Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
220/2001.L1-7
Relator: MARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PRESUNÇÕES
ÓNUS DA PROVA
PROVA PERICIAL
DANOS FUTUROS
DANOS MORAIS
INDEMNIZAÇÃO
JUROS DE MORA
EQUIDADE
ACTUALIZAÇÃO DA INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/29/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: A prova por presunções não tem autonomia processual. A presunção assenta sobre um facto que tem de ser provado, por qualquer dos procedimentos probatórios regulados na lei processual. A presunção natural não elimina o ónus da prova, nem modifica o resultado da sua repartição entre as partes;

Consequentemente, a Relação pode extrair ilações lógicas da matéria de facto, dada como provada, completando-a ou esclarecendo-a, mas está-lhe vedado alterar a matéria de facto apenas com base em presunções naturais;

A indemnização por danos futuros deve corresponder a um capital produtor do rendimento que se extinga no final do período provável de vida do lesado;

No cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, o que implica que deve conferir-se relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável admitir;

As tabelas financeiras ou outras fórmulas matemáticas, a que, por vezes, se recorre, têm um mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação judicial com base na equidade;

Pelo facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros, o montante apurado deve ser, em princípio, reduzido de uma determinada percentagem, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado, à custa alheia;

Na fixação dos danos não patrimoniais, atendendo á gravidade dos danos, nada obsta a que se atribua uma compensação que exceda o limite máximo da valorização habitualmente atribuída pelos tribunais ao dano da morte, certo que o art. 496º, nº 1, elege como único critério de aferição a gravidade do dano, conceito eminentemente indeterminado que cabe ao tribunal preencher valorativamente caso a caso;

Os juros destinam-se a cobrir, em princípio, todos os prejuízos resultantes da mora, incluindo os provenientes de eventual desvalorização da moeda, como decorre do estabelecido no nº 2, do art. 566º, do CC;

Não pode cumular-se a eventual «actualização» da indemnização até à data da sentença na 1ª instância com juros de mora desde a citação.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

1. J instaurou a presente acção contra “T”, M e R[1], pedindo a condenação dos réus a pagar-lhe a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença, acrescida de juros de mora até integral pagamento.

Para tanto alega, em resumo, que, em consequência de acidente de viação, cuja culpa imputa em exclusivo a M, condutor do veículo tractor agrícola de matrícula IV, sofreu danos que importa indemnizar.

2. A acção foi contestada.

3. No saneador, os réus M e R foram considerados partes ilegítimas e absolvidos da instância.

4. Realizado o julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente:

A) – Condenou a ré seguradora a pagar ao autor a quantia de EUR 99.215,47, acrescida de juros de mora, à taxa legal aplicável às obrigações civis, vencidos desde a citação sobre EUR 69.215,47 e, desde a data da sentença sobre o restante, tudo até integral pagamento;

B) – Condenou a ré a pagar ao autor a quantia que se vier a liquidar, relativa à reparação dos danos sofridos no veículo do autor, em consequência do acidente;

C) – Às quantias referidas em A) e B) terá de descontar-se o montante já pago pela ré, a título de reparação provisória;

D) – Absolveu a ré do demais peticionado.

5. Inconformado, apela o autor, o qual, em conclusão, diz:

1 – A atribuição de uma incapacidade permanente geral de 40%, cinco anos depois da realização do exame médico pericial (o qual não foi concluído naquela altura por falta de elementos clínicos) e a possibilidade de manutenção do exercício da actividade profissional de pedreiro, ainda que com “esforços suplementares consideráveis”, revela total ausência de observação do recorrido;

2 - Um ser humano que tem o membro inferior esquerdo com encurtamento de 4,8cm, o pé esquerdo em equino, com o cumprimento plantar encurtado em 4,5 cm, que não tem funcionalidade a articulação tíbio-társica esquerda, que tem amiotrofia, não consegue usar o calcanhar, que tem dificuldades em subir e, sobretudo, descer escadas ou rampas, não se consegue permanecer em ortostatismo (colocar-se de cócoras), com edema e dores nas pernas, sobretudo à esquerda e dismetria dos membros inferiores que produzirá sintomatologia dolorosa ao nível da coluna vertebral e artroses no futuro não consegue ser pedreiro, nem exercer funções similares;

3 - As respostas aos quesitos não valorizaram o conhecimento e a experiência comum do homem médio, nem a prova testemunhal produzida, relevando, nos precisos termos, o que o exame pericial tinha escrito, como se pode ver da resposta 22 constante de fls. 442;

4 - O simples conhecimento decorrente da experiência comum impõe ao julgador a conclusão de que o rebate das descritas sequelas na actividade profissional de pedreiro se traduz na sua impossibilidade de exercício;

5 - A resposta n.º 22 deve ser alterada no sentido de constar que a incapacidade permanente global de 40% impede de forma absoluta o exercício da profissão de pedreiro, com o esclarecimento quanto à resposta n.º 21, de que o recorrido nunca mais exerceu a actividade de pedreiro;

