta quanto a este aspecto.

No que diz respeito à data do pagamento dos vencimentos alegada no artigo 16.º da petição inicial, não se vislumbra, de todo, qual possa ser o seu interesse para o conhecimento dos pedidos formulados ou da referida excepção peremptória nem, mais uma vez, o recorrente o alega.

Quanto ao artigo 25.º, cremos ser evidente que o mesmo constitui a alegação de uma conclusão que o recorrente retira da análise da comunicação individual enviada pela R. aos trabalhadores associados do A. que se mostra referenciada nos pontos 8. e 9. da sentença, sendo a partir destes – que ficaram a constar da decisão de facto – que será lícito retirar, ou não, aquela conclusão quanto à finalidade com que foram usados os dados relativos à filiação sindical.

Relativamente ao artigo 32.º, tendo em consideração que o A. funda o direito dos seus associados aos valores salariais constantes das tabelas acordadas no AE de 2016 no princípio da igualdade na sua vertente “trabalho igual salário igual”, a alegação do mesmo constante de que “sempre aconteceu ao longo de décadas na empresa Ré” que “independentemente da sua filiação sindical, os trabalhadores que executam as mesmas tarefas, com o mesmo tempo de antiguidade, têm direito a auferir a mesma retribuição” (artigo 31.º da petição inicial), não se entronca na mesma linha, sendo aliás alegada como argumento lateral (“como aliás sempre aconteceu”). Mas ainda que se entendesse que seria possível afirmar o direito à aplicação das tabelas salariais de um instrumento de regulamentação colectiva a trabalhadores não associados em sindicatos outorgantes da mesma, com fundamento em “usos laborais”, deve notar-se que no artigo agora em apreciação o A. não alega que a R. sempre assim pagou aos seus trabalhadores, limitando-se a afirmar genericamente o direito à mesma retribuição no artigo 31.º e que sempre assim “aconteceu” na empresa, sem ligação desta alegação a uma prática concreta. Cremos pois que esta alegação vaga do artigo 32.º, desacompanhada de outros elementos susceptíveis de alicerçar um direito com fundamento em eventuais “usos laborais” (artigo 1.º do Código do Trabalho) que, aliás, o A. não invoca em termos jurídicos, não tem relevo para o conhecimento dos pedidos por si formulados, nada justificando que a acção prossiga para o seu apuramento.

Relativamente aos factos alegados nos artigos 33º a 38.º, estes sim relacionados com o princípio da igualdade, constituem os mesmos uma alegação absolutamente genérica e, por isso, imprestável para sustentar os pedidos formulados pelo A.. Ou seja, ainda que se venha a considerar que a não aplicação dos aumentos salariais por parte da Ré aos trabalhadores associados do Autor, não obstante estar materialmente fundada (quer no princípio da filiação, quer na recusa do sindicato A. em outorgar o Acordo de Revisão que os outros 10 sindicatos outorgaram com a R.), é susceptível de violar os princípios constitucionais da igualdade e do “trabalho igual salário igual” consagrados nos artigos 13.º e 59.º, n.º 1, alínea a) da Constituição da República Portuguesa, sempre seria necessário que o A. alegasse factos concretos susceptíveis de alicerçar a violação destes princípios por haver no seio da R. trabalho com iguais características diversamente remunerado. Ora o A. não alegou um único facto concreto, susceptível de prova, e que, a provar-se, pudesse atestar que todos os seus associados estão em situação absolutamente idêntica à dos trabalhadores que beneficiam do Acordo de Revisão de 2016, nomeadamente, no que concerne à qualidade, à quantidade, à duração, à intensidade, à penosidade e à perigosidade do trabalho que desempenham. Como bem é dito na sentença, “nos arts. 34º a 38º da petição inicial, o Autor limita-se a tecer um conjunto de considerações genéricas, totalmente insusceptíveis de demonstrarem que, pelo menos, um único e concreto trabalhador seu associado exerce tarefas em total e absoluta paridade (identidade de natureza das tarefas e a igualdade do tempo de trabalho) com outro trabalhador da Ré que beneficia do novo acordo de revisão, pelo que sempre se mostraria impossível concluir que, relativamente a certo e concreto trabalhador (ou certos e concretos trabalhadores associados no Autor), está verificada uma situação de “trabalho igual” (frise-se que não basta invocação abstracta de que há carteiros, técnicos e motoristas que ganham menos do que outros porque são filiados no sindicato Autor, já que, por um lado, haveria que identificar em concreto tais trabalhadores e, por outro lado, haveria que concretizar as categorias, antiguidades, funções e tempos de trabalho)”. Mesmo a jurisprudência que, não obstante afirmar que a diferenciação salarial assente no princípio da filiação não constitui violação do princípio da igualdade salarial, admite a afirmação de tal violação se a razão dessa diferenciação residir apenas no facto de o trabalhador não beneficiado pelos aumentos em condições idênticas às desfrutadas por outros, não ser associado da organização sindical ou das organizações sindicais que outorgaram o acordo de empresa, impõe neste caso “ao trabalhador que se julga alvo de discriminação alegar e provar que o trabalho por si prestado é igual, em natureza, quantidade e qualidade, ao prestado pelos trabalhadores pertencentes à organização ou organizações sindicais que subscreveram a convenção colectiva cujas tabelas salariais pretende que lhe sejam aplicadas”[5]. Objectivo este que a alegação constante dos artigos 33.º a 38.º da petição inicial desta acção não é apta a prosseguir.

Quanto ao artigo 54º da petição inicial constitui o mesmo uma alegação conclusiva pois que infere dos factos 8. (envio da comunicação e anexa declaração) e 10. (não pagamento da nova tabela salarial), que a conduta da R. concretizada através destes dois meios “consubstancia, de forma inequívoca, um apelo à deserção sindical, com o único propósito de enfraquecer e limitar a actividade do Autor, fragilizando o direito à contratação colectiva desta associação sindical, pondo em causa a sua imagem de associação sindical representativa e idónea, bem como o seu poder negocial em sede de discussão dos instrumentos de regulamentação colectiva”. Uma vez provados aqueles factos, poderá o tribunal, se para tanto os considerar aptos, tirar dos mesmos conclusão idêntica à que o A. deles extrai. Não pode é fazer-se constar da decisão de facto que os referidos factos 8. e 10. consubstanciam estes apelo e propósito, fragilizam o direito à contratação colectiva e poem em causa a sua imagem e poder negocial na discussão dos instrumentos de regulamentação colectiva. 

O mesmo deve dizer-se quanto à alegação dos artigos 55.º a 60.º, sendo evidente o seu cariz conclusivo face aos factos que se mostram assentes no saneador-sentença. Se tais factos são, ou não, aptos a alcançar estas conclusões que o A. inscreveu na petição inicial, constitui questão que se situa num plano diverso do da decisão de facto que agora nos ocupa.

Não se justifica, pois, a pretendida ampliação da decisão da 1.ª instância com a realização de audiência de julgamento, nos termos pretendidos pelo recorrente quanto a estes factos.

No que diz respeito aos factos alegados nos artigos 61º-A a 61.º-S (danos patrimoniais) e 61º-U a 61.º-CC (danos não patrimoniais) da petição inicial aperfeiçoada apesar de os mesmos constituírem na sua generalidade a alegação de factos concretos relativos a danos alegadamente sofridos pelo A. Sindicato, a sua pertinência para a decisão, na medida em que se fundam na responsabilidade civil pela reparação de danos sofridos em consequência de factos ilícitos alegadamente praticados pela R. ora recorrida, depende da averiguação dos pressupostos da responsabilidade civil.

Naturalmente que, se se concluir que os factos apurados não integram os demais pressupostos da responsabilidade civil da demandada – vg. a prática de um facto ilícto –, despicienda se torna a actividade judicial destinada a averiguar da existência de danos cuja reparação, por falta daquele pressuposto, não lhe poderia ser assacada. 

Assim, avaliar-se-á da pertinência destes factos para a decisão da causa após a análise da invocada ilicitude da conduta da R. ora recorrida consubstanciada, na perspectiva do A., na sua decisão unilateral de enviar aos associados do A. em 29 de Março de 2016 as comunicações individuais constantes de fls. 51-53 dos autos e na não aplicação aos mesmos dos aumentos salariais resultantes da revisão parcial do AE BBB  2015 ocorrida em 23 de Março de 2016, revisão essa não subscrita pelo sindicato A.

Quanto aos demais artigos da petição inicial cuja falta foi sinalizada pelo recorrente –artigos 13º, 16º, 25º, 32º, 33º a 38º, 54º a 58º e 60º – resulta do exposto que no caso se revelaria espúria a actividade de instrução e julgamento com vista a apurar a veracidade da alegação constante destes números do articulado inicial, na parte em que a mesma constitui a alegação de factos concretos.
                                                                                                                           *

4.3. Os factos materiais relevantes para a decisão da causa que neste momento se mostram assentes são os seguintes

1. O Autor é uma Associação Sindical que representa, na actualidade, pelo menos, 4543 trabalhadores dos, pelo menos, 10 400 que prestam serviço para a Ré.

2. O Autor tem vindo a outorgar, ao longo de mais de 30 anos, Instrumentos de Regulamentação Colectiva de Trabalho, mais propriamente Acordos de Empresa (AE) com a Ré que a seguir se discriminam: a) publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 21, de 08.06.1996; b) publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 30 de 15.08.2000; c) publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 29, de 08.08.2004; d) publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 27, de 22.07.2006; e) publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 1, de 08.01.2010; f) publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 15, de 22.04.2013; e g) publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 8, de 28.02.2015.

3. Entre 05/03/2016 e 23/03/2016 ocorreu um processo de negociação colectiva tendo em vista a revisão salarial dos trabalhadores dos Ré para o ano civil de 2016.

