Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | TOMÉ GOMES | ||
Descritores: | DIREITOS DE AUTOR PROVIDÊNCIA CAUTELAR | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 12/16/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | 1. Do preceituado no artigo 58º do Decreto nº 4114, de 17 de Abril de 1918, resulta que o registo definitivo de qualquer direito autoral a favor de uma pessoa constitui presunção jurídica tantum iuris de que o mesmo lhe pertence, uma vez que tal registo nem sequer é constitutivo, mas meramente declarativo daquele direito. 2. A Directiva nº96/9/CE e o Decreto – Lei nº122/2000 tiveram claramente como objectivo proteger, a título de direito de autor, as bases de dados que pela sua selecção ou disposição dos respectivos conteúdos constituam criações intelectuais, sejam elas de tratamento automático ou manual (electrónicas ou não), sem relevar a natureza do respectivo conteúdo. | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
I – Relatório 1. T…, Ldª, requereu procedimento cautelar comum contra C…, Ldª, alegando, em resumo, que : - Requerente e requerida têm por objecto social, respectivamente, “a indústria e comércio de artes gráficas e edições” e a “indústria de edição de livros ou outras publicações”; - A requerida, desde a sua constituição e até 2004, produziu e distri-buiu, regularmente, uma vez por ano, uma obra denominada Simposium Terapêutico, em forma de livro, que funcionava como um dicionário vulgar com entradas a partir dos nomes comerciais dos medicamentos, que enci-mavam e introduziam as correspondentes informações técnico-científicas; - No 2º semestre de 1978, a requerente publicou, pela primeira vez, a obra Índice Nacional Terapêutico, cujo direito de autor fez registar, e que passou a ser conhecida por Índice, a qual estava dotada de um “Índice Geral Remissivo” contendo os nomes de especialidades farmacêuticas, nomes químicos genéricos e de grupos fármaco-terapêuticos, com múltiplas entradas, que tornava a localização de qualquer fármaco rápida e simples, para a prática clínica, constituindo assim uma originalidade; - Todavia, desde 2004, a requerida tem vindo a introduzir alterações na sua obra, de modo a gradualmente se aproximar da estrutura do “Índice Geral Remissivo” existente na obra Índice Nacional Terapêutico da reque-rente, copiando-a, o que veio a suceder de forma completa na edição de 2007; - Tal comportamento viola os direitos de autor da requerente e confi-gura concorrência desleal, causando-lhe prejuízos pela diminuição de recei-tas provenientes da publicidade. Conclui a requerente, pedindo que a requerida seja intimada a abster-se de inserir na sua obra Simposium Terapêutico, ou outra, um índice ou um sistema de indexação igual ou semelhante ao “Índice Geral Remissivo” da obra da requerente, bem como de utilizar a designação Índice, e que se ordene a apreensão dos exemplares da obra da requerida da edição de 2008 existentes. 2. Citada, a requerida deduziu oposição, impugnando os fundamen-tos da providência e dizendo, no essencial, que : - Tem registada, a seu favor, a marca nacional Simposium Terapêutico, desde 2000, bem como as suas obras Simposium Terapêutico – Edição 2007 e Simposium Terapêutico – Interacções 2007 junto da Inspecção-Geral das Actividades Culturais; - A requerida não copiou qualquer parte do compêndio publicado pela requerente; - O Simposium Terapêutico já continha, na sua edição de 1977, um índice por especialidades farmacêuticas e foi progressivamente acompa-nhando a evolução do mercado, nomeadamente dando resposta à neces-sidade de identificar o princípio activo dos medicamentos genéricos; - Já a edição de 2003 incluía índices que englobavam o nome comercial, a molécula, o grupo homogéneo, as classificações ATC e CFT e a identificação do laboratório fabricante e detentor da licença do produto; - O registo dos direitos de autor invocado pela requerente refere-se à sua obra Índice Nacional Terapêutico e não ao “Índice Geral Remissivo”, cujo conteúdo é totalmente fornecido pelos fabricantes dos medicamentos, nunca podendo ser registado como obra literária; - Desde 2005, existe no mercado uma obra, designada “Mapa Terapêutico”, que contém um índice idêntico ao da requerente; - A mera indicação do nome e elementos adicionais do medicamento e laboratório fabricante constituem elementos de publicidade, como tal devidamente pagos. Conclui pela improcedência da medida. 3. Por fim, foi proferida decisão a julgar procedente a providência cautelar deduzida, salvo quanto ao pedido de abstenção de a ora agravante usar a designação “Índice”, ordenando: - a intimação da requerida a abster-se de inserir na sua obra Sim-posium Terapêutico, em separata ou apenso, distribuída conjunta ou separadamente, um sistema de indexação igual ou semelhante ao “Índice Geral Remissivo” que a requerente tem na sua obra Índice Nacional Terapêutico; - e que se proceda, por via da autoridade policial, à apreensão dos exemplares do Simposium Terapêutico, ficando a requerida obrigada a indicar os locais onde, previsivelmente, os mesmos possam ser encontrados. 