Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | RUI MOURA | ||
Descritores: | ARRENDAMENTO PARA COMÉRCIO OU INDÚSTRIA DENÚNCIA SENHORIO OBRAS | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 11/18/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | 1- São três os requisitos legalmente estabelecidos ( Dec.-Lei nº 157/2006, 8.8) para o deferimento da pretensão do senhorio que pretenda denunciar o contrato de arrendamento urbano para comércio (ou, em geral, para fins não habitacionais): a) Que as obras a realizar sejam de remodelação ou restauro profundos (no caso de denúncia para demolição do prédio têm de estar preenchidos os pressupostos previstos no nº 2 do art. 7°) - art. 4°, nº 1; b) Que o projecto de arquitectura relativo às obras a realizar se mostre aprovado pelo município - art. 8°, nº 2; c) Que se mostre efectuado o depósito do valor correspondente a cinco anos de renda com o limite mínimo igual a 60 vezes a retribuição mensal garantia ou, no caso de a indemnização a apurar ser de montante superior, a totalidade desta art. 26°. 2- O senhorio não está obrigado a reservar o futuro edifício para arrendamento, nem fica obrigado a reservar áreas para os actuais inquilinos. Pode, em nome do livre empreendedorismo e da regeneração do parque habitacional, dividir o futuro edifício como entender, denunciando os contratos existentes, desde que cumpra o estipulado pela lei, não actuando assim em abuso de direito, mas antes dentro do âmbito do direito que tem. 3- O art. 26°, nº 1, do Decreto-Lei nº 157/2006, de 8 de Agosto, estabelece que o arrendatário "tem direito ao pagamento de todas as despesas e danos, patrimoniais e não patrimoniais, considerando-se o valor das benfeitorias realizadas e dos investimentos efectuados em função do locado". A lei não deixa margem para dúvidas: deve ser pago o valor de "todas" as despesas e danos, independentemente da sua natureza, desde que causados pela extinção do contrato de arrendamento. O facto juridicamente relevante é a cessação do contrato e as consequências patrimoniais e não patrimoniais daí resultantes. 4- Trata-se de um caso especial de responsabilidade civil por factos lícitos, não tendo de entrar em linha de conta com a ilicitude, dolo ou mera culpa, quer na verificação quer no cálculo da indemnização. 5- Cabe ao lesado o ónus da prova da existência das despesas e dos danos – artigo 342º-1 do C. Civil. R.M. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA A intentou em 26 de Janeiro de 2007, acção declarativa com processo comum sob a forma ordinária com vista à obtenção da extinção de contrato de arrendamento por denúncia por iniciativa do senhorio por remodelação demandando a Ré G, LDA., relativamente ao contrato cujo objecto é o r/c loja, nºs 13 e 15, de que é arrendatária, e onde tem instalado um estabelecimento de bebidas e similares, do prédio urbano sito na Rua de S. Marçal, em Lisboa, pertença do Autor. Invoca o disposto nos artigos 5º, nº1 e 8º, nº1 do Decreto-Lei nº 157/2006, de 8 de Agosto. Alinha razões de facto e de direito, conclui pela procedência, com a condenação da Ré a despejar o arrendado e a entregá-lo a Autor livre de pessoas e bens. Citada a Ré, excepciona a criação intencional pelo Autor dos fundamentos de facto da presente acção; invoca que o edifício carece de obras de conservação e não de remodelação profunda, compatíveis com a manutenção da Ré no arrendado e do direito ao arrendamento; impugna, mostra-se aberta ao diálogo. Deduz reconvenção. Conclui pela improcedência, e, caso assim se não entenda, pela condenação do Autor a pagar à Ré (a alusão aos RR deve dever-se a lapso) a título de indemnização por benfeitorias, pelo encerramento definitivo do estabelecimento, pela perda de clientela dedicada e firme bem como pela perda dos postos de trabalho de dois trabalhadores e a consequente entrada na situação de desemprego ( os dois gerentes da Ré ), a quantia de 151.960,00. O processo é saneado. Elencam-se os factos assentes e tece-se a base instrutória. Realiza-se a audiência de discussão e julgamento com gravação da prova. Fixa-se a matéria de facto por despacho de que se não reclama. Prolata-se sentença que terminou por: “ 3.1. Julgar a acção procedente, por provada, e, em consequência, declarar a denúncia do contrato de arrendamento do rés-do-chão, loja, com entrada pelos nºs 13 e 15 do prédio sito na Rua de São Marçal, nºs 13 a 21, em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia das Mercês sob o artigo 170, para o termo do prazo que se iniciou em 01.08.2007 e que terminará em 31 de Julho de 2008, e condenar a Ré a despejá-lo e entregá-lo ao Autor, livre de pessoas e quaisquer bens; 3.2. Julgar a reconvenção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência, condenar o Autor/reconvindo a pagar à Ré/reconvinte a quantia de € 28.877,47 (vinte e oito mil oitocentos e setenta e sete euros e quarenta e sete cêntimos), e absolvê-lo do demais peticionado; 3.3. Fazer depender a eficácia da sentença da comprovação do depósito pelo Autor, no prazo de dez dias a contar da notificação desta decisão, da quantia de € 15.377,47 (quinze mil trezentos e setenta e sete euros e quarenta e sete cêntimos). Custas na proporção do decaimento.“ O Autor depositou nos autos a quantia de € 15.377,47 dentro do prazo, como se vê de fls. 374. Inconformada, recorre a Ré, recurso de apelação a subir imediatamente nos próprios autos e efeito suspensivo. Nas alegações de recurso apresenta a Recorrente as suas conclusões: CONCLUSÕES DA RECORRENTE: 1 - A sentença errou o não retirar a conclusão de que o R. foi prejudicado com atitudes e factos praticados por terceiros, a quem não foi impedida, pelo A., a entrada no prédio, pois a degradação provocada por rebentamento de canalizações, o lixo acumulado, arrancamento de portas e janelas, quebra de telhas, destruição de soalho e chão, e colocação de entulho nos andares superiores principalmente na zona localizada por cima do locado permitiu ao A. efectuar o pedido à Câmara Municipal para efectuar obras profundas e intentar a presente acção de despejo, com modificação do destino do prédio só para habitação e invocação de não ser possível ao R permanecer no locado enquanto decorressem as obras. 