Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1353/13.6YRLSB-7
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: ÓNUS DA PROVA
PROPRIEDADE INDUSTRIAL
PATENTE
INDEMNIZAÇÃO
PRESSUPOSTOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/07/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDÊNCIA
Sumário: 1. No âmbito da propriedade industrial baseada em patente, diversamente do que sucede no domínio do regime geral da responsabilidade civil aquiliana, o art.º 98.º do CPI estabelece uma inversão do ónus da prova sobre a titularidade do pretenso direito violado, quando se tratar de patente que incida sobre um processo de fabrico de um produto novo e o mesmo produto seja fabricado por terceiro
2. Nesse caso, incumbe ao terceiro provar que o produto foi por ele fabricado mediante processo diverso do patenteado, ilidindo a presunção legal iuris tantum circunscrita ao pressuposto da ilicitude.
3. Porém, daí não se pode extrair, sem mais, que essa presunção alcance também o juízo de imputação subjectiva ou de censurabilidade, cabendo ao lesado o ónus de provar a culpa do lesante, nos termos do artigo 487.º do CC.
4. No caso presente, dos factos provados não se colhe qual o nível de envolvimento das demandadas no processo de fabrico em causa por forma a sustentar que aquelas tivessem “um conhecimento exaustivo dos circunstancialismos e especificidades do sector da produção dos medicamentos genéricos”.
5. Da não ilisão da sobredita presunção legal, por parte das demandadas, não parece resultar que tenha ocorrido negligência na observância do respectivo ónus probatório, mas antes que tal se deveu à contingência da prova condicionada pela própria complexidade dos factos em causa.
6. Acresce que da factualidade provada não resulta que as demandadas interviessem no plano do fabrico, pelo que, apesar de especializadas na comercialização dos referidos medicamentos, não se vê que se lhes possa exigir uma diligência tal como se fabricantes fossem.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
I – Relatório
1. BIPH, Gmbh Co. Kg (1.ª A.), BII (2.ª A.), UF, Ld.ª, invocando direitos de que são titulares decorrentes da Patente Europeia n.º ... e do Certificado Complementar de Protecção n.º 41, cujo prazo expiraria em 12-12-2013, relativamente aos medicamentos genéricos constantes da lista publicada pelo INFARMED, em 11-01-2012, respeitantes à substância activa T., requereram, junto de tribunal arbitral necessário, contra as sociedades:
1.ª - P., Ld.ª;
2.ª – F., S.A.,;
3.ª – F.G., Ld.ª;
4.ª – V., Ld.ª
5.ª - P.T., S.A.;
6.ª - P.H., Ld.ª;
7ª - H., Ld.ª;
8.ª – G., S.A.
a pedir que:
A - As demandadas fossem condenadas:
a) - a abster-se de importar, fabricar, armazenar, introduzir no co-mércio, vender ou oferecer, em território nacional ou tendo em vista a comercialização neste território, os medicamentos genéricos con-tendo como princípio activo o T, enquanto a EP ... e o CCP … se encontrarem em vigor até 12/12/2013;
b) – a não transmitirem a terceiros as AIM identificadas na petição inicial, até à caducidade dos direitos ora exercidos;
c) – a pagarem uma sanção pecuniária compulsória de valor não inferior a € 50.000,00 por cada dia de atraso no cumprimento da condenação que viesse a ser proferida;
B – As demandadas F., S.A., e P.T., S.A., fossem ainda condenadas:
a) – a retirar, a expensas suas, do mercado português os medica-mentos denominados T. E. e T. F., em qualquer das formulações e dosagens, enquanto a EP ... e o CCP ... se encontrarem em vigor até 12/12/2013;
b) – no pagamento às demandantes de uma indemnização correspondente ao valor dos prejuízos para aquelas decorrentes da comercialização dos medicamentos T. E. e T. F. e ao valor dos lucros auferidos pelas mesmas demandadas na referida comercialização, bem como aos encargos suportados por estas com a presente acção.
2. Apenas as demandadas F. e P. apresentaram contestação, na qual, pugnam pela falta de fundamento legal do pedido de proibição de transmissão das autorizações de introdução no mercado de que são titulares, além do mais:
- arguindo a excepção de incompetência absoluta do tribunal arbitral, com fundamento em inconstitucionalidade do regime de arbitragem necessária imposto pela Lei n.º 62/2011, de 12-12;
- sustentando ainda que adquirem a substância T. à empresa AC, Ltd., que, por sua vez, o produz por um processo distinto daquele que é objecto da EP n.º ..., invocada pelas demandantes, não infringindo assim a matéria reivindicada nessa patente.
3. As demandantes ofereceram resposta, em que concluem pela improcedência das excepções invocadas e reiteram o petitório.
4. Frustrada a conciliação em sede de audiência preliminar, o processo arbitral prosseguiu para a produção de prova, após o que as partes apresentaram alegações escritas tanto sobre a matéria de facto como sobre as questões de direito.
5. Por fim, foi proferido acórdão, em 20/09/2013, com voto de vencimento de um dos Exm.º Árbitros, cujo dispositivo é do seguinte teor:
“a) - Condenar a demandada P., Ld.ª, a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos genéricos contendo como princípio ativo o T., a que se reportam as autorizações de introdução no mercado que requereu em 5-8-2011, indicadas na alínea y) da matéria de facto fixada, enquanto a EP ... e o CCP ... se encontrarem em vigor, ou seja, até 12/12/2013, assim julgando procedente o primeiro pedido formulado pelas demandantes, na parte relativa a esta demandada;
b) - Condenar a demandada P., Ld.ª, a não transmitir a terceiros as AIMs identificadas na alínea y) da matéria de facto fixada, até 12/12/2013, assim julgando procedente o segundo pedido formulado pelas demandantes, na parte relativa a esta demandada;
c) - Condenar a demandada P., Ld.ª, a pagar uma sanção pecuniária compulsória no montante de € 5.000.00 por cada dia de atraso no cumprimento das condenações, indicadas nas duas alíneas antecedentes, assim julgando procedente o terceiro pedido formulado pelas demandantes, na parte relativa a esta demandada;
d) - Condenar a demandada P., Ld.ª, no pagamento dos encargos do processo indicados no ponto 7 deste acórdão;
e) - Condenar a demandada F., a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos genéricos contendo como princípio activo o T., a que se reportam as autorizações de introdução no mercado que requereu em 05/08/2011, indicadas na alínea aa) da matéria de facto fixada, enquanto a EP ... e o CCP ... se encontrarem em vigor, ou seja, até 12/12/2013, assim julgando procedente o primeiro pedido formulado pelas demandantes, na parte relativa a esta demandada;
f) - Condenar a demandada F.G., Ld.ª, a não transmitir a terceiros as AIMs identificadas na alínea aa) da matéria de facto fixada, até 12/12/2013, assim julgando procedente o segundo pedido formulado pelas demandantes, na parte relativa a esta demandada;
g) - Condenar a demandada F.G., Ld.ª, a pagar uma sanção pecuniária compulsória no montante de € 5.000,00 por cada dia de atraso no cumprimento das condenações, indicadas nas duas alíneas antecedentes, assim julgando procedente o terceiro pedido formulado pelas demandantes, na parte relativa a esta demandada;
h) - Condenar a demandada F.G., Ld.ª, no pagamento dos encargos do processo indicados no ponto 7 deste acórdão;