4. Irresignada com tal decisão, a requerida agravou dela, formulando as seguintes conclusões : 1ª - O índice ou tabela de correspondência utilizado pela agravada não constitui sistema criativo e, consequentemente não é alvo de protecção em sede de direito de autor; 2ª – O índice ou tabela de correspondência utilizado pela agrava-da, por ser desprovido de criatividade não é susceptível de protec-ção ao abrigo da legislação de protecção de dados; 3ª – Não existiu cópia do IGR contido na obra “Índice Nacional Terapêutico” da agravada por parte da agravante; 4ª - A agravada é parte ilegítima para reclamar eventuais pre-juízos por perda de receitas de publicidade resultantes da alegada actuação ilícita da agravante; 5ª – O tribunal “a quo” interpretou erradamente as provas docu-mentais apresentadas pela própria Agravada; 6ª – O tribunal “a quo” interpretou erradamente o depoimento da testemunha arrolada pela Agravada, W; 7ª – O tribunal “a quo” errou ao não fornecer oficiosamente a excepção dilatória de ilegitimidade da agravada.. Conclui pedindo que se revogue a decisão recorrida. 5. A agravada apresentou contra-alegações, sustentando o não provi-mento do agravo.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II – Delimitação do objecto do recurso
Em face das conclusões da recorrente, com base nas quais se delimita o objecto do recurso, nos termos dos artigos 684º, nº 2 e 3, e 690º, nº 1, do CPC, as questões a decidir consistem em ajuizar sobre : a) - a pretensa ilegitimidade da requerente (conclusões 4ª e 7ª); b) – o pretenso erro de julgamento quanto a provas documentais e a um depoimento testemunhal prestado (conclusão 5ª e 6ª); c) – a violação ou não, por parte da agravante, dos direitos de autor da agravada (conclusão 1ª ) e da legislação de protecção de dados (conclusão 1ª e 3ª).
III – Fundamentação
1. Factualidade dada como provada em 1ª instância
Foi dada como indiciariamente provada, em 1ª instância, a seguinte factualidade : 1.1. A requerente é uma sociedade comercial por quotas matriculada, desde 7 de Setembro de 1977, na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, então sob o número…, tendo por objecto a “indústria e comér-cio de artes gráficas e edições”; 1.2. No 2º semestre de 1978, a ora requerente publicou, pela primeira vez, a obra Índice Nacional Terapêutico; 1.3. Encontra-se inscrito, desde 1978, a favor da requerente, no Re-gisto da Propriedade Literária, Científica e Artística, o direito de autor so-bre uma obra literária intitulada Índice Nacional Terapêutico, obra literária de carácter técnico, de que juntou dois exemplares da obra; 1.4. Esta obra continha um “Índice Geral Remissivo”; 1.5. Na Apresentação da obra constante na página 4 do documento B (INT de 1978), consta o seguinte: (…) “Um original Índice Geral Remissivo dos nomes de especialidades farmacêuticas, nomes químicos genéricos e de grupos fármaco-tera-pêuticos” tornava a localização de qualquer fármaco rápida e sim-ples. O Índice responderá directamente às necessidades da prática clínica. “O médico poderá fazer três tipos de consulta. Tanto poderá procurar o nome comercial do produto que lhe interessa, como o seu nome químico genérico ou ainda o nome de um grupo terapêutico geral. Qualquer dessas entradas encontrará no Índice Geral Remissivo (p.p. 30 a 180) alfabeticamente ordenadas. Cada uma das entradas remeterá para a parte descritiva – Descrição das Especialidades Farmacêuticas do Mercado Português - (p.p. 191 a 534) que lhe dará as informações complementares necessárias, inclusive a literatura sobre os produtos mais impor-tantes. No Índice Geral Remissivo faz-se a correspondência cruzada de cada entrada entre o nome comercial da especialidade e o nome químico genérico. Deste modo o médico tanto poderá procurar um nome comercial para saber o nome genérico correspondente, bem como o grupo terapêutico em que se integra, como poderá partir do nome genérico para saber quais as especialidades que tem à sua disposição. Poderá ainda seleccionar uma especialidade a partir do grupo fármaco-terapêutico que pretende utilizar no doente”. (…); 1.6. No requerimento para registo a seu favor, conforme doc. de fls. 61, a requerente declarou o seguinte: (…) “A título supletivo, a requerente apresenta em anexo uma memo-ria descritiva da obra que se pretende ver protegida, com a finali-dade de assegurar os seus direitos contra uma possível eventuali-dade de vir a surgir qualquer outra idêntica que, embora de diversa contextura literária, contudo, ao fim e ao cabo, afecta os direitos de criatividade da requerente, nos elementos essencialmente caracterís-ticos da obra que idealizou”. (…); 1.7. Na memória descritiva anexa ao requerimento de registo, junta a fls. 62, consta o seguinte: (…) “1. – Agrupamento