2- O R. também foi prejudicado com o não impedimento da prática de tais factos e com a não manutenção do prédio, pois foi obrigado a realizar obras para garantir a segurança do estabelecimento e condições de salubridade, sofreu angústias e teve preocupações, acabando por ser despejado do locado. 3 - O Acórdão Recorrido efectuou uma errada interpretação e incorreu em erros de julgamento ao não aplicar aos autos os artigos 492°, n° 2 e 493° do CC e a inversão de prova que dos mesmos resulta, na parte em que não presumiu a culpa do responsável quando exista (tal como existe) defeito de manutenção, e não foi garantido pelo R., a segurança geral do prédio. 4 - Sendo certo que se dá como provado que o inquilino terá de sair ou ser despejado para a realização de tais obras, a indemnização fixada de 28.877,47 Euros, atento o seu baixo valor e os seus fundamentos, não teve em atenção a presunção de culpa do proprietário para a obtenção de tal resultado, pelo que a sentença incorreu em erro de julgamento. 5 - O A. poderia não despejar definitivamente o R., pois bastar-lhe-ia ter previsto a existência de espaço comercial no Projecto submetido à apreciação da Câmara Municipal de Lisboa. 6 - Atento o baixo valor da renda paga pelo R., só atribuindo indemnização de uma quantia suficiente para efectuar uma cessão de exploração ou trespasse de estabelecimento que permitisse a continuação da actividade comercial, sem perda de clientela, seria garantida a continuidade da actividade comercial da R. 7 - A sentença ao não indemnizar o R. pela perda de clientela, não atribuiu indemnização a título de lucros cessantes. 8 - A sentença recorrida ao julgar que não fixava indemnização pelo valor da clientela em virtude da inexistência de elementos para a sua fixação, efectuou um erro de julgamento, pois deveria ter usado do disposto no artigo 566° n° 3 do CC de princípios de equidade para determinação do valor do referido trespasse do estabelecimento do R., ou até remetido a quantificação desse valor para execução de sentença, nos termos do n° 2 do art. 661º do CPC,caso julgasse que não existiam elementos suficientes para julgar segundo a equidade. 9 - É público e notório e resulta da experiência comum que ainda que seja possível arrendar espaço comercial destinado à mesma actividade do R., do antecedente praticada sem efectuar cessão do estabelecimento ou pagar trespasse, tal desiderato só é conseguido com o pagamento de rendas bastante superiores à de 225 Euros efectivamente paga e em locais comercialmente pouco viáveis. 10 - A sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao não arbitrar indemnização pela perda de clientela decorrente do despejo, ou em alternativa não arbitrar indemnização pela renda superior que o R., seria obrigado a pagar, caso pretendesse arrendar espaço comercial sem pagar cessão de estabelecimento ou trespasse, no qual se inclua a clientela. II - Ao não se referir na sentença a indemnização devida relativamente aos diversos equipamentos de mobiliária, designadamente, balcões, frigoríficos, televisor e aparelhagem de som, assim como o stock de bebidas, louças e diversos utensílios, a sentença não se pronunciou relativamente a questão que devesse, o que constitui nulidade nos termos do 668°, n° 1 alínea d) do CPC. 12 - E ainda que se considere que a sentença toma posição implícita sobre a não atribuição de indemnização ou que não existem danos pelo despejo relativamente a tais bens, então ocorre erro de julgamento, pois se é duvidoso que esse bens percam todo o valor certamente que perdem valor e deixarão de ter utilidade, caso o A: não consiga integrá-los noutra unidade económica com o mesmo ou destino semelhante, donde existe um prejuízo, caso não consiga abrir outro estabelecimento comercial, o R., ficará com um conjunto de monos que para nada servem, e pelos quais, caso os queira guardar, terá de pagar armazenamento, à alternativa de pagar transporte para aterro e taxa por contentor. 13 - Sendo certo que na sequência do despejo ficam os sócios gerentes sem quaisquer proventos mensais, a sentença deveria ter considerado que tal situação tem implicações na sociedade dos R., pois os seus sócios-gerentes, sem direito a subsídio de desemprego, ficarão privados de meios económicos que lhes garanta a sobrevivência, e dificilmente garantirão a continuidade da sociedade noutro local. Neste sentido, a não determinação de indemnização por tal facto constitui erro de julgamento. 14 - Ao não arbitrar indemnização pela perda de clientela, pelo mobiliário e utensílios do espaço comercial e por os sócios gerentes não terem direito a subsídio de desemprego, a sentença recorrida incorre em erro de julgamento e interpretou erradamente o artigo 26° do Decreto-lei n.o 157/2006, de 8 de Agosto, em conjugação com o artigo 496°, n° 1 do Código Civil. Termos em que, pelos fundamentos, deve ser concedido provimento ao presente recurso devendo ser declarada nula a sentença, caso obtenha provimento a nulidade invocada, ou proferido Acórdão que determine indemnização superior, pelas danos invocados. Não contra-alega o Autor. * Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. * II- ENQUADRAMENTO JURÍDICO É entendimento pacífico ser pelas conclusões das alegações do recurso que se afere e delimita o objecto e o âmbito do mesmo – artigos 690º- 1 e 684º- 3 do C.P.C., exceptuando aquelas questões que sejam de conhecimento oficioso - art. 660º - 2 – fim do mesmo diploma. O tribunal deve resolver todas as questões que lhe sejam submetidas, dentro desse âmbito, para apreciação, com excepção das questões cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras – artigo 660º - 2 -1ª parte do C.P.C.. É dominante o entendimento de que o vocábulo “ questões “ não abrange os argumentos, os motivos ou as razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja – entende-se por questões as concretas controvérsias centrais a dirimir – neste sentido o Ac. do STJ de 02-10-2003, in “ Rec. Agravo nº 480/03 – 7ª secção “. III - OBJECTO DO RECURSO As questões a decidir são: 1- Saber se estão verificados os requisitos para a caducidade do arrendamento. 