Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | PIMENTEL MARCOS | ||
| Descritores: | CONTRATO DE CONCESSÃO DENÚNCIA INDEMNIZAÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 07/08/2004 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Sumário: | No contrato de concessão comercial o concessionário, ao contrário do agente, actua em seu nome e por sua conta, assumindo os riscos da comercialização dos produtos que compra ao fabricante ou ao fornecedor, para vender a terceiros, e retirando os proventos do resultado da compra e venda desses produtos. Denunciado o contrato pelo concedente, o concessionário beneficia do direito de indemnização de clientela previsto, para o contrato de agência, nos arts. 33º e 34º do Dec. Lei nº 178/86, correspondendo a uma compensação pela mais-valia proporcionada pela actividade desenvolvida pelo concessionário. | ||
| Decisão Texto Integral: | “Tintas Robbialac, S.A.” intentou acção de condenação com processo ordinário contra “J. Sanchez Dominguez, Ldª”. Alega sucintamente que no exercício da sua actividade comercial vendeu à R., por solicitação desta, os produtos discriminados nas 93 facturas que juntou, que totalizam um valor de 7.173.803$00 e que foram entregues pela A. no estabelecimento da R., sem qualquer reclamação desta. A esse valor total teriam de ser deduzidas as notas de crédito que igualmente juntou, no valor de 2.461.647$00, restando assim por pagar a quantia de 4.712.156$00. O valor em dívida deveria ter sido pago, o mais tardar, até 31 de Março de 1997, pelo que ao mesmo acrescem juros de mora à taxa de 10% ao ano, encontrando-se vencidos até a propositura da acção 254.327$00. Assim, concluiu pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de 4.712.156$00, acrescida de 254.327$00 de juros vencidos, bem como, nos vincendos até integral pagamento. ** Citada, a R. veio invocar que as relações comerciais entre elas resultavam dum contrato de agência celebrado em 1 de Abril de 1983, depois substituído por outro datado de 4 de Maio de 1987, denominando-se então a A. “Tintas Berger (Portugal) R.L”., e sendo o agente José Sanchez Dominguez, comerciante a título individual, ao qual veio a suceder a R..Assim, a R. sempre teria sido reconhecida pela A. como sua distribuidora exclusiva no Distrito de Viana do Castelo e nos concelhos de Caminha, Melgaço, Monção, Paredes de Coura, Valença e Vila Nova de Cerveira. E o contrato viria a ser denunciado unilateralmente pela A., por carta de 14 de Setembro de 1995, cessando assim inesperadamente as relações comerciais daí derivadas em 31 de Dezembro de 1996. A R terá promovido a fidelização de clientela para os produtos da A. ao abrigo do contrato de exclusividade que vinculava ambas as partes, que garantia uma média anual de vendas de 126.344.912$00. Depois de findo o contrato, e apesar das diligências realizadas para demover a A. desse propósito, esta ter-se-á apossado da clientela angariada pela R., sendo que esta tinha previamente advertido aquela de que pretendia ser ressarcida pelos prejuízos deste modo causados. Assim, concluiu pela improcedência parcial da acção. Mas, em reconvenção pede que seja declarada nula e de nenhum efeito a denúncia do contrato de distribuição e a condenação da A. a indemnizar a R. por todos os prejuízos causados com essa denúncia, a liquidar em execução de sentença, reconhecendo-se ainda à R. o direito de indemnização pela clientela, calculada nos termos do art. 34º do Dec. Lei 118/93, com base na média anual de vendas, operando-se a compensação parcial entre os créditos pedidos pela autora e os créditos reclamados pela R. Na réplica reafirmou a autora tudo o que havia alegado na petição inicial, negando que os fornecimentos em causa tenham sido estabelecidos no âmbito do contrato de exclusividade invocado pela R.. E disse ainda: por um lado, o contrato de 1/4/83 cessou por acordo das partes. por outro lado, o contrato de 4/5/87 nada tinha que ver com o anterior, não havendo sucessão de contratos, muito embora reconheça que a R. era representada por José Sanchez Dominguez, seu sócio gerente, que outorgou o segundo contrato nessa qualidade. Impugnou ainda toda a matéria de reconvenção, alegando que a R. comercializava outros produtos e que a denúncia do contrato foi feita com 15 meses de antecedência, não se tendo operado de forma imprevista, mas sim nos termos e no respeito pelo que vinha disposto no próprio contrato. Assim, a A. não se terá apossado de clientela e não terá colocado a R. na situação de não poder solver os seus compromissos, sendo que esta não teria desenvolvido qualquer actividade no sentido de obter a fidelização de clientela para os produtos da A., que já gozavam de reputação nacional reconhecida. Expressou ainda o entendimento que ao caso não teria aplicação o disposto no Art. 34º do Dec. Lei 178/86, não havendo lugar a qualquer indemnização. Em conformidade, concluiu pela procedência da acção e pela improcedência dos pedidos reconvencionais, devendo declarar-se que a denuncia do contrato foi feita de forma válida, absolvendo-se a A. do pedido de indemnização por motivo dessa denuncia e da indemnização por clientela, não havendo assim lugar a qualquer compensação de créditos. A R. impugnou os factos alegados na réplica e sustentou que a alteração do contrato de agência foi imposta pela A. e que não houve um verdadeiro acordo entre as partes, realçando ainda que apesar de a R. exercer outra actividade, designadamente a comercialização de pneus, a representação da Robbialac era a sua actividade principal. Findos os articulados foi proferidos despacho saneador e operou-se a selecção da matéria de facto, da qual reclamou a R., tendo a reclamação sido parcialmente deferida por despacho de fls. 220 a 221. Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento e foi dada resposta ao questionário, por decisão que não mereceu reclamação. Seguidamente foi proferida a competente sentença nestes termos: A) Condenamos a R., J. Sanchez Dominguez, Lda, a pagar à A., Tintas Robbialac, S.A. a quantia de € 25.191,28, correspondente à soma do capital em dívida 4.712.156$00, acrescidos de 338.242$00 de juros de mora vencidos entre 31/3/97 e 18/12/1997, à taxa de 10% ( Art. 559º do C.C. e Portaria 1171/95 de 25/9 ); B) Absolvemos a A. do pedido de ser declarada nula e de nenhum efeito a denúncia do contrato de distribuição efectuada pela A. e, bem assim, do pedido de indemnizar a R. pelos prejuízos causados com essa denúncia, a liquidar em execução de sentença; C) Reconhecer à R., J. Sanchez Dominguez, Lda, o direito a receber da A., Tintas Robbialac, S.A., uma indemnização por clientela, nos termos do Art. 34º do Dec-Lei 178/86 de 3/7, que se fixa em € 80.000,00; e D) Julgar compensado o crédito que a A. tinha sobre a R., pelo crédito que a R. tem sobre a A., a que se reporta a alínea C), extinguindo-se assim, por compensação, o crédito referido em A). Dela recorreram ambas as partes, formulando as respectivas conclusões: A) a autora: a) Entre A. e R. vigorou um contrato de distribuição, nos termos do qual a autora nomeou a ré distribuidora e concessionária para a venda de produtos, em exclusivo reciproco, na área dos concelhos de Caminha, Malgaço, Monção, Paredes de Coura, Valença e Vila Nova de Cerveira. b) Nesse período a ré fidelizou a clientela aos produtos da autora. c) As vendas efectuadas pela ré também foram conseguidas graças à reputação que os produtos e marca da autora gozavam no território nacional. d) A autora manteve sempre a sua equipa de vendas a trabalhar no território abrangido pelo contrato de distribuição, a qual também angariava clientela para a ré. e) Nos cinco últimos anos de vigência do contrato dos autos, a ré teve os seguintes resultados líquidos de exercício: Ano de 1992 lucro de Esc. 2.546.280.$00 Ano de 1993 prejuízo de Esc. 2.687.226$00 Ano de 1994 lucro de Esc. 158. 604$00 Ano de 1995 prejuízo de Esc. 1.571.149$00 Ano de 1996 prejuízo de Esc. 460.431$00 f) Ao contrato dos autos aplica-se, por analogia, o disposto no Decreto-Lei nº. 158/86, de 3 de Julho, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº. 118/93, de 13 de Abril. g) Nada ficou provado relativamente ao requisito previsto na alínea a) do nº. 1, do artigo 33º do diploma legal acima identificado (angariação de novos clientes ou aumento substancial do volume de negócios). h) Muito menos, nem sequer foi alegado, algum benefício considerável usufruindo pela autora com a cessação do contrato dos autos. i) Não ficou minimamente provada a verificação dos requisitos (cumulativos) exigidos pela lei para a aquisição do direito de indemnização de clientela. j) Também não ficou provado, sem sequer foi alegado matéria para o efeito, a remuneração da ré nos últimos cinco anos de vigência do contrato dos autos (de 1992 a 1996), k) Sendo certo que neste cinco anos a ré evidenciou resultados líquidos de exercício médios negativos de 402.784$00. B) a ré: 1. O contrato de distribuição é um contrato inominado que se rege pelas disposições aplicáveis ao contrato da agência. 2. O comportamento das “Tintas ROBBIALAC S.A”, além de violar o principio de boa fé, que deve prevalecer nas relações agentes/ principal – artigo 12º do DL nº 178/86 de 03 de Julho – causou à Ré prejuízos 3. Ao abrigo do Art. 32º do DL nº 178/86 de 03 de Julho qualquer das partes tem o direito de ser indemnizada, nos termos gerais, pelos danos resultantes do não cumprimento das obrigações da outra. 4. A Ré logrou provar ter sofrido os prejuízos resultantes da resposta ao quesito 12º do questionário, mas não conseguiu liquidar o seu montante. 5. Se não houver elementos para se fixar o quantum da condenação, o tribunal condenará no que se liquidar em execução de sentença – Artigo 661º, nº2 do C.P.C. 6. A autora deve indemnizar a Ré desses prejuízos, a liquidar em execução de sentença, ao abrigo do Artigo 32º do referido Decreto Lei. 7. A indemnização de clientela que foi concedida não exclui a indemnização dos prejuízos sofridos nos termos gerais como prevê expressamente o artigo 33º nº 1 do DL nº178/86 de 03 de Julho. 8. O M.º. Juiz ao absolver a Autora do pedido de indemnização dos prejuízos sofridos, não ponderou devidamente os factos provados, violando o disposto nos artigos 12º, 32º e 33º nº1 do Decreto Lei 178/86 de 03 de Julho e Artigo 661º nº2 do C.P.C. E termina dizendo que deve a autora ser condenada a indemnizar a ré dos prejuízos causados com a cessação do contrato a liquidar em execução de sentença. A ré contra-alegou, pedindo a improcedência da apelação da autora. ** Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir.Da 1ª instância vêm provados os seguintes factos: 1) A A. dedica-se, nomeadamente, ao fabrico e comercialização de tintas, vernizes e acessórios para construção - ( Al. A) da Especificação ); 2) A R. dedica-se, nomeadamente, ao comércio de tintas, vernizes e acessórios para construção - (Al. B) da Especificação ); 3) A A. forneceu à R. os produtos, pelos preços e nas datas (em Novembro e Dezembro de 1996) constantes das facturas juntas a fls. 13 a 114 que aqui se dão por reproduzidas, no montante global de 7.173.803$00 - (Al. C) da Especificação ); 4) Do montante referido em 3) a R. apenas pagou a quantia de 850.940$00, relativa à factura junta a fls. 14 a 17 no montante de 1.802.426$00 - (Al. D) da Especificação); 5) A R. tem a seu favor notas de crédito constantes de fls. 115 a 125, que aqui se dão por reproduzidas, no montante global de 2.461.647$00 - (Al. E) da Especificação); 6) O pagamento dos produtos referidos em 3) deveria ter sido efectuado até 31/3/97 - (Al. F) da Especificação); 7) A A. denominava-se anteriormente Tintas Berger (Portugal), RL - (Al. G) da Especificação ); 8) Em 1/8/83, a sociedade Tintas Berger (Portugal), RL e J. Sanchez Dominguez, comerciante em nome individual, celebraram um contrato intitulado de "Agência", nos termos do qual aquela nomeou este seu agente armazenista distribuidor para a venda de tintas, vernizes e demais produtos do seu fabrico e os produtos do seu comércio que julgar conveniente para a área dos concelhos constantes do anexo I e demais cláusulas constantes do doc. de fls. 136 a 145 dos autos, que aqui se dão por reproduzidas - (Al. H) da Especificação); 9) Em 4/5/87, a sociedade Tintas Berger (Portugal), RL e José Sanchez Dominguez "sociedade comercial por quotas/anónima com sede ...", designada por distribuidor, celebraram um contrato intitulado de "distribuidor Berger", nos termos do qual a A. nomeou o distribuidor seu concessionário autorizado para a venda de produtos contratuais dentro do território nacional, obrigando-se a A. a fornecer produtos contratuais para revenda no território exclusivamente ao distribuidor, e o distribuidor a comprar os produtos contratuais exclusivamente à A., abrangendo o território de distribuição, no Distrito de Viana do Castelo, os Concelhos de Caminha, Melgaço, Monção, Paredes de Coura, Valença e Vila Nova de Cerveira, e demais clausulas constantes do doc. de fls. 146 a 161, que aqui se dão por reproduzidas - (Al. I) da Especificação); 10) Por carta datada de 14/9/95, a A. denunciou o contrato referido em 9) tendo cessado a sua vigência em 31/12/96, conforme carta cuja cópia se encontra junta a fls. 162, que aqui se dá por reproduzida - (Al. J) da Especificação); 11) A R. sucedeu nos negócios