da descrição dos produtos farmacêuticos pela sua finalidade (grupos fármaco-terapêuticos); 2. – Elaboração de um “Índice Geral Remissivo” que funciona co-mo esquema de consulta e localização imediata de qualquer fármaco na parte descritiva dos medicamentos, organizado alfabeticamente, que terá as seguintes entradas: a. – Nomes comerciais de produtos farmacêuticos no mercado; b. – Substâncias activas (nomes químicos) dos medicamentos; c. – Grupos fármaco-terapêuticos, através dos quais se torna pos-sível a localização imediata na parte descritiva dos medicamentos de qualquer fármaco para determinada finalidade; d. – Apresentação à frente da coluna alfabética da substância ou nome comercial do produto correspondente ao nome alfabéticamen-te ordenado, além do código de classificação e página respectiva onde se localiza a sua descrição; e. – Rectângulo em aberto na parte inferior de cada uma das páginas, destinada a quaisquer inscrições que interessem. 3. – Pretende-se, deste modo, apresentar à classe médica portu-guesa uma obra que possa servir-lhe de auxiliar na localização segura, fácil e imediata de informações e nomes dos fármacos exis-tentes no mercado, que, pelo seu grande número e constante reno-vação seria desumano exigir que alguém retivesse na memória, o que apresenta, sem dúvida, uma criação inteiramente nova e de indiscutível interesse para os meios médicos.” (…); 1.8. O Índice Geral Remissivo era novidade à data do seu registo; 1.9. O Índice Geral Remissivo é produto da iniciativa da gerência da requerente e da criatividade dela e dos seus colaboradores, empregados e prestadores de serviços, sempre sob a sua direcção; 1.10. A requerente sempre publicou e divulgou o Índice Geral Re-missivo e o Índice Nacional Terapêutico, em que aquele se inseria, em seu nome e como obras suas; 1.11. A elaboração do Índice Geral Remissivo implicou a realização de estudos e levantamentos profundos de um conjunto de classificações, com uma estrutura plural de classificações, que remetem e se relacionam umas com as outras, funcionando como um “motor de busca”, e que permite leituras dinâmicas dos conteúdos do livro, em especial das descrições das especialidades farmacêuticas que lá se encontram; 1.12. A localização da descrição dos medicamentos no Índice Nacio-nal Terapêutico é feita através de múltiplas entradas, podendo ser utilizado o nome comercial, a substância ou princípio activo e o grupo fármaco-tera-pêutico, com as respectivas correspondências e, finalmente, através da indi-cação do número da página, para a qual se remete; 1.13. O Índice Nacional Terapêutico tem mantido o seu esquema ini-cial, incluindo o seu Índice Geral Remissivo, excepto, pelo menos a partir da edição de 2004, em que foi acrescentada a classificação ATC; 1.14. Conforme título de registo junto a fls. 67, está registada, a favor de Manuel Simões Lopes, a marca registada portuguesa n.º 287472 “Índice”, classe 16ª, com a seguinte descrição: Publicações técnicas e de divulgação de produtos fármaco-terapêuticos de uso humano e veterinário (…); directórios de índole técnico-profissional incluindo os serviços e artigos (publicações).” 1.15. A titularidade de tal marca está averbada a favor da requerente desde 12/10/2007; 1.16. As receitas que a requerente aufere no exercício da sua activi-dade comercial são constituídas, na sua esmagadora maioria, pela publici-dade que os laboratórios farmacêuticos colocam nas páginas do Índice Na-cional Terapêutico, que consiste na inclusão das descrições das especialidades farmacêuticas que é paga pelos laboratórios ou importadores respectivos, bem como pela inclusão de “tiras”, “páginas”, “marcadores” ou outras formas de comunicação relativas a especialidades farmacêuticas e/ou a laboratórios e/ou importadores; 1.17. A colocação de publicidade, nas formas acima indicadas, no Índice Nacional Terapêutico, é feita através das sociedades, com quem a mesma requerente mantém relação do grupo, I…, Lda., e P…, Lda.; 1.18. O Índice Nacional Terapêutico é publicado semestralmente; 1.19. Os anunciantes (laboratórios, armazenistas e importadores) têm a sua vida económica regida por orçamentos anuais, que os obrigam a dividir as rubricas relativas a publicidade, pelos serviços prestados pelos operadores que se posicionam no domínio da oferta do mercado dos Directórios de Produtos Farmacêuticos, e que são, fundamentalmente, a requerente e a requerida; 1.20. A requerente não autorizou a requerida a utilizar, no Simposium Terapêutico, ou em qualquer outra obra dela, o Índice Geral Remissivo; 1.21. A requerida é uma sociedade comercial por quotas constituída em 8 de Novembro de 1969, no … Cartório Notarial de Lisboa, com a firma “F…, Limitada”, tendo por objecto societário a “indústria de edição de livros ou outras publicações”; 1.22. A requerida, depois de se ter denominado “F…, Limitada”, e antes de ter a sua denominação actual (“C M P Médica, Lda.), teve