2- Saber qual o quantum a indemnizar pelo Autor à Ré. IV – FACTOS A TER EM CONTA 1. O Autor é dono e legítimo possuidor do prédio sito na Rua de São Marçal, nº 13 a 21, em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia das Mercês sob o artigo 170 e descrito na competente conservatória do registo predial sob o nº 2631 [aI. A) dos factos assentes]. 2. O Autor adquiriu tal prédio às suas anteriores proprietárias T e M (aI. B). 3. Por escritura pública celebrada em 4 de Julho de 1989/ as referidas T e M deram de arrendamento, à Ré, o rés-do-chão, loja, com entrada pelos números 13 e 15 do prédio referido em 2.1.1. (aI. C). 4. Por força do contrato, o local arrendado destinava-se a bar e similares, actividade que efectivamente vem sendo nele exercida (aI. D). 5. Foi igualmente estabelecido que o prazo do arrendamento seria de doze meses e a renda de vinte mil escudos mensais, hoje actualizada para o valor mensal de € 225,00 (duzentos e vinte e cinco euros) (aI. E). 6. Em 28 de Março de 2003 a Câmara Municipal de Lisboa realizou uma vistoria ao prédio referido em 2.1.1., cujo auto consta a fls. 11 a 14 dos autos (aI. F). 7. Por ofício de 10.01.2005, junto aos autos a fls. 09 e lO, a Câmara Municipal de Lisboa notificou o Autor "na sud qualidade de proprietário do imóvel, para executar as obras necessárias à correcção das deficiências descritas no referido auto de vistoria, com o prazo de 30 (trinta) dias úteis para o seu início, contado da data da recepção da presente notificação, e de 180 (cento e oitenta) dias úteis para a sua conclusão, contado da data do início das obras./I (aI. G). 8. No referido auto de vistoria concluiu-se que "( ... ) Deverão ser executadas obras de reparação no edifício com vista à eliminação das anomalias indicadas, (. .. )” : a) Reconstruir totalmente a cobertura; b) Picar, isolar, rebocar e pintar as fachadas na sua totalidade, incluindo molduras arquitectónicas e com colocação de novas caixilharias em vãos de peito e portas; c) Picar as paredes e tectos da caixa de escada, na sua totalidade, com reconstrução parcial dos madeiramentos e clarabóia nova; d) Substituir os patamares e lanços de escada, incluindo madeiramento estrutural; e) Remover e colocar canalizações de abastecimento de drenagem das águas domésticas, assim como coluna de electricidade (aI. H). 9. Nesse mesmo auto de vistoria indicou-se ainda que "Para além das anomalias citadas, deverão ser corrigidas todas aquelas que no decorrer das obras se verifiquem necessárias para garantir a segurança e salubridade do edifício." (aI. I). 10. No auto de vistoria, no que respeita à loja que aí denominam "P, BAR", indicam-se as seguintes patologias: "Paredes escalavradas e empoladas e tecto em forro com zonas apodrecidas. Porta com aduelas apodrecida e zona da sanca escalavrada./I (aI. J). 11. Da mesma notificação resulta, igualmente, a necessidade de realização de obras profundas nos andares superiores ao locado para correcção dos vícios identificados na vistoria em causa (aI. K). 12. O prédio referido em 2.1.1. encontra-se no estado descrito no auto de vistoria junto aos autos de fls. 11 a 14 (r. 1°). 13. As paredes do locado encontram-se escalavradas e empoladas e o tecto encontra-se com zonas de forro apodrecidas, necessitando também as aduelas da porta de reparação, bem como a zona da sanca que se encontra escalavrada (r. 2°). 14. As obras ordenadas pela Câmara Municipal de Lisboa são técnica e economicamente incompatíveis com a simultânea ocupação do locado (r 3º).. 15. É necessário proceder à remodelação integral do edifício, o que implica a contenção de fachadas, conforme projecto cuja memória descritiva e justificativa se encontra inserta a fls. 15 a 18 (r. 4°). 16. Da referida memória descritiva resulta a adopção de uma solução estrutural metálica com perfis de aço S275JR, de forma a conferir ao núcleo constituído pelas paredes de alvenaria do contorno do edifício a rigidez necessária para que, ao nível dos pisos, funcione como um diafragma rígido, impedindo deformações segundo o plano perpendicular às paredes (r. 5°). 17. Para o funcionamento eficaz do contraventamento das fachadas, além da adopção da estrutura metálica já descrita, todas as aberturas das três fachadas aparentes do edifício serão contraventadas com cruzes tipo Santo André, construídas com barrotes de madeira, ou pelo fechamento a tijolo dos vãos das portas e janelas (r. 6°). 18. Quanto à instalação de gás, é necessário a conversão para gás natural, o que implica, além de uma caixa de entrada, uma conduta principal de alimentação, uma coluna montante, diversas válvulas (de derivação de piso, de corte geral e de corte de % de volta) um contador para cada fogo e uma distribuição de fogo para cada local de consumo, bem como a instalação da tubagem dentro das paredes (r. 7°). 19. O abastecimento de água será feito de forma gravítica, através de um ramal a estabelecer entre a conduta existente no arruamento e o edifício em questão, desenvolvendo-se redes a partir dos contadores no hall de entrada (r. 8°). 20. A tubagem será em tubo tri-composto Pead-al-pe-Xb, sendo, a partir das caixas de distribuição, em polietileno reticulado (PEX) da classe de pressão 2Mpa, para água sob pressão, sendo instalada nas paredes e soalhos (r. 9°). 21. Para realização das referidas obras foi apresentado na Câmara Municipal de Lisboa o processo nº 1032/0B/2002, o qual foi deferido (r. 10°). 