do comerciante J. Sanchez Dominguez, quando este faleceu - (Resposta ao quesito 1º); 12) Os fornecimentos referidos em 3) foram feitos por a R. ser a distribuidora exclusiva dos produtos da A. - (Resposta ao quesito 2º); 13) Desde 1983 até Dezembro de 1996 a R. e o seu antecessor, J. Sanchez Dominguez, criaram para a A. uma fiel clientela aos produtos da Robbialac, resultantes pelo menos do trabalho de venda de produtos da A. dentro da área de exclusivo que lhe foi concedida - (Resposta ao quesito 3º); 14) 1º No ano de 1993 a R. vendeu produtos da A. no valor total de 119.925.977$00, sendo 95.371.612$00 de revenda - correspondente a 80% das vendas -, e 24.564.365$00 de venda directa ao público - correspondente a 20% das vendas; 2º No ano de 1994 a R. vendeu produtos da A. no valor total de 127.972.948$00, sendo 100.840.552$00 de revenda - correspondente a 79% das vendas -, e 27.132.396$00 de venda directa ao público - correspondente a 21% das vendas; 3º No ano de 1995 a R. vendeu produtos da A. no valor total de 122.444.370$00, sendo 101.383.332$00 de revenda - correspondente a 83% das vendas -, e 21.061.038$00 de venda directa ao público - correspondente a 17% das vendas; 4º No ano de 1996 a R. vendeu produtos da A. no valor total de 131.090.364$00, sendo 113.720.307$00 de revenda - correspondente a 87% das vendas -, e 17.370.061$00 de venda directa ao público - correspondente a 13% das vendas - (Resposta aos quesitos 4º, 10º e 11º ); 15) A A., após a cessação do contrato referido em 9), continuou a vender os seus produtos no território onde vigorava o exclusivo anteriormente estabelecido para a R., vendendo também directamente a anteriores clientes da R. nesse mesmo território - (Resposta aos quesitos 5º e 6º); 16) As vendas efectuadas pela R. também foram conseguidas graças à reputação que os produtos e marca da A. gozavam no território nacional - (Resposta ao quesito 8º ); 17) Em consequência da cessação do contrato motivada pela denuncia referida em 10), a R. teve uma quebra de vendas que passou para 26.900 contos em 1997, depois para 21.737 contos em 1998 e 662 contos em 1999, o que obrigou a R. a despedir 4 empregados entre Dezembro de 1996 e Outubro de 1998, e dos 3 veículos de distribuição que possuía, reduziu a frota para uma única viatura. - (Resposta ao quesito 12º); 18) No valor dos pagamentos mencionados em 4) não está incluída a devolução de material que a R. realizou em consequência da denúncia do contrato mencionada em 10), mas na conta corrente elaborada pelos peritos quanto aos créditos e débitos existentes entre A. e R., o valor da factura que a R. emitiu com referência às devoluções, num total de 12.240.263$00, com IVA incluído, foi deduzido no crédito que a A. tinha sobre a R., dando um saldo final de 4.712.156$00 favorável à A. - (Resposta ao quesito 13º ). O DIREITO. Questões a decidir: 1. Saber se é devida a indemnização por perdas e danos pedida pela ré em reconvenção; 2. Saber se é devida a indemnização de clientela pedida pela ré também em reconvenção e, em caso afirmativo, qual o seu montante. I Parece-nos oportuno caracterizar juridicamente o contrato celebrado entre A e R em 04.05.87, pois era este (e só este) que então se encontrava em vigor entre elas.Na verdade, consta expressamente desse contrato que “revoga e substitui quaisquer outros contratos anteriormente celebrados entre Berger e o Distribuidor...” O M.º juiz da 1ª instância, depois de proceder à caracterização de vários contratos que poderiam ter afinidades com este e sobretudo com o contrato de agência, concluiu estarmos perante um contrato de concessão comercial. E diz o seguinte: “...Em face dos termos do contrato de 4 de Maio de 1987, junto a fls. 148 a 161, existem pelo menos dois elementos que claramente não permitem qualificá-lo como verdadeiro contrato de agência. É que antes da promoção da venda de produtos da A. em determinada circunscrição territorial, este é um acordo de compra e venda desses produtos, em regime de exclusividade. A R. obriga-se a comprar os produtos contratuais exclusivamente à A. e esta obriga-se a vendê-los exclusivamente àquela dentro da circunscrição territorial considerada (Alíneas A e B do contrato a fls. 148 ). Portanto, por esse contrato prevê-se que a A. venda os produtos à R., ficando esta proprietária dos mesmos, sendo então autorizada para a sua revenda a terceiros no território considerado. Logo, a R. não desenvolve a actividade de promoção de venda por conta da A., pois é aquela quem assume todo o risco da comercialização dos produtos em causa. Por outro lado, a A. não tem qualquer intervenção ao nível da revenda realizada pela R., designadamente no que se refere à necessidade de aceitação ou confirmação posterior dos negócios celebrados pelo revendedor autorizado. E assim é na verdade. Com efeito, não nos parece que se trate de um contrato de agência. O contrato de agência passou a estar legalmente tipificado no ordenamento jurídico português com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 178/86 de 3 de Julho, alterado posteriormente pelo Decreto Lei nº 118/93, de 13 de Abril, o qual transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva nº 86/653/CEE do Conselho, de 18.12.86, relativa à coordenação do direito dos Estados membros sobre os agentes comercias. Assim, a agência é “o contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover por conta da outra a celebração de contratos, de modo autónomo e estável e mediante retribuição, podendo ser-lhe atribuída certa zona ou determinado vínculo de clientes” (artº 1º do DL 178/86, na redacção do DL 118/93) Acontece, porém, que: - a R (pretenso agente) não se limitou a promover, por conta da A (que seria o principal) a celebração de contratos; pelo contrário, comprava os produtos à A. e (re)vendia-os depois aos seus clientes, por conta própria, assumindo os riscos da comercialização; - A R não recebia qualquer retribuição da A. Efectivamente, como ficou provado, em 4/5/87, a sociedade Tintas Berger e José Sanchez Dominguez «sociedade comercial...designada por distribuidor, celebraram um contrato intitulado de "distribuidor Berger", nos termos do qual a A. nomeou o distribuidor seu concessionário autorizado para a venda de produtos contratuais dentro do território nacional, obrigando-se a A. a fornecer produtos contratuais para revenda no território exclusivamente ao distribuidor, e o distribuidor a comprar os produtos contratuais exclusivamente à A., abrangendo o território de distribuição, no Distrito de Viana do Castelo, os Concelhos de ....» E daqui se verifica, nomeadamente, que foi estabelecido entre elas um regime de exclusividade. Consta