6 - As provas constantes da providência cautelar possuem igualmente relevância para a acção principal, onde a Ré aceitou, transaccionou e passou a pagar o montante de 175.000$00 (actuais 872,89€);

7 – Os elementos probatórios que serviram para a providência cautelar de reparação provisória apensa à acção principal devem servir como princípio de prova nesta e não podem ser ignorados pelo julgador;

8 – A apreciação da prova testemunhal dever ser suportada juízos técnico – jurídicos e não por juízos morais e de justiça social;

9 - Em termos processuais, ou se considera para efeitos de probatórios uma testemunha idónea e se confere valor probatório correspondente ao seu testemunho, ou então não se considera idónea, podendo, em caso do douto tribunal ter fundadas suspeitas de que as testemunhas ouvidas estavam a prestar falsas declarações, ordenar a extracção de certidão para instruir o respectivo processo-crime;

10 – A dúvida sobre a veracidade dos factos sobre os quais incidiram os meios de prova que o douto tribunal recorrido considerou insuficientes não é resolvida com juízos de suposição moral ou social, mas sim através dos mecanismos legais previstos no Código de Processo Civil, nomeadamente, o principio do inquisitório que impõe a realização de todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litigio, a que se refere o n.º 3 do artigo 265 e se desenvolve nas regras constantes dos artigos 645.º, n.º 1 e 653.º, n.º 1 daquele código, os quais não tendo sido observados, se encontram violados;

11 - É da experiência comum que não há pedreiros em parte alguma deste país, nem mesmo imigrantes, a trabalhar por menos de cem contos mensais… e muito menos os havia em 2000;

12 - Todos sabem que um salário mensal líquido de 800,00€ para um pedreiro era o mínimo, pois era vulgar pagar-se 1000€ ou 1500,00€ a profissionais experientes, embora todos processassem valores da ordem dos 400 a 500,00€, considerando o douto tribunal recorrido esta prática “recorrente”;

13 - Em face dos elementos constantes dos autos de providência cautelar, da conduta da companhia de seguros, ora Recorrida, e da prova testemunhal produzida, resulta efectivamente provado que a remuneração do recorrente era à data do acidente de 160.000$00, devendo, dessa forma, ser alterada resposta ao quesito n.º 28 da base instrutória para provado e a resposta n.º 26 dos factos provados de fls. 443 dos autos ser alterada em conformidade;

14 – Para o caso de assim não se entender, a omissão de diligências susceptíveis de ser realizadas, prejudicando claramente uma das partes, jovem gravemente diminuído na sua capacidade física, viola o princípio do inquisitório, determinado a nulidade das respostas 21, 22 e 26, relativamente aos quesitos 23, 24 e 28 da base instrutória, pelo que deverá ordenar-se a repetição da produção da prova, com a eventual presença dos peritos em tribunal e a ponderação de todos os elementos necessários ao apuramento da verdade material;

15 - No que respeita à verba atribuída pela incapacidade temporária absoluta, tal valor resulta do facto do douto tribunal recorrido não dar como provada a remuneração de 160.000$00 (actuais EUR 798,08) o que, pelos motivos expostos no capítulo anterior deveria ter sido dado como provada conduzindo a um valor de 13.567, 36€;

16 - Os tribunais têm preconizado que a indemnização pelos danos futuros deve corresponder a um capital que se extinga no fim da sua vida activa e seja susceptível de lhe garantir, durante a mesma, as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganho e para esse efeito têm sido utilizadas fórmulas e tabelas financeiras várias;

17 - As fórmulas matemáticas e tabelas financeiras não se conformam com a própria realidade das coisas, avessa a operações matemáticas, uma vez que não é possível determinar o tempo de vida útil, a evolução dos rendimentos, da taxa de juro ou do custo de vida., devendo as mesmas só poder ser utilizadas como meramente orientadoras e explicativas do juízo de equidade previsto na lei;

18- O cálculo da indemnização sobre o dano futuro não se cinge à perda de ganho efectiva, pois pode tratar-se de um dano que perturba a vida relação e o bem-estar do lesado ao longo da vida;

19 - Sendo assim, não obstante ser um elemento de extrema relevância as repercussões do sinistro no dia a dia profissional (laboral) do lesado, é igualmente importante não esquecer o lesado, enquanto pessoa e das repercussões que daí advêm as quais não possuem essa natureza;

20 – A progressiva degeneração do membro inferior esquerdo e do pé esquerdo resultante da redução que o recorrente sofreu e que lhe provoca uma incapacidade total para o exercício da profissão de pedreiro e um rebate para outras profissões similares, o que o obriga a desenvolver esforços significativos, e a actual conjuntura económica, levará a que o recorrente tenha enormes dificuldades em arranjar emprego, sendo evidente que 60.000,00€ não são suficientes, mas sim, 75.000.000$00 (actuais 374.098,42€) conforme peticionado na petição inicial, o que resulta da equidade;