4. Esse processo de negociação colectiva terminou em 23/03/2016 sem que o Autor e a Ré chegassem a acordo,

5. Houve acordo entre a Ré e os sindicatos (…)(…)(…)(…)(…)(…)(…)(…)(…)(…)(…)

6. Os quais subscreveram o Acordo de Empresa publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, nº14, de 15.04.2016, e cuja cópia consta de fls. 111 a 113 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, e no qual está consignado: «Acordo de empresa entre os BBB - SA - Sociedade Aberta e o (…), (…) e outros - Alteração salarial e outras… Considerando a valorização de um clima de estabilidade e paz social na empresa que constituem objetivos dos BBB e das associações sindicais outorgantes, é celebrado hoje, dia 23 de março de 2016, o presente acordo de empresa que vem rever, em matéria salarial, o acordo de empresa entre as partes celebrado e publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, nº8, de 28 de fevereiro de 2015 (AE CTT 2015), nos seguintes termos…».

7. No final daquelas negociações a administração da Ré comunicou ao Autor que não aplicaria os aumentos de retribuição aos seus associados.

8. Em 29/03/2016, a Ré enviou uma comunicação individual aos trabalhadores associados do Autor cuja cópia consta de fls. 51 e 52 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, e no qual está consignado, designadamente, que:

«Exmo. (a) Senhor (a),

No passado dia 23 de março, os BBB –, S.A., Sociedade Aberta concluíram as negociações relativas à revisão das remunerações fixas para 2016, tendo sido firmado nesta matéria um Acordo de Revisão do AE BBB 2015 com 10 das 11 associações sindicais então outorgantes do mencionado AE BBB 2015.

Este acordo de revisão tem em conta a valorização de um clima de estabilidade e paz social na Empresa, e veio consagrar, nomeadamente um aumento das remunerações base mensais, nos seguintes termos, sem prejuízo de ser garantido um aumento mínimo de 10,00€ aos trabalhadores com remunerações base mensais até 1000,00 €:

1. Aumento de 1,30% das remunerações não superiores a 1250,90€;

2. Aumento de 0,9% das remunerações compreendidas entre 1250,91€ e 1872,70€;

3. Aumento de 0,7% das remunerações compreendidas entre 1872,71 e 2753,00€;

4. Estes aumentos produzem efeitos a 1 de Janeiro de 2016.

O Acordo de revisão do AE BBB 2015 irá ser depositado, nos termos legais, nos serviços competentes do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, sendo, nos termos do artigo 496.º do Código do Trabalho, directamente aplicável aos trabalhadores filiados nas associações sindicais outorgantes.

A associação Sindical em que está filiado não assinou o dito Acordo de Revisão do AE contrato de trabalho temporário 2015, pelo que o mesmo não lhe pode ser aplicado.

No entanto, informa-se que, no contexto do seu contrato individual de trabalho, caso pretenda aceitar os aumentos atrás referidos deverá comunicar à Empresa nesse sentido, por escrito, até ao próximo dia 15 de abril.

Sublinha-se que a aceitação dos aumentos mencionados, não implica qualquer adesão ou aceitação do Acordo de Revisão Parcial 2016 do AE BBB 2015, visto que aquele Acordo, como se frisou, não foi outorgado pela Associação Sindical em que é filiado.

Assim, caso a sua decisão seja a de aceitar os aumentos aplicáveis à sua situação concreta nos termos dos valores e percentagens supra identificados, junta-se para esse efeito em anexo, a título meramente indicativo, minuta de comunicação que deverá entregar à sua chefia directa. (…)»[6].

9. Comunicação essa que era acompanhada de um anexo cuja cópia consta de fls. 53 dos autos, e do qual consta, designadamente, o seguinte:

“Comunicação de aceitação dos aumentos salariais 2016

Eu___ trabalhador dos BBB -, S.A., com o número de empregado____ comunico, de forma esclarecida e consciente, que aceito, no contexto do meu contrato individual de trabalho, os aumentos salariais aplicáveis à minha situação concreta, nos termos dos valores e percentagens indicadas na carta que os BBB me endereçaram datada  de 29 de Março de 2016.

_____,_,de____de 2016 Assinatura___________(...)”[7].

10. Até à data da apresentação em juízo da presente acção, a Ré não aplicou a tabela salarial resultante do Acordo de Revisão aludido em 6) aos seus trabalhadores associados no Autor que não lhe fizeram a comunicação de aceitação referida em 8) e 9).

11. O Autor participou nas negociações directas entre a Ré e outras dez associações sindicais, relativas ao Acordo de Revisão aludido em 6).

12. Na quinta sessão negocial efectuada em 23/03/2016, a Ré e as associações sindicais identificadas em 5) deram o acordo de princípio à revisão do AE BBB 2015, com excepção do … que “reservou posição até à data e hora em que fosse agendada sessão para assinatura do acordo de revisão parcial do AE BBB/2015, considerando a necessidade de consultar os seus dirigentes”.

13. Na quinta sessão negocial, o Autor “declarou não aceitar a proposta da Empresa, lendo e procedendo à entrega de declaração escrita”.

14. Em 12/04/2016, o Autor veio requerer aos serviços competentes do ministério responsável pela área laboral (DGERT – Direcção Geral do Emprego e das Relações de Trabalho), “a passagem do processo negocial à fase da conciliação”.

15. No dia 05/05/2016 foi promovida pela DGERT uma reunião de conciliação entre Autor e Ré.

16. Nessa reunião de conciliação, a Ré afirmou que “… apesar da posição inicial da Empresa no processo negocial de revisão do AE, e tendo em conta as posições e as propostas sindicais que ao longo do processo negocial foram apresentadas pelas associações sindicais, a empresa evoluiu na sua posição inicial, bem como as associações sindicais, tendo sido celebrado um acordo de revisão do AE, que abrangeu todas as organizações outorgantes do AE BBB 2015, com a única exceção do AAA, nos termos que constam do AE publicado no BTE, nº 14, de 15/4/2016… não descortina motivos específicos para celebrar um acordo com o AAA [o A.] , diferente daquele que já foi outorgado com outras organizações sindicais e atrás referido, mas que está disponível para um acordo de adesão ao referido instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, o qual abrangeu aumentos das remunerações base e também aumentos dos limites salariais de referência e tabelas de progressão salarial garantida previstos no AE…”.

17. Nessa mesma reunião de conciliação, o Autor declarou que a “… disponibilidade do sindicato em apresentar uma proposta para solucionar o conflito entre as partes, a qual preconizará a atribuição de um valor pecuniário idêntico a todos os trabalhadores, de acordo com critérios específicos, sendo que em termos económico-financeiros os montantes necessários para essas importâncias podem ser aprovisionados dos prémios variáveis atribuídos pela empresa…”.

18. No dia 25/05/2016, efectuou-se nova reunião de conciliação, sendo que o “conciliador, face às posições insanáveis das partes, deu por terminada a reunião e encerrou a conciliação sem acordo”,

19. E na mesma a Ré declarou que “... lamenta o fato de não ter sido possível ao AAA aceitar um acordo nos mesmos termos em que foi outorgado unanimemente com todas as demais associações sindicais representativas dos trabalhadores dos BBB…”.

20. O Autor requereu à DGERT a passagem do processo à mediação, conforme aviso prévio comunicado à Ré.

21. O Mediador apresentou, no dia 21/07/2016 uma proposta de Mediação.

22. A Ré, por comunicação de 21/07/2016, comunicou ao Mediador que: «Ponderada a Proposta de Mediação, a qual consigna uma revisão da matéria salarial, que abrange, nomeadamente, aumentos remuneratórios, limites salariais de referência e progressão salarial garantida, em termos iguais aos que os BBB acordaram com outras associações sindicais no âmbito da revisão do AE BBB 2015 (cf. alteração salarial publicada no BTE, nº 14, de 15/4/2016), e concluindo-se que a Proposta garante um regime convencional uniforme para todos os trabalhadores da Empresa abrangidos por contratação coletiva, os BBB comunicam a sua aceitação global da dita Proposta de Mediação, subordinada à condição de ser acordada a seguinte precisão à Cláusula Prévia – Revisão: integração do seguinte texto ” Considerando a valorização de um clima de estabilidade e paz social na Empresa que constituem objetivos dos BBB e da Associação Sindical outorgante, é celebrado…”, mantendo-se todo o demais texto da referida Cláusula».

23. Na sequência da comunicação electrónica do mediador referida no facto 21., o Autor emitiu no mesmo dia 21 de Julho de 2016 comunicação electrónica com o seguinte teor:

 “O AAA aceita a proposta de mediação.”

23-A. Em 26 de Julho de 2016, o Autor apresentou “declaração” com o seguinte teor:

“Como é sabido o AAA não deu o seu acordo à revisão da matéria salarial que foi publicada no BTE nº 8 de 28 de Fevereiro de 2016. O AAA pediu a passagem do processo negocial à fase de conciliação. Das reuniões havidas resultou a intransitiva por parte dos BBB e a proposta do AAA em atribuir uma importância de 100€ a todos os trabalhadores. O processo foi encerrado por falta de acordo das partes. O AAA solicitou então a passagem do processo à fase de mediação. Houve troca de comunicações via e-mail com propostas sobre o objecto da conciliação e outras. Dessas comunicações e respostas resultou uma comunicação do AAA de aceitação da proposta do mediador. Ora tal resposta/aceitação, por lapso referia-se ao objecto da mediação. Por esse facto ficou a ideia que o AAA estará de acordo com a proposta do mediador. Naturalmente que o AAA, não fosse o lapso, não poderia estar de acordo com tal proposta porque: Não assinou essa proposta em Janeiro de 2016; Pediu a conciliação e apresentou propostas; . Interpôs uma acção em Tribunal sobre esta matéria; Pediu a mediação com a intenção de tentar que os BBB alterassem a sua posição;. De forma alguma iria assinar/aderir a uma matéria que já tinha rejeitado. O AAA esclareceu ainda que este contratempo ou mal entendido, não teve, como é obvio, a intenção de prejudicar, enganar ou menos prezar nem os representantes dos BBB, nem o mediador da DGERT. Embora o processo esteja encerrado, o AAA estará sempre disponível para encontrar soluções a contento das partes”;
24. Na referida reunião de 26/07/2016, atendendo à posição do AAA, e face à impossibilidade de assinar o AE para posterior depósito, o Mediador deu a reunião por encerrada.