desde logo das alíneas A e B do contrato: A - Pelo presente contrato a Berger nomeia o distribuidor seu concessionário autorizado para a venda de produtos contratuais dentro do território. Consequentemente, a Berger obriga-se a fornecer produtos contratuais para revenda no território exclusivamente ao distribuidor. B - Este contrato envolve a obrigação de a Berger vender ao Distribuidor os produtos contratuais e a correspondente obrigação de o Distribuidor comprar os produtos contratuais exclusivamente à Berger. As partes intitularam o contrato celebrado como “contrato de distribuidor Berger” (sendo “Berger” a então denominação da ora autora). E como consta da alínea e) da cláusula 1ª das “Cláusulas Gerais do Contrato de Distribuidor Berger”, “distribuidor significa qualquer pessoa singular ou colectiva com a qual a Berger tenha outorgado um contrato de distribuição exclusiva”. Trata-se, com efeito, de um contrato genericamente designado de “contrato de distribuição”. Sucede, porém, que dentro desta categoria ampla de contratos existem diferenças sensíveis entre eles, nomeadamente os contratos de agência, comissão, mediação, franquia e concessão comercial. O contrato de concessão comercial é na verdade um contrato de distribuição comercial, mas com características que o distinguem dos restantes do mesmo género (como sejam a própria agência ou o "franchising", por exemplo). Perante os factos provados parece-nos estarmos perante um contrato de concessão comercial, ou seja, "um acordo pelo qual uma das partes (o concedente) se obriga a vender os produtos por si produzidos ou distribuídos à contraparte (o concessionário), a qual se obriga a comprá-los e a (re)vendê-los a terceiros, por sua conta e de modo estável". E faz surgir entre as partes “uma relação obrigacional complexa por força da qual uma delas, o concedente, se obriga a vender à outra, o concessionário, e esta a comprar-lhe, para revenda, determinada quota de bens, aceitando certas obrigações, mormente no que concerne à sua organização, à política comercial e à assistência a prestar aos clientes - sujeitando-se a um certo controlo e fiscalização do concedente”. Trata-se, contudo, de um contrato inominado, não tipificado na lei, não dispondo, por isso, de regulamentação específica, pelo que se lhe aplicam as cláusulas acordadas entre as partes (artº 405º do CC), as regras gerais dos contratos e ainda as normas dos contratos nominados, sempre que a analogia das situações o justifique, designadamente o de agência, sobretudo em matéria de cessação do contrato[1]. Assim, o concessionário, ao contrário do agente, actua em seu nome e por sua conta, adquire a propriedade da mercadoria, comprando-a ao fabricante ou ao fornecedor, para a vender a terceiros, assumindo os riscos da comercialização e não recebe qualquer retribuição do concedente, retirando os seus proventos do resultado da compra e venda dos produtos. Mais pormenorizadamente podemos apontar entre ambos os contratos (agência e concessão comercial) as seguintes diferenças[2]: 1. Ao contrário do agente, o concessionário age em seu nome e por conta própria, não representando juridicamente o concedente; 2. Diversamente do que sucede com outros colaboradores da empresa, o concessionário adquire a propriedade da mercadoria, embora, por vezes, o concedente beneficie de uma cláusula de reserva de propriedade, acordada entre ambos; 3. Ao contrário do agente, o concessionário é um comerciante que compra para revenda, estando muitas vezes obrigado a adquirir determinada quota mínima de produtos; 4. Por isso, o concessionário assume o risco da comercialização, podendo mesmo ter prejuízos avultados; 5. Geralmente o agente beneficia do regime de exclusividade; 6. As obrigações do concessionário para com o concedente não cessam com a alienação dos bens, estando igualmente vinculado a prestar assistência pós venda aos clientes, mediante pessoal especializado e meios técnicos. Em síntese: enquanto o agente é um colaborador autónomo da empresa, por conta da qual se obriga a promover a celebração de contratos e, algumas vezes a concluí-los, ele próprio, mas em nome e por conta do principal, o concessionário actua em seu nome e por conta própria. Ora, como se viu, a reconvinte comprava os produtos à autora, comprometendo-se esta a vender-lhos nas condições acordadas. E a venda destes era feita pela reconvinte a terceiros em seu nome e por conta própria, não estando previsto o pagamento de qualquer retribuição. Não se trata, portanto, de um contrato de agência. Mas em ambos existe uma determinada vinculação à empresa, estabelecendo-se laços de colaboração estável entre elas. Trata-se, aliás, de uma questão que não foi discutida neste recurso, pois ambas as partes aceitam a classificação feita em 1ª instância, pelo que se tornam desnecessárias mais considerações. II Vejamos agora o pedido de indemnização por perdas e danos feito pela R nos termos do artigo 32º do DL nº178/86, aplicável por analogia.Relativamente ao contrato de agência determina o artº 27º, nº 1: se as partes não tiverem convencionado prazo, o contrato presume-se celebrado por tempo indeterminado. E nos termos do seu nº 2 considera-se transformado em contrato por tempo indeterminado o contrato que continue a ser executado pelas partes, não obstante o decurso do respectivo prazo. Nos termos do artº 406º do CC, os contratos devem ser pontualmente cumpridos, só podendo extinguir-se ou modificar-se por acordo das partes ou nos casos admitidos por lei. Como consta da cláusula 12ª “qualquer das partes pode pôr termo ao contrato em qualquer momento que o deseje desde que dê aviso prévio nesse sentido à outra parte com a antecedência prevista na cláusula C do contrato”, ou seja, 6 meses, não podendo, contudo, nenhumas das partes “resolvê-lo” unilateralmente antes de decorridos os primeiros dezoito meses... Portanto, qualquer das partes poderia denunciar o contrato desde que observasse estes requisitos. A denúncia consiste numa declaração unilateral receptícia, através da qual uma das partes põe termo à relação jurídica nos contratos por tempo indeterminado. Desta forma, uma das partes (neste caso o concedente) pode fazer cessar unilateralmente o contrato, manifestando uma vontade discricionária, não necessitando, para o efeito, de invocar qualquer motivo (ou seja, sem invocação de justa causa). E por isso se exige que a denúncia se faça com prévio aviso. Quem denunciar o contrato sem respeitar esse prazo torna-se obrigado a indemnizar o outro contraente pelos danos eventualmente causados por essa falta (artº 29 do citado DL). Assim, em caso de denúncia, deve o concedente respeitar os prazos