i) - Condenar a demandada V., a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos genéricos contendo como princípio activo o T., a que se reportam as autorizações de introdução no mercado que requereu em 05-08-2011, indicadas na alínea bb) da matéria de facto fixada, enquanto a EP ... e o CCP ... se encontrarem em vigor, ou seja, até 12/12/2013, assim julgando procedente o primeiro pedido formulado pelas demandantes, na parte relativa a esta demandada;
j) - Condenar a demandada V., a não transmitir a terceiros as AIMs identificadas na alínea bb) da matéria de facto fixada, até 12/12/2013, assim julgando procedente o segundo pedido formulado pelas demandantes, na parte relativa a esta demandada;
k) - Condenar a demandada V., a pagar uma sanção pecuniária compulsória no montante de € 5.000,00 por cada dia de atraso no cumprimento das condenações, indicadas nas duas alíneas antecedentes, assim julgando procedente o terceiro pedido formulado pelas demandantes, na parte relativa a esta demandada;
l) - Condenar a demandada V., no pagamento dos encargos do processo in-dicados no ponto 7 deste acórdão;
m) - Condenar a demandada P.H., Ld.ª, a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos genéricos contendo como princípio activo o T., a que se reportam as autorizações de introdução no mercado que requereu em 30-12-2011, indicadas na alínea v) da matéria de facto fixada, enquanto a EP ... e o CCP ... se encontrarem em vigor, ou seja, até 12/12/2013, assim julgando procedente o primeiro pedido formulado pelas demandantes, na parte relativa a esta demandada;
n) - Condenar a demandada P.H., Ld.ª, a não transmitir a terceiros as AIMs identificadas na alínea w) da matéria de facto fixada, até 12/12/ 2013, assim julgando procedente o segundo pedido formulado pelas demandantes, na parte relativa a esta demandada;
o) - Condenar a demandada P.H., Ld.ª, a pagar uma sanção pecuniária compulsória no montante de € 5.000,00 por cada dia de atraso no cumprimento das condenações, indicadas nas duas alíneas antecedentes, assim julgando procedente o terceiro pedido formulado pelas demandantes, na parte relativa a esta demandada;
p) - Condenar a demandada P.H., Ld.ª, no pagamento dos encargos do processo indicados no ponto 7 deste acórdão;
q) - Condenar a demandada H., Ld.ª, a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos genéricos contendo como princípio activo o T., a que se reportam as autorizações de introdução no mercado que requereu em 25/05/2010, indicadas na alínea x) da matéria de facto fixada, enquanto a EP ... e o CCP ... se encontrarem em vigor, ou seja, até 12/12/ 2013, assim julgando procedente o primeiro pedido formulado pelas demandantes, na parte relativa a esta demandada;
r) - Condenar a demandada H., Lda., a não transmitir a terceiros as AIMs identificadas na alínea x) da matéria de facto fixada, até 12/12/2013, assim julgando procedente o segundo pedido formulado pelas demandantes, na parte relativa a esta demandada;
s) - Condenar a demandada H., Ld.ª, a pagar uma sanção pecuniária compulsória no montante de € 5.000,00 por cada dia de atraso no cumprimento das condenações, indicadas nas duas alíneas antecedentes, assim julgando procedente o terceiro pedido formulado pelas demandantes, na parte relativa a esta demandada;
t) - Condenar a demandada H., Ld.ª, no pagamento dos encargos do processo indicados no ponto 7 deste acórdão;
u) - Condenar a demandada G., S.A., a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos gen
éricos contendo como princípio activo o T., a que se reportam as autorizações de introdução no mercado que requereu em 5-2-2009 e 17-9-2012, indicadas na alínea u) da matéria de facto fixada, enquanto a EP ... e o CCP ... se encontrarem em vigor, ou seja, até 12/12/2013, assim julgando procedente o primeiro pedido formulado pelas demandantes, na parte relativa a esta demandada;
v) - Condenar a demandada G., S.A., a não transmitir a terceiros as AIMs identificadas na alínea u) da matéria de facto fixada, até 12/12/2013, assim julgando procedente o segundo pedido formulado pelas demandantes, na parte relativa a esta demandada;
w) - Condenar a demandada G., S.A., a pagar uma sanção pecuniária compulsória no montante de € 5.000,00 por cada dia de atraso no cumprimento das condenações, indicadas nas duas alíneas antecedentes, assim julgando procedente o terceiro pedido formulado pelas demandantes, na parte relativa a esta demandada;
x) - Condenar a demandada G., S.A., no pagamento dos encargos do processo indicados no ponto 7 deste acórdão;
z) - Condenar a demandada P.T., S.A., a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos genéricos contendo como princípio activo o T., a que se reportam as autorizações de introdução no mercado que requereu em 05/08/2011 e 04/07/2012, indicadas na alínea v) da matéria de facto fixada, enquanto a EP ... e o CCP ... se encontrarem em vigor, ou seja, até 12/12/2013, assim julgando procedente o primeiro pedido formulado pelas demandantes, na parte relativa a esta demandada;
aa) - Condenar a demandada P.T., S.A., a não transmitir a terceiros as AIMs identificadas na alínea v) da matéria de facto fixada, até 12/12/2013, assim julgando procedente o segundo pedido formulado pelas demandantes, na parte relativa a esta demandada;
bb) - Condenar a demandada P.T., S.A, no pagamento dos encargos do processo indicados no ponto 7 deste acórdão;
cc) - Condenar a demandada P.T., S.A., a retirar, a suas expensas, do mercado português o medicamento denominado T. E.e, em qualquer das formulações e dosagens, enquanto a EP ... e o CCP ... se encontrarem em vigor, ou seja até 12/12/2013, assim julgando procedente o quarto pedido formulado pelas demandantes, na parte relativa a esta demandada;
dd) - Condenar a demandada P.T., S.A., a pagar uma sanção pecuniária compulsória no montante de € 5.000,00 por cada dia de atraso no cumprimento das condenações, indicadas nas alíneas antecedentes que a esta demandada se referem, assim julgando procedente o terceiro pedido formulado pelas demandantes, na parte relativa a esta demandada;
ee) - Condenar a demandada F., S.A., a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos genéricos contendo como princípio activo o T., a que se reportam as autorizações de introdução no mercado que requereu em 05/08/2011, indicadas na alínea z) da matéria de facto fixada, enquanto a EP ... e o CCP ... se encontrarem em vigor, ou seja, até 12/12/2013, assim julgando procedente o primeiro pedido formulado pelas demandantes, na parte relativa a esta demandada;
ff) - Condenar a demandada F., S.A., a não transmitir a terceiros as AIMs identificadas na alínea z) da matéria de facto fixada, até 12/12/2013, assim julgando procedente o segundo pedido formulado pelas demandantes, na parte relativa a esta demandada;
gg) - Condenar a demandada F., S.A., no pagamento dos encargos do processo indicados no ponto 7 deste acórdão;
hh) - Condenar a demandada F., S.A., a retirar, a suas expensas, do mercado português o medicamento denominado T. F., em qualquer das formulações e dosagens, enquanto a EP ... e o CCP ... se encontrarem em vigor, ou seja, até 12/12/2013, assim julgando procedente o quarto pedido formulado pelas demandantes, na parte relativa a esta demandada;
ii) - Condenar a demandada F.