22. De acordo com o projecto apresentado, o locado passará a destinar-se a habitação (r. 11°). 23. Pessoas cuja identificação se desconhece arrancaram algumas portas e janelas, quebraram telhas, destruíram algum soalho e chão e colocaram entulho nos andares superiores do prédio identificado em 2.1.1., com predominância do lado do locado da Ré (r. 12°). 24. O Autor, através de terceiros, fechou com tijolo e cimento as portas de acesso às partes comuns do prédio, não permitindo a comunicação às colunas de água e luz (r. 13°). 25. A Ré foi notificada, através da notificação nº 112/DA/DIF /2006, da Câmara Municipal de Lisboa, para proceder às obras no locado que se descrevem no documento de fls. 114 a 116, mencionando-se expressamente que são "beneficiações de conservação" e que // são de ordem higio-sanitária e exclusivamente de relativas ao normal funcionamento do estabelecimento" (r. 14°). 26. Na copa, a Ré efectuou a limpeza e arrumação profunda de toda a zona e retirou todos os objectos, materiais e utensílios que não faziam parte da actividade exercida; reparou e pintou o tecto com tinta de cor clara, facilmente lavável e aplicada de forma a manter as superfícies lisas; instalou uma máquina de lavar louça; e reparou a porta e a ombreira do acesso ao bar (r. 15°). 27. Na zona de arrumos, a Ré revestiu todo o solo com pavimento resistente, liso, impermeável e facilmente lavável (r. 16°). 28. No balcão, a Ré revestiu a área interior sob o balcão, efectuou a pintura do balcão com tinta lavável, e substituiu o revestimento do pavimento que se encontrava danificado e em falta (r. 17°). 29. Na sala de clientes, a Ré reparou e pintou as paredes com tinta lavável de forma a manter as superfícies lisas (r. 18°). 30. Nas instalações sanitárias, a Ré instalou um sistema de ventilação artificial com contínua renovação de ar e adequado às dimensões das instalações, colocou dísticos identificativos e reparou as paredes e revestiu-as com o azulejo (r. 19°). 31. Em virtude do descrito na resposta ao quesito 12 e das repercussões da degradação do prédio no locado, a Ré teve de efectuar durante os anos de 1999 a 2006, obras de modo a manter o locado com as mínimas condições de habitabilidade, higiene, segurança e funcionamento (r. 20°). 32. No âmbito das obras referidas em 31, a Ré adquiriu alcatifa, tecido de decoração, pavimento, cimento e canalização; procedeu à reparação da casa de banho e à colocação total de tectos com chapa galvanizada (reforçada com ferro), alumínio, vinil, ar condicionado e toldo; efectuou a reparação de aparelhagens e esmaltes; procedeu à instalação de estrutura no tecto da cozinha e casa de banho; adquiriu azulejos, areia, ripa de telhado, pavimento de cerâmica, tudo deferido no tempo, perfazendo o valor total de € 8.877,47 (oito mil, oitocentos e setenta e sete euros e quarenta e sete cêntimos) (r. 21°). 33. Só com o trabalho dos sócios gerentes, disponibilizando horas de trabalho, de mão-de-obra, desde 1999 a 2006, foi possível a realização das obras e aplicação de matérias referidos em 2.1.31. e 2.1.32. (r. 22°). 34. Tal mão-de-obra corresponde a três meses de trabalho qualificado, no valor de € 6.000,00 (seis mil euros) (r. 23°). 35. Do locado, destinado a bar, vivem exclusivamente, desde 1999, os sócios gerentes, A e G, com rendimentos mensais de € 1.000,00 (mil euros) cada um (r. 24°). 36. Os indicados sócios gerentes da Ré não têm quaisquer outros proventos a não ser os rendimentos auferidos como trabalhadores da firma “G Lda.” (r. 25°). 37. Caso a Ré, em consequência desta acção, tenha de entregar o locado ao Autor, os sócios-gerentes da Ré ficam sem quaisquer proventos e na situação de desempregados (r. 26°). 38. O locado tem diversos equipamentos, designadamente, balcões, frigoríficos, televisor e aparelhagem de som, assim como tem um stock de bebidas, louças e diversos utensílios (r. 27°). a) V- DO MÉRITO DO RECURSO Entre Autor e Ré vigora um contrato de arrendamento urbano para comércio, celebrado por escritura pública outorgada em 4-7-1989, pelo qual – artigos 1022º e 1023º do C.C. – aquele se encontra obrigado a prestar a esta o gozo temporário do r/c loja com entrada pelos nºs 13 e 15 do prédio sito à Rua em Lisboa. É-lhe de facto aplicável o regime do artigo 50º do NRAU ( Lei nº 6/2006, de 27-2 ). Na sua contestação a Ré defende-se excepcionando o incumprimento do contrato de arrendamento por parte do Autor, alegando que o estado de degradação do prédio se deve exclusivamente ao Autor que com uma actuação dolosa deteriorou o imóvel. Assim o mau estado de conservação ou o estado de degradação do imóvel não se devia ao desgaste do tempo nem a caso fortuito. Imputa-se ao Autor a destruição de telhas, quebra de portas, destruição de soalho, tecto e chão, etc., tudo com o objectivo pensado de alcançar intimações camarárias e conseguir com elas fundamentar a intentação desta acção. A Ré alega que a responsabilidade civil em que o Autor incorreu é a delitual do artigo 483º, estando verificada a actuação em abuso de direito – artigo 334º, ambos do C.C.. Da base instrutória relevam as perguntas 12ª, 13ª, 14ª, 20º. A elas se respondeu, respectivamente assim ( factos 23,24,25,31 de IV ): 12. Pessoas cuja identificação se desconhece arrancaram algumas portas e janelas, quebraram telhas, destruíram algum soalho e chão e colocaram entulho nos andares superiores do prédio identificado em 2.1.1., com predominância do lado do locado da Ré (r. 12°). 13. O Autor, através de terceiros, fechou com tijolo e cimento as portas de acesso às partes comuns do prédio, não permitindo a comunicação às colunas de água e luz (r. 13°). 14. A Ré foi notificada, através da notificação nº 112/DA/DIF /2006, da Câmara Municipal de Lisboa, para proceder às obras no locado que se descrevem no documento de fls. 114 a 116, mencionando-se expressamente que são "beneficiações de conservação" e que “ são de ordem higio-sanitária e exclusivamente de relativas ao normal funcionamento do estabelecimento" (r. 14°). 