21 – O valor atribuído pelo douto tribunal de 30.000,00€ para compensação dos danos não patrimoniais é escasso e não revela a correcção e actualização que deveria ter sido feita do decurso do tempo de oitos anos decorridos entre a citação e a sentença;

22 – Mostra-se adequado ao ressarcimento dos graves danos não patrimoniais sofridos pelo autor a quantia de 37.400,00€ peticionada, ou actuais 50.000,00€;

23 – O quantum indemnizatório determinado pelo tribunal deve ser alvo de correcção devido à desvalorização monetária e à inflação imposta pelo decurso do tempo, devendo no que respeita à indemnização por danos não patrimoniais contarem juros desde a data da citação;

24 – Mostram-se violados os artigos 483.º, 496.º, 562.º, 564.º, 566.º e 805.º do Código Civil e n.º 3 do artigo 265.º e artigos 645.º, n.º 1 e 653.º, n.º 1 todos do Código de Processo Civil;

6. Não foram apresentadas contra-alegações.

7. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

8. São as seguintes as questões de que cumpre conhecer:

- Saber se deve ser alterada a decisão de facto;

- Saber se devem ser alterados os montantes fixados, a título de indemnização, pelos danos sofridos;

- Saber se deve proceder-se a actualização da indemnização;

- Saber se os juros de mora se devem contar desde a citação ou desde a data da sentença.

9. É a seguinte a factualidade dada como provada:

1. Pelas 07.50 horas do dia 27.09.2000, na Estrada Nacional, ocorreu um acidente em que intervieram o veículo tractor agrícola de matrícula IU, pertencente a R e conduzido por M, e o veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula DZ, propriedade do Autor e por este conduzido.

2. A Ré “T, S.A” assumiu a responsabilidade civil emergente dos danos causados a terceiros em virtude da circulação do veículo tractor agrícola de matrícula IU, por contrato de seguro titulado pela apólice n.º ….

3. O Autor nasceu a 26.01.72 e é casado com G.

4. Desde 30 de Julho de 2001 que a seguradora Ré paga ao Autor, a título de reparação provisória, a quantia mensal de 175.000$00.

5. M conduzia o tractor agrícola IU por conta, no interesse e sob as ordens do seu proprietário.

6. O tractor agrícola IU circulava na referida E.N. no sentido C-S e o veículo conduzido pelo autor, em sentido oposto.

7. No referido lugar de C pelo lado esquerdo, tendo em conta o sentido do IU, entroncam na E.N. as estradas que ligam aquele lugar a Fe a R.

8. Esse entroncamento é visível, para o condutor que dele se aproxima, pelo menos, a 80 metros.

9. No local do acidente, a estrada tem um traçado rectilíneo, com 7,10 m de largura, o piso, em asfalto, encontrava-se em bom estado de conservação e a faixa de rodagem estava dividida por uma linha longitudinal descontínua pintada no pavimento.

10. O condutor do tractor agrícola circulava na hemi-faixa direita, tendo em conta o sentido de marcha que levava, e, no referido local, pretendia mudar de direcção para sua esquerda, para passar a circular na estrada que daquele entroncamento parte para F.

11. Chegado ao entroncamento, quando o DZ conduzido pelo autor se aproximava, o condutor do tractor agrícola IU mudou de direcção para a sua esquerda, atento o seu sentido de marcha, e invadiu a hemi-faixa contrária.

12. Ao efectuar tal manobra, o condutor do tractor agrícola IU cortou a linha de trânsito ao autor e foi embater na frente e lateral esquerda do DZ.

13. O embate ocorreu na hemi-faixa em que circulava o veículo conduzido pelo autor e a 6,10 m da berma esquerda, atento o sentido S-C.

14. Após o embate, o condutor do tractor agrícola IU foi colocar o veículo a 20 m do local do acidente.

15. No momento do acidente, era dia claro, o tempo estava bom e o piso seco.

16. Em consequência do embate do tractor agrícola, o veículo DZ ficou danificado e o autor ficou entalado no seu interior, com as chapas e os ferros a penetrarem nas suas pernas, abaixo do joelho.

17. Em resultado do acidente, o autor, além de hematomas, escoriações e feridas superficiais em todo o corpo, sofreu as seguintes lesões:

- Fractura cominutiva exposta da extremidade distal da tíbia esquerda;

- Rotura completa da artéria tibial posterior homolateral;

- Luxação da articulação de lisfranc do pé esquerdo;

- Fractura bimaleolar à direita. 

18. No Hospital, onde esteve internado durante uma semana para ser submetido a intervenções cirúrgicas, foram-lhe reduzidas e estabilizadas a fractura exposta da tíbia por osteotaxis e a luxação do tornozelo com 2 fios de Kirschner, e reparada (revascularizada) a artéria tibial posterior com enxerto.

19. Já no Hospital, para onde foi transferido em 04.10.2000, foi submetido a duas intervenções cirúrgicas: uma, em 09.10.2000, ao tornozelo direito (osteosíntese do tornozelo) e a segunda, em 04.04.2001, para retirar e ajustar material de osteosíntese (remoção do fixador externo).