a denominação “Edições Simposium, Limitada”; 1.23. A requerida, desde a sua constituição, tem vindo a produzir e a distribuir, uma vez em cada ano civil, com regularidade, em forma de livro, uma obra denominada Simposium Terapêutico; 1.24. O Simposium Terapêutico é publicada desde 1956, e consiste, desde o seu primeiro número, na descrição ordenada das especialidades farmacêuticas comercializadas em Portugal, que os laboratórios e armaze-nistas que as fabricavam, importavam e ou distribuíam, nela pretendiam ver incluídas, contra o pagamento de um preço, como remuneração da publici-dade (efectuada junto dos destinatários da mesma obra, médicos e farmacêuticos), que consistia, precisamente, na própria inclusão das descrições das especialidades farmacêuticas no livro, bem como na inserção de outros tipos de publicidade de que a obra servia de suporte; 1.25. Na edição de 1977, o Simposium Terapêutico incluía uma classificação denominada “Classificação Farmacológica-Terapêutica das Especialidades Farmacêuticas”, da autoria do Dr. MJL; 1.26. Até à edição de 2003, o Simposium Terapêutico funcionava como um vulgar dicionário, no qual os nomes comerciais das especialida-des farmacêuticas e as respectivas descrições, eram ordenadas alfabetica-mente, sem que para elas remetesse qualquer índice; 1.27. A edição de 2003 (edição XLVII) incluía uma lista alfabética de especialidades farmacêuticas comercializadas, organizada da seguinte forma: - nome da especialidade farmacêutica; - composição; - grupo homogéneo; - grupo fármaco-terapêutico ATC; - grupo fármaco-terapêutico CFT; - nome do laboratório; 1.28. No Simposium Terapêutico de 2004 (edição XLVIII), junto sob documento F, consta, no sumário: . Sob o título Classificação das Especialidades Farmacêuticas: - a classificação ATC (Anatómica, Terapêutica e Química), que está de folhas XI a folhas XC; - a classificação CFT (Fármaco-Terapêutica), que está de fo-lhas XCI a folhas CII; - e a classificação PA (por Princípios Activos), que está de fo-lhas CVI a folhas CLV; . Sob o título Especialidades Farmacêuticas, entre outras: - Lista de Especialidades Farmacêuticas existentes no Merca-do; - o índice geral; 1.29. A Lista de Especialidades Farmacêuticas está ordenada por or-dem alfabética e organizada em linhas, pelo nome da especialidade farma-cêutica, que corresponde cada uma delas à descrição constante das colunas referentes à composição, grupo homogéneo, grupo fármaco-terapêutico (ATC), grupo fármaco-terapêutico (CFT) e nome do laboratório, em que cada especialidade farmacêutica; 1.30. No Simposium Terapêutico de 2005 (edição XLIX), junto sob documento G, consta no sumário: . Sob o título Classificação das Especialidades Farmacêuticas: - a classificação ATC (Anatómica, Terapêutica e Química), que está de folhas XI a folhas XC; - a classificação CFT (Fármaco-Terapêutica), que está de folhas XCI a folhas CII; - - a classificação PA (por Princípios Activos), que está de folhas CVI a folhas CLV; . Sob o título Especialidades Farmacêuticas, entre outras: - Lista de Especialidades Farmacêuticas existentes no Mercado; - o índice geral; 1.31. A Lista de Especialidade Farmacêuticas incluídas na edição de 2005 é semelhante à do ano de 2004, com a excepção da descrição da espe-cialidade farmacêutica passou a incluir o princípio activo e na coluna referente à composição, passou não só a ter a composição correspondente (quando em 2004 apenas tinha o nome comercial), como ainda o nome comercial das especialidades farmacêuticas correspondentes (quando em 2004 tinha o princípio activo), sem referência ao número da página onde se poderiam encontrar a descrição do medicamento; 1.32. Na edição do Simposium Terapêutico de 2006, junta sob documento H-1, a requerida manteve a configuração do ano anterior, introduzindo as seguintes alterações: - a lista antes designada Especialidades Farmacêuticas passou a designar-se Lista Cruzada de Especialidades Farmacêuticas e Princípios Activos; - a Lista Cruzada de Especialidades Farmacêuticas e Princípios Activos foi inserida antes das classificações CFT, ATC e PA; - na Lista Cruzada de Especialidades Farmacêuticas e Princípios Activos, a coluna da esquerda, passou a designar-se Esp. Farmacêuticas/Princ. Activos, mantendo os nomes comerciais das especialida-des farmacêuticas e os nomes dos medicamentos por princípio activo, em conjunto ordenados alfabeticamente; - a segunda coluna passou a ser indicada pelos dizeres “Composição/Esp. Farmacêuticas”; 1.33. Juntamente com a edição de 2006, foi lançada uma separata, junta sob documento H-2, intitulada “Guia de Apoio à Prescrição”, onde a requerida apresentou uma Lista Cruzada de Especialidades Farmacêuticas e Princípios Activos”, sem referência ao número da página onde se poderiam encontrar a descrição do medicamento; 1.34 - Na edição do Simposium Terapêutico de 2007 (edição LI), que se mostra junta sob documento I-1, a requerida, para além