20. Em virtude do descrito na resposta ao quesito 12 e das repercussões da degradação do prédio no locado, a Ré teve de efectuar durante os anos de 1999 a 2006, obras de modo a manter o locado com as mínimas condições de habitabilidade, higiene, segurança e funcionamento (r. 20°). Pelo teor das respostas verifica-se não ter ficado provado serem os desmandos da pergunta 12ª imputados ao ora Autor. Já o fechamento das portas e acesso às partes comuns do prédio foi efectuado a mando do Autor. Não ficou provado o nexo de causalidade entre as imputadas actuações ao Autor e a notificação nº 1212/DA/DIF/2006 da CML à Ré para proceder à recuperação e conservação de todo o locado, e entre as imputadas actuações ao Autor e a necessidade da Ré fazer obras no locado. É de considerar que o Autor adquiriu o prédio às anteriores proprietárias que foram as iniciais senhorias da Ré. Sendo portanto a aquisição posterior a 1989. O edifício tem três pisos e é de construção anterior a 1856 ( cf. fls. 209 ), não podendo com sensatez imputar-se à ausência de obras de conservação dos últimos 15 anos o estado de degradação do prédio. O fechamento de entradas, vãos e outros acessos aos interiores dos prédios devolutos e semi-devolutos por alvenaria tem sido praticado pelos proprietários e até determinado administrativamente como forma de impedir a entrada de intrusos, obstar a incêndios, e ao maior avanço da degradação. Não resultam provadas consequências directas e necessárias para o factualismo saído da resposta à pergunta 13ª. Não está apurada a direcção efectiva dos ramais de água e luz pelo senhorio nem provado qualquer dano em consequência de qualquer acção ou omissão do Autor. Não estão verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do artigo 483º do C. Civil – o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano -, relativamente ao ora Autor, não se presumindo a culpa deste. Ficou provado - IV -12 - que: O prédio referido onde se situa o locado se encontra no estado descrito no auto de vistoria junto aos autos de fls. 11 a 14 (r. 1°). E que: ( IV-15-) É necessário proceder à remodelação integral do edifício, o que implica a contenção de fachadas, conforme projecto cuja memória descritiva e justificativa se encontra inserta a fls. 15 a 18 (r. 4°). As obras de que o prédio onde está instalado o locado carece não são assim de mera conservação, como a Ré pretende. Ficou ainda provado que as obras obrigam à desocupação do locado. Trata-se então de obras de remodelação ou restauro profundos, e até estruturais, porque do edifício restarão para o futuro apenas duas paredes laterais, havendo lugar depois a uma compartimentação distinta da actualmente existente ( artigo 4º do Decreto-Lei nº 157/2006, de 8-8), como se vê do ponto 3 de fls. 210. O Senhorio tem direito a denunciar o contrato de arrendamento para o termo do prazo em curso para realizar obras de remodelação ou restauro profundos – artigos 5º a 8º desse diploma – mediante acção judicial a intentar para esse efeito. A Ré argumenta que o Autor, ao actuar esse seu direito, o faz em abuso de direito ( artigo 334º do C. Civil ). De uma maneira geral e sintética, podemos considerar que ( Ac. T.R.L. de 24-4-08, processo nº 2889/08-6, consultável em dgsi.pt ) existirá abuso de direito quando alguém, detentor embora de um determinado direito, válido em princípio, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objectivo natural e da razão justificativa da sua existência e em termos apodicticamente ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante, designadamente com intenção de prejudicar ou de comprometer o gozo do direito de outrem ou de criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício do direito por parte do seu titular e as consequências a suportar por aquele contra o qual é invocado. O abuso do direito, nas suas múltiplas manifestações, é um instituto puramente objectivo, por não estar depende de culpa do agente, nem sequer de qualquer específico elemento subjectivo, ainda que a presença ou a ausência de tais elementos possam contribuir para a definição das consequências do abuso. As consequências do abuso de direito podem ser de natureza variada, podendo consistir na supressão do direito ou na cessação do concreto exercício abusivo, mantendo-se, todavia, o direito. Como podem consistir num dever de restituir, em espécie ou em equivalente pecuniário ou num dever de indemnizar, quando se verifiquem os pressupostos de responsabilidade civil, com relevo para a culpa. Não actua o Autor, senhorio em abuso de direito quando é proprietário de um prédio em Lisboa, de construção de 1856, de três pisos, em estado avançado de degradação, sem motivos arquitectónicos dignos de nota, devoluto, à excepção do locado, estabelecimento comercial ao nível do r/c, em que é necessário substituir instalações de água, luz, esgotos, fazer as de gás, substituir o telhado, e por todo o edifício tapar fendas, substituir os tectos, o soalho, substituir janelas e portas, conter paredes, obras essas que para serem realizadas são incompatíveis com a permanência da ocupação do locado, é notificado pelos serviços camarários para proceder às obras, e apresenta projecto que é aprovado onde se prevê a demolição de todo o interior do edifício, que os serviços camarários aprovam, novo desenho da volumetria interna das divisões e externa do edifício, que agora destina à habitação, não reservando área para o estabelecimento comercial instalado no locado continuar a subsistir. O Autor não fica obrigado a destinar os espaços do edifício novo ou reconstruído, para a habitação, para o arrendamento comercial, nem fica obrigado a manter os arrendamentos que tinha, e as tipologias do antigo edifício. Questão é de proceder conforme estipula a lei, e indemnizar de acordo com as diferentes situações