, S.A., a pagar uma sanção pecuniária compulsória no montante de € 5.000,00 por cada dia de atraso no cumprimento das condenações, indicadas nas alíneas antecedentes que a esta demandada se referem, assim julgando procedente o terceiro pedido formulado pelas demandantes, na parte relativa a esta demandada;
jj) - Absolver as demandadas P.T., S.A., e F., S.A., do pedido de condenação no pagamento de indemnização, assim julgando improcedente o quinto pedido formulado pelas demandantes.”
E em matéria de encargos, o tribunal arbitral concluiu o seguinte:
“Assim, em relação às demandadas P., Ld.ª, F., Ld.ª., V., Ld.ª, P.H., Ld.ª, H., Ld.ª. e G., S.A. os encargos são os que resultam do acordado, isto é, C 1.875,00, para cada uma, relativos a honorários dos Árbitros e C 100,00, para cada uma, a título de honorários do Secretário, importâncias estas acrescidas de IVA, se for devido.
As Demandantes suportarão idênticos encargos.
Quanto aos restantes encargos do processo principal e do processo de providências cautelares, quer a título de honorários, quer de despesas administrativas:
- 1/3 a cargo das demandantes, em face do decaimento no pedido de condenação em indemnização, de importância considerável;
- 2/3 a cargo das demandadas P.T., S.A. e F., S.A., em partes iguais, já que ficaram vencidas quanto aos restantes pedidos.”
Nessa base condenou as ora recorridas nos termos indicados nas alíneas bb) e gg).
6. Inconformadas com tal decisão na parte em que absolveu as demandadas P.T., S.A., e F., S.A., do pedido de indemnização contra elas deduzido, as demandantes vieram apelar, em 14/02/2013, daquele segmento decisório, formulando as seguintes conclusões:
1.ª - O presente recurso vem interposto da decisão proferida no âmbito de arbitragem necessária iniciada pelas Recorrentes contra as Recorridas, nos termos dos artigos 2.º e 3.º da Lei 62/2011 de 12-12, na parte em que absolveu as Recorridas F. e P.T. do pedido de indemnização;
2.ª - O artigo 338.°-L do CPI prevê a obrigação de indemnizar a quem, com dolo ou mera culpa, violar os direitos de propriedade industrial de ou-trem, fixando aí os critérios a utilizar na determinação do “quantum” inde-mnizatório, sem prejuízo da aplicação dos pressupostos que determinam a obrigação de indemnizar contemplados no artigo 483.° do CC.
3.ª - No presente caso, verificou-se a ocorrência de um facto, consubstanciado no lançamento e comercialização no mercado português dos medicamentos Genéricos “T. E.e” e “T. F.”, cuja ilicitude resulta da violação dos direitos de propriedade industrial que emergem da EP ... e CCP ..., na titularidade das Recorrentes;
4.ª - Com a comercialização dos medicamentos Genéricos, as Recorrentes sofreram prejuízos avultados, consubstanciados não só na diminuição de vendas do medicamento de referência M (o que foi dado como provado no acórdão recorrido), mas também nos custos suportados pelas Recorrentes com a cessação da conduta lesiva dos seus direitos de patente.
5.ª - Quando as Recorridas F. e P.T. iniciaram a comercialização dos medicamentos Genéricos “T. F.” e “T. E.e” tinham perfeito conhecimento do escopo da protecção da EP ... (patente de processo) e CCP ..., tanto para mais que, à data em que esta se iniciou, as Recorrentes já tinham invocado os seus direitos e iniciado arbitragem contra as Recorridas.
6.ª - Não podiam assim desconhecer que sobre elas recaía o ónus de provar que utilizavam, efectivamente, um processo distinto (e não equivalente) do processo reivindicado na EP....
7.ª - Esse ónus decorre directamente do artigo 98.° do CPI, que determina uma inversão do ónus da prova, o qual não se preenche com a mera alegação, por parte de terceiros, de que utilizam um processo diferente (e não equivalente) daquele que se encontra patenteado, colocando assim o titular da patente na situação particular de não ter que provar que o processo usado pelo infractor é, na verdade, o processo protegido pela patente;
8.ª - Competindo às Recorridas F. e P.T. fazer prova da efectiva utilização de processo diverso (e não equivalente) daquele que se encontra reivindicado na EP ..., não podiam ignorar a consequência que adviria da ausência dessa prova, consubstanciada na presunção legal da infracção da mesma patente;
9.ª - As Recorridas são empresas Farmacêuticas (integradas num grupo económico de grande relevância no mercado), tendo assim um conhecimento exaustivo dos circunstancialismos e especificidades do sector da produção e comercialização dos medicamentos, no caso, de medicamentos Genéricos;
10.ª - Apesar da prova perfunctoriamente realizada no âmbito do procedimento cautelar, não lograram as Recorridas em momento algum apresentar prova documental que sustentasse a utilização efectiva do processo de fabrico da sociedade “AC” na produção dos seus medicamentos Genéricos contendo a substância activa “T.”;
11.ª - A não ilisão da referida presunção de infracção poderei resultar do conhecimento das Recorridas de que, na verdade, o processo de fabrico da AC não é usado para a produção dos seus medicamentos Genéricos contendo a substância activa “T.”, existindo então uma actuação dolosa das Recorridas quanto ao facto ilícito com o consequente dever de indemnizar as Recorrentes pelos danos causados por esse facto;
12.ª - Numa segunda hipótese, ao introduzirem os medicamentos Genéricos no mercado, as Recorridas conformaram-se com a possibilidade de, afinal, poder-se considerar que estavam a violar a patente das Recorrentes, na medida em que nada fizeram para ilidir a presunção de infracção, como lhes competia, agindo de uma forma imponderada e sem cuidado;
13.ª – Consequentemente, as Recorridas conformaram-se também com a obrigação de indemnizar pelos danos causados pelo facto ilícito, legalmente presumido;
14.ª - E mesmo que assim não se entendesse, o que só se admite por mero dever de patrocínio, não poderia deixar de considerar-se que as Recorridas agiram a título de mera negligência consciente, unia vez que mesmo concedendo-se a possibilidade de que as Recorridas teriam agido de modo diverso caso soubessem que da sua actuação resultaria a violação dos direitos das Recorrentes, nunca poderiam aquelas deixar de prever a possibilidade de tal infracção vir a ocorrer;
15.ª - Sendo certo que, em todas as hipóteses adiantadas, as Recorridas não empregaram a diligência que o bom pai de família, colocado na situação em causa, teria empregado;
16.ª - Pelo que a actuação das Recorridas será sempre, pelo menos, meramente culposa, preenchendo-se os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos previstos nos artigos 483.º do CC e bem assim do artigo 338.º-L do CPI;
17.ª - O erro de enfoque na decisão recorrida - que teve como consequência a errada subsunção dos factos ao direito e ao erro na interpretação da lei - nasce do facto do Tribunal “a quo” ter entendido que o desfecho do procedimento cautelar que foi previamente movido contra as Recorridas legitimou o seu comportamento, ou seja amparou do ponto de vista legal a continuidade da comercialização dos medicamentos Genéricos contendo a substância activa “T.”;
18.ª - A prova a produzir em sede cautelar é meramente sumária e indiciária, permitindo apenas uma sua análise meramente perfunctória, sendo que as Recorridas não podiam deixar de equacionar que, na acção arbitral, teria que ser feita prova idónea e inquestionável cujo ónus lhe impendia - quanto à utilização electiva de um processo de fabrico distinto e não equivalente do que se encontra patenteado na IP ..., sob pena de se presumir a sua infracção;
19.ª - Assim, a causa desculpante do comportamento das Recorridas, invocada pelo Tribunal Arbitral, não poderá colher, quer pela natureza perfunctória da análise da prova produzida, quer porque o ónus da prova no sentido de ilidir a presunção prevista no artigo 98.º do CPI, competia às Recorridas e não tendo estas procedido a essa prova, conformaram-se, no mínimo, com essa presunção de uni facto ilícito gerador de responsabilidade civil.
