Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5928/2006-7
Relator: GRAÇA AMARAL
Descritores: ACÇÃO DE REGISTO
CANCELAMENTO DE INSCRIÇÃO
FALSIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/09/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: ACÇÃO DE JUSTIFICAÇÃO JUDICIAL
Decisão: JULGADA IMPROCEDENTE
Sumário: I - A falsidade do registo consiste em apresentar-se como inscrição um facto que nunca se verificou.
II -O pedido de nulidade e cancelamento de registo de nascimento pressupõe a demonstração de que a inscrição daquele facto não se podia verificar por inexistência do que lhe serviu de suporte.
III - A prova adequada para a efectiva demonstração da falsidade da certidão que serviu de base à transcrição do acto é, necessariamente, a certificação da inexistência do mesmo por parte da própria Conservatória Competente.
III - A mera informação escrita obtida por meio de declaração por parte de pessoas não devidamente identificadas afirmando a inexistência do acto de registo mostra-se insuficiente para merecer a devida credibilidade em termos de colocar em causa a certidão apresentada pelo requerido, que sustentou a transcrição efectuada na Conservatória dos Registos Centrais (registo lavrado com base em certidão do assento estrangeiro do respectivo nascimento).

(GA)
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na 7ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I – Relatório

1. O MINISTÉRIO PÚBLICO instaurou acção de justificação judicial para a declaração de nulidade e cancelamento de registo de nascimento contra A  A  R, residente na avenida João de Deus,  pedindo que seja declarada a nulidade e cancelamento do assento de nascimento transcrito na Conservatória dos Registos Centrais sob o n.º  relativa ao requerido.
Essencialmente alegou o Requerente:
- ter o Requerido, em  1992, na Conservatória dos Registos Centrais, requerido a inscrição do seu nascimento, nos termos do art.º 1º, n.º1, alínea b), da Lei 37/81, de 3.10, alegando ser natural de Kinshasa e filho de nacional português, G J R, juntando, para o efeito, certidão de nascimento extraída do assento de nascimento n.º , volume , lavrado na Repartição do
- Estado Civil de Kalamu, Kinshasa onde consta que foi declarante o referido G  J  R, bem como certidão de nascimento deste último, lavrada na Conservatória dos Registos Centrais sob o n.º .
- ter o processo obtido despacho favorável, tendo sido lavrado o registo com base em declaração para inscrição atributiva de nacionalidade, a cujo assento coube o n.º .
- ter vindo posteriormente a apurar-se que a certidão apresentada do assento estrangeiro do nascimento era falsa, por o mesmo ser inexistente.

2. O Requerido foi citado, tendo deduzido oposição na qual, fundamentalmente, referiu que, no final de 1991, juntamente com a sua família, foi obrigado a fugir da instabilidade que, na altura ocorria no antigo Zaire, tendo chegado a Portugal , terra de origem dos seus primeiros avoengos tendo sido acolhido pela casa paroquial da localidade) e requerido, enquanto filho de português, a atribuição da respectiva nacionalidade portuguesa, solicitando em conformidade à Embaixada da República do Zaire em Lisboa (através de um funcionário  que obteve a respectiva certidão através do acesso ao registo original) o documento necessário para o efeito.
Posteriormente em oposição subscrita por mandatário veio colocar em causa a idoneidade do meio utilizado para infirmar a veracidade do assento de nascimento que esteve subjacente à inscrição do seu nascimento na Conservatória dos Registos Centrais.
Juntou assento de casamento relativo a G J R e C F C e indicou como testemunha a referida C F C.

3. Procedeu-se a afixação dos competentes editais.

4.Após audição da testemunha foi proferida informação final no sentido do deferimento da pretensão de declaração de nulidade do assento de nascimento por falsidade e o respectivo cancelamento do mesmo.