que nela se prevêem, tudo em nome do livre-empreendedorismo, da plena in re potestas do proprietário sobre a coisa, da requalificação imobiliária, da liberdade contratual e da autonomia privada. Ainda antes da vigência da actual lei – pois que também com ela a situação se não alterou - já o T.R.P. no Ac. de 16-12-2004, processo nº 0436046 in dgsi.pt, decidia que: Com a Lei nº 2088 de 3 de Julho de 1957, pretendeu o legislador impulsionar o sector da construção civil, recuperar o parque habitacional degradado, e estimular o mercado de arrendamento, permitindo que as antigas edificações fossem objecto de intervenção e modernização, mesmo com sacrifício dos arrendatários, cujos direitos salvaguardou com a manutenção do vínculo locatício na edificação recuperada ou nova, e com a garantia das correspondentes indemnizações. À data da feitura do diploma em apreço (1957), muitos eram os edifícios com traça arquitectónica pobre, com um ou mais inquilinos, com reduzidas condições de habitabilidade, implantados em espaços merecedores de requalificação urbanística, enriquecedora do parque imobiliário e habitacional, pelo que sentiu o legislador necessidade de atender a tais imperativos de modernização e de estimulação desse sector da economia que é a construção civil, com a devida protecção daqueles que, pelo menos temporariamente, se vão ver limitados nos seus direitos, os locatários. Essa realidade das coisas ainda se mantém nos dias de hoje, razão por que o legislador, como Dec. Lei nº 329-B/2000, se limitou a proceder a pequenos ajustamentos daquele diploma, fazendo-o com “pinças e agulhas”, por perceber a justeza e equilíbrio subjacentes á sua versão original, e por compreender a sua manifesta adequação aos tempos modernos, em que aqueles estímulos ao sector da construção, ao parque habitacional, e ao marcado de arrendamento se mantêm. Mas, sendo inequívoca a intenção proteccionista dos arrendatários, bem como o propósito expansionista do parque imobiliário e habitacional, em caso algum obriga a lei a que os novos espaços resultantes da nova edificação, para além do aumento do número de fogos, e da garantia de manutenção dos contratos de arrendamento dos antigos inquilinos em condições aproximadamente correspondentes aos que ocupavam, em momento algum o legislador impõe que os novos espaços se destinem a ser dados de arrendamento. Face aos elementos provados o Autor também não agiu em enriquecimento sem causa, outra fonte de obrigações, embora subsidiária. Face aos elementos em causa o Autor tinha para fazer – e foi notificado para isso – obras de remodelação ou restauro profundos e estruturais, não de simples conservação ou reparação, e não está obrigado a manter ou suspender o contrato de arrendamento em causa, nem está obrigado a permitir a permanência do estabelecimento no locado durante a efectivação das obras. Desatende-se assim a pretensão contida na conclusão 1ª do recurso. Decidiu bem a 1ª instância. “… não se pode concluir que o Autor criou intencionalmente a necessidade da presente acção, pelo que inexiste fundamento para considerar que agiu em abuso do direito, bem como para julgar procedente o pedido deduzido pela Ré na alínea b) do seu petitório.” São três os requisitos legalmente estabelecidos ( Dec.-Lei nº 157/2006, 8.8 ) para o deferimento da pretensão do senhorio que pretenda denunciar o contrato de arrendamento urbano para comércio (ou, em geral, para fins não habitacionais): a) Que as obras a realizar sejam de remodelação ou restauro profundos (no caso de denúncia para demolição do prédio, situação que não releva para os autos, têm de estar preenchidos os pressupostos previstos no nº 2 do art. 7°) - art. 4°, nº 1; b) Que o projecto de arquitectura relativo às obras a realizar se mostre aprovado pelo município - art. 8°, nº 2; c) Que se mostre efectuado o depósito do valor correspondente a cinco anos de renda com o limite mínimo igual a 60 vezes a retribuição mensal garantia ou, no caso de a indemnização a apurar ser de montante superior, a totalidade desta art. 26°. Os pressupostos estão inteiramente verificados no caso. Como bem decidiu a 1ª instância- primeiro, conforme resulta dos factos enumerados de 15 a 20 as obras a efectuar pelo Autor são de remodelação profunda do prédio, pois obrigam, para a sua realização, à desocupação do locado. Devem até ser qualificadas como estruturais, na medida em que originam uma distribuição de fogos sem correspondência com a distribuição anterior. Segundo, o projecto de arquitectura foi aprovado pela Câmara Municipal de Lisboa - v. fls. 205 e segs. e 328. Terceiro, o Autor procedeu ao depósito de € 13.500,00, montante correspondente ao valor de cinco anos de rendas - v. fls. 38 e 39. Restando apurar se a Ré tem direito a uma indemnização de valor superior àquele, caso em que deverá proceder ao seu depósito no prazo de dez dias a contar da sentença, ficando a eficácia desta dependente da demonstração de tal facto. O art. 26°, nº 1, do Decreto-Lei nº 157/2006, de 8 de Agosto, estabelece que o arrendatário "tem direito ao pagamento de todas as despesas e danos, patrimoniais e não patrimoniais, considerando-se o valor das benfeitorias realizadas e dos investimentos efectuados em função do locado". Como igualmente bem decidiu a 1ª instância, … a lei não deixa margem para dúvidas: deve ser pago o valor de "todas" as despesas e danos, independentemente da sua natureza, desde que causados pela extinção do contrato de arrendamento. Portanto, o facto juridicamente relevante é a cessação do contrato e as consequências patrimoniais e não patrimoniais daí resultantes. Estão em causa danos futuros. A denúncia vem a ser uma declaração negocial por via da qual se obsta à renovação automática do contrato de locação – artigo 1055º-2 do C.C. Em princípio a denúncia é livre, e não implica qualquer compensação para o destinatário da declaração. Casos há em que a lei a condiciona e obriga