20.ª - Por fim, seria sempre devida a indemnização pelos custos suportados pelas requerentes com a acção arbitral, prevista no artigo 338.º-L, n.º 7, do CPI, os quais incluem, designadamente os honorários dos mandatários das Recorrentes e os honorários de assistentes técnicos na área especifica da ciência química;
21.ª - Esta indemnização, a ser fixada “em qualquer caso”, nos termos do supracitado artigo, não está assim dependente da análise dos pressupostos da responsabilidade civil que subjazem ao (restante) pedido indemnizatório;
22.ª - Neste sentido, a decisão recorrida, na parte em que absolveu as Recorridas F. e P.T. do pedido de pagamento de indemnização correspondente ao valor dos prejuízos para estas decorrentes da comercialização dos medicamentos Genéricos e ao valor dos lucros auferidos pelas mesmas com a comercialização, e bem assim aos encargos suportados pelas demandantes com a presente acção, padece de erro de julgamento da matéria de direito, incorrecta subsunção dos factos ao direito e incorrecta interpretação da lei, violando os artigos 453.° do CC e 338.º-L do CPI.
Pedem as apelantes que seja revogado o acórdão recorrido, na parte impugnada, e substituído por decisão que condene as apeladas no pedido de uma indemnização, tal como fora formulado na petição inicial, correspondente ao valor dos prejuízos para as demandantes da comercialização dos medicamentos T. E.e e T. F. e ao valor dos lucros auferidos pelas mesmas demandadas pela referida comercialização, bem como nos encargos suportados pelas Recorrentes com a referida acção, tudo nos termos do disposto no artigo 338.º-L do CPI, indemnização essa a ser calculada em sede de liquidação de execução da decisão arbitral.
7. Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II – Delimitação do objecto do recurso
Como é sabido o objecto do recurso é definido em função do teor das conclusões formuladas pelo recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3, 639.º, n.º 1 e 2, e 640.º, n.º 1, do CPC, na sua versão actual.
Face às conclusões das recorrentes, o objecto do presente recurso circunscreve-se à questão do alegado de direito, face à factualidade dada como provada, no tocante à imputação, a título de dolo ou de mera culpa, da violação dos direitos de propriedade industrial emergentes da Patente Europeia n.º ... e do Certificado Complementar de Protecção n.º 41 de que as demandantes são titulares, por parte das demandadas, ora apeladas, P.T., S.A., e F., S.A., pela comercialização não autorizada dos medicamentos Genéricos T. E.e e T. F., para efeitos de responsabilidade civil pelos prejuízos causados àquelas demandantes. Mais precisamente, o fulcro dessa questão repousa na imputação subjectiva daquela violação às demandadas ora recorridas.
E o objecto do recurso alcança ainda a questão relativa aos encargos a suportar.
III – Fundamentação
1. Factualidade provada
Vem dada como provada, pelo Tribunal Arbitral, a seguinte factualidade:
1.1. As demandantes estão integradas no mesmo grupo empresarial internacional - Grupo “BI” – art.º 1.° da petição inicial (p. i.), não impugnado;
1.2. T. é o nome GENérico usado em farmácia (DCI Denominação Comum Internacional) do composto cuja fórmula é: - acordo das partes: artigo 5.° da p. i. e artigo 23.° da contestação;
1.3. O T. é comercializado, em Portugal, pela terceira Demandante, UF, Ld.ª, sob a marca M®, para o tratamento da hipertensão essencial, sendo um antagonista activo e específico do receptor da angiotensina II (tipo AT1), cujo efeito anti-hipertensor consistente permanece ao longo de 24 horas, mesmo durante as primeiras horas da manhã, quando o risco de episódios cardiovasculares é mais elevado – art.º 6.° da p. i., não impugnado, e depoimento da testemunha Dr.a CV;
1.4. O T. é também comercializado em Portugal, sob a marca B. no âmbito de um acordo de comercialização celebrado entre esta e a BG, através do qual foram concedidos à BY. determinados direitos, entre outros, o de adquirir o T. à mesma demandante e comercializá-lo, em Portugal, sob a referida marca, mediante o pagamento das respectivas contrapartidas financeiras – art.º 7.° da p. i., não impugnado, documentos n.º 26 e 27 juntos ao requerimento de providências cautelares e depoimento da testemunha CV;
1.5. A substância T. foi descrita pela primeira vez na patente Alemã DE ..., de 6-2-1991 - acordo das partes: artigos 8.° e 70.° da p. i. e artigo 28.° da contestação;
1.6. A Patente Europeia n.º ... foi pedida a 31-1-1992, reivindicando a prioridade do pedido de patente Alemã DE ..., de 06/02/1991, de acordo com o artigo 88.° da Convenção sobre a Patente Europeia de 1973 - acordo das partes: artigos 9.º da p. i. e artigo 26.º da contestação;
1.7. A demandante BIPH é titular da Patente Europeia n.º ... com o título ou epígrafe "BZ, medicamentos contendo estes compostos e processo para a sua preparação", relativa à substância activa T. - documento n.º 1 junto com a p. i., cujo teor se dá como reproduzido e acordo das partes: artigos 9.° e 15.º da p. i. e 26.º da contestação;
1.8. De acordo com a enciclopédia clássica “TM”, 13.ª Edição, as primeiras referências ao T. surgiram na EP ... – art.º 10.º da p. i. e doc. n.º 2 com ela junto;
1.9. À data do pedido da EP ... (31-1-1992) e da prioridade reivindicada nessa patente, o T. nunca tinha sido sintetizado ou revelado de forma a ser explorado por peritos na matéria, nem tinha sido revelado o uso do processo que é mencionado na patente para obter esse produto – art.º 11.º da p. i., não impugnado, e depoimento da testemunha MJ;
1.10. O T. não fazia parte do que era acessível ao público antes da data do depósito do pedido de patente europeia por uma descrição escrita ou oral, utilização ou qualquer outro meio à data do pedido da EP ... e da prioridade reivindicada nessa patente (6-2- 1991), nos termos do artigo 54.º da Convenção sobre a Patente Europeia – art.º 12.° da p. i., não impugnado e depoimento da testemunha MJ;
1.11. A EP ... foi concedida pelo Instituto Europeu de Patentes (European Patent Office), em 20-5-1998 – doc. n.º 1, junto com a p. i., cu-jo teor se dá como reproduzido;
1.12. Em 19-8-1998 foi entregue no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) a tradução do respectivo fascículo – art.º 17.º da p. i. e doc. n.º 1, junto com aquela, cujo teor se dá como reproduzido;
1.13. A BIPH é ainda a titular do Certificado Complementar de Protecção n.º 41 (doravante “CCP ...”), concedido por referência ao medicamento contendo o T. como substância activa, que estende o período de tempo de protecção da EP ... em relação a qualquer produto que contenha T. como ingrediente activo até 12 de Dezembro de 2013 – doc. n.º 3 junto com a p. i., cujo teor se dá como reproduzido;
1.14. A EP ... tem dois grupos de reivindicações, sendo o primeiro aplicável aos Estados signatários designados Áustria, Bélgica, Suíça, Alemanha, Dinamarca, França, Grã-Bretanha, Itália, Liechtenstein, Luxemburgo, Holanda e Suécia, e diz respeito a BZ novos e inventivos per sedoc. n.º 1 junto com a p. i., cujo teor se dá como reproduzido;