das colunas, Especialidades Farmacêuticas/Princípios Activos, Composição/ Especialidades Farmacêuticas, Composição, CFT, ATC, passou a ter uma coluna com o número da página onde se pode encontrar a descrição do medica-mento; 1.35. Nesta edição não consta a ficha técnica, designadamente a identificação da pessoas que exercem os cargos de Direcção Geral, da Direcção Área de Novos Negócios, da Direcção Comercial, da Direcção Técnica, do Departamento Administrativo, do Departamento de Comunicação e Imagem, do Departamento Editorial e do Departamento de Pré-im-pressão, que constava, pelo menos, nas edições de 1977, 2004, 2005 e 2006; 1.36. Juntamente com a edição de 2007, foi lançada uma separata, junta sob documento I-2, intitulada “Prescrição - Guia de Apoio”, onde a requerida apresenta um capítulo dedicado às “Indicações Terapêuticas na Patologia Cardiovascular” (fls. 3 a 43 do documento) e uma lista denominada “Índice Cruzado de Especialidades Farmacêuticas e Princípios Activos” (fls. 45 a 176 – final – do documento), que se encontra organizado da seguinte forma: - Nome da especialidade Farmacêutica ou Nome do Princípio Activo, com respectiva classificação de dispensa e portarias/despa-chos, se forem aplicáveis, da Classificação Farmacoterapêutica (CFT); - Número de página onde a Especialidade Farmacoterapêutica se encontra referida; - Composição ou Especialidades pertencentes ao Princípio Activo descrito na primeira coluna; - Comparticipação; - Grupo Farmacoterapêutico CFT; - Grupo Farmacoterapêutico ATC; 1.37. O Simposium Terapêutico é publicado anualmente; 1.38. Desde 2000, a requerida tem registada a marca Simposium Terapêutico; 1.39. A requerida tem as obras Simposium Terapêutico - Edição 2007 e Simposium Terapêutico – Interacções 2007 registadas junto da Di-recção-Geral das Actividades Culturais; 1.40. I …, que profissionalmente usa apenas V…, foi, durante quase três anos, empregada destas duas sociedades, no departamento comercial, tendo cessado a sua relação em Outubro de 2004; 1.41. Em 02/11/2004, a V…passou a trabalhar sob as ordens e a direcção da requerida, na Direcção de Novos Negócios, onde integrou o Departamento Comercial; 1.42. Os conteúdos constantes das obras da requerente e da requerida são fornecidos pelos laboratórios farmacêuticos, produtores de cada medicamento; 1.43. Tais conteúdos são verificados pelo Infarmed; 1.44. Desde 2002, com a introdução dos medicamentos genéricos, é necessário identificar o medicamento não só pelo seu nome comercial, como também pela molécula; 1.45. O Infarmed publica informação sobre medicamentos no seu Prontuário Terapêutico; 1.46. Pelo menos desde 2005, existe no mercado uma obra denominada Mapa Terapêutico. 2. Do mérito do recurso 2.1. Da questão da pretensa ilegitimidade da requerente A agravante suscita a questão da ilegitimidade da requerente para promover a presente providência cautelar, porquanto os eventuais prejuízos por perda de receitas de publicidade resultantes da alegada actuação ilícita da requerida não diriam respeito àquela requerente, mas porventura às em-presas comerciais parceiras que, segundo o alegado no art. 51º do reque-rimento inicial facturariam tais receitas, sem que tenha sido, no entanto, de-monstrada qualquer relação de domínio da requerente sobre tais empresas ou a existência de qualquer contrato de subordinação. Neste particular, a agravada contrapõe, dizendo, no fundamental, que não reclamou quaisquer prejuízos por perda de publicidade, mas que ape-nas pretende acautelar a efectividade do direito absoluto de exploração ex-clusiva da sua obra, para o que detém a necessária legitimidade. A questão em foco não foi objecto de suscitação e apreciação em pri-meira instância, mas, sendo ora suscitada como excepção dilatória de co-nhecimento oficioso, cumpre dela conhecer em sede de recurso, como de-corre do disposto nos artigos 288º, nº 1, alínea b), 489º, nº 2, parte final, 494º, alínea e), 495º, e 660º, nº 1, aplicável por via do nº 2 do artigo 713º, todos do CPC. Ora, segundo o nº 1 do artigo 26º do CPC, o autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar, o qual, conforme o nº 2 do mesmo normativo, se exprime pela utilidade derivada da eventual proce-dência da acção. Por sua vez, o nº 3 do mesmo artigo estabelece como critério de aferição da legitimidade processual, na falta de indicação da lei em contrário, a titularidade dos sujeitos na relação material controvertida tal como se mostra configurada pelo autor. Sendo a legitimidade um pressuposto processual que visa tanto garantir o exercício do dispositivo e do contraditório como delimitar o alcance subjectivo do caso julgado sobre o conflito de interesses em litígio, fácil será reconhecer que a aferição da titularidade da instância se deve fazer em função dos contornos concretamente dados ao objecto da acção pelo impetrante. Será pois sobre esses contornos que recaem os limites objectivos e subjectivos