25. No dia 23/03/2016, a Ré emitiu o comunicado cuja cópia consta de fls. 200 e 201 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, e no qual está consignado que «… Os BBB concluíram hoje as negociações relativas à revisão das remunerações fixas para 2016, tendo firmado nesta matéria um Acordo de Revisão do AE BBB 2015, com as seguintes Associações Sindicais:…Este acordo de revisão tem em conta a valorização de um clima de estabilidade e paz social na Empresa, que constituem objetivos dos BBB e das Associações Sindicais outorgantes, e consagra um aumento das remunerações base mensais dos trabalhadores filiados nos sindicatos outorgantes, nos seguintes termos:… Este Acordo de revisão do AE BBB 2015 irá ser depositado, nos termos legais, nos serviços competentes do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, sendo directamente aplicável aos trabalhadores filiados nas associações sindicais outorgantes. Os trabalhadores que não tenham filiação sindical, nos termos do artigo 497º do Código do Trabalho, podem ser abrangidos por este Acordo desde que comuniquem essa opção à Empresa por escrito, até ao próximo dia 15 de abril, caso em que beneficiarão de aumentos da remuneração com efeitos retroativos a 1 de janeiro de 2016. No que respeita aos trabalhadores filiados em sindicatos que não outorgaram o acordo de revisão do AE, informasse que, no contexto do seu contrato individual de trabalho, caso pretendam aceitar os aumentos atrás referidos devem comunicar à Empresa nesse sentido, por escrito, até ao próximo dia 15 de abril, sendo que a Empresa, na ausência dessa comunicação escrita, entende que rejeitam tais aumentos salariais…».

26. No dia 19/03/2016, a Ré emitiu o comunicado cuja cópia consta de fls. 202 e 203 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, e no qual está consignado que «…Nos termos do Código do Trabalho, as alterações previstas no AE BBB 2016 são automaticamente aplicadas a todos os trabalhadores filiados nas associações sindicais que o outorgaram. No que se refere a trabalhadores sem filiação sindical, a Empresa informou que caso pretendessem ser abrangidos por este Acordo poderiam comunicar essa opção à Empresa por escrito, até ao passado dia 15 de abril, beneficiando, assim, de aumentos com efeitos retroativos a 1 de janeiro de 2016, já a concretizar no processamento do vencimento do corrente mês de abril. Relativamente aos trabalhadores filiados em sindicato não outorgante do AE BBB 2016 procedeu-se à informação de que, no contexto do seu contrato individual de trabalho, caso pretendessem aceitar os aumentos remuneratórios, deveriam comunicar à Empresa nesse sentido, por escrito, também até ao dito dia 15 de abril de 2016, sendo que os aumentos seriam igualmente incluídos no processamento do vencimento do corrente mês de abril com efeitos retroativos a 1 de janeiro de 2016. Em face de, por um lado, nos últimos dias se ter verificado um acréscimo do fluxo de comunicações entregues à Empresa por trabalhadores nas duas situações referidas e de, por outro lado, podendo ainda existir trabalhadores que necessitem de mais tempo para decidir, informa-se que a Empresa prorrogou o prazo de 15 de abril até ao próximo dia 13 de maio. Assim, os trabalhadores que ainda não tenham comunicado à empresa a sua decisão sobre os aumentos salariais poderão fazê-lo, sendo que nesse caso, os aumentos serão pagos no processamento salarial de maio com efeitos retroativos a 1 de janeiro de 2016. Nesse sentido, poderão os trabalhadores interessados entregar à sua chefia, se assim quiserem, declaração conforme minuta indicativa que oportunamente, por correio, lhes foi enviada pela Empresa para o efeito podendo, se porventura não a conseguirem localizar, também solicitar à respetiva chefia o fornecimento de um novo exemplar. Esclarece-se que a aceitação dos aumentos salariais, no contexto do contrato individual de trabalho, serão refletidos em conformidade pela empresa nos valores de remuneração a ter em conta para efeitos de progressões salariais no ano de 2016, nos termos das regras que sobre a matéria estão previstas no  AE BBB2015 (cláusulas 66ª a 68ª e 113ª do AE BBB 2015, que se mantêm em vigor sem alteração)…».
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                                                                                                                           *

5. Fundamentação de direito
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5.1. Da violação do princípio da igualdade na sua vertente “trabalho igual salário igual”

A primeira questão de direito a analisar consiste em saber se a recorrida violou o princípio da igualdade na sua vertente “trabalho igual salário igual” com a não aplicação da tabela salarial aprovada no AE de 2016 aos trabalhadores sindicalizados no recorrente

Relativamente a esta questão, o recorrente alega que a conduta da recorrida de não aplicação das mesmas tabelas salariais a todos os seus trabalhadores, com fundamento na filiação sindical destes, constitui violação grosseira dos princípio da igualdade e de “trabalho igual, salário igual”, constitucionalmente consagrados nos artigos 13º e 59º, nº 1, al. a), da CRP, e legalmente consagrados no artigo 31.º do CT/2009.

Na sua perspectiva, os trabalhadores que executam as mesmas tarefas, com o mesmo tempo de antiguidade, têm direito a auferir a mesma retribuição, independentemente da sua filiação sindical, devendo, por isso, a recorrida aplicar a todos os trabalhadores – independentemente da sua filiação sindical - os referidos aumentos, sem necessidade de adesão individual por parte destes, dado que apenas dessa forma se cumpre o princípio constitucional da igualdade.

Vejamos.

Estabelece o artigo 13.º, da Constituição da República Portuguesa, que todos os cidadãos são iguais perante a lei (n.º 1) e que ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito em razão da ascendência, sexo, raça, língua, território, de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual (n.º 2). 

O artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa confere aos trabalhadores o direito fundamental de, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, serem retribuídos pelo seu trabalho segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual.

Como se diz no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 2009.10.21[8], este princípio “está ancorado no princípio, mais amplo, da igualdade, consignado no art.º 13.º da mesma Constituição e, dada a sua natureza, não obstante a respectiva inserção no Título III, postula não só uma natureza negativa (no sentido de proibição da respectiva violação), como ainda uma aplicabilidade directa em moldes similares aos direitos, liberdades e garantias incluídos nos Títulos I e II da sua Parte I, impondo-se a sua aplicação e vinculatividade às entidades públicas e privadas, como comanda o n.º 1 do art.º 18.º”.

Tem sido entendimento pacífico da doutrina que o âmbito de protecção do princípio da igualdade abrange as dimensões de: (a) «proibição do arbítrio», não impedindo, pois, em absoluto, toda e qualquer diferenciação de tratamento, mas implicando a inadmissibilidade de diferenciações materialmente infundadas, sem qualquer justificação razoável de acordo com critérios de valor objectivos constitucionalmente relevantes, bem como a inadmissibilidade de tratamento igual para situações manifestamente desiguais; (b) «proibição de discriminação», não sendo legítimas quaisquer diferenciações de tratamento entre os cidadãos baseadas em categorias meramente subjectivas ou em razão dessas categorias [por exemplo as referidas no corpo do n.º 1 do artigo 59.ºda Constituição]; (c) «obrigação de diferenciação», como forma de compensar a desigualdade de oportunidades, o que pressupõe a eliminação pelos poderes públicos de desigualdades fácticas de natureza económica, social e cultural[9].

A jurisprudência constitucional tem enfatizado nesta sequência que o princípio da igualdade abrange fundamentalmente estas três dimensões ou vertentes que, como é dito no acórdão n.º 294/2014, de 9 de Maio[10], são as seguintes: “a proibição do arbítrio, a proibição de discriminação e a obrigação de diferenciação, significando a primeira, a imposição da igualdade de tratamento para situações iguais e a interdição de tratamento igual para situações manifestamente desiguais (tratar igual o que é igual; tratar diferentemente o que é diferente); a segunda, a ilegitimidade de qualquer diferenciação de tratamento baseada em critérios subjectivos (v.g., ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social) e, a última surge como forma de compensar as desigualdades de oportunidades”.

Como foi dito no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Abril de 2008, “devendo tratar-se por igual o que é substancial e essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual, são legítimas as medidas de diferenciação de tratamento fundadas em distinção objectiva de situações, não baseadas em qualquer motivo constitucionalmente impróprio, que tenham um fim legítimo à luz do ordenamento constitucional positivo, e se revelem necessárias, adequadas e proporcionais à satisfação do objectivo prosseguido”[11].

Não estando em causa no caso em análise a proibição da discriminação (por não se alegar a interferência de categorias subjectivas), nem a obrigação de diferenciação[12], movemo-nos no âmbito da primeira dimensão do princípio constitucional da igualdade: a proibição do arbítrio que, no essencial, implica a proibição de diferenciações injustificadas.