1.15. O segundo grupo de reivindicações aplica-se aos Estados signatários designados Grécia, Portugal e Espanha e respeita ao processo de preparação dos referidos b… novos e inventivos - doc. n.º 1 junto com a p. i., cujo teor se dá como reproduzido;
1.16. Este grupo tem sete reivindicações compreendendo o processo de preparação do T. ou composições farmacêuticas contendo-o como substância activa – doc. n.º 1 junto com a p. i., cujo teor se dá como reproduzido;
1.17. A substância activa T. é um composto da fórmula geral 1, compreendida na Reivindicação 1 da EP ..., e sete métodos/ processos alternativos {a) a g)} para a sua preparação, que são, portanto, protegidos por essa reivindicação – doc. n.º 1 junto com a p. i., cujo teor se dá como reproduzido;
1.18. As Reivindicações 2 a 6 referem-se a outros processos, dependentes da Reivindicação 1 – doc. n.º 1 junto com a p. i., cujo teor se dá como reproduzido;
1.19. Dos vários processos incluídos na reivindicação 1, designados sob as alíneas a) a g), somente os processos a), b) e c) permitem produzir o T.doc. n.º 1 junto com a p. i., cujo teor se dá como reproduzido e depoimento da testemunha MJ;
1.20. O CCP ... foi concedido tendo-a como patente base e por referência à primeira autorização de introdução no mercado do medicamento contendo como substância activa o T.doc. n.° 3 junto com a p. i., cujo teor se dá como reproduzido;
1.21. De acordo com a lista publicada na página electrónica oficial do INFARMED (www.infarmed.pt) nos termos do artigo 9.°, n.º 2, da Lei n.° 62/2011, a demandada G. requereu as AIMS a seguir identificadas nos termos em que constam da mesma lista: - docs. n.º 4 a 9, juntos com a p. i., cujos teores se dão como reproduzidos;
1.22. De acordo com a lista publicada na página electrónica oficial do INFARMED (www.infarmed.pt), nos termos do artigo 9.°, n.º 2, da Lei n.° 62/2011, a demandada P.T. requereu as AIMS a seguir identificadas nos termos em que constam da mesma lista: - docs. n.º 10 a 15, juntos com a p. i., cujos teores se dão como reproduzidos;
1.23. De acordo com a lista publicada na página electrónica oficial do INFARMED (infarmed.pt), nos termos do artigo 9.° n.° 2 da Lei n.º 62/2011, a demandada P.H. requereu as AIMS a seguir identificadas nos termos em que constam da mesma lista: - documento n.º 16 junto com a p. i., cujo teor se dá como produzido;
1.24. De acordo com a lista publicada na página electrónica oficial do INFARMED (www.infarmed.pt), nos termos do artigo 9.° n.° 2 da Lei n.º 62/2011, a Demandada H.M requereu as AIMS a seguir identificadas nos termos em que constam da mesma lista: - documentos 17 a 25 juntos com a petição inicial;
1.25. De acordo com a lista publicada na página eletrónica oficial do INFARMED (www.infarmed.pt) nos termos do artigo 9.° n.° 2 da Lei n.° 62/2011, a demandada P. requereu as AIMS a seguir identificadas nos termos em que constam da mesma lista: - documentos n.º 26 a 31, cujos teores se dão como reproduzidos;
1.26. De acordo com a lista publicada na página eletrónica oficial do 1NFARMED, nos termos do artigo 9.º, n.º 2, da Lei n.º 62/2011, a demandada F. requereu as AIMS a seguir identificadas nos termos em que constam da mesma lista: - documentos n.º 32 a 34, cujos teores se dão como reproduzidos;
1.27. De acordo com a lista publicada na página electrónica oficial do 1NFARMED (…) nos termos do artigo 9.º, n.º 2, da Lei n.º 62/2011, a demandada F. requereu as AIMS a seguir identificadas nos termos em que constam da mesma lista: - documentos n.º 35 a 40, cujos teores se dão como reproduzidos;
1.28. De acordo com a lista publicada na página eletrónica oficial do INFARMED (www.infarmed.pt) nos termos do artigo 9.º, n.º 2, da Lei n.º 62/2011, a demandada V. requereu as AIMS a seguir identificadas nos termos em que constam da mesma lista: - documentos n.º 41 a 43, cujos teores se dão como reproduzidos;
1.29. Resulta da informação disponível na página eletrónica oficial do INFARMED (“INFOMED”) que três dos pedidos de AIM publicitados na referida lista foram concedidos à Requerida F., no dia 31-1-2012, contendo como princípio activo T., os quais apresentam actualmente a seguinte designação (doravante designados por “Genéricos T. F.”): o T. F. 20 mg, comprimido; o T. F. 40 mg, comprimido; o T. F. 80 mg, comprimido - conforme documentos n.º 44 a 46, cujos teores se dão como reproduzidos;
1.30. Resulta também da informação disponível nessa página eletrónica do INFARMED que três dos pedidos de AIM publicitados na referida lista foram concedidos à Requerida P.T., no dia 31-01-2012, contendo como princípio activo T., os quais apresentam atualmente a seguinte designação (doravante designados por "Genéricos T. E.e"): o T. E.e 20 mg, comprimido; o T. E.e 40 mg, comprimido; e o T. E.e 80 mg, comprimido - documentos n.º 47 a 49, cujos teores se dão como reproduzidos;
1.31. Os medicamentos referidos nas duas alíneas anteriores encontram-se à venda nas farmácias portuguesas pelo menos desde 22-10-2012 - documentos n.º 44 a 53 juntos com a p. i., cujos teores se dão como reproduzidos;
1.32. Os medicamentos Genéricos T. F. e T. E., que as demandadas se encontram a comercializar no mer-cado português, contêm a substância activa T.docs. n.º 44 a 53 juntos com a p. i. e doc. n.º 2, junto com a oposição apresentada no processo cautelar, cujos teores se dão como reproduzidos;
1.33. Durante os meses de Outubro a Dezembro de 2012 e de Janeiro a Abril de 2013, ocorreu uma diminuição de volume de vendas da demandada UF comparativamente com períodos homólogos - depoimento da testemunha Dr.ª CV;
1.34. Nos pedidos de emissão de autorização de introdução no mercado para os medicamentos contendo a substância activa T., a demandada F. indicou como seu fabricante a sociedade “AC, Ltd” – doc. n.º 2, junto com a oposição deduzida no processo de providências cautelares, cujo teor se dá como reproduzido;
1.35. A “AC, Ltd” obtém o T. através de um processo que inclui as seguintes etapas descritas no artigo 50.º da contestação e no documento n.º 3, junto com a oposição deduzida no processo de providências cautelares, cujo teor se dá como reproduzido:
. Passo 1 (descrito no documento n.º 3 como 1.ª parte do «Step 1» Síntese de TELM-iP através da reacção entre o 1,7'-dimetil2'-propil1H,3'H-[2,5'] di... e 1-bromo 4-bromometil-benzeno para se obter o produto intermediário TELMI-1P(3'-(4-bromo-benzil)-1,7'-dimetil2'-propil1H,3'H- [2,5'] di...);
. Passo 2 (indicado no documento n.° 3 como 2.a parte do «Step 1»)Purificação de TELM-1P por recristalização em acetato de etilo;
. Passo 3 (indicado no documento n.° 3 como «Step 2»)Síntese do sal sódico de T. através da reacção entre TELM-1P e TELMI-2 (sal sódico de ácido 2-carboxifenil – borónico);
. Passo 4 (indicado no documento n.° 3 como «Step 3») Obtenção do T. puro por recristalização em metanol/água acidificada.