do efeito de caso julgado positivo ou negativo, nos termos consignados no nº 1 do artigo 671º com referência aos artigos 497º e 498º do CPC. Porque assim é, a legitimidade das partes terá de ser definida na base da titularidade da relação material controvertida tal como vem alegada pelo autor. Por outras palavras, o que releva para aferir a legitimidade processual é a pretensa posição das partes em relação aos factos alegados como fonte do direito ou da obrigação em que se estriba o pedido e não a titularidade no direito ou na obrigação que o autor afirma decorrer daqueles factos. A mera afirmação factual daquela pertinência subjectiva é um requisito formal para pleitear, enquanto que a conclusão jurídica na titularidade do direito ou da obrigação invocada é já uma questão de mérito. Nessa linha de entendimento, o primeiro passo a dar para a aferição da legitimidade processual é atentar nos fundamentos da pretensão, tal como vêm desenhados pelo demandante, com vista a identificar qual a po-sição que as partes ocupam no facto jurídico ali consubstanciado. No caso vertente, a requerente estribou a providência cautelar requerida na invocação de um alegado direito de autor sobre a obra em referência e no pretenso risco de violação grave desse direito por parte da requerida, bem como no facto de, mediante tal conduta, incorrer em concorrência desleal e causar à requerente prejuízos de perda de receitas provenientes da publicidade. O mencionado direito é susceptível de protecção judiciária cautelar, tanto na componente pessoal como patrimonial, a requerimento do respectivo titular, nos termos conjugados dos artigos 9º e 209º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC), aprovado pelo Dec.-Lei nº 63/85, de14 de Março, na redacção em vigor à data da instauração deste procedimento, e dos artigos 381º e seguintes do CPC, tornando-se pois irrelevante, para os efeitos em vista, a incidência subjectiva dos prejuízos em referência. De igual modo, ao titular dos direitos de autor pode caber uma protecção no âmbito do instituto da concorrência desleal, desde que se verifiquem os respectivos pressupostos. A requerente assume-se pois como titular da relação material controvertida, tal como vem configurada no requerimento inicial. E mesmo quanto às razões fundadas em concorrência desleal, a requerente alega prejuízos próprios decorrentes da perda de receitas de publicidade auferidas no exercício da sua actividade, ainda que alegue que a colocação de publicidade é feita através de outras sociedades com quem mantém relação de grupo. Assim sendo, face às disposições legais acima citadas e em especial ao disposto na última parte do nº 3 do artigo 26º do CPC, a requerente mostra-se parte legítima, pelo que improcedem as razões da agravante enunciadas nas conclusões 4ª e 7ª.
2.2. Quanto ao invocado erro de julgamento relativamente às provas documentais e a um depoimento testemunhal
Sustenta a agravante que o tribunal a quo interpretou erradamente as provas documentais apresentadas pela requerida e o depoimento da testemunha W. A invocação desse erro parece situar-se quer no âmbito da questão anterior, na parte em que se reporta à imputação da perda de receitas, quer no domínio da caracterização do receio de lesão do direito invocado pela requerente. Sucede que, como vimos no ponto precedente, tal questão mostra-se irrelevante para a aferição da invocada legitimidade processual da requerente. De qualquer modo, como sustenta a recorrida, a agravante limitou-se a uma impugnação genérica, não especificando o ponto de facto que tem por incorrectamente julgado nem indicando, quanto à prova documental, os concretos meios de prova, nos termos exigidos pelo nº 1 do artigo 690º-A do CPC, o que implica imediata rejeição do recurso nessa parte. Termos em que não se toma conhecimento do objecto de recurso sobre a questão enunciada nas conclusões 5ª e 6ª.
2.3. Quanto à pretensa violação dos direitos de autor invocados pela requerente
Sustenta a agravante que não se verificam os pressupostos legais para a decretação da providência cautelar. Em primeira linha, argumenta que a obra da requerente não merece protecção a título de direitos de autor por não se tratar de um sistema de indexação criativo relevante, nos termos do artigo 1º, nº 1, do CDADC nem da legislação sobre a protecção de dados, mas apenas de uma mera tabela de correspondência unívoca, excluída, por isso, do alcance daquela protecção, segundo o disposto no nº 2 do mesmo normativo. Em segundo lugar, defende a agravante que não se verifica o fundado receio da lesão do direito da requerente, dado que, mesmo a existir perda de receitas, esta perda ter-se-ia verificado nas empresas que as facturam. Por sua vez, a agravada, secundando a tese da decisão recorrida, pugna pela caracterização da sua obra como criação intelectual relevante e pelo risco de lesão do seu direito à exploração exclusiva daquela. Vejamos.