Ora a diferenciação de tratamento ancora-se, a nosso ver, em fundamento material bastante e razoável, salvaguardando valores constitucionalmente relevantes, na medida em que resulta da operatividade do princípio da dupla filiação consagrado no artigo 496.º do Código do Trabalho (segundo o qual os instrumentos de regulamentação colectiva apenas se aplicam às relações de trabalho existentes entre trabalhadores e empregadores inscritos nas associações outorgantes), com raiz no direito das associações sindicais à contratação colectiva consagrado no artigo 56.º da Constituição da República Portuguesa, em conexão com a liberdade sindical consagrada no artigo 55.º da mesma Lei,

Com efeito, o princípio da igualdade na sua vertente “trabalho igual salário igual” consagrado no artigo 59.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, deve compatibilizar-se com o princípio constitucional da liberdade sindical e com o direito das associações sindicais à contratação colectiva, consagrados nos antecedentes artigos 55.º e 56.º.

Quando como no caso em análise, as tabelas em causa constam de um Acordo que não vincula o Sindicato A (por o mesmo o A. não ter subscrito o Acordo de Revisão do AE de 2015, ao invés dos demais 10 Sindicatos), a diferença retributiva entre os associados do A. e os restantes trabalhadores da sua categoria profissional encontra a sua razão de ser num facto perfeitamente justificado, não podendo tal diferença ser considerada ilegítima ou desrazoável.

Na verdade, dentro da liberdade que assiste a qualquer organização sindical, o A. entendeu não outorgar o instrumento de regulamentação colectiva de cujas tabelas pretende que os seus associados beneficiem.

Esta é aliás uma situação que pode verificar-se em qualquer empresa em que coexista mais do que uma organização sindical. Aos trabalhadores filiados em cada associação, tendo em conta o princípio da filiação, é aplicável o instrumento de regulamentação colectiva que essa mesma organização outorgou com a empresa (no caso de Acordo de Empresa) ou com as associações representativas dos empregadores (no caso de Convenção Colectiva de Trabalho).

Neste circunstancialismo, a imposição da igualdade de tratamento salarial entre trabalhadores sindicalizados no sindicato que outorgou a convenção e trabalhadores não sindicalizados ou sindicalizados em sindicato que não outorgou a referida convenção, pode constituir um tratamento igual do que é desigual. 
É certo quer, em situações similares, a jurisprudência se inclinou durante muito tempo no sentido de haver violação do princípio para “trabalho igual salário igual” quando dois trabalhadores do mesmo sector, com a mesma categoria, auferiam salários desiguais por pertencerem a associações sindicais diferentes que outorgaram BBB diferentes com a empregadora de ambos, quando a razão da diferenciação residisse, tão só, no facto de o trabalhador não beneficiado pelos aumentos em condições idênticas às desfrutadas por outros não ser associado da organização sindical ou das organizações sindicais que outorgaram o acordo de empresa, ou não ser sindicalizado.

Embora para afirmar a violação do princípio da igualdade esta jurisprudência exigisse ao trabalhador que se julgava alvo de discriminação, alegar e provar que o trabalho por si prestado era igual, em natureza, quantidade e qualidade, ao prestado pelos trabalhadores pertencentes à organização ou organizações sindicais que subscreveram a convenção colectiva cujas tabelas salariais pretende que lhe sejam aplicadas – prova que na generalidade das vezes era muito difícil –, no fundo admitia que, provando-o, se afirmasse a violação do princípio da igualdade na sua vertente “trabalho igual salário igual” e, como isso, se aplicassem as referidas tabelas a despeito da diversidade da filiação sindical e da consequente inaplicabilidade do instrumento de regulamentação colectiva[13].

Deste modo dando prevalência ao princípio da igualdade retributiva.

Esta posição jurisprudencial que se ancorava no entendimento de que a Constituição apenas permite uma diferença de tratamento em relação à quantidade, qualidade e natureza do trabalho, não se subsumindo a estes factores o facto de se estar ou não sindicalizado, foi objecto de crítica por parte da doutrina, justamente porque desvalorizava o princípio, também constitucionalmente consagrado, da autonomia e liberdade sindical, criando novas desigualdades ao pretender eliminar a desigualdade retributiva, pois os trabalhadores passam a auferir o mesmo vencimento mas não suportam as desvantagens ou ónus correspectivos.

Assim Gomes Canotilho e Vital Moreira, em anotação ao artigo 56.º da Lei Fundamental observam que, “sendo a actividade sindical e a contratação colectiva suportada somente pelos trabalhadores sindicalizados, merece protecção constitucional o seu interesse em reservar para si as regalias que não sejam obrigatoriamente uniformes, sob pena de premiar o fenómeno do «free rider», ou seja, os trabalhadores que tiram proveito da acção colectiva, sem nela se envolverem e sem suportarem os respectivos encargos”[14].

Também Júlio Gomes nota que um sistema assim concebido acaba por atribuir ao trabalhador não sindicalizado “o melhor de dois mundos: não paga cotas e não suporta riscos (por vezes muito reais) se ser sindicalizado e acaba por fruir os benefícios da contratação colectiva”[15].

E João Leal Amado refere serem “decepcionantes” os resultados a que conduz este entendimento jurisprudencial[16] que, do mesmo modo, é considerado “criticável” por Monteiro Fernandes[17].

Bernardo Lobo Xavier também chama a atenção de que “por vezes os tribunais têm afirmado mesmo nestes casos [em que os salários variam pelo facto de serem aplicáveis na empresa diversas convenções colectivas, nos termos do princípio da filiação, pelo qual as convenções só são aplicáveis aos trabalhadores filiados nos sindicatos outorgantes] o princípio da igualdade, quanto a nós erradamente. Entendemos que o que interessa na norma constitucional é o princípio que dela decorre, no sentido de serem proibidas discriminações ilícitas, isto é as fundadas na idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas (artigo 59.º, n.º 1 da Const.) sobretudo quando essas distinções se destinem a operar diferenciações não fundadas no próprio princípio da igualdade ou em outros valores do ordenamento”[18].

Igualmente Luís Gonçalves da Silva, apelando à circunstância de a filiação sindical ter igualmente consagração na Constituição da República Portuguesa, critica esta orientação jurisprudencial segundo a qual o princípio do “trabalho igual salário igual” impõe que os trabalhadores sindicalizados e não sindicalizados possuam o mesmo regime remuneratório e refere que a mesma “aniquila o princípio da filiação sindical, ou seja, neutraliza a filiação sindical e, deste modo, todas as consequências inerentes à sindicalização (vg. pagamento de quota, acção sindical), além de que ao aplicar exclusivamente a disposição convencional referente à retribuição ignora as contrapartidas fixadas aquando da negociação, essas só aplicáveis aos sindicalizados e, note-se, dificilmente identificáveis”[19].

Mais recentemente a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, na sequência do Acórdão de 21 de Outubro de 2009[20], tem acolhido uma perspectiva mais próxima da doutrina que vimos referindo, tendo decidido, designadamente no Acórdão de 17 de Novembro de 2016[21], que o pagamento de trabalho nocturno de acordo com a estipulado em convenção colectiva de trabalho aplicável a trabalhadores filiados num determinado sindicato subscritor, em montante superior ao pago a outros trabalhadores filiados noutro sindicato subscritor de outra convenção colectiva de trabalho, não viola, por si só, o princípio constitucional da igualdade salarial. E não faz este este aresto qualquer exigência adicional relacionada com a natureza, qualidade e quantidade do trabalho prestado por estes diversos trabalhadores.

Nele se exarou o seguinte[22]:

«[…]

Ora, estando constitucionalmente consagrados o princípio da liberdade do trabalhador se sindicalizar e de se inscrever no sindicato que entender [artigo 55º, n.º 2, alínea b), da CRP], isto é, de ser ele próprio a decidir, com plena autonomia, a sindicalizar-se ou não, e o direito de contratação coletiva conferido às associações sindicais [artigo 56º, n.º 3, da CRP] e estando legalmente consagrado o princípio da dupla filiação [artigo 496º, do CT/2009], conclui-se que não é inconstitucional que dois trabalhadores [da mesma empresa, no mesmo sector, com categoria e antiguidade iguais e com produção qualitativa e quantitativamente iguais] filiados em associações sindicais diversas tenham retribuições desiguais se lhes forem aplicáveis CTT diferentes.

Ou seja se ambas as associações sindicais tiverem negociado e acordado diferentes CTT com a sua empregadora, ou com a associação empregadora na qual se encontre filiada, e se nas respetivas CTT se tiver consagrado retribuições diversas para os trabalhadores seus filiados, apesar de se encontrarem em situação de igualdade com trabalhadores pertencentes à outra associação sindical, não viola o princípio da igualdade.

Do exposto resulta, pois, que só se verifica violação do princípio da igualdade, quando existir arbítrio, subjetividade, diferenciações materialmente infundadas ou sem qualquer fundamento razoável e sem uma justificação objetiva e racional.

O que não se verifica no caso concreto.

Aqui existe uma diferenciação objetiva: filiação de dois trabalhadores em associações sindicais diferentes que, por sua vez, celebram, cada uma delas, com a empregadora de ambos convenção coletiva de trabalho diversa.

Conclui-se, deste modo, que tal tratamento diferenciado, quanto à retribuição, segundo a jurisprudência do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal de Justiça, não violam, antes respeitam, o “princípio da igualdade”.

[…]»

Subscrevendo também esta jurisprudência mais recente, não podemos senão concluir que a atitude da R. de não aplicar os aumentos de retribuição convencionados em 2016 com os outros sindicatos aos associados do sindicato A., que não subscreveu o Acordo de revisão salarial publicado no BTE n.º 14 de 2016, não viola o princípio da igualdade na sua vertente “trabalho igual salário igual” porque a desigualdade tem um fundamento material, é objectiva, não é discriminatória e provém de situações de facto que não são essencialmente iguais mas, efectivamente, distintas (vide os factos 3. a 6.).