1.36. O processo a) da reivindicação 1 da EP ... é caracterizado por se efectuar uma reacção de ciclização de um composto de fórmula (II) e uma subsequente reacção de redução do intermediário N-óxido obtido – doc. n.º 1 junto com a p. i., cujo teor se dá como reproduzido;
1.37. Neste processo a) da reivindicação 1 da EP ..., o segundo anel de i... da segunda unidade b... da molécula do T. não se encontra ainda formado no composto de fórmula (II) e só se formará por ciclização – doc. n.º 1 junto com a p. i., cujo teor se dá como reproduzido;
1.38. No processo que utiliza, a AC parte de um produto já com as duas unidades b... formadas (produto de partida do Passo 1: 1,7 -dimetil2'-propil1H,3'H-[2,5']di...), o que significa que o segundo anel de i... não necessita de ser formado; já existe – doc. n.º 3, junto com a oposição deduzida no processo de providências cautelares, cujo teor se dá como reproduzido;
1.39. No processo da AC não é usado nem é obtido qualquer composto que corresponda à fórmula geral (II), nem existe qualquer reacção de ciclização ou qualquer reacção de redução, nem se forma qualquer produto intermediário que seja um N-óxido – doc. n.º 3, junto com a oposição deduzida no processo de providências cautelares, cujo teor se dá como reproduzido;
1.40. No processo b) da reivindicação 1 da EP ..., a unidade bifenilo (dois grupos fenilo ligados entre si abaixo designados como F1 e F2) é acoplada tal qual à restante molécula – doc. n.º 1 junto com a p. i.;
1.41. No processo da AC o produto de partida (1,7'-dimetil2'-propillH,3'H-[2,5']di...) é igual ao produto de partida do processo b) e não contém nenhuma unidade fenilo, mas ao contrário do que acontece naquele processo no Passo 1 é acoplada somen-te uma unidade fenilo (F1) sendo a outra unidade fenilo (F2) acoplada posteriormente no Passo 3; o processo AC a unidade bifenilo não é acoplada “tal qual” ao resto da molécula – doc. n.º 3, junto com a oposição deduzida no processo de providências cautelares, cujo teor se dá como reproduzido;
1.42. No processo da AC, não é usado ou obtido um dos produtos de partida do processo b) da reivindicação 1 da EP 0... (derivado de ácido 4'-metil-bifenil2-carboxílico) – doc. n.° 1 junto com a p. i. e doc. n.º 3 junto com a oposição deduzida no processo de providências cautelares;
1.43. No processo b) da reivindicação 1 da EP ..., a única reacção em causa é uma Nalquilação com um composto bifenílico, através de substituição nucleófila alifática – doc. n.º 1 junto com a p. i.;
1.44. No processo da AC, é efectuada uma Nalquilação com um composto monofenílico seguida de uma reação de acoplamento cruzado de SM...– doc. n.º 3 junto com a oposição deduzida no processo de providências cautelares;
1.45. No processo c) da reivindicação 1 da EP ..., refere-se que há um grupo transformável em um grupo carboxilo por meio de hidrólise, termólise ou hidrogenólise – doc. n.º 1 junto com a p. i.;
1.46. No processo da AC parte-se de um produto que já possui o grupo carboxilato (reagente do Passo 3: sal sódico de ácido 2-carboxifenil - borónico), sob a forma de sal sódico (-COONa), sendo pois desnecessária a realização de qualquer reacção de hidrólise, termólise ou hidrogenólise para a sua formação – doc. n.º 3 junto com a oposição deduzida no processo de providências cautelares;
1.47. O processo pelo qual a AC, Ltd obtém T. foi objecto de um pedido de patente, a qual foi concedida e publicada com o n.º EP …– doc. n.º 5 junto com a oposição deduzida no processo de providências cautelares, cujo teor se dá como reproduzido;
1.48. Não houve qualquer oposição ao referido pedido de patente apresentado pela AC, Ltd – doc. n.º 5 junto com a oposição deduzida no processo de providências cautelares, cujo teor se dá como reproduzido;
1.49. A demandante BII é titular da EP ... relativa a um novo processo de obtenção de T.doc. n.º 6 junto com a oposição deduzida no processo de providências cautelares, cujo teor se dá como reproduzido.
1.50. As demandantes enviaram às demandadas cartas comunicando a sua intenção de instaurarem o presente processo arbitral, datadas de 03-02-2012 e 09-02-2012, esta última data em relação à demandada P.T. e a primeira data em relação às restantes - cópias das cartas juntas ao processo;
1.51. As demandadas não solicitaram nem obtiveram autorização das demandantes para, por qualquer forma, explorar a invenção constante da EP ... e do CCP ... - artigo 98.º da p. i., cujo correspondência à realidade não é questionada;
1.52. No período de quatro meses de Janeiro a Abril de 2013, as vendas normais da UF relativas ao medicamento M seriam de cerca de € 1.100.000,00 - depoimento da testemunha CV;
1.53. O volume de vendas no mesmo período foi de € 800.000,00 - depoimento da testemunha CV
2. Apreciação
A questão em apreço inscreve-se no âmbito da pretensão das demandantes deduzida contras as demandadas F., S.A., e P.T., S.A., nos termos da qual aquelas pedem que estas sejam condenadas a pagar-lhes uma indemnização correspondente ao valor dos prejuízos decorrentes da comercialização dos medicamentos T. E. e T. F. e ao valor dos lucros auferidos pelas mesmas demandadas na referida comercialização, bem como aos encargos suportados por aquelas com a presente acção.
Ora, o Tribunal Arbitral considerou que da factualidade provada não se colhiam elementos que permitissem formular um juízo de censura, a título de dolo nem de negligência, sobre as condutas das demandadas.

Por sua vez, as Recorrentes sustentam, no essencial, que:
- Quando as Recorridas F. e P.T. iniciaram a comercialização dos medicamentos genéricos T. F. e T. E.e tinham perfeito conhecimento do escopo da protecção da EP ... (patente de processo) e CCP ..., tanto mais que, à data em que esta se iniciou, as demandantes já tinham invocado os seus direitos e iniciado arbitragem contra as demandadas.