a que o senhorio – como no caso dos autos – deva indemnizar o inquilino. É uma hipótese de responsabilidade objectiva por danos causados no exercício lícito de direitos. Não há qualquer ilicitude. Corresponde a uma situação especial de responsabilidade por factos lícitos (cfr.: Pedro Romano Martinez, in Da Cessação do Contrato, 2ª ed., pág. 240 e Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 3ª ed., pág. 422). Porém a Recorrente argumenta que existiram defeitos de manutenção do prédio, que imputa ao Autor, e invocando a prática de factos que contribuíram para a degradação do mesmo, considera devia a sentença recorrida ter presumido a culpa do ora Autor em atenção ao disposto nos artigos 492º, nº2 e 493º do C.C., como proprietário, no resultado final obtido da degradação do prédio o que no seu entender determinou a necessidade do despejo da Ré para realização das obras, para efeitos de conseguir obter uma indemnização maior. Não tem razão. Primeiro: a responsabilidade civil em sede da qual o legislador construiu o dever de indemnizar do senhorio em relação ao inquilino quando este solicita judicialmente a denúncia do contrato de arrendamento não habitacional (comercial) com vista a efectuar obras de remodelação ou restauro profundos, é a responsabilidade civil por factos lícitos, objectiva, portanto independente do dolo ou da mera culpa, ou da ilicitude. Para efeitos do art. 26°, nº 1, do Decreto-Lei nº 157/2006, de 8 de Agosto não há que apreciar a ilicitude e a culpa. Para o cômputo da indemnização não há que contar com outras fontes de direito, como a responsabilidade civil delitual, ou aquiliana. Segundo: tendo-se provado que terceiros, cuja identidade se desconhece, arrancaram portas, janelas, quebraram telhas, destruíram soalho e chão e fazendo entulho colocaram o mesmo nos andares superiores do locado, com predominância do lado do locado – IV-23- , e depois que em virtude disso e ainda da repercussão da degradação do prédio no locado, a Ré efectuou obras – IV-31-, também se provou o valor das mesmas e bem assim da mão-de-obra – IV-3 e 34- tudo somando € 14.877,47, certo é que esse valor foi inteiramente considerado no cômputo da indemnização pela sentença posta em crise. Terceiro: a Ré pretende que a não realização de obras de conservação do imóvel por parte do Autor e a actuação de terceiros, alegadamente permitida pelo Autor, determinaram e acentuaram o grau de degradação de todo o edifício, prejudicando a Ré. Mas não há notícia de ter havido qualquer perturbação ou diminuição do gozo da coisa locada por parte da Ré. O próprio estabelecimento comercial continua aberto. Não está provado que a degradação do imóvel se deva a vício de conservação, e qual o vício, e que este seja de imputar ao Autor, nem à actuação dos terceiros. É que no artigo 492º, nº 2 do C. Civil não está contemplado um caso de responsabilidade objectiva do proprietário. Limita-se a inverter o ónus da prova, observados que sejam os pressupostos de facto que condicionam a presunção de culpa do lesante ( S.T.J Ac. de 28-4-1977, BMJ, 266º-161 ). É ao lesado que cabe provar o vício de construção ou o defeito de conservação mencionados no aludido artigo. E no caso dos autos está longe de se entender a situação do edifício como de ter ruído no todo ou em parte, de ter havido danos em consequência dessa queda, por exemplo: de telhas, paredes-, faltando também a prova do vício. Assim a presunção não pode estabelecer-se contra o Autor. Quarto- já quanto ao disposto no artigo 493º do C. Civil, o nº 1 pressupõe a detenção material da coisa causadora do dano, e que este resulte da violação do dever de guarda, o que não está provado que aconteça com o Autor, para efeitos de ser aplicado o dispositivo. O nº 2 já tem em conta o carácter perigoso da actividade exercida, e não se pode entender que manter arrendado uma parte de um imóvel como o Autor fazia e faz em relação à Ré se possa considerar uma actividade perigosa. Desatende-se as conclusões 2ª, 3ª e 4ª da Apelante. Relativamente à 5ª questão já se referiu que o Autor actua no exercício de um direito legítimo, que lhe assiste, e cujos pressupostos de facto e de direito estão preenchidos. Nada obriga o senhorio a destinar o edifício reconstruído ou reedificado, para arrendamento, nem nada o obriga a reservar nele áreas com vista à reinstalação dos inquilinos que possuía. São opções que partem da vontade do Autor, e que a lei não questiona. Tudo, como vimos, em prol da autonomia da vontade privada, da requalificação urbanística e do livre empreendedorismo. O que leva à destruição da parte arrendada do edifício é fundamentalmente a dimensão da obra, as técnicas utilizadas, a construção em placa, completamente incompatíveis com a manutenção daquele espaço. Como se disse no julgamento: só criando um bunker à volta do locado, seria compatível a manutenção de bens ou pessoas no estabelecimento da Ré com o andamento das obras, opção economicamente reprovada. Provado ficou portanto que o arrendamento não pode subsistir enquanto as obras decorrem, e provado ficou que no futuro edifício não há lugar para um espaço comercial, havendo lugar à extinção do contrato por caducidade. A Ré veio peticionar o ressarcimento de danos materiais e morais. Alega que a Ré foi notificada pela Câmara Municipal de Lisboa para proceder à recuperação e conservação de todo o locado, o que fez, tendo despendido € 14.877,47 com a realização dessas obras. Mais alega que a ser concretizada a presente acção, de imediato ficam desempregados e sem direito a subsídio de desemprego os seus dois sócios gerentes, o que num período de 36 meses corresponde a € 48.960,00, além de que teriam direito a um mês de remuneração por cada ano efectivamente prestado (sete anos), no valor aproximado de € 14.000,00. Acresce que os bens que se encontram no locado deixam de ter utilidade comercial, prejuízo que computam em cerca de € 8.000,00. Finalmente, alega