20. O autor esteve internado desde o dia do acidente (27.09.2000) até 13.12.2000, data em que lhe foi concedida alta hospitalar, passando, então, a frequentar, semanalmente, a consulta externa de Ortopedia do Hospital.

21. No domicílio, o autor, por ter as duas pernas infuncionais, necessitou de ajuda permanente para as actividades da vida diária.

22. No primeiro trimestre de 2001, o autor, para tratamento, fez as viagens a Lisboa enumeradas no artigo 36.º da petição inicial.

23. Em 23.03.2001, o autor foi, de novo, internado no Hospital e no dia 4 de Abril seguinte foi submetido a uma intervenção cirúrgica em que foi removido o fixador externo e feita artrodese tíbio-társica à esquerda e osteotomia metatársica à direita.

24. Em 04.04.2001, foi-lhe concedida alta hospitalar e prosseguiu o tratamento ambulatório domiciliário tendo em vista a sua evolução vascular e a recuperação.

25. O autor esteve totalmente incapacitado para o trabalho desde a data do acidente até 14.02.2002.

26. Em virtude das sequelas das lesões sofridas, o autor ficou com uma incapacidade permanente global de 40% (nela se incluindo uma incapacidade de 10% por ser previsível um dano futuro decorrente da dismetria dos membros inferiores na sequência das fracturas sofridas), com rebate na actividade profissional de pedreiro, exigindo esforços suplementares consideráveis no seu exercício.

27. O autor tem sofrido e continuará a sofrer dores físicas, angústia, ansiedade e desgosto.

28. Numa escala de 1 a 7, a intensidade das dores sofridas atinge o grau 5.

29. O autor exercia a profissão de pedreiro e, à data do acidente, trabalhava por conta do seu irmão J.

30. O autor auferia, mensalmente, a remuneração base de 75 700$00 e 14 960$00 de subsídio de alimentação.

31. A esposa do autor trabalha(va) por conta de outrem durante o dia e por isso, nesse período, não pôde prestar-lhe a assistência de que ele careceu.

32. Por sua iniciativa, a ré vinha pagando ao autor, desde Outubro de 2000, a título de reparação provisória, a quantia mensal de 75 000$00.

33. O autor suportou as seguintes despesas relacionadas com o acidente:

- Com deslocações, € 842,74;
- Com aquisição de medicamentos e material ortopédico, € 685,16.

10. Do recurso de facto

10.1. Nas alegações, o apelante insurge-se contra a forma como o Tribunal a quo decidiu a matéria de facto, na medida em que se declarou quais os factos considerados provados e não provados, sem fazer menção dos correspondentes “quesitos”.

Muito embora a lei não o exija expressamente (cf. art. 653º, nº2, do CPC), é manifesta a inconveniência da prática adoptada.

Na verdade:

A ausência de referência (na decisão que julgou a matéria de facto) à numeração dos correspondentes factos controvertidos, constantes da base instrutória afecta significativamente a compreensão pelos destinatários do que foi dado, ou não, como provado e torna mais onerosa a tarefa de análise e controlo da decisão.

Cremos, por isso, que a metodologia seguida pelo Mmo Juíz a quo não é a mais adequada.

Dito isto, passamos a apreciar a pretensão do apelante.

10.2. Invocando «o conhecimento e a experiência comum do homem médio» e a prova testemunhal produzida, pretende o apelante que se desvalorize o teor do relatório pericial e se altere a resposta nº 22, da decisão de facto, no sentido de constar que a incapacidade permanente global de 40% impede de forma absoluta o exercício da profissão de pedreiro, com o esclarecimento quanto à resposta n.º 21, de que o recorrido nunca mais exerceu a actividade de pedreiro.

Perguntava-se nos quesitos 23º e 24º, da base instrutória:

“O autor está totalmente incapacitado para o trabalho desde a data do acidente?”

“Finda a recuperação clínica, o autor ficará com graves limitações para o exercício da profissão?”

Estes quesitos merecerem as respostas que constam dos nºs 21 e 22, da decisão de facto (transpostas para os pontos 25 e 26, dos factos provados, da sentença).

Da motivação da decisão de facto resulta que, para fundar as respostas em causa, o Tribunal se apoiou na «documentação clínica junta aos autos e, sobretudo, no relatório pericial».

Pode ler-se no relatório pericial, realizado no IML:

Em função dos elementos clínicos e médico-legais disponíveis, tendo em conta a globalidade das sequelas resultantes do acidente, a experiência médico-legal, em casos semelhantes, a consulta de tabelas de incapacidades funcionais, a elevada probabilidade de agravamento das sequelas”, os peritos que elaboraram o relatório no Instituto Nacional de Medicina Legal concluem que a Incapacidade Permanente Geral (correspondente à afectação definitiva da integridade física e/ou psíquica da pessoa, com repercussão nas actividades da vida diária, incluindo as familiares, sociais, de lazer e desportivas e profissionais) deve ser fixada em 40%.