Em primeiro lugar, importa reter que a providência cautelar aqui em causa, nos termos dos artigos 381º, nº 1, e 387º, nº 1 e 2, do CPC, assenta nos seguintes pressupostos : a) – a probabilidade séria da existência do direito invocado pelo requerente; b) – o fundado receio da lesão desse direito por parte do requerido; c) – a não verificação de um prejuízo, por parte do requerido consideravelmente superior ao que se pretende evitar.
Quanto à probabilidade séria da existência do direito invocado, como já foi acima ficou dito, o direito invocado pela requerente consiste, em primeira linha, na violação dos alegados direitos de autor sobre a obra designada por Índice Nacional Terapêutico, dotado de um “Índice Geral Remissivo”, que ela publica desde 1978 e que então fez registar, como obra literária de carácter científico, no Registo da Propriedade Literária, Científica e Artística. Ora, do preceituado no artigo 58º do Decreto nº 4114, de 17 de Abril de 1918, resulta que o registo definitivo de qualquer direito autoral a favor de uma pessoa constitui presunção jurídica tantum iuris de que o mesmo lhe pertence, uma vez que tal registo nem sequer é constitutivo, mas meramente declarativo daquele direito. De resto, o reconhecimento deste direito independe de registo, depósito ou qualquer outra formalidade, como se consigna no artigo 12º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC), aprovado pelo Dec.-Lei nº 63/85, de 14 de Março. Posto isto, a questão nuclear consiste em saber se a obra em causa apresenta as características relevantes para merecer a protecção legal conferida pelo Direito de Autor, como se decidiu na 1ª instância. O artigo 1º, nº 1, do CDADC considera como obras “as criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, por qualquer modo exteriorizadas, que, como tais, são protegidas nos termos deste Código, incluindo-se nessa protecção os direitos dos respectivos autores”. E o nº 2 do mesmo normativo, procurando uma delimitação negativa daquela protecção legal, exclui “as ideias, os processos, os sistemas, os métodos operacionais, os conceitos, os princípios ou as descobertas, por si só e enquanto tais”. Por sua vez, o artigo 2º do citado Código contém uma enunciação indicativa de obras originais, consignando que “as criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, quaisquer que sejam o género, a forma de expressão, o mérito, o modo de comunicação e o objectivo, compreendem”, no que aqui releva, “livros, folhetos, revistas, jornais e outros escritos …”. Finalmente, o artigo 3º, nº 1, alínea b), do mesmo diploma equipara a originais “os sumários e as compilações de obras protegidas ou não, tais como selectas, enciclopédias e antologias que, pela escolha ou disposição das matérias, constituam criações intelectuais”. Por seu turno, o Dec.-Lei nº 122/2000, de 4 de Julho, veio transpor a Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia nº 96/9/CE, de 11 de Março, por forma a conferir a protecção em sede de direito de autor às bases de dados que, pela selecção ou disposição dos respectivos conteúdos, constituam criações intelectuais, como estatui o nº 1 do artigo 4º do citado diploma. E o nº 2 deste normativo acentua que aquele é o único critério determinante para a protecção ali concedida, enquanto que o nº 3 sublinha que tal tutela não incide sobre o conteúdo da base de dados protegida. Regressando agora ao caso vertente, da factualidade dada como assente colhe-se que a obra da requerente Índice Nacional Terapêutico integra, desde 1978, um sistema de consulta dos dados sobre os medicamentos ali descritos, por via de um “Índice Geral Remissivo”, estruturado na base do cruzamento de lista desses medicamentos alfabeticamente ordenadas pelos nomes comerciais dos produtos farmacêuticos no mercado, pelas substâncias activas dos medicamentos e pelos correspondentes grupos fármaco-terapêuticos. O referido sistema inclui à frente da coluna alfabética da substância ou nome comercial dos produtos correspondente ao nome alfabeticamente ordenado, os códigos de classificação e a página respectiva onde se localiza a descrição do produto. Deste modo, tal sistema integrado permite o acesso imediato e rápido, a partir de entradas múltiplas, ao conteúdo informativo das descrições das especialidades farmacêuticas constantes da obra, funcionando portanto como um “motor de busca” avançada. Nesta característica de acesso a uma leitura operativa e dinâmica do conteúdo do livro residiria a originalidade da obra à data do seu registo e que se tem mantido ao longo dos anos. Antes da vigência do Dec.