Tendo em consideração o disposto nos artigos 2.º, n.ºs 1, 2 e 3, alínea a) e 496.º do Código do Trabalho, uma vez que o sindicato A. não quis subscrever as alterações do Acordo de Revisão do AE de 2015 após participar nas negociações, sendo que era este AE de 2015 que estava em vigor relativamente às relações jurídico-laborais firmadas entre os trabalhadores seus associados e a Ré por decorrência da aplicação do princípio da filiação, nada justifica e é, até, incoerente, que venha agora reclamar a aplicabilidade das tabelas aprovadas naquele Acordo de Revisão que não quis subscrever.

Acresce ter ficado expressamente provado que a Ré concedeu a todos os trabalhadores não abrangidos pelo Acordo de Revisão de 2016, isto é, quer aos trabalhadores do sindicato que não o outorgou (no caso, o sindicato Autor), quer aos trabalhadores não filiados em qualquer sindicato, a possibilidade de beneficiarem dos aumentos salariais resultantes desse Acordo de Revisão (factos 8., 9., 25. e 26.).

Daqui resulta que, como assinala a sentença “perante tal possibilidade concedida pela Ré, a não aplicação desses aumentos salariais a uma parte dos trabalhadores associados no Autor (e a outros nem sequer filiados) já resulta de uma vontade livre e autónoma de cada um deles, e não da mera aplicação do princípio da filiação, pelo que já não se pode aqui configurar uma situação clara e inequívoca de violação dos princípios constitucionais da igualdade e do “trabalho igual salário igual” derivada unicamente da aplicação do princípio da filiação, isto é, em concreto, a não aplicação dos aumentos salariais decorrentes daquele Acordo de Revisão não decorre, a final, da mera aplicação de tal princípio, mas sim efectivamente de parte dos trabalhadores associados no Autor não terem querido beneficiar desses aumentos em resultado de uma escolha pessoal e livre.”

Em suma, pela via da violação do princípio constitucional e legal da igualdade salarial, não são devidos aos associados do autor os aumentos salariais que reivindica e que emergem de um instrumento de regulamentação colectiva não outorgado pela organização sindical em que estão filiados.

Improcede, neste aspecto, a apelação.
                                                                                                                           *

5.2. Da existência de utilização ilícita de dados da filiação sindical

Coloca-se a este passo a questão de saber se R. procedeu à consulta, tratamento e utilização de base de dados quanto aos elementos relativos à filiação sindical dos seus trabalhadores associados do recorrente para fins não autorizados constituiu, em violação da Lei nº 67/98, de 28/10, relativa ao tratamento e utilização de dados pessoais.

Alega o recorrente que a recorrida violou, designadamente, o disposto no artigo 7.º, n.º 1, desta Lei e não alegou, nem provou, que os associados do recorrente autorizaram o tratamento dos dados acerca da sua filiação sindical para a comunicação que lhes fez, nem se limitou a informar cada trabalhador como proceder internamente, porquanto, se tal fosse a intenção, a mesma certamente não teria utilizado os dados sensíveis da filiação sindical e teria informado em termos genéricos e sustenta que tal tratamento de dados sensíveis não se encontra abrangida pela Autorização de Isenção nº 1/99 da CNPD, dado que, por um lado, o tratamento tem de ser automatizado, não podendo, por isso, existir uma selecção de destinatários e, por outro lado, tem de ter como finalidade exclusiva o cálculo e pagamento de retribuições, sendo que no documento subscrito pela Ré a mesma “convida” cada um dos associados do Autor a aceitarem os aumentos salariais, sob pena de os mesmos não lhe serem aplicados, o que é situações distinta.

Vejamos.

O artigo 35.º da Constituição da República Portuguesa estabelece no seu n.º 3 restrições ao tratamento de dados referentes a convicções filosóficas ou políticas, filiação partidária ou sindical, fé religiosa, vida privada e origem étnica, salvo consentimento expresso do titular ou autorização prevista por lei com garantias de não discriminação. Além disso, remete para a lei ordinária a definição de dado pessoal e as condições de tratamento dos dados e garante a sua protecção através de entidade administrativa independente.

No panorama europeu foi recentemente publicado o Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Abril de 2016, relativo à protecção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados e que revoga a Directiva 95/46/CE (Regulamento Geral sobre a Protecção de Dados), Regulamento que vigora desde o 20.º dia seguinte ao da sua publicação no diário oficial da UE (JOUE N.º 119, Série L, de 4 Maio 2016) e só é aplicável a partir de 25 de Maio de 2018 – cfr. o respectivo artigo 99.º, n.ºs 1 e 2 –, pelo que não releva ainda no caso sub judice.

A lei ordinária a atender é actualmente a Lei nº 67/98, de 26.10, que transpôs a Directiva 95/46/CE respeitante à protecção de pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados e veio a ser alterada pela Lei n.º 103/2015, de 24 de Agosto.

O Código do Trabalho, por seu turno, não obstante contemple nos seus artigos 14.º a 22.° a protecção dos direitos de personalidade no âmbito da relação de trabalho, não refere expressamente a tutela dos elementos relativos à filiação sindical dos trabalhadores, inexistindo no mesmo qualquer preceito que restrinja a possibilidade de consulta de elementos relativos à filiação sindical dos trabalhadores a finalidades específicas, vg. as que o recorrente indica (e que se restringiriam a permitir o pagamento da quotização sindical quando o empregador a faça directamente, e permitir aferir do crédito de horas concedido a dirigentes sindicais).

Estabelece contudo no artigo 17.º, n.º 4 do Código do Trabalho que os ficheiros e acessos informáticos utilizados pelo empregador para tratamento de dados pessoais do trabalhador “ficam sujeitos à legislação em vigor relativa à protecção de dados pessoais” o que nos reconduz para a tutela da já indicada Lei n.º 67/98.

Nos termos do artigo 3º da Lei nº 67/98, de 28 de Outubro, “[p]ara efeitos da presente lei, entende-se por: a) 'Dados pessoais': qualquer informação, de qualquer natureza e independentemente do respectivo suporte, incluindo som e imagem, relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável ('titular dos dados'); é considerada identificável a pessoa que possa ser identificada directa ou indirectamente, designadamente por referência a um número de identificação ou a um ou mais elementos específicos da sua identidade física, fisiológica, psíquica, económica, cultural ou social; b) 'Tratamento de dados pessoais' ('tratamento'): qualquer operação ou conjunto de operações sobre dados pessoais, efectuadas com ou sem meios automatizados, tais como a recolha, o registo, a organização, a conservação, a adaptação ou alteração, a recuperação, a consulta, a utilização, a comunicação por transmissão, por difusão ou por qualquer outra forma de colocação à disposição, com comparação ou interconexão, bem como o bloqueio, apagamento ou destruição; (…)”.

E de acordo com o respectivo artigo 5.º, os dados pessoais devem ser tratados de forma lícita e com respeito pelo princípio da boa fé, bem como recolhidos para finalidades determinadas, explícitas e legítimas, não podendo ser posteriormente tratados de forma incompatível com essas finalidades – alíneas a) e b).

Além disso, o tratamento de dados pessoais só pode ser efectuado se o seu titular tiver dado de forma inequívoca o seu consentimento ou se o tratamento for necessário, designadamente para “[e]xecução de contrato ou contratos em que o titular dos dados seja parte ou de diligências prévias à formação do contrato ou declaração da vontade negocial efectuadas a seu pedido” e “[c]umprimento de obrigação legal a que o responsável pelo tratamento esteja sujeito” – artigo 6.º, alíneas a) e b) da Lei n.º 67/98.

Quanto aos dados em causa na presente acção, o artigo 7º, n.º 1 da Lei nº 67/98 dispõe que “[é] proibido o tratamento de dados pessoais referentes a convicções filosóficas ou políticas, filiação partidária ou sindical, fé religiosa, vida privada e origem racial ou étnica, bem como o tratamento de dados relativos à saúde e à vida sexual, incluindo os dados genéticos”, estabelecendo-se nos seus n.ºs 2, 3 e 4 os casos em que é permitido o tratamento destes dados, de que destacamos a possibilidade de autorização da CNPD prevista no respectivo n.º 2.

Assim, o tratamento de dados só pode ser efectuado se o seu titular tiver dado de forma inequívoca o seu consentimento, ou caso se verifique alguma condição de legitimidade enunciada nos artigos 6º, 7º ou 8º da Lei nº 67/98.

Há a este propósito que atentar ainda na Autorização de Isenção n.º 1/99 emitida pela Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD)[23] – Autorização de Isenção relativa ao Processamento de Retribuições, Prestações, Abonos de Funcionários ou Empregados – a qual estabeleceu no seu artigo 1.º que “[e]stão isentos de notificação à CNPD os tratamentos automatizados, relativamente a funcionários ou empregados, que tenham como finalidade exclusiva: a) O cálculo e pagamento de retribuições, prestações acessórias, outros abonos ou gratificações” e no seu artigo 2.º que os dados tratados “deverão ser os estritamente necessários à realização das finalidades referidas no artigo anterior, limitando-se às seguintes categorias de dados: a) Dados de identificação: o nome (…) número de sócio do sindicato (…)”.

No caso sub judice ficou provado que entre 05 e 23 de Março de 2016 ocorreu um processo de negociação colectiva tendo em vista a revisão salarial dos trabalhadores dos Ré para o ano civil de 2016, processo este que terminou sem que o Sindicato Autor e a Ré chegassem a acordo (factos 3. e 4.).

Ficou também provado que houve acordo entre a Ré e os outros dez Sindicatos, os quais subscreveram o Acordo de Empresa publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, nº14, de 15.04.2016 (factos 5. e 6.), o que não sucedeu com o Sindicato Autor, e que no final das negociações a R. ora recorrida comunicou ao A. que não aplicaria os aumentos de retribuição aos seus associados (factos 5. a 7.).