Nos termos do disposto no art. 587º, nº1, do CPC, este relatório foi notificado às partes (v. fls. 333).

Na sequência desta notificação, o autor não formulou nenhuma reclamação contra eventual deficiência, obscuridade ou contradição de que o mesmo padecesse (art. 587º, nº2, do CPC).

Optou também por não requerer segunda perícia, podendo fazê-lo ao abrigo do disposto no art. 589º, nº1, do CPC, caso tivesse razões para discordar do parecer pericial (art. 589º, CPC).

Só, agora, nas conclusões do recurso, invocando a prova testemunhal produzida (sem, contudo, a especificar) e a experiência e o conhecimento do homem médio (leia-se prova por presunção judicial – art. 351º, CC) procura corrigir os resultados da perícia realizada.

Ora bem:

Muito embora a força probatória das respostas dos peritos seja fixada livremente pelo tribunal (art. 389º, do CC), certo é que, sobretudo num caso como o que apreciamos em que se exigem conhecimentos médicos muito específicos, o julgador não pode (não deve) deixar de relevar particularmente o parecer contido no relatório, sob pena de estar, ele próprio, a funcionar como perito.

Daí que se compreenda que o Tribunal a quo tenha prestado uma especial atenção ao conteúdo do relatório pericial, como decorre da motivação da decisão de facto.

Relativamente à prova através das presunções judiciais, esta Relação pode extrair ilações lógicas da matéria de facto, dada como provada, completando-a ou esclarecendo-a. O que não pode é alterar a matéria de facto apenas com base em presunções naturais.

Mantêm-se, pois, as respostas nºs 21 e 22 da decisão de facto.

10.3. Considerando a prova constante dos autos de providência cautelar de reparação provisória de danos, bem como o conteúdo da transacção que a Companhia de Seguros, ora ré, aceitou fazer, bem como a prova (documental e testemunhal) produzida na presente acção, sustenta o recorrente que deve ser dado como provado o “quesito” 28º, da base instrutória.

Perguntava-se no “quesito” 28º, da base instrutória:

“O autor auferia a retribuição mensal líquida de 160.000$00 (…)?”

Esta matéria mereceu a resposta que consta do nº 26, da decisão de facto (transposta para o ponto 30, dos factos provados, da sentença).

Da respectiva motivação consta que, na resposta (restritiva) ao quesito 28º, o Tribunal a quo teve essencialmente em conta a prova documental produzida (recibos de vencimento de fls. 167 e ss e as declaração de rendimentos, para efeitos de IRS, de fls. 165 e 166)[2].

Apreciemos, então.

Relativamente à prova produzida na providência cautelar, o apelante está a esquecer que «nem o julgamento da matéria de facto, nem a decisão final proferida no procedimento cautelar, têm qualquer influência no julgamento da acção principal» – art. 383º, nº 4, do CPC

Além disso, está também a esquecer que para decretar a providência cautelar a lei não exige a prova dos factos, contentando-se com a probabilidade séria (a verosimilhança) da sua existência (art. 387º, nº1 e 403º, ambos do CPC). Todavia, na acção principal já não é assim: é indispensável a prova dos factos constitutivos do direito invocado.

Quanto à declaração assinada pela sua entidade patronal em que o irmão do autor declara quais os rendimentos auferidos por este, não passa de um «testemunho escrito», ao qual, fora do contexto previsto no art. 639º, do CPC, não pode ser atribuído qualquer relevo probatório.

No tocante à prova testemunhal, o apelante discorda da valoração que o tribunal a quo fez dos depoimentos das testemunhas L, irmão e patrão do autor (declarou que «pagava ao autor 160 a 170 contos de retribuição líquida); M, sua irmã (disse não saber quanto ganhava o autor, mas que ele trabalhava aos fins-de-semana e fazia trabalho extraordinário); G, casada com o autor (disse não saber qual era a retribuição-base do autor, nem as prestações regulares e periódicas que recebia, mas que no total recebia 160.000$00, por mês).

Decorre da motivação que não foi produzida qualquer outra prova sobre a matéria (o que é corroborado pelo recorrente).

Como se sabe, «o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo segundo a sua prudente convicção» (art. 655º, nº1, do CPC).

Ora, os argumentos – constantes da motivação – que levaram o tribunal a quo a não fundar o seu juízo nos elementos probatórios atrás referidos têm toda a razão de ser.

Com efeito, a circunstância de as testemunhas estarem ligadas ao autor por laços de parentesco muito próximos não pode, como se compreenderá, deixar de ser levada em consideração na valoração do seu depoimento.

Além disso, limitam-se a fazer afirmações de baixa densidade factual, daí que seja impossível concluir, com o mínimo de rigor e objectividade, pela verificação com alto grau de probabilidade[3] do facto em discussão, sobretudo se confrontarmos as suas declarações com o teor dos recibos de vencimento (cf. fls. 167 e ss) e das declarações de rendimentos, subscritas pelo autor e entregues à administração fiscal (fls. 165-166).