5. Foi proferida decisão nos termos do art.º 705, do CPC, que julgou a acção improcedente.

6. O Autor veio reclamar para a conferência nos termos do teor de fls. 86/87.
*
II –  Enquadramento fáctico

Com relevância para a decisão encontra-se apurada a seguinte factualidade:
- Em  1992, na Conservatória dos Registos Centrais, o Requerido, prestou declaração para inscrição do seu nascimento, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 1º da Lei 37/81, de 03.10, invocando ser natural de Kinshasa-República do Zaire e filho do nacional português, G J R, cujo nascimento se encontra registado na Conservatória dos Registos Centrais sob o n.º .
- O Requerido juntou para tal efeito certidão de nascimento do referido G J R .
- O processo mereceu despacho favorável, tendo sido transcrito, sob o n.º , o registo do nascimento do Requerido.
- A Secção Consular da Embaixada de Portugal em Kinshasa, a quem se solicitou que diligenciasse confirmação sobre a certidão do Requerido, dirigiu ao Conservador dos Registos Centrais o ofício de fls. 15 dos autos no qual informa: “(…)tenho a honra de informar V. Exa. de que, o Encarregado do Registo Civil da Comuna de Kalamu disse aos dois funcionários que se deslocaram na Repartição do Registo civil daquela Comuna que vai fazer uma informação global sobre os casos dos Assentos de Registo de Nascimento fictícios
Relativamente aos indivíduos acima referidos naquela Repartição do Registo Civil não se encontram lavrados os seus Assentos de Registo de Nascimento. As certidões de nascimento apresentadas não foram extraídas de nenhum Assento de Nascimento. É uma mera invenção dos próprios interessados que falsificaram os impressos e forjaram todos os elementos de identificação e as assinaturas.