estabelecidos (o pré-aviso), sob pena de, não o fazendo, puder responder por perdas e danos, nos termos gerais, pelos prejuízos causados ao concessionário pela falta de observação desses mesmos prazos. Portanto, a concedente podia denunciá-lo mediante declaração (receptícia e discricionária) dirigida ao concessionário, pois se trata de um contrato celebrado por tempo indeterminado. E a denúncia é, aliás, um dos meios (mesmo típico) de fazer cessar os contratos celebrados por tempo indeterminado. Pode por isso dizer-se que a admissibilidade de denúncia dum contrato celebrado por tempo indeterminado constitui um princípio geral do direito português e, portanto, aplicável ao contrato em causa. Trata-se, assim, de um verdadeiro direito do concedente. Nos termos do artº 227º do CC, na formação dos contratos devem as partes agir segundo as regras da boa fé, sob pena de responderem pelos danos culposamente causados à outra parte. E como estabelece o nº 2 do artº 762º, no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa-fé. Relativamente ao contrato de agência estabelece o artº 28º que a denúncia só é permitida nos contratos celebrados por tempo indeterminado (o que deverá ser conjugado com o preceituado no nº 2 do artº 27 já citado, aplicando-se, portanto, também aos contratos renovados que passarem a ser considerados celebrados por tempo indeterminado em virtude de continuarem a ser cumpridos pelas partes após o prazo inicial) desde que comunicado ao outro contraente, por escrito, com determinada antecedência ( 3 meses em casos como o dos autos). Esta norma deve aplicar-se ao contrato de concessão comercial, dada a analogia das situações. Com efeito, a razão de ser e a mesma. E pode mesmo dizer-se que nestes contratos ainda se torna necessário um prazo mais longo, pois, em princípio, os investimentos são maiores e o concessionário adquire a mercadoria e revende-a por sua conta e risco, tendo necessidade de fazer encomendas com certa antecedência. O nº 1 do artigo 15º da referida Directiva determina que quando o contrato de agência for celebrado por tempo indeterminado, cada uma das partes poderá pôr-lhe termo mediante pré-aviso. E o seu nº 2 estabelece prazos muito mais curtos do que o fixado pela ora autora. Por outro lado, a alínea j) do artigo 18º das Clausulas Contratuais Gerais (DL 446/85) estabelece que são proibidas as clausulas contratuais que estabeleçam obrigações duradouras perpétuas ou cujo tempo de vigência dependa da vontade de quem as predisponha. É certo que nos termos do artigo 32º, independentemente do direito de resolver o contrato, qualquer das partes tem o direito de ser indemnizado, nos termos gerais, pelos danos resultantes do não cumprimento das obrigações da outra. Acontece que, por um lado, a autora não procedeu à resolução do contrato, mas antes à sua denúncia com pré-aviso, nos termos legais e contratuais. E, por outro, não ficou provado que a mesma tenha faltado ao cumprimento de qualquer das suas obrigações para com a ré. Com efeito, como ficou provado, por carta datada de 14/9/95, a A. declarou denunciado o contrato, devendo a sua vigência terminar em 31/12/96. Portanto, a autora denunciou o contrato com uma antecedência muito superior à acordada livremente entre as partes. Significa isto que a ré soube com a antecedência de 15 meses e meio que o contrato teria o seu termo na referida data. Não existe, pois, qualquer violação do contrato nesta parte e, consequentemente, a obrigação de indemnizar pela autora com este fundamento. Improcede assim a apelação da reconvinte quanto a este pedido. III Vejamos agora a apelação da autora que diz respeito à chamada “indemnização de clientela”.Está em causa a chamada indemnização de clientela prevista nos artigos 33º e 34º do DL 178/86 para o contrato de agência, na redacção dada pelo DL nº 118/93, de 13.04. Com efeito estabelece este que, sem prejuízo de qualquer outra indemnização, nos termos das disposições anteriores, o agente tem direito, após a cessação do contrato, a uma indemnização por clientela, desde de que sejam preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos: a) O agente tenha angariado novos clientes para a outra parte ou aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela existente; b) A outra parte venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pelo agente; c) O agente deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes referidos na alínea a). Do contrato nada consta a este respeito. Todavia, tem-se entendido que esta indemnização também é devida noutros contratos, sempre que a analogia das situações o justifique. No próprio preâmbulo daquele diploma legal diz-se expressamente que no direito comparado o contrato de concessão comercial se tem mantido como um contrato atípico, mas que, ao mesmo tempo vem sendo posto em relevo a necessidade de se lhe aplicar, por analogia - quando e na medida em que ela se verifique - o regime da agência, sobretudo em matéria de cessação do contrato. Como diz A. Pinto Monteiro[3], isto acontece porque a finalidade do contrato de concessão envolve, frequentemente, uma actividade e um conjunto de tarefas similares às da agência, estando os contraentes unidos, de modo idêntico, por uma relação de estabilidade e de colaboração. E isso mesmo se verifica in casu, pelas razões apontadas e pelos factos referidos: o contrato manteve-se em vigor durante 9 anos (ou treze, considerando os dois contratos); os produtos da A. eram vendidos pela R na referidas localidades em regime de exclusividade. Prevê a lei que, sem prejuízo de qualquer outra indemnização a que haja lugar, a indemnização de clientela seja concedida, desde que se verifiquem cumulativamente os requisitos a que aludem as alíneas a) a c) do nº 1 do artº 33º. "Trata-se, na sua essência, de uma indemnização destinada a compensar o agente dos proveitos de que, após a cessão do contrato, poderá continuar a usufruir a outra parte, como decorrência da actividade desenvolvida por aquele. Verificadas as condições de que depende a indemnização de clientela é devida, seja qual for a forma de cessação do contrato" (conf. preâmbulo já citado). A indemnização de clientela será uma compensação devida ao agente, após a cessação do contrato, pelos benefícios de que o principal continua a auferir com a clientela angariada ou desenvolvida pelo agente. Será como refere Helena Brito, in “Novas perspectivas do Direito Comercial” um direito à retribuição por serviços prestados; o originário direito à comissão transforma-se, por efeito da cessação do contrato, em direito a uma compensação, que terá em conta as retribuições esperadas pelo agente se o contrato não fosse