Neste contexto, a R. veio logo nesse dia 23 de Março de 2016 a emitir o comunicado cuja cópia consta de fls. 200 e 201 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, e no qual relatou o sucedido nas negociações, vg. que o  acordo de revisão consagra um aumento das remunerações base mensais dos trabalhadores filiados nos sindicatos outorgantes, e é directamente aplicável aos trabalhadores filiados nas associações sindicais outorgantes e comunica que os “trabalhadores que não tenham filiação sindical, nos termos do artigo 497º do Código do Trabalho, podem ser abrangidos por este Acordo desde que comuniquem essa opção à Empresa por escrito, até ao próximo dia 15 de abril, caso em que beneficiarão de aumentos da remuneração com efeitos retroativos a 1 de janeiro de 2016” e, no que respeita aos trabalhadores filiados em sindicatos que não outorgaram o acordo de revisão do AE, informa “que, no contexto do seu contrato individual de trabalho, caso pretendam aceitar os aumentos atrás referidos devem comunicar à Empresa nesse sentido, por escrito, até ao próximo dia 15 de abril” (facto 25.)

E veio em 29 de Março de 2016 a enviar uma comunicação individual aos trabalhadores associados do Autor na qual lhes comunica no dia 23 de Março concluiu as negociações relativas à revisão das remunerações fixas para 2016, tendo firmado um Acordo de Revisão do AE com 10 das 11 associações sindicais outorgantes do mencionado AE BBB 2015 e que a Associação Sindical em que está filiado não assinou o dito Acordo de Revisão do AE BBB 2015, pelo que o mesmo não lhe pode ser aplicado e informa que, “no contexto do seu contrato individual de trabalho, caso pretenda aceitar os aumentos atrás referidos deverá comunicar à Empresa nesse sentido, por escrito, até ao próximo dia 15 de Abril. Sublinha-se que a aceitação dos aumentos mencionados, não implica qualquer adesão ou aceitação Acordo da Revisão Parcial do 2015, visto que aquele Acordo, como se frisou, não foi outorgado Associação Sindical em que é filiado. Assim, caso a sua decisão seja a de aceitar os aumentos aplicáveis à sua situação concreta nos termos dos valores e percentagens supra identificados, junta-se para esse efeito em anexo, a titulo meramente indicativo, minuta de comunicação que deverá entregar à sua chefia directa” (factos 8 e 9).

Nas conclusões das alegações o recorrente não insiste já na tese que expressou na 1.ª instância de que as finalidades das bases de dados dos empregadores relativamente à filiação sindical dos seus trabalhadores se resumem apenas a permitir o pagamento da quotização sindical realizada directamente pelo empregador e aferir do crédito de horas concedido a dirigentes sindicais, assim demonstrando que se conforma com a improcedência do primeiro pedido que formulou na acção (pretensão que manifestamente carecia de base legal pois é naturalmente necessário ao empregador conhecer aqueles dados, quer para determinar quais os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho a aplicar a cada trabalhador em função da sua filiação sindical, quer no âmbito da aplicabilidade das portarias de extensão, quer para cumprir o dever de informar o trabalhador do instrumento de regulamentação aplicável nos termos do artigo 106º, n.º 3 do Código do Trabalho, como bem se afirma na sentença recorrida).

Continua toda via a afirmar a ilicitude da conduta da recorrida, alegando desde logo que não está demonstrado o consentimento dos trabalhadores titulares dos dados relativos à filiação sindical para a comunicação a que lhes procedeu a ora recorrida.

Não está efectivamente demonstrado esse consentimento de cada um dos trabalhadores associados do recorrente.

Mas tal não significa que esteja vedada a utilização dos dados da sua filiação sindical para o efeito das comunicações a que a R. procedeu em 29 de Março de 2016 na medida em que a citada Autorização de Isenção n.º 1/99 emitida pela Comissão Nacional de Protecção de Dados expressamente isenta de notificação à CNPD os tratamentos relativamente a trabalhadores que tenham como finalidade exclusiva o “ cálculo e pagamento de retribuições, prestações acessórias, outros abonos ou gratificações”

Ora, tendo em consideração que de acordo com a cláusula 1.ª do AE publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 14, de 15 de Abril de 2016, tal acordo “obriga, por uma parte, a empresa BBB -, SA - Sociedade Aberta e, por outra parte, os trabalhadores ao seu serviço, representados pelas associações sindicais outorgantes”, é manifesto que, por via desta cláusula, a empregadora não poderia aplicar aquele instrumento de regulamentação colectiva aos trabalhadores associados no Sindicado ora recorrente, por não ter este outorgado o mesmo.

Impunha-se-lhe pois conhecer quem eram os trabalhadores filiados no Sindicato ora recorrente a fim de saber qual o regime laboral a aplicar-lhe, vg. quais os vencimentos a pagar-lhes, o que contende  com o “cálculo e pagamento de retribuições” a que alude o artigo 1.º, alínea a) da Autorização n.º 1/99 da CNPD.

Conhecendo deste modo, necessariamente, o universo composto por esses trabalhadores, não vemos que lhe fosse vedado, por constituir nova utilização de dados sensíveis, que colocasse ainda aos mesmos a possibilidade de aceitarem, no contexto do contrato de trabalho de cada um, os aumentos salariais previstos no instrumento de regulamentação colectiva para a sua situação concreta, para os exactos efeitos salvaguardados no artigo 1.º da Autorização n.º 1/99 da CNPD de calcular e proceder ao pagamento de retribuições. 

Ou seja, a empregadora ora recorrida tinha necessariamente que conhecer a filiação sindical dos seus trabalhadores e usar esse dado para saber qual o instrumento de regulamentação colectiva a que os mesmos se encontravam vinculados e quanto pagar a cada um deles, não tendo, a nosso ver, autonomia face a este condicionalismo o momento em que, uma vez obtido já o universo de trabalhadores a quem não iria aplicar a nova tabela salarial nos pagamentos a efectuar, lhes coloca a possibilidade de aderirem individualmente aos aumentos de retribuição, o que naturalmente implicaria com o “cálculo e pagamento de retribuições”.

Note-se que, ao invés do alegado pelo recorrente, a R. não “convida” cada um dos associados do A. a aceitarem os aumentos salariais, sob pena de os mesmos não lhe serem aplicados. Não é isso que resulta da leitura das comunicações referidas no facto 8. Em tais comunicações a R. informa os trabalhadores de que caso pretendam aceitar os aumentos no contexto dos seus contratos de trabalho, o deverão comunicar, o que bem se compreende na medida em que apenas desse modo fica a R. ciente de que na relação contratual de cada um deles se verificou a aceitação da proposta de alteração salarial que através destes escritos lhes era comunicada.

Por fim deve dizer-se que, como bem notou o Mmo. Juiz a quo, da leitura da comunicação em causa não se retira a “conjectura” ou “juízo subjectivo, sem qualquer tipo de concretização nesta acção, tal como já havia sucedido em sede cautelar) invocada pelo Autor de “apelo à deserção sindical”. Isto porque “em nenhum momento nessa comunicação se faz referência à permanência ou não permanência do trabalhador no sindicato Autor, em nenhum momento se condiciona, expressa ou tacitamente, a possibilidade de aceitação da nova tabela salarial à saída ou termo de qualquer filiação sindical, sendo que tal aceitação ficou apenas e tão só dependente da livre vontade e autonomia de cada trabalhador, sem qualquer consequência ao nível sindical”, pelo que, não podendo imputar-se à comunicação a “finalidade «conjecturada» pelo Autor, a respectiva consulta da base de dados em causa não padece de qualquer vício por ter um fim ilícito, ilegítimo”.

Perante os dados objectivos que emergem da matéria de facto – o Sindicato A. esteve em negociações com a R. com vista à revisão salarial, houve acordo entre a R. e os outros 10 Sindicatos que se encontravam também no processo de negociação que se desenrolou por cinco sessões negociais, foi outorgada com estes uma alteração ao AE que foi publicada e entrou em vigor e a divergência do A. persistiu mesmo nas subsequentes fases de conciliação e mediação que foram despoletadas – não vemos que à proposta da R. de aumentos salariais aos trabalhadores no âmbito de cada um dos seus contratos de trabalho, possa assacar-se um qualquer daqueles objectivos.

O A. tem capacidade de negociação, actuou em nome dos seus associados no âmbito das negociações para revisão do AE e é ao mesmo que caberá, naturalmente, convencer estes da bondade das razões por que, no âmbito das negociações que decorreram com o empregador e os outros sindicatos, entendeu por bem, em representação dos seus associados, não chegar a acordo. E de modo algum se justifica limitar a liberdade individual de cada um dos associados que eventualmente discorde dos actos praticados pelo Sindicato em sua representação, impedindo-o de convencionar com o empregador no âmbito do seu contrato de trabalho o que bem entenda desde que salvaguardada a hierarquia estabelecida para as fontes de regulação no artigo 3.º do Código do Trabalho[24].

Não se vislumbra, pois, que a R. ora recorrida, com as comunicações que enviou, tenha procedido ao tratamento de dados quanto aos elementos relativos à filiação sindical dos seus trabalhadores associados do recorrente para fins não autorizados e em violação do disposto no artigo 7.º, n.º 1, da Lei nº 67/98, de 28/10.

E, nestas circunstâncias, não tendo a R. praticado a conduta da utilização ilícita dos elementos relativos à filiação sindical dos associados do Autor, não assiste a este o direito a peticionar que se ordene à Ré a cessação de tal conduta e que se abstenha de a praticar no futuro, nem a fundar na sua prática um pedido de indemnização por danos alegadamente da mesma decorrentes.