III – Enquadramento jurídico

O filho de pai português, nascido no estrangeiro, que pretenda que lhe seja atribuída a nacionalidade portuguesa deve manifestar a sua vontade, nomeadamente fazendo inscrever o nascimento no registo civil português mediante declaração prestada pelo próprio, instruindo tal pedido com certidão do assento estrangeiro do seu nascimento, pois que só a filiação estabelecida na menoridade produz efeitos relativamente à nacionalidade, cabendo-lhe ainda fazer prova da nacionalidade portuguesa do respectivo progenitor, art.º1, n.º1, b) e 14 da Lei 37/81, de 3 de Outubro, e art.º 6 e 7 do DL 322/82, de 12 de Agosto.
Nessa medida e para o efeito o Requerido juntou certidão de um assento estrangeiro de nascimento a si respeitante, onde constava que G J R declarou reconhecê-lo como seu filho natural, juntando também certidão de nascimento deste enquanto cidadão nacional, assim obtendo um registo atributivo de nacionalidade portuguesa.
A questão a decidir nos autos é a de saber se se encontra ou não demonstrada a falsidade da certidão apresentada pelo Requerido face à inexistência de assento de nascimento estrangeiro, sendo certo que foi a mesma que determinou que tivesse sido lavrado um registo atributivo de nacionalidade portuguesa - assento de nascimento n.º , da Conservatória dos Registos Centrais.
Só na medida em que se considere demonstrada que a inscrição daquele facto não se podia verificar por inexistência do que lhe serviu de suporte, é que se poderá concluir pela verificação dos pressupostos legais do pedido da sua nulidade e cancelamento, nos termos dos art.ºs 87, a) e 88 c) do Código do Registo Civil, e art.ºs 280, 294 e 295, do Código Civil.
A decisão proferida ao abrigo do disposto no art.º 705, do CPC, considerou que o documento com base no qual o Autor deduziu a sua pretensão não é suficientemente idóneo para poder sustentar a procedência da acção, por dele transparecer que a informação obtida quanto à inexistência de assento de nascimento relativamente ao Requerido (e, por isso, a falsidade da certidão apresentada por este) não foi efectuada por uma constatação directa, certificada pelo Encarregado daquela Secção Consular.
Entendeu-se ainda na referida decisão que tais informações, porque obtidas por meio de declaração por parte de pessoas não devidamente identificadas, impedia que pudessem merecer credibilidade suficiente para colocar em causa a certidão apresentada pelo Requerido, tendo em especial linha de conta o posicionamento assumido por este no processo, merecendo relevo as circunstâncias que determinaram a sua vinda para Portugal (fugir à situação de guerra que, na altura, o país vivia), bem como a sua total disponibilidade para realizar testes de ADN a fim de certificar a paternidade.
Defende o Ministério Público que a informação prestada pela Secção Consular da Embaixada de Portugal em Kinshasa não pode deixar de ser entendida como elemento probatório relevante para os efeitos pretendidos com a instauração da acção, pois que dele se depreende que a informação concreta relativamente à inexistência de assento de nascimento do Requerido no Registo Civil da Comuna de Kalamu foi directamente constatada pelos funcionários da Embaixada de Portugal que se deslocaram àquele Registo e posteriormente certificada pelo encarregado consular. Concluiu, por isso, que não ocorrem motivos para se duvidar da idoneidade do conteúdo da informação.
Não podemos concordar com tal entendimento.
Na verdade, contrariamente ao defendido pelo Reclamante, os elementos dos autos exigiam, face ao posicionamento assumido pelo Requerido, a necessidade de um cuidado acrescido na demonstração de existência de falsidade do registo, nomeadamente através da indispensabilidade de junção da “informação global”, relativamente aos assentos fictícios, por parte do Encarregado do Registo Civil da Comuna de Kalamu a que o documento emanado da Secção Consular da Embaixada de Portugal em Kinshasa faz referência.
Sabendo-se que a falsidade do registo consiste em apresentar-se como inscrição um facto que nunca se verificou, consideramos não oferecer qualquer dúvida que a situação dos autos (particularmente perante a oposição do Requerido (1)) não podia deixar de impor a certificação da inexistência do acto de registo por parte da própria Conservatória Competente (2) como prova adequada para a efectiva demonstração da falsidade da certidão que serviu de base à transcrição do acto cuja nulidade e cancelamento se pretende.
Por conseguinte e ainda que o teor do documento de fls. 15 se mostrasse inequívoco quanto à forma como foi obtida a informação de que não se encontravam lavrados os Assentos de Registo de Nascimento (3), não podia o mesmo, por si só, no contexto dos presentes autos, merecer credibilidade suficiente para colocar em causa a certidão apresentada pelo Requerido (cfr. fls. 12 e 13), que serviu de base à transcrição levada a cabo na Conservatória dos Registos Centrais.
Cumpre por fim realçar que as decisões juntas pelo Ministério Público (proferidas nesta Relação nos termos do art.º 705, do CPC) que declararam a nulidade dos registos de nascimento e de nacionalidade de G R e de F R, “irmãos” do Requerido, por falsidade das certidões apresentadas, em nada colidem com o que noutro sentido e em face da situação concreta em causa nos presentes autos possa ser decidido (4).

IV - Decisão

Pelo exposto e indeferindo a pretensão do Requerente, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente a acção.
Sem custas.

 Lisboa, 9 de Janeiro de 2007
 Graça Amaral
 Arnaldo Silva
   Orlando Nascimento



1.-A qual, aliás, se mostrou plausível, designadamente face ao próprio teor das declarações prestadas pela testemunha ouvida (enquanto mãe do Requerido e mulher de G J R – cfr. certidão de casamento de fls. 52).

2.-Certificação pelo Encarregado do Registo Civil da Comuna de Kalamu.

3.-De que funcionários se tratava (supostamente da Secção Consular da Embaixada…)?; Essa informação foi dada verbalmente?; Por quem?; Tratou-se de uma informação que resultou da constatação directa através da consulta dos ficheiros?

4.-Não ocorrendo qualquer violação de caso julgado, nem se vislumbrando ofensa a jurisprudência uniformizada, ao julgador apenas se lhe impõe decidir de acordo com a lei perante o enquadramento fáctico de que cada caso (princípio constitucional da legalidade do conteúdo da decisão).