Por outro lado, de nada serve apelar às regras da experiência e ao conhecimento empírico, pois o tribunal – como já referimos supra – através das chamadas presunções judiciais apenas pode tirar ilações lógicas da matéria de facto, dada como provada, completando-a ou esclarecendo-a.

Isto porque:

“A prova por presunções não tem autonomia processual. A presunção assenta sobre uma base (um facto) que tem de ser provada. E a prova desse facto há-de ser feita por qualquer dos procedimentos probatórios regulados na lei processual. A presunção não elimina o ónus da prova, nem modifica o resultado da sua repartição entre as partes.”[4].

Ora, ao autor cabia o ónus da prova dos factos alegados nos articulados, constitutivos do seu direito (art. 342º, nº CC).

Não tendo logrado fazer essa prova, não cabe ao tribunal, oficiosamente determinar as diligências probatórias destinadas a suprir as dificuldades de prova, sob pena de estar a violar o princípio do dispositivo que é, como se sabe, estruturante do processo civil.

É, assim, de manter inalterada a decisão de facto.

11. Do quantum indemnizatório

O acidente ocorreu por culpa exclusiva do condutor, segurado da Ré, facto que não é sequer questionado no recurso.

Assente a ausência de culpa do autor, na produção do acidente, atenta a factualidade dada como provada, é indiscutível que,
“in casu”, se verificam os pressupostos do dever de indemnizar no contexto da responsabilidade civil extracontratual: o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre facto e dano (art. 483º, CC).

11.1. Dos danos patrimoniais

11.1.1. Partindo do pressuposto de que a Relação julgaria procedente o recurso interposto quanto à matéria de facto, pretende o recorrente a alteração do montante fixado pelo tribunal a quo, no que respeita à verba atribuída pela incapacidade temporária absoluta.

Atentos os termos em que o recorrente equaciona a questão, não tendo sido alterada a matéria de facto dada como provada, é inquestionável a improcedência da sua pretensão.

11.1.2. Do dano futuro

A título de compensação pelos lucros cessantes pede-se a sua fixação em EUR 374.098,42.

A sentença recorrida fixou a indemnização em EUR 60.000,00.

Ora bem:

Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, caso não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (art. 562°, do C.C.), sendo que a obrigação só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido, se não fosse a lesão (art. 563°, do C.C.).

O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado (os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão) – art. 564°, n.º 1, do C.C. – mas ainda os
danos futuros, desde que sejam previsíveis – art. 564°, nº2, do C.C..

Para a determinar a indemnização pelos danos futuros, utilizam-se habitualmente os seguintes critérios orientadores:

- A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que se extinga no final do período provável de vida do lesado;

- No cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade[5], o que implica que deve conferir-se relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável admitir;

- As tabelas financeiras ou outras fórmulas matemáticas,  a que, por vezes, se recorre, têm um mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação judicial com base na equidade;

- Pelo facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros, o montante apurado deve ser, em princípio, reduzido de uma determinada percentagem, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado, à custa alheia;

No caso em apreço:

É indiscutível que a incapacidade física do lesado se reflecte em previsíveis lucros cessantes, mas em valor que não poderá averiguar-se com exactidão, pelo que o cálculo da indemnização há-de fazer-se essencialmente com recurso à equidade (art. 566º, nºs 1 e 3, do CC).

Desta forma, como se escreveu no Ac. STJ de 6/7/00, CJ STJ, 2000, II, 144, o julgamento de equidade, como processo de acomodação dos valores legais às características do caso concreto, não deve prescindir do que é normal acontecer (id quod plerumque accidit) no que se refere à expectativa de vida do cidadão masculino médio, à progressão profissional de um jovem, como era o caso do autor, e aos previsíveis aumentos (continuados) da remuneração salarial.

Tendo, então, como base o rendimento anual à data do acidente,  atender-se-á ao grau de incapacidade parcial permanente, à idade do lesado e aos demais vectores acima referidos para fixar o rendimento perdido, procedendo finalmente à sua redução, decorrente da entrega do capital de uma só vez, de tal forma que o valor encontrado corresponda a um capital (produtor de rendimento) que tendencialmente se extinga no final do período provável de vida deste – cf., entre muitos, o Ac. do S.T.J., de 24/9/2009, 7ªSecção, www.itij.pt.

Tendo em conta a factualidade provada, designadamente a incapacidade parcial permanente do autor, valorizada em 40%, a sua idade (em 15/2/2002, tinha 30 anos, sendo por isso de presumir ainda cerca de 40 anos de vida activa[6]), tomando como referência a remuneração salarial mensal (média)) auferida pelo lesado à data do acidente (isto é, EUR 515,14[7]), sem esquecer os aumentos anuais que provavelmente já recebeu desde aquela data e que continuará a receber ao longo da sua vida activa, chegaríamos a uma perda de ganhos da ordem dos EUR 160.000,00.