- Não podiam, pois, desconhecer que sobre elas recaía o ónus de provarem que utilizavam, efectivamente, um processo distinto (e não equivalente) do processo reivindicado na EP..., cujo ónus decorre do art.º 98.º do CPI, invertendo o ónus da prova;
- Competia assim às demandadas fazer prova da efectiva utilização de processo diverso do que se encontra reivindicado na EP ..., não podendo ignorar a consequência que adviria da ausência dessa prova, consubstanciada na presunção legal da infracção da mesma patente;
- As demandadas, ora recorridas, são empresas farmacêuticas, integradas num grupo económico de grande relevância no mercado, tendo, por isso, um conhecimento exaustivo dos circunstancialismos e especificidades do sector da produção e comercialização dos medicamentos, no caso, de medicamentos genéricos;
- Apesar da prova perfunctória realizada no âmbito do procedimento cautelar, não lograram as demandadas apresentar prova documental que sustentasse a utilização efectiva do processo de fabrico da sociedade “AC” na produção dos seus medicamentos genéricos contendo a substância activa “T.”;
- A não ilisão da referida presunção de infracção poderei resultar do conhecimento das Recorridas de que o processo de fabrico da AC não é usado para a produção dos seus medicamentos genéricos contendo a substância activa “T.”, existindo então uma actuação dolosa delas quanto ao facto ilícito com o consequente dever de indemnizar as Recorrentes pelos danos causados por esse facto;
- Além disso, ao introduzirem os medicamentos genéricos no mercado, as Recorridas conformaram-se com a possibilidade de, afinal, poder considerar que estavam a violar a patente das Recorrentes, na medida em que nada fizeram para ilidir a presunção de infracção, como lhes competia, agindo de uma forma imponderada e sem cuidado, tendo-se conformado com a obrigação de indemnizar os danos causados pelo facto ilícito, legalmente presumido;
- E mesmo que assim não se entenda, não poderá deixar de considerar-se que as Recorridas agiram a título de mera negligência consciente, uma vez que, mesmo concedendo-se a possibilidade de que teriam agido de modo diverso caso soubessem que da sua actuação resultaria a violação dos direitos das Recorrentes, nunca poderiam aquelas deixar de prever a possibilidade de tal infracção vir a ocorrer;
- Em todas as hipóteses ventiladas, as Recorridas não empregaram a diligência que o bom pai de família, colocado na situação em causa, teria empregado, pelo que a sua actuação será sempre, pelo menos, meramente culposa, preenchendo-se os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos previstos nos artigos 483.º do CC e bem assim do artigo 338.º-L do CPI;
- O erro de enfoque na decisão recorrida radica no facto de o Tribunal a quo ter entendido que o desfecho do procedimento cautelar que foi previamente movido contra as Recorridas legitimou o seu comportamento, ou seja amparou do ponto de vista legal a continuidade da comercialização dos medicamentos genéricos contendo a substância activa T.;
- Todavia a prova a produzida em sede cautelar é meramente sumária e indiciária, permitindo apenas uma sua análise meramente perfunctória, sendo que as Recorridas não podiam deixar de equacionar que, na acção arbitral, teria que ser feita prova idónea e inquestionável cujo ónus lhe impendia - quanto à utilização electiva de um processo de fabrico distinto e não equivalente do que se encontra patenteado na IP ..., sob pena de se presumir a sua infracção;
- Nessas circunstâncias, a causa desculpante do comportamento das Recorridas, invocada pelo Tribunal Arbitral, não poderá colher, quer pela natureza perfunctória da análise da prova produzida, quer porque o ónus da prova no sentido de ilidir a presunção prevista no artigo 98.º do CPI, competia àquelas;
- De resto, seria sempre devida a indemnização pelos custos suportados pelas requerentes com a acção arbitral, prevista no artigo 338.º-L, n.º 7, do CPI, os quais incluem, designadamente os honorários dos mandatários das Recorrentes e os honorários de Assistentes técnicos na área especifica da ciência química;
Vejamos.
Prescreve o n.º 1 do artigo 338.º-L do CPI que:
Quem, com dolo ou mera culpa, viole ilicitamente o direito de propriedade industrial de outrem, fica obrigado a indemnizar a parte lesada pelos danos resultantes da violação.
Por sua vez, o art.º 98.º do mesmo Código estabelece que:
Se uma patente tiver por objecto um processo de fabrico de um produto novo, o mesmo produto fabricado por um terceiro será, salvo prova em contrário, considerado como fabricado pelo processo patenteado.
Estamos perante um quadro normativo de responsabilidade civil extracontratual especificamente moldado para as situações de violação dos direitos de propriedade industrial, cuja ilicitude reside na infracção desta categoria de direitos patrimoniais absolutos.
Porém, no que respeita ao ónus de prova, diversamente do que sucede no domínio do regime geral da responsabilidade civil aquiliana, aqui a lei estabelece uma inversão do ónus da prova sobre a titularidade do pretenso direito violado, quando se tratar de patente que incida sobre um processo de fabrico de um produto novo e o mesmo produto seja fabricado por terceiro, caso em que incumbirá a este provar que o produto foi por este fabricado mediante processo diverso do patenteado, donde decorre uma presunção legal iuris tantum circunscrita ao pressuposto da ilicitude.
Dessa delimitação decorre que não se pode extrair, sem mais, que essa presunção alcance também o juízo de imputação subjectiva ou de censurabilidade, cabendo, pois, ao lesado o ónus de provar a culpa do lesante, nos termos do artigo 487.º do CC, como bem foi considerado pelo tribunal recorrido.
Como é sabido, a imputação subjectiva pode assumir uma de duas variantes: o dolo directo, necessário ou eventual, quando o autor da lesão tenha representado como possível o evento lesivo e tenha querido tal resultado ou, pelo menos, não confiado na sua não ocorrência; a negligência, consciente ou inconsciente, quando o autor da lesão tenha representado como possível o evento lesivo e confiado, com leviandade ou precipitação, na sua não ocorrência (negligência consciente) ou quando, não tendo sequer representado a possibilidade de ocorrência desse evento, o devesse ter representado segundo um padrão de diligência média.
Da factualidade provada colhe-se que os medicamentos genéricos T. F. e T. E.e se encontravam à venda nas farmácias portuguesas pelo menos desde 22-10-2012, sendo comercializados pelas demandadas ora recorridas, contendo a substância activa T.. E que, nos pedidos de emissão de autorização de introdução no mercado para os medicamentos contendo a substância activa T., a demandada F. indicara como seu fabricante a sociedade “AC, Ltd”.
Consta também que o processo pelo qual a “AC Ltd” obtém T. foi objecto de um pedido de patente, a qual foi concedida e publicada com o n.º EP ..., não tendo havido qualquer oposição ao referido pedido de patente apresentado pela AC Ltd e que a demandante BII é titular da EP ... relativa a um novo processo de obtenção de T..
As demandantes enviaram às demandadas cartas comunicando a sua intenção de instaurarem o presente processo arbitral, datadas de 03-02-2012 e 09-02-2012, esta última data em relação à demandada P.T. e a primeira data em relação às restantes.
As demandadas não solicitaram nem obtiveram autorização das demandantes para, por qualquer forma, explorar a invenção constante da EP ... e do CCP ....