interrompido. Trata-se, assim, de uma compensação pela “mais-valia” que é proporcionada, graças à actividade desenvolvida, na medida em que o principal continua a aproveitar-se dos frutos dessa actividade após o termo do contrato de agência. De resto tem-se entendido que não se trata em rigor de uma verdadeira indemnização devida ao agente (não tendo função reparadora) até porque não está dependente de prova, a fazer pelo agente, dos danos sofridos. O que conta são os benefícios proporcionados pelo agente ao principal, benefícios esses que, na vigência do contrato, eram comuns, e que, após o seu termo, irão aproveitar apenas a este. Trata-se de um direito à retribuição pelos serviços prestados. Mesmo que o agente não sofra danos, haverá um enriquecimento do principal que legitima e justifica uma compensação. Em suma: trata-se de uma remuneração devida ao agente pela clientela angariada e da qual virá a beneficiar o principal; a finalidade desta indemnização é, pois, a de compensar o agente na medida dos benefícios de que o principal continue a auferir após a cessação do contrato, em virtude da actividade por ele desenvolvida. Ou, como refere Maria Helena Brito[4], «o fundamento desta “indemnização” é o incremento da clientela, que reverte a favor do principal, enquanto o agente perde a retribuição que poderia auferir daquela clientela se o contrato não terminasse» Portanto, mesmo que o agente não sofra danos, poderá exigir a indemnização de clientela. Mas, nos termos do artigo 34º do referido decreto-lei, a indemnização é calculada em termos equitativos. Assim sendo, há que fixar a indemnização pelo recurso à equidade, não podendo ser relegada para execução de sentença. Todavia, após a redacção de 1993, aplicável ao caso, essa indemnização não pode exceder um valor equivalente a uma indemnização anual, calculada a partir da média anual das remunerações recebidas pelo agente durante os últimos cinco anos... Trata-se, contudo, e apenas, de um limite máximo. A este respeito foi tido em consideração na sentença recorrida: “...Assim, poderemos considerar que a média de vendas da R. de produtos da A. rondava os € 600.000,00 por ano. Não sabendo qual a percentagem que correspondia à actividade de angariação da R., ou à angariação feita pelos vendedores da A. e, bem assim, qual a percentagem de vendas que se devia à mera reputação dos produtos Robbialac, entendemos dividir em partes iguais, por esses 3 factores, a causa da venda dos produtos. O que significa que será razoável admitir que €200.000,00 do volume total das vendas médias por ano resultariam da actividade de promoção e angariação de clientela por parte da R.. A circunstância da A. conseguir a venda dos seus produtos através deste contrato determinaria uma inevitável repartição da margem de lucro com a R.. Nestes termos, com o fim deste contrato, o benefício obtido pela A. a considerar, para efeitos do cálculo indemnizatório, seria o lucro que deixou de ter que repartir com a R. relativamente aos clientes angariados por esta. Ora, dos autos não resultam os critérios de fixação da margem de lucro, pois o contrato é remissivo para tabelas de preços que não estão juntas aos autos e que supomos que foram sendo sucessivamente alteradas em face das condições do mercado. De todo o modo, é frequente que os preços de venda ao público correspondam a 50% de custo do material e do seu fabrico e 50% de lucro propriamente dito. Portanto, dos € 200.000,00 considerados como correspondendo ao valor médio de vendas anuais a clientes angariados só pela R., cerca de € 100.000,00 seriam a margem de lucro que, em princípio, caberia na totalidade à A., mas que, por força da existência do contrato, teria de ser repartida com a R.. É ainda de admitir que a extinção deste contrato tenha obrigado a A. a alguns custos adicionais para manutenção dos serviços de distribuição que eram até então prestados pela R. que, no entanto, não seriam certamente superiores à margem de lucro que a A. teria deixado de repartir com o concessionário. Neste contexto, entendemos como razoável que o benefício anual médio que a A. passou a receber, por força da cessação do contrato, em resultado directo da actividade de angariação de clientela realizada pela R., seja de cerca de € 80.000,00. Pelo que, estabelecemos fixar nesse valor o direito à indemnização de clientela a favor da R”. Parece-nos, contudo, que se trata duma questão bastante complexa, não só quanto a saber se é devida a indemnização, mas também, em caso afirmativo, qual o seu montante. E esta dificuldade provém desde logo das deficiências verificadas na reconvenção quanto à alegação de alguns factos e à falta de prova doutros. Trata-se duma questão que, a priori, não é fácil de resolver, pois, além do mais, está dependente da verificação de pressupostos bastante exigentes. Por isso compete ao eventual titular alegar e provar os factos conducentes à requerida indemnização. A causa de pedir (factos jurídicos de que deriva o direito invocado) deve ser devidamente fundamentada. Além disso, há que ter em consideração os conceitos indeterminados utilizados pelo legislador. Como vimos, é necessária a verificação cumulativa daqueles três requisitos. A própria apelante reconhece verificado o requisito da alínea c). Vejamos se se verificam os outros dois. “Naturalmente que não é qualquer acréscimo de clientela ou qualquer beneficio que daí resulte para o principal que justificará a atribuição ao agente de uma “indemnização” de clientela; terá de se tratar de um acréscimo e de um benefício de proporções minimamente relevantes para o efeito: um acréscimo “substancial” do volume de negócios do principal donde resulte para este um beneficio “considerável”- Caberá, aqui, à actividade jurisprudencial a cuidada concretização dos conceitos indeterminados utilizados pelo legislador[5]”. Em relação ao requisito da alínea a) é necessário que se prove que o concessionário angariou novos clientes para o concedente ou que aumentou substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente (porém basta a verificação dum destes factos) Mas, como é evidente, não basta a angariação de alguns (poucos clientes), pois, só se justificará a indemnização de clientela se for angariado um número significativo de novos clientes. Tal como se torna necessário o aumentado substancial do volume de negócios com a clientela já existente. E daí a referida necessidade de alegação e prova dos factos a que fizemos referência. Para este efeito alegou a ré no essencial os factos constantes dos artigos 26, 27, 28, 35, 36 e 44 da contestação/reconvenção, de que resultaram os quesitos 3, 4 e 6 com a seguinte redacção: 3. Desde 1983 até Dezembro de 1996 a R. e o seu antecessor, J. Sanchez Dominguez, criaram para a A. uma fiel clientela aos produtos da Robbialac, resultante do seu trabalho na promoção e venda de produtos da A. dentro da área de exclusivo que lhe foi concedida? 