A este valor é habitual reduzir cerca de 20%, para evitar uma situação de enriquecimento sem causa, já que o lesado vai receber de uma só vez todo o capital. Todavia, no caso concreto, atendendo ao valor (muito baixo) da remuneração-base, bem como à actual conjuntura económico-financeira, marcada pela prática generalizada de taxas de juros remuneratórios, muito baixas, entendemos dever abater ao capital apenas 10%, como forma de  encontrar um “justo” valor para compensar os danos sofridos.


Fixa-se, assim, em EUR 144.000,00 o montante indemnizatório pelo dano patrimonial decorrente da incapacidade (permanente parcial) de ganho (calculado à data da citação).

11.2. Danos morais

Pede o recorrente se arbitre, a título de compensação, pelos danos não patrimoniais, a quantia de EUR 50.000,00, montante que, segundo diz, corresponde à quantia peticionada (EUR 37.409,34), devidamente actualizada, pelo decurso do tempo.

A sentença recorrida fixou esta indemnização em EUR 30.000,00, à data da sentença.

Apreciando.

Esta indemnização tem uma natureza mista: por um lado compensar, mais do que indemnizar, os danos causados com a conduta ilícita (visto que a indemnização não visa mais do que atenuar, através de uma quantia monetária, as dores moraisou físicas, os desgostos causados, os sofrimentos de diversa ordem (e não propriamente reparar esses danos) e, por outro lado, intenta sancionar a conduta do agente causador do dano, mandando a lei atender ao grau de culpa (cf. Antunes Varela, Direito das Obrigações Em Geral, 2.ª edição, p. 483 e ss.).

Nos termos do disposto no art. 496º, do CC, deve atender-se aos danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, tendo em conta designadamente o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e quaisquer outras circunstâncias relevantes (v.g. a idade, as possibilidades de recuperação) – art. 496º, nºs 1 e 3, do CC.

A respeito da determinação da indemnização por danos não patrimoniais, escreveu-se no Ac. STJ de 5/7/2007, JusNet 4620/2007:

“Não deve recear-se a atribuição duma compensação que exceda o limite máximo da valorização habitualmente atribuída pelo Supremo Tribunal ao dano da morte, que tem oscilado entre os 50 e os 60 mil Euros. Nada obriga, aliás, a que essa fronteira nunca seja ultrapassada, certo que o art. 496º, nº 1, elege como único critério de aferição a gravidade do dano, conceito eminentemente indeterminado que cabe ao tribunal preencher valorativamente caso a caso. (…) E se a vida é o bem jurídico mais valioso, devendo valorar-se a sua perda, obviamente, em termos proporcionados a tal importância, a mesma ordem de razões justifica que se conceda a compensação devida àqueles que, não a perdendo embora, por inteira culpa alheia ficam de um momento para o outro, e até ao final dos seus dias, privados da qualidade mínima a que qualquer pessoa, pelos simples facto de o ser, tem pleno direito. (…) Já a perda da sua qualidade, quando são graves ou muito graves as lesões sofridas no corpo e no espírito do lesado que sobrevive, torna tudo muito mais difícil, delicado e contingente, pois há a noção de que nenhum dinheiro, por muito que seja, é capaz de compensar certas dores físicas e morais, irreversíveis. “

Subscrevemos, sem hesitações, esta doutrina.

A necessidade de compensar adequadamente os lesados pelos danos sofridos em acidente de viação (maxime aqueles para cuja produção em nada contribuíram) e que os deixam, de um momento para o outro, impossibilitados de fruir a vida com a normalidade a que têm direito é, aliás, uma preocupação crescente dos nossos tribunais, como se pode constatar, pelos montantes  indemnizatórios arbitrados em recentes decisões judiciais.[8]

Retornando ao caso concreto:

Considerando o «choque físico e emocional», naturalmente provocado pela violência do embate (o autor ficou encarcerado no interior do seu veículo, com as chapas e os ferros a penetrarem nas pernas); as graves moléstias e as dores físicas (avaliadas em 5, numa tabela de grau 7); o sofrimento moral inerente à hospitalização (esteve internado cerca de 3 meses), as várias intervenções cirúrgicas a que foi submetido, o longo período de recuperação e a elevada probabilidade de agravamento das sequelas (que se poderá traduzir num aumento da sua IPP)[9] afigura-se-nos equitativo fixar em EUR 50.000,00, a indemnização pelo dano não patrimonial (reportado à data da sentença).

12. Da actualização da indemnização

12.1. Alega o apelante que os montantes indemnizatórios devem ser actualizados, dada a desvalorização da moeda e a inflação, verificadas entre a data do acidente e a prolação da sentença.

Para além disso, pede que os juros de mora, sobre o quantitativo fixado a título de danos morais, sejam contados desde a citação.

Vejamos.

Estabelece o art. 566º, do CC que:

«A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não for possível, não repare integralmente os danos (….)» (nº1);

«A indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos» (nº2).