Além, disso, o tribunal a quo concluiu que:
a) - “O processo de fabrico descrito na patente EP ..., utilizado pela AC, Ldt.ª para produzir T. não violava a EP ...”, de que as demandantes são titulares;
b) - No caso em apreço, ficou demonstrado que o processo de fabrico de T. que as demandadas dizem ter utilizado, não infringe a EP ...;
c) - Mas, que tal não basta para se considerar ilidida a presunção constante do art.º 98.º do CPI, já que a exigência da prova em contrário ali estabelecida importa forçosamente a prova de que esse processo protegido pela patente não tenha sido efectivamente utilizado, por outrem sem autorização do titular da patente;
d) - Decorre da matéria de facto fixada não ter ficado provado que a substância activa T. utilizada pelas demandadas F. e P.T. nos medicamentos genéricos T. F. e T. E.e tenha sido adquirida à “AC Ltd.”, nem que tal substância fosse obtida pelo processo da EP ..., concluindo-se, por isso, pela presunção da violação da patente EP …, por parte daquelas demandadas;
e) - “No caso em apreço, pelo menos a partir da decisão no processo cautelar, que analisou o processo utilizado pela AC Ltd., com a autoridade de uma decisão jurisdicional, confirmada pelo Tribunal da Relação, declarou não existir violação da EP ..., não havendo razão para concluir que as demandadas F. e P.T. tinham consciência de estar a violá-la, antes pelo contrário, tudo leva a crer que, como os próprios Tribunais que proferiram as decisões, tivessem ficado convencidas de que não ocorrida violação”;
f) - “Assim, a matéria de facto fixada não permite formular um juízo positivo de qualificação da conduta das demandadas F. e P.T., como dolosa ou culposa, designadamente que tivessem agido com conhecimento de que o T. utilizado tivesse sido produzido pelo processo da EP ... ou tivessem falta de cuidado em apurar que ele foi produzido por esse processo”.
E, a este propósito, importa salientar que um dos Exm.ºs Árbitros votou vencido, além do mais, “no segmento em que o Tribunal Arbitral não considerou provado que as demandadas tivessem feito prova de que o T. que já introduziram no mercado português é fabricado por meio do processo AC, o qual foi considerada tecnicamente não equivalente ao invocado nos presentes autos pelas demandantes”, conforme douta declaração de fls. 1503 e segs.
Ora, as constatações referidas nas alíneas a) a d) não vêm questionadas no âmbito do presente recurso, pelo que se têm como questões arrumadas.
Tudo está agora em saber se, não se tendo como provado que a substância activa T. utilizada pelas demandadas F. e P.T. nos medicamentos genéricos T. F. e T. E.e tenha sido adquirida à “AC Ltd.”, nem que tal substância fosse obtida pelo processo da EP ..., de modo a ilidir a presunção legal de ilicitude, se deve também concluir pela imputação subjectiva da conduta daquelas, a título de dolo ou negligência.
Como já acima foi referido, o juízo de censurabilidade sobre a conduta ilícita assim presumida não se afigura de efeito automático, já que não se encontra compreendido no âmbito de previsão normativa daquela presunção legal.
Na verdade, bem pode acontecer que, não tendo o autor da lesão logrado provar que a substância activa comercializada fosse obtida por processo de fabrico diverso do patenteado, mesmo assim não se demonstre que tivesse ou devesse ter conhecimento, com um nível de exigência média, de que os produtos comercializados estivessem cobertos pelo processo patenteado.
No caso em apreço, discutiu-se se os medicamentos genéricos T. F. e T. E.e comercializados pelas ora recorridas foram adquiridos à “AC, Ltd.” e se a substância activa neles presentes fora obtida pelo processo da EP ..., que, por sua vez, não violava a EP ... de que as demandantes se mostram titulares. E o que se verifica é que, segundo a tese que fez vencimento, as demandadas não conseguiram provar tais factos positivos.
Mas, salvo o devido respeito, daí não se pode inferir, sem mais, que as demandadas ora recorridas tivessem conhecimento de que a referida substância activa utilizada nos medicamentos genéricos por elas comercializados estivesse coberto pelo processo patenteado em nome das demandantes.
Com efeito, a complexidade técnica da destrinça dos processos de fabrico envolvidos encontra-se bem espelhada nestes autos, para mais evidenciada na própria dissensão de um dos membros do Tribunal Arbitral.
Assim, da não ilisão da sobredita presunção legal, por parte das demandadas, não parece resultar sequer a ocorrência de negligência na observância do respectivo ónus probatório, mas antes que tal se deveu à contingência da prova condicionada pela própria complexidade dos factos em causa, como bem o demonstra a desconformidade do voto de vencido por um dos Exm.os Árbitros.
Acresce que da factualidade provada não resulta que as demandadas interviessem no plano do fabrico, pelo que, apesar de especializadas na comercialização dos referidos medicamentos, não se vê que se lhes possa exigir uma diligência tal como se fabricantes fossem.
E quanto ao argumento sustentado pelo Tribunal a quo sobre as decisões cautelares a esse propósito proferidas, estas, apesar de terem carácter perfunctório, não deixam de revelar uma tal complexidade.
Mas, independentemente disso, o certo é que o factualismo dado como provado não permite sustentar, com o mínimo de segurança, que as demandadas, ora recorridas, tivesse representado ou devessem representar como possível que a substância activa dos medicamentos genéricos por elas comercializados estava a coberto da patente de fabrico das demandantes, em termos de terem sido negligentes em confiar ou conformar-se com tal possibilidade.
Nem se afigura que uma tal conclusão se possa extrair, por mera generalização, do facto de se tratar de “empresas farmacêuticas, integradas num grupo económico de grande relevância no mercado (…) ”.
Desde logo, dos factos provados não se colhe qual o nível de envolvimento das demandadas no processo de fabrico em causa para sustentar, como pretendem as demandantes, que aquelas tivessem “um conhecimento exaustivo dos circunstancialismos e especificidades do sec-tor da produção … dos medicamentos genéricos”. No contexto dos autos, quer-nos parecer que esta afirmação não passa de uma suposição que não encontra suporte suficiente nos factos dados como provados
Em suma, nestas circunstâncias, da factualidade provada nestes autos não se retira, com cabal segurança, nem sequer por presunção judicial, que as demandadas ora recorridas, mesmo na eventualidade de representar a possibilidade de violação dos direitos das demandantes, tenham confiado de forma negligente, nessa eventualidade, nem nos parece que lhes fosse exigível que o fizessem em face dos dados então disponíveis.
Relativamente aos encargos sustentam as recorrentes que seria sempre devida a indemnização pelos custos suportados pelas demandantes com a acção arbitral, prevista no artigo 338.º-L, n.º 7, do CPI, os quais incluem, designadamente os honorários dos mandatários das recorrentes e os honorários de assistentes técnicos na área especifica da ciência química.
Segundo o n.º 7 do art.º 338.º L do CPI:
Em qualquer caso, o tribunal deve fixar uma quantia razoável destinada a cobrir os custos, devidamente comprovados, suportados pela parte lesada com a investigação e a cessação da conduta lesiva do direito. Sucede que as ora Recorridas ficaram vencidas relativamente às pretensões inibitórias de cessação da conduta lesiva que lhes foi presumidamente imputada na comercialização dos medicamentos em causa, mas foram absolvidas quanto à pretensão indemnizatória.
Nessa conformidade, não de afigura desajustada a proporção de 1/3 dos encargos a suportar pelas demandantes, pelo decaimento na pretensão indemnizatória e de 2/3 para as demandadas por terem decaído nas demais pretensões.
IV – Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se o acórdão recorrido na parte aqui impugnada.
As custas do recurso ficam a cargo das apelantes.
Lisboa, 07 de Outubro de 2014
Manuel Tomé Soares Gomes
Maria do Rosário Oliveira Morgado
Amélia Ribeiro