6. A clientela do território onde vigorava o exclusivo foi criada pela R e seus antecessores e a A., terminado o contrato, passou a fornecer directamente aos clientes anteriores da ré? O quesito nº 4 refere-se aos montantes dos produtos da A. vendidos pela ré durante os últimos cinco anos, ou seja, uma média de 120.000.000$00 (600.000, 00 euros). E as respostas dadas àqueles quesitos foram as seguintes: Provado apenas que desde 1983 até Dezembro de 1996 a R. e o seu antecessor, J. Sanchez Dominguez, criaram para a A. uma fiel clientela aos produtos da Robbialac, resultantes pelo menos do trabalho de venda de produtos da A. dentro da área de exclusivo que lhe foi concedida (resposta ao quesito nº 3). Provado apenas que a A., após a cessação do contrato referido em I), continuou a vender os seus produtos no território onde vigorava o exclusivo anteriormente estabelecido para a R., vendendo também directamente a anteriores clientes da R. nesse mesmo território - ( Resposta aos quesitos 5º e 6º). Entretanto, a autora/reconvinda havia alegado a matéria dos quesitos 8 e 9, com a seguinte redacção: 8. As vendas efectuadas pela R foram conseguidas pela grande reputação que os produtos e marca da A gozavam em todo o território nacional; 9. A A. manteve sempre a sua equipa de vendas a trabalhar no território contratual, a qual foi a angariadora da totalidade da clientela da R. E as respostas dadas foram: Provado que as vendas efectuadas pela R. também foram conseguidas graças à reputação que os produtos e marca da A. gozavam no território nacional - (Resposta ao quesito 8º ); Provado apenas que a A. manteve sempre a sua equipa de vendas a trabalhar no território abrangido pelo contrato mencionado em I), a qual também angariava clientela para ré - (Resposta ao quesito 9.) Portanto, embora em resposta ao quesito nº 6 não tenha sido dado como provado que a clientela do território onde vigorava o exclusivo foi criada pela ré, provou-se que desde 1983 até Dezembro de 1996 a R. e o seu antecessor, J. Sanchez Dominguez, criaram para a A. uma fiel clientela aos produtos da Robbialac, resultante pelo menos da venda de produtos da A. dentro da área de exclusivo que lhe foi concedida. Daqui poderá concluir-se que a ré e a sua antecessora angariaram para a autora novos clientes? Perante a resposta negativa dada ao quesito nº 6 não é fácil responder-se afirmativamente. Diz a autora /apelante que relativamente ao requisito da alínea a) nada ficou provado quanto a algum aumento substancial de volume de negócios e que, quanto a novos clientes, apenas ficou provado que a ré “fidelizou a clientela aos produtos Robbialac”. Todavia, há que conjugar as respostas dadas aos quesitos 3 e 6. E, como vimos, apesar disso, ficou provado que a R. e a sua antecessora “criaram” para a A. uma fiel clientela aos produtos da Robbialac. Portanto, se “criaram uma fiel clientela” deve concluir-se que a concessionária angariou novos clientes para autora, o que significa que com ela foi aumentado o volume de vendas. E além de ter sido criada uma nova clientela, a mesma foi mantida, o que é muito importante para os interesses da autora após a cessação do contrato. Por isso foi entendido em 1ª instância que pelo menos 1/3 do volume de vendas se devia à actividade de promoção e angariação de clientela por parte da ré. E, como vimos, ficou provado (factos da autora) que: as vendas efectuadas pela ré também foram conseguidas graças à reputação que os produtos e marca da autora gozavam no território nacional. a autora manteve sempre a sua equipa de vendas a trabalhar no território abrangido pelo contrato de distribuição, a qual também angariava clientela para a ré. Significa isto que o volume de vendas foi conseguido não só pela implantação que a própria autora já tinha no mercado e pela actividade que manteve na angariação de clientela para a ré, mas também pela actividade desenvolvida por esta. Em casos como este seria de toda a conveniência que a reconvinte tivesse alegado e provado, pelo menos em termos genéricos, a situação que se verificava à data do contrato e a que se verificava à data da denúncia. Só assim se poderia averiguar com maior segurança qual a actividade por ela desenvolvida e a sua contribuição para o aumento das vendas. E então a indemnização poderia, eventualmente, ser mais elevada. De qualquer forma, face ao exposto, parece-nos poder dar-se como verificado o primeiro dos referidos requisitos, à semelhança do que foi feito em 1ª instância. ** Vejamos agora o requisito da alínea b): que a autora venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pelo cessionário.Além dos factos referidos em relação à alínea a) ficou provado: A A., após a cessação do contrato, continuou a vender os seus produtos no território onde vigorava o exclusivo anteriormente estabelecido para a R., vendendo também directamente a anteriores clientes da R. nesse mesmo território - ( Resposta aos quesitos 5º e 6º ); As vendas efectuadas pela R. também foram conseguidas graças à reputação que os produtos e marca da A. gozavam no território nacional - (Resposta ao quesito 8º ); Destes factos poderá concluir-se facilmente que a autora tem beneficiado, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pela concessionária. É que não é necessário que os benefícios para o concedente já tenham ocorrido, “bastando que, de acordo com um juízo de prognose, seja bastante provável que eles se venham a verificar, isto é, que a clientela angariada pelo agente constitua em si mesma uma chance para o principal”[6]. O mais importante é que o principal (neste caso a autora e cedente) fique em condições de continuar a usufruir da actividade desenvolvida pelo ex-concessionário, o que, in casu, se verifica. Mas não só: no caso sub judice provou-se que a concedente, após a cessação do contrato, continuou a vender os seus produtos no território onde vigorava o exclusivo dado à ré (vendendo mesmo a anteriores clientes desta). Ora, como se disse, a indemnização de clientela destina-se essencialmente a compensar o concessionário dos proventos de que, após a cessão do contrato, poderá continuar a usufruir o concedente, como decorrência da actividade por aquele desenvolvida. Ou dito doutro modo: a indemnização de clientela a que se refere o artigo 33º traduz-se numa compensação devida ao agente, após a cessação do contrato, pelos benefícios de que o principal continue a auferir com