que dada a impossibilidade/ dificuldade de obter um local com as características idênticas, a angariação de clientela deve ser indemnizada em € 75.000,00, além de que um arrendamento comercial como o dos autos só pode ser obtido através de um contrato de trespasse de valor não inferior a € 150.000,00. Na sentença posta em crise julgou-se procedente o peticionado de danos materiais relativamente aos dois valores sublinhados no parágrafo anterior, que totalizam € 28.877,47, e improcedente no mais. Discorda a Ré. No que tange aos alegados prejuízos dos dois sócios gerentes da Ré, é certo que as perdas cujo ressarcimento se peticiona dizem respeito a estes e não à sociedade Ré, e no artigo 26º do Decreto-Lei nº 157/2006 não estão contemplados danos reflexos. Apenas se contemplam danos da arrendatária. A Ré pretende a atribuição de uma indemnização de clientela cujo valor determina pelo montante necessário e suficiente para efectuar um contrato de cessão de exploração, ou um contrato de trespasse, que permita a continuação da sua actividade comercial. No julgamento não se produziu prova sobre qualquer trespasse e seu valor, sobre qualquer contrato de cessão de exploração e seu custo (cfr.: fls. 345). Não é facto notório ou que decorra da lei o valor de um ou de outro. O que interessa fundamentalmente é saber que a Ré sendo despejada do locado perde o estabelecimento, e qual o valor dessa perda. O estabelecimento é aqui entendido como o complexo da organização comercial do comerciante, apto para entrar em movimento. Um estabelecimento é então composto por um conjunto de bens de diversa natureza, coisas corpóreas ( utensílios, máquinas ) e incorpóreas ( a firma, marcas, os direitos ou relações jurídicas ), como instrumentos do exercício do comércio. Há depois o trabalho dos empresários e dos trabalhadores. A clientela é uma fonte potencial de lucros para o empresário, o que se não confunde com as relações do estabelecimento com o público – cfr.: Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, reprint, 1994, pág. 118-. Depois há o avviamento, a sua capacidade de organização para gerar lucros, que pode não coincidir com muita clientela, pois que pode haver muita clientela e haver poucos lucros, mas a clientela faz parte deste conceito. O que não resulta provado é que a Ré tenha esta fonte potencial de lucros, esta clientela, e que com a extinção do contrato - consequentemente – a perde. Como se justificou a fls. 346, não ficou demonstrado, por alegada manifesta insuficiência de prova, que não seja possível à Ré arrendar directamente um local onde possa instalar um estabelecimento comercial, sem ter de recorrer ao trespasse e à cessão de exploração de outro estabelecimento. Por outro lado, dá-se como provado em: 38 que: O locado tem diversos equipamentos, designadamente, balcões, frigoríficos, televisor e aparelhagem de som, assim como tem um stock de bebidas, louças e diversos utensílios (r. 27°). Mas não resulta provado que com o despejo a Ré perderá estes bens, ficará prejudicada em relação a eles. Inclusivamente no dizer de uma testemunha: os bens estão “velhos” – cfr.: fls. 345. Como já se disse -o art. 26°, nº 1, do Decreto-Lei nº 157/2006, de 8 de Agosto, estabelece que o arrendatário "tem direito ao pagamento de todas as despesas e danos, patrimoniais e não patrimoniais, considerando-se o valor das benfeitorias realizadas e dos investimentos efectuados em função do locado". A lei não deixa margem para dúvidas: deve ser pago o valor de "todas" as despesas e danos, independentemente da sua natureza, desde que causados pela extinção do contrato de arrendamento. Portanto, o facto juridicamente relevante é a cessação do contrato e as consequências patrimoniais e não patrimoniais daí resultantes. Cabe ao lesado o ónus da prova da existência das despesas e dos danos – artigo 342º-1 do C. Civil. Só depois de apurada a existência de despesas e de danos, e de perante os elementos conseguidos se entender que não pode ser averiguado o seu concreto valor, é que o tribunal pode julgar equitativamente nos termos do artigo 566º, nº 3 do C. Civil, no sentido de lhe fixar o cômputo para efeitos indemnizatórios. Isto é: fixa uma indemnização com base num valor conseguido com recurso a juízos de equidade. Este artigo não dispensa portanto a prova da existência dos danos, e seus pressupostos de facto. Na conclusão 11ª da sua motivação de recurso, a Ré invoca que :- Ao não se referir na sentença a indemnização devida relativamente aos diversos equipamentos de mobiliária, designadamente, balcões, frigoríficos, televisor e aparelhagem de som, assim como o stock de bebidas, louças e diversos utensílios, a sentença não se pronunciou relativamente a questão que devesse, o que constitui nulidade nos termos do 668°, n° 1 alínea d) do CPC. É de desatender ao pretendido uma vez que na sentença se refere precisamente em relação ao pedido de ressarcimento do valor do recheio do estabelecimento, no sentido da falta de prova e portanto da improcedência. Tal pedido radica no artigo 16º da contestação, onde a ré alega computar os respectivos prejuízos em € 8.000,00. Na sentença posta em crise, a fls. 361, a linhas 16 e ss, escreveu-se que no que se refere à verba do artigo 16º da contestação – precisamente a que está em causa – “ verifica-se que a Ré não demonstrou a existência do prejuízo aí mencionado, pelo que não tem direito à respectiva quantia “. Em conclusão podemos afirmar que: 1- Estão verificados os pressupostos para a caducidade do contrato de arrendamento; 2- Não é de alterar a indemnização arbitrada na 1ª instância; Falecem as conclusões da Recorrente. Improcede o recurso. VI–DECISÃO: Pelo que fica exposto, acorda este Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida. Custas pela Apelante - Ré. Lisboa, 2008-11-18. ( Rui Correia Moura ) ( Anabela Moreira de Sá Calafate ) ( António Luís Caldas de Antas de Barros ) |