Improcede, nesta parte, a apelação.
                                                                                                                           *

5.3. Da indevida relevância conferida ao silêncio como meio declarativo

Alega também o recorrente que nos termos da legislação laboral o silêncio, em determinadas situações, como sucede com os regulamentos internos de empresa, vale como declaração negocial para efeitos de aceitação e nunca de recusa, nos termos do disposto no artigo 104º do Código do Trabalho, aplicável por analogia à aplicação das tabelas salariais, pelo que, a admitir-se que a comunicação da requerida é lícita, então o silêncio dos associados do recorrente valeria como aceitação do aumento das remunerações base mensais e nunca como recusa. E, consequentemente, após a sua comunicação, a recorrida encontra-se obrigada a aplicar os referidos aumentos a esses trabalhadores que nada digam, tanto por via do disposto na legislação civil, como no artigo 104.º do CT.

Nos termos do preceituado no artigo 218.º do Código Civil, “[o] silêncio vale como declaração negocial quando esse valor lhe seja atribuído por lei, uso ou convenção”.

Deste preceito resulta que o silêncio não tem, em princípio valor declarativo. Como ensina Carlos Alberto da Mota Pinto, “o silêncio é, em si mesmo, insignificativo e quem cala pode comportar-se desse modo pelas mais diversas causas, pelo que deve considerar-se irrelevante – sem querer dizer sim nem não – um comportamento omissivo. De outro modo, ao enviar-se a outrem uma proposta de contrato estaria a criar-se-lhe o ónus de responder a fim de evitar a conclusão do negócio, o que viola a ideia de autonomia das pessoas”[25].

Só deixará de ser assim quando resulte da lei, de convenção, ou de uso, que a ausência de resposta tem um certo sentido.

É o que sucede com o artigo 104.º do Código do Trabalho, relativo aos regulamentos internos de empresa, que atribuí expressamente valor negocial ao silêncio.

Mas poderão considerar-se as comunicações referidas no facto 8. como regulamentos de empresa como parece entender o recorrente?

O regulamento da empresa é um instrumento de delimitação de regras sobre “organização e disciplina” do trabalho no seio da empresa e carece de ser publicitado e enviado ao organismo com competência inspectiva nos termos do artigo 99.º do Código do Trabalho, constituindo manifestação do poder regulamentar do empregador.

Quando contém disposições que interferem com o conteúdo dos contratos de trabalho, o regulamento interno integra uma manifestação de vontade negocial do empregador e, nesse caso, o n.º 2 do artigo 104.º do Código do Trabalho estabelece uma presunção legal de adesão do trabalhador ao regulamento interno da empresa quando o mesmo não se opuser por escrito no prazo de 21 dias. Esta presunção é ilidível nos termos dos artigos 349.º e ss. do Código Civil e constitui uma forma de atribuir, por lei, ao silêncio o valor de uma declaração negocial nos termos admitidos no artigo 218.º do Código Civil[26].  

Ora, analisando os termos da comunicação referida nos factos 8. e 9., verifica-se desde logo que a mesma constitui uma proposta contratual individualizada remetida pela empresa a cada trabalhador, não se confundindo com o regulamente interno a que alude o artigo 99.º do Código do Trabalho.

Mostra-se pois a mesma sujeita à regra geral da irrelevância do silêncio como meio declarativo, não tendo aqui pertinência a invocação do regime excepcional constante do artigo 104.º do Código do Trabalho.

Acresce que nos exactos termos que constam da comunicação em causa, a modificação contratual que propõe em termos salariais depende de uma expressa aceitação do trabalhador, não se conferindo qualquer relevância negocial ao silêncio.

Pretendendo o trabalhador aceitar, terá que o dizer. Se nada disser, nada muda no seu contrato de trabalho na medida em que nesta hipótese o silêncio do trabalhador não tem qualquer valor negocial.

Questão distinta consiste em saber se, a despeito deste silêncio e de se não ter operado pela via negocial uma qualquer alteração contratual no caso dos trabalhadores associados do A. que não aceitaram expressamente a proposta de alteração salarial, não deverão entender-se aplicáveis aos mesmos por outra via as tabelas salariais previstas na Revisão do AE de 2016, questão que já se analisou e a que se respondeu em termos negativos (vide 5.1.).

Não procedem, também neste aspecto, as conclusões das alegações.
                                                                                                                           *

5.4. Do abuso do direito do A., ora recorrente

A sentença sob recurso, fundando-se nos factos de o sindicato Autor não ter querido outorgar o Acordo de Revisão de 2016, recusando-o quer quanto ao seu conteúdo quer quanto aos seus pressupostos e objectivos, e de os efeitos remuneratórios de tal acordo só não estarem a ser aplicados aos trabalhadores seus associados que, por vontade própria individual e livre, não quiseram beneficiar tais efeitos, afirmou ainda que a pretensão do A, mesmo que existisse o direito à aplicação da nova tabela por força dos princípios constitucionais da igualdade e do “trabalho igual salário igual” (o que só se admite por mera hipótese de raciocínio), configuraria um abuso desse direito na modalidade de venire contra factum proprium já que, não só o sindicato Autor estaria agir contra o seu próprio acto de recusa de outorga do IRCT em causa, como estaria a agir, objectiva e concretamente, contra o próprio acto dos trabalhadores associados que representa, os quais, apesar da Ré lhes ter concedida a possibilidade de aceitarem a aplicação dos aumentos salariais decorrentes do IRCT não outorgado, por opção individual e livre, não quiseram beneficiar desses aumentos salariais. Concluiu que por isso, sempre procederia a excepção peremptória do abuso do direito previsto no artigo 334.º do Código Civil, o que impediria o exercício do respectivo direito pelo Autor.

O recorrente refuta que estejam preenchidos os requisitos do abuso do direito e reitera que o aumento salarial idêntico para todos os trabalhadores é um direito constitucionalmente consagrado e irrenunciável, não integrando a autonomia privada das partes.

Ora, concluindo nós que a não aplicação dos aumentos salariais por parte da Ré aos trabalhadores associados do Autor se mostra válida e materialmente fundada, quer no princípio da filiação quer na recusa do sindicato A. em outorgar o Acordo de Revisão, não constituindo discriminação infundada ou ilícita, é patente que não pode afirmar-se o direito à aplicação de tal tabela aos trabalhadores sindicalizados no recorrente.

Na verdade, só é lícito o recurso ao instituto do abuso do direito quando se esteja perante o exercício de um direito ou de uma faculdade jurídica de que se seja titular, não havendo espaço para o seu funcionamento quando a pessoa contra quem for utilizado não é titular do direito ou da faculdade jurídica invocada, como ocorre no caso em análise[27].

Assim, não se reconhecendo ao recorrente o direito em causa, não chega a colocar a questão do eventual abuso de tal inexistente direito, mostrando-se prejudicada a análise da questão do abuso do direito que o recorrente também fez constar das suas alegações [conclusões ii) a kk)].
                                                                                                                                       *

5.5. Da responsabilidade da recorrida pela reparação dos danos patrimoniais e danos não patrimoniais invocados na petição inicial.

O A. funda o direito indemnizatório que quer fazer valer na conduta da R. que reputa de ilícita e que se consubstancia, essencialmente, no envio da comunicação e anexa declaração, com a consequente violação de dados pessoais supra alegada e no não pagamento da nova tabela salarial do AE/2016 aos associados do A.

Segundo alega, estes actos constituem um apelo à deserção sindical, com o único propósito de enfraquecer e limitar a actividade do Autor, fragilizando o direito à contratação colectiva desta associação sindical, pondo em causa a sua imagem de associação sindical representativa e idónea, bem como o seu poder negocial em sede de discussão dos instrumentos de regulamentação colectiva, fazendo crer que não só é inútil a pertença a uma associação sindical, como é mesmo prejudicial, com o que também se prejudica a acção constitucionalmente atribuída aos sindicatos em geral e ao A., em particular, que, dessa forma, perde não apenas associados e, consequentemente, capacidade económico-financeira, pois vê-se sem o pagamento das respectivas quotas, mas também perde capacidade de negociação face ao empregador e vê prejudicada a sua imagem, prestígio e reputação face aos seus associados e à generalidade dos trabalhadores que potencialmente a ele podem vir a aderir, constituindo, assim uma clara ingerência na autonomia e independência sindical e na própria autonomia colectiva dos trabalhadores, porquanto condiciona e restringe, de forma inadmissível, o exercício de um direito fundamental e exclusivo dos sindicatos de contratação colectiva, o que acarretou ao A. danos patrimoniais e não patrimoniais.

Ora, como resulta do supra exposto, não tendo a recorrida praticado qualquer acto ilícito gerador de responsabilidade civil, não se mostram preenchidos os pressupostos da responsabilidade que lhe é assacada pelo recorrente. A R. nem utilizou ilicitamente os dados pessoais dos trabalhadores associados no Autor e relativos à filiação sindical, nem actuou ilicitamente ao não aplicar os aumentos salariais decorrentes do Acordo de Revisão do AE a parte dos trabalhadores associados no Autor, pelo que inexiste facto ilícito praticado pela Ré e, falhando este pressuposto essencial da obrigação de indemnização, não emerge para si qualquer responsabilidade nos termos dos artigos 483.º e ss. do Código Civil.