Tem-se entendido que se, entre a data do acidente e aquela em que foi proferida a sentença da 1ª instância, ocorrer uma notória e extraordinária inflação, com a correspondente desvalorização da moeda, há que proceder a uma correcção monetária.

Não é esta, porém, a situação do caso em apreço.

Na verdade, como é notório, no lapso de tempo decorrido desde a data do acidente (2000) até à data da sentença (25/2/2009) não ocorreu nenhuma crise inflacionista que justifique a peticionada correcção monetária.

Em todo o caso, nunca poderia, como parece pretender o apelante, cumular-se a eventual «actualização» da indemnização até à data da sentença na 1ª instância com juros de mora desde a citação.

Efectivamente, os juros, destinam-se a cobrir, em princípio, todos os prejuízos resultantes da mora, incluindo os provenientes de eventual desvalorização da moeda, como decorre do estabelecido no nº 2, do art. 566º, do CC.

12.2. Relativamente à compensação atribuída por danos morais, pede o recorrente que os juros de mora sejam fixados desde a citação, e não desde a sentença.

Sem razão.

Na obrigação pecuniária, a indemnização moratória corresponde aos juros legais (salvo se outra taxa tiver sido convencionada) a contar da constituição em mora – art. 806º, CC.

Tratando-se de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação – art. 805º, n.º 3, do CC.

Porém, no caso concreto, decorre da sentença que o julgador contabilizou o montante indemnizatório pelos danos morais reportando-se à data da sua prolação (de harmonia, aliás, com a doutrina consagrada no AC. STJ n.º 4/02, in D.R. I-A de 27/6/02),  pelo que é de manter o decidido.

13. Nestes termos, concedendo parcial provimento ao recurso, acorda-se em condenar a ré a pagar ao autor:

- A quantia de EUR 194.000,00, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a citação sobre EUR 144.000,00 e desde a sentença sobre EUR 50.000,00, até integral pagamento;

- No mais, confirma-se a sentença recorrida.

Custas na proporção do decaimento.

Lisboa, 29 de Junho de 2010

Maria do Rosário Correia de Oliveira Morgado
Rosa Maria Ribeiro Coelho
Amélia Ribeiro
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[1] A acção prosseguiu apenas contra a seguradora, dado que os restantes réus foram considerados partes ilegítimas e absolvidos da instância – cf. fls. 81.
[2] Actualmente (embora não aplicável ao caso dos autos), para efeitos de apuramento do rendimento mensal do lesado no âmbito da determinação da indemnização por danos patrimoniais, o art. 64º, nº 7, do DL nº 291/2007, de 21 de Agosto, na redacção introduzida pelo DL nº 153/2008, de 6 de Agosto, que entrou em vigor em 11/8/2008, manda ter em conta os rendimentos líquidos auferidos à data do acidente que se encontrem fiscalmente comprovados.
[3] Como ensina Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 421, “a prova assenta na certeza subjectiva da realidade do facto, ou seja, no alto grau de probabilidade de verificação do facto, suficiente par as necessidades práticas da vida.”
[4] cf. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 487.
[5] Não contendo a nossa lei ordinária regras precisas destinadas à fixação da indemnização pelo dano futuro, tais danos devem calcular-se segundo critérios de verosimilhança, ou de probabilidade, de acordo com o que, no caso concreto, poderá vir a acontecer, e se não puder, ainda assim, apurar-se o seu exacto valor, deve o tribunal julgar segundo a equidade, nos termos enunciados no art. 566°, n.º 3, do C.C. (cf. Vaz Serra, RLJ, 112º, 329 e 114º, 287).
[6] Estando em causa quantificar a perda de rendimentos, há que levar em linha de conta o período provável de vida activa, ou seja, o tempo durante o qual é de presumir que o autor venha a desenvolver uma actividade laboral remunerada, sem esquecer que se vem anunciando – repetidamente – o aumento da idade da reforma. Por tudo isto, consideraremos os 70 anos, como idade padrão a ter em conta.
[7] Remuneração média mensal, para 12 meses, tendo em conta: 75.700$00 de ordenado base, durante 14 meses por ano, acrescidos de 14.960$00, a título de subsídio de alimentação, recebidos 12 meses, por ano.
[8] A título exemplificativo, podem consultar-se os acórdãos do STJ de 20/11/2003, JusNet 5963/2003 (10% IPP – EUR 40.000,00); de 5/7/2007, JusNet 4620/2007 (60% IPP – EUR 85.000,00); de 12/3/2009, JusNet 1091/2009 (35% IPP – EUR 100.000,00); de 5/11/2009, JusNet 6427/2009 (3% IPP – EUR 20.000,00); de 20/5/2010, JusNet 2577/2010 (10% IPP – EUR 30.000,00) e de 19/5/2010, JusNet 2569/2010 (15% IPP – EUR 20.000,00).
[9] cf. pag. 4, do relatório do IML – fls. 327.