a clientela angariada ou aumentada pelo agente. E o mesmo sucede na concessão comercial. Verificam-se, pois, os pressupostos da obrigação da “indemnização de clientela”, nos termos do referido artigo 33º, aplicável por analogia. IV Vejamos agora o montante da indemnização.Entretanto, a questão também não é fácil quanto ao valor da indemnização. E já vimos qual o critério que foi utilizado na douta sentença recorrida para se determinar o seu montante. Para o efeito partiu-se do montante médio das vendas da ré durante os últimos 5 anos. E na verdade ficou provado ser esse o montante médio anual (600.000,00 euros). Trata-se, contudo, de vendas brutas. Ora, o artigo 34º refere-se à “média anual das remunerações recebidas pelo agente durante os últimos cinco anos”. No contrato de agência existe a retribuição (artº 1º), a qual é determinada essencialmente com base no volume dos negócios conseguidos pelo agente, em regra sob a forma de comissão ou percentagem calculada sobre o volume dos negócios por ele conseguidos (ver ainda os artigos 15º e 16º). Pode também ser fixada, pelo menos parcialmente, em quantia determinada. Mas a forma mais corrente de cálculo é a comissão sobre as vendas promovidas pelo agente, o que é facilmente determinável. Portanto, no contrato de agência, a retribuição determina-se fundamentalmente com base no volume de negócios conseguidos pelo agente, normalmente através de uma comissão ou percentagem calculada sobre o valor dos negócios obtidos. Mas o mesmo não sucede no contrato de concessão comercial, onde não existe uma “retribuição” calculada nestes termos. O concessionário, como vimos, ao contrário do agente, actua em seu nome e por sua conta, adquire a propriedade da mercadoria, comprando-a ao fabricante ou ao fornecedor, para a vender a terceiros, assumindo os riscos da comercialização, não recebendo qualquer outra retribuição do concedente. Diz a apelante (A) que nas sociedades comerciais, e/ou nos empresários em nome individual, a remuneração só poderá ser o lucro líquido e nunca a margem bruta de vendas. E que, no caso de se entender ser esta a remuneração, nada se teria provado (nem sequer alegado) a esse respeito. E diz ainda que, face às declarações fiscais de IRC dos exercícios de 1992 a 1996, nos últimos anos de vigência do contrato a ré teve um prejuízo anual médio de 402.784$00. A apelada “responde” dizendo que deve ser tida em consideração a média das vendas anuais dos últimos cinco anos e que os resultados fiscais dos exercícios desse período de tempo nada demonstram para este efeito. Parece-nos não haver qualquer dúvida de que não se pode atender aos resultados fiscais dos exercícios dos últimos 5 anos, até porque a ré poderá ter exercido outras actividades menos lucrativas ou até deficitárias (e provou-se ter exercido outras - nºs 1 e 2 dos factos provados) e tais declarações não fazem prova do lucro líquido, o qual, aliás, sofre várias influências. O lucro a considerar poderia ser o resultado líquido das vendas dos produtos da autora. Sucede, porém, que se desconhecem tais montantes. Entretanto, como vimos, os montantes referidos no artigo 34º reportam-se apenas aos limites máximos. Todavia podem ser um bom indicador. De qualquer forma, a indemnização deverá ser fixada segundo a equidade. Mas equidade não é o mesmo que discricionariedade. Parece-nos, contudo, que os critérios utilizados na douta sentença são muito válidos para se determinar o montante da indemnização em termos de equidade (e, por isso, se transcreveu, propositadamente, a parte essencial da decisão sobre esta questão). É importante saber qual o volume de vendas. E, como se disse, a média dos últimos 5 anos foi de cerca de 600.000,00 euros. Para o efeito contribuiu não só a actividade de angariação da ré, mas também a angariação feita pela equipa de vendas que a A. manteve no território abrangido pelo contrato, bem como a resultante da reputação dos próprios produtos Robbialac, e, por isso, entendeu-se por bem dividir em três partes iguais as causas da promoção da venda dos produtos da autora. O importante para a reconvinda foi sem dúvida a quantidade do produto vendido por intermédio da reconvinte. O lucro por esta obtido seria secundário para os interesses da concedente. Tenha-se em consideração que a concessionária adquiria a propriedade da mercadoria, sendo em parte vendida directamente ao público e outra (a maioria) para revenda, mas sempre por sua conta. E por isso a concessionária assumiu o risco da comercialização, podendo mesmo ter prejuízos. Com feito, pode suceder que o concessionário consiga angariar um grande número de clientes, vendendo, por isso, grande quantidade de produtos e, não obstante, os lucros não serem muito elevados. Todavia, o concedente terá muito a lucrar com esse aumento de vendas, ainda que o concessionário tenha prejuízos. Para o concedente, o que conta é a quantia de produtos vendidos com a angariação feita pelo concessionário e a possibilidade de os continuar a vender mesmo após a cessação do contrato. Não obstante a razoabilidade dos critérios utilizados, parece-nos mais equilibrada a indemnização de 60.000,00 euros pelos seguintes motivos: a) o contrato vigorou apenas por 9 anos e meio. b) não se apurou em concreto a evolução das vendas desde o início do contrato, c) para o efeito também contribuiu a vigência do contrato anterior, o qual já não estava em vigor desde 1987. d) Uma percentagem de cerca de 10% sobre o valor bruto das vendas parece-nos razoável em termos de equidade e tendo em consideração tudo quanto foi dito. ** Por todo o exposto acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida, excepto no que concerne à alínea C) da parte decisória, a qual é alterada pela forma seguinte: reconhecer à R., J. Sanchez Dominguez, Ldª, o direito a receber da A., Tintas Robbialac, S.A., uma indemnização por clientela, nos termos do art. 34º do Dec-Lei 178/86 de 3/7, que se fixa em € 60.000,00 (sessenta mil euros)Custas na proporção do vencido em ambas as instâncias. Lisboa, 08.07.2004. Pimentel Marcos Jorge Santos Vaz das Neves __________________________________________________________________ [1] (conf. "Anotações Ao Novo Regime do Contrato de Agência" de Carlos Lacerda Barata, sobretudo as anotações ao artigo 1º). [2] Ver estudo publicado por A. Pinto Monteiro no BMJ 360-83. [3] "Contrato de Agência", pag 60. [4] O Contrato de Concessão Comercial, pag. 100. [5] Carlos Lacerda Barata, in “Anotações ao Novo regime do Contrato de Agência”., pag. 82. [6] A. Pinto Monteiro, in Contrato de Agência pag. 115. No mesmo sentido Carlos Lacerda Barata, in Anotação ao Novo Regime do Contrato de Agência, pag. 82. |