Acresce que, como indicou no artigo 6.º da petição inicial, o A. instaurou a presente acção para defesa dos interesses colectivos dos trabalhadores por si representados e afectados pela decisão unilateral da Ré de lhes enviar as comunicações individuais e não lhes aplicar os aumentos salariais que vai aplicar à generalidade dos demais trabalhadores, na sequência da revisão parcial do AE BBB 2015. Não visando a acção, pois, a defesa de um interesse próprio, mas do interesse colectivo dos trabalhadores associados do A., as alegadas condutas ilícitas da Ré violariam direitos dos trabalhadores seus associados (o direito à não violação dos respectivos dados pessoais desses trabalhadores e o direito dos mesmos à retribuição em função da nova tabela) e não direitos do próprio, enquanto estrutura sindical, não tendo cabimento um pedido indemnizatório relacionado com prejuízos sofridos pelo próprio Sindicato (e que alegadamente consistiram em prejuízos decorrentes de quotas que deixaram de lhe ser pagas, de despesas com o reforço da sua actividade sindical e deslocações e ajudas de custo a dirigentes sindicais para reuniões e sessões de esclarecimento, bem como na lesão do seu bom nome, reputação e imagem).

Para além de, como afirmado na sentença sob recurso, não existir nexo causal entre a alegada violação daqueles direitos dos trabalhadores e os alegados danos causados ao sindicato, o que igualmente impede o nascimento da obrigação de indemnização, não vemos como no âmbito desta acção poderia ser arbitrada uma indemnização por alegados danos causados ao Sindicato se não foi em defesa dos seus interesses próprios, mas na defesa dos interesses colectivos que representa, que assumidamente a instaurou.

Sendo assim, e retomando a este passo a análise da necessidade ou desnecessidade da prossecução dos autos para ampliação da decisão de facto, uma vez que a alegação de factos relativos a danos alegadamente sofridos pelo A. Sindicato constante dos artigos 61º-A a 61.º-S (danos patrimoniais) e 61º-U a 61.º-CC (danos não patrimoniais) da petição inicial aperfeiçoada, é irrelevante para a sorte do litígio – razão por que, ainda que apurados tais factos, não poderia reconhecer-se o direito indemnizatório que se pretende fazer valer com a presente acção – é manifesto que não é “indispensável” a ampliação da matéria de facto para apuramento dos factos alegados nos artigos 61º-A a 61.º-S e 61º-U a 61.º-CC, tal como se exige na alínea d) do n.º 2 do artigo 662.º do Código de Processo Civil.

Se aquela alegação não tem a virtualidade de influir na solução jurídica da causa, o tribunal ad quem não deve determinar a ampliação da matéria de facto e a repetição do julgamento, em observância do princípio da economia processual, segundo o qual cada processo deve comportar, tão só, os actos e formalidades indispensáveis ou úteis (cfr. o artigo 130.º do CPC)[28].

Não se justifica, pois, a ampliação da decisão da 1.ª instância com a realização de audiência de julgamento, nos termos pretendidos pelo recorrente, também quanto a estes factos.
                                                                                                                           *

E, em conclusão, não merece provimento o recurso.
                                                                                                                           *

5.6. Porque ficou vencido no recurso, a lei faz recair sobre o recorrente o pagamento das custas respectivas (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho). Deve atentar-se, contudo, em que o A. se encontra isento atento o disposto no art. 4.º, n.º 1, al. f), do Regulamento das Custas Processuais. A isenção não abrange, todavia, a responsabilidade do A. pelos encargos a que tenha dado origem, uma vez que a sua pretensão foi totalmente vencida (art. 4º, nº 6, do Regulamento das Custas Processuais), nem pelos reembolsos previstos no art. 4º, nº 7, do mesmo Regulamento.
                                                                                                                           *
                                                                                                                           *

6. Decisão

Em face do exposto:

6.1. alteram-se os pontos 5. e 23. da decisão de facto nos termos sobreditos;

6.2. acrescenta-se à decisão de facto o ponto 23-A.;

6.3. nega-se quanto ao mais provimento à apelação e mantém-se a decisão final constante do saneador-sentença da 1.ª instância.

Condena-se o recorrente nas custas, sendo a sua responsabilidade restrita aos encargos a que deu lugar e às custas de parte que haja.
Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, anexa-se o sumário do presente acórdão.


Lisboa, 10 de Janeiro de 2018


(Maria José Costa Pinto)
(Manuela Bento Fialho)
(Sérgio Almeida)


[1]Embora se não compreenda por que razão as conclusões se iniciam pela alínea h), sem referência às precedentes letras do alfabeto, mantêm-se nos precisos termos, por fidedignidade à transcrição a que se procede.  
[2]Vide, neste sentido, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Outubro de 2006, Revista n.º 2069/2006, de 18 de Outubro de 2006, Proc. n.º 1731/06, de 17 de Janeiro de 2007, Recurso n.º 2333/06 e de 13 de Outubro de 2010, Recurso n.º 673/03, todos da 4.ª Secção e sumariados in www.stj.pt.
[3]Vide Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Coimbra, 1982, p. 255.
[4]Vide José Lebre de Feitas, in A Acção Declarativa Comum À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª Edição, Coimbra, 2013, p. 183 e ss.
[5]Vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2010-01-20, Recurso n.º 2315/08.0TTLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt.
[6]Completou-se o teor da comunicação porque se trata de facto documentalmente provado e para melhor esclarecimento.
[7]A sentença considerou integralmente reproduzido o teor da minuta, mas entende-se pro bem proceder à sua transcrição, também para melhor esclarecimento.
[8]Recurso n.º 838/05.2TTCBR.C1.S1- 4.ª Secção, sumariado in www.stj.pt.
[9]Vide Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª ed. revista, Coimbra, 2007, p. 339.
[10]In www.tribunalconstitucional.pt. Vide também o Acórdão n.º 282/2005. Vide ainda os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 319/2000, 232/2003, 491/2008, 460/2011 e 238/2014, todos no mesmo sítio.
[11]Processo n.º 07S4100, in www.dgsi.pt e, no mesmo sítio e entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Maio de 2008.
[12]Do muitas vezes citado Acórdão n.º 39/88, relatado pelo Conselheiro Messias Bento, retira-se também a ideia de que a proibição do arbítrio exige ainda tratamento diferenciado, mas proporcionado, de situações que, no plano fáctico, surjam como diversas. Segundo ali é dito, «A igualdade não é, porém, igualitarismo. É, antes, igualdade proporcional. Exige que se tratem por igual as situações substancialmente iguais e que, a situações substancialmente desiguais, se dê tratamento desigual, mas proporcionado: a justiça, como princípio objectivo, «reconduz-se, na sua essência, a uma ideia de igualdade, no sentido de proporcionalidade».
[13]Vide assim considerando o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2010-01-20, Recurso n.º 2315/08.0TTLSB.L1.S1- 4.ª Secção.
[14]Vide Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I, 4.ª edição, Coimbra, 2007, p. 748.
[15]Vide Júlio Gomes, in Direito do Trabalho, Relações Individuais de Trabalho, Volume I, Coimbra, 2007, p. 52. Vide também o seu artigo “O Código do Trabalho de 2009 e o Desincentivo à Filiação Sindical”, in PDT n.º 83, Maio-Agosto de 2009, pp. 96 e ss. São pertinentes as palavras de Peter Shüren, citado neste artigo (pp. 101-102, nota 16), quando sublinha “a importância de os resultados da actuação do sindicato, nomeadamente ao nível da negociação colectiva, ficarem em princípio restritos aos filiados. Com efeito, a própria liberdade de sair de um sindicato só tem verdadeiro significado e alcance se os resultados negociais a que um sindicato chegue não forem directamente aplicáveis e não sejam tão pouco estendidos (pelo menos com excessiva ligeireza) aos trabalhadores não filiados. Os decisores nos sindicatos só alterarão as suas decisões na medida em que alterando-as isso possa atrair ou manter os seus filiados.”
[16]João Leal Amado, in Contrato de Trabalho, 3.ª edição, Coimbra, 2011, p. 311, nota 467.
[17]Monteiro Fernandes in "Direito do Trabalho", 13.ª edição, Coimbra, 2006, p. 794, nota.
[18]Vide Bernardo da Gama Lobo Xavier, in Manual de Direito do Trabalho, com a colaboração de Pedro Furtado Martins, Nunes de Carvalho, Joana Vasconcelos e Tatiana Guerra de Almeida, 2.ª edição revista e actualizada, Lisboa, 2014, pp. 615-616.
[19]In Notas Sobre a Eficácia Normativa das Convenções Colectivas, Colecção Cadernos Laborais, N.º 1, Coimbra, 2002, pp. 17-18, nota 22.
[20]Recurso n.º 838/05.2TTCBR.C1.S1, que deu os primeiros sinais de mudança.
[21]Processo n.º 7388/15.7T8LSB.L1.S1, in www.dgsi.pt.
[22]Que seguiu doutrina já expressa no Acórdão do mesmo tribunal de 13 de Outubro de 2016, proferido no âmbito do processo nº 8308/14.1T8LSB.L1.S1, e veio a ser sufragado nos subsequentes Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 06 de Dezembro de 2016, no processo nº 8306/14.5TT8LSB.L1.S1 e de 14 de Dezembro de 2016, processo 8303/14.0T8LSB.L1.S1.
[23]In www.cnpd.pt.
[24]Não queremos colocar a hipótese de o Sindicato pretender que os seus associados, eventualmente descontentes com o procedimento deste em sua representação, vejam cerceada a sua liberdade.
[25]Vide Carlos Alberto da Mota Pinto, in Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª edição Por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, 2.ª reimpressão, Coimbra, 2012, p. 425.
[26]Vide Pedro Romano Martinez, in Direito do Trabalho, 4.ª edição, Coimbra, 2007, pp. 446 e ss.
[27]Vide o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2016-03.14, Processo 3274/10.5TBSTS.P1, in www.dgsi.pt.      
[28]Vide o Acórdão da Relação de Lisboa de 2011.09.20, Processo n.º 7711/08.0TMSNT.L1-1, in www.dgsi.pt, citando Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra,
1979, p. 388.