-Lei nº 122/2000, com início em 1/1/1998 (art. 21º, nº 1), era bastante discutível se o CDADC contemplava a protecção, a título do direito de autor, o tipo de obras aqui em referência, mormente pondo-se em dúvida a sua qualificação como criação intelectual literária do domínio científico, dado que a sua exteriorização se traduzia, fundamentalmente, num sistema operacional ou método de notação dominado mais pelo arcabouço do respectivo processo do que pela criatividade literária do seu modo de expressão. Os que assim pensavam, tendiam a negar protecção a título do direito de autor à generalidade das bases de dados e, em particular, aos programas de software de computador, recusando qualquer analogia com os casos previstos na alínea b) do nº 1 do artigo 3º do CDADC, especialmente nos casos em que as bases de dados nem tão pouco se referissem a obras protegidas ou não[1]. Outros autores, porém, ousavam já reconduzir a realidade das bases de dados e dos bancos de dados à classificação de compilação, considerando, por conseguinte, apropriada a aplicação analógica do preceituado no sobredito normativo[2]. Todavia, tal controvérsia, no que concerne às bases de dados, deixou de relevar por virtude do Dec.-Lei nº 122/200 que transpôs a Directiva nº 96/9/CE para a ordem jurídica portuguesa[3]. Tanto aquela Directiva como o referido Dec.-lei tiveram claramente como objectivo proteger, a título de direito de autor, as bases de dados que pela sua selecção ou disposição dos respectivos conteúdos constituam criações intelectuais, sejam elas de tratamento automático ou manual (electrónicas ou não), sem relevar a natureza do respectivo conteúdo. Assim, o nº 2 do artigo 1º da referida Directiva define “base de dados” como uma colectânea de obras, dados ou outros elementos independentes, dispostos de modo sistemático ou metódico e susceptíveis de acesso individual por meios electrónicos ou outros”. É nessa linha de entendimento que também deve ser interpretado o alcance de protecção conferido pelo artigo 4º do Dec.-Lei nº 122/2000. Ora, nas palavras de Garcia Marques e Lourenço Martins, a originalidade é aqui tomada no sentido exclusivo de criação intelectual, não com apelo a critérios estéticos ou qualitativos, nem com o sentido mais restrito e rigoroso de manifestação de personalidade, num certo “rebaixamento” de exigências …”; e como acrescentam os mesmos autores, protege-se a estrutura da própria base de dados, incluídos os thesauri, o conjunto dos descritores, o sistema de indexação, os abstractos, os sumários preparados pelo produtor da base de dados ou pela sua equipa[4]. De resto, a criação de uma base de dados pode envolver um investimento de recursos humanos e materiais, designadamente de carácter intelectual e financeiro, de que se mostra legítimo compensar o seu autor em termos de algum modo similares à criação de obra literária e artística. No entanto, importa precisar qual o objecto específico da protecção autoral das bases de dados. Como é sabido, uma base de dados constitui um fundo documental que integra várias componentes, em que se incluem, por um lado, a selecção e tratamento de dados e, por outro, uma estrutura através da qual se viabiliza o acesso de potenciais utilizadores ao respectivo conteúdo informativo. Esta estrutura é organizada na base de uma panóplia de elementos funcionais, compreendendo métodos de classificação construídos com base, designadamente, em conceitos, árvores de conceitos, listas, esquemas gráficos e códigos, ingredientes estes que, na sua elementaridade, em princípio, são insusceptíveis de apropriação por se situaram no campo simbólico das ideias enquanto património da humanidade[7]. Mas, para além dessas classificações, a base de dados pode agregar ainda tais elementos em conjuntos operacionais e redes conectivas com a destinação de disponibilizar as modalidades de acesso ao conteúdo informativo e ao seu aproveitamento, por exemplo, através de um thesaurus próprio ou de um conjunto de descritores hierarquizados. E é sobre a formação destas estruturas de agregação interactiva que pode recair já uma actividade de criação intelectual relevante para efeitos de protecção a título de direitos de autor. Tudo depende de saber em que medida é que essa forma de organização exterioriza uma originalidade criativa[8]. Tratar-se-á, porventura, de uma originalidade de mais baixa exigência qualitativa, mas que requer um investimento de inteligência e até financeiro, a merecer protecção equiparada à criação literária ou artística. Por outro lado, importa neste domínio não confundir novidade criativa com originalidade criativa. Só esta é objecto de tutela autoral. Por mais novidade criativa que se reconheça a um artefacto humano, não é isso que conta para a protecção autoral, mas sim a sua originalidade enquanto criação personalizada de um arquétipo cultural específico, nessa medida irrepetível. A novidade criativa é ainda servil do objecto sobre que incide, sendo portanto alcançável por um universo indeterminado de seres pensantes, ao passo que a originalidade criativa de uma obra centra-se na forma criada, denotando assim a idiossincrasia do sujeito criador.
Dos factos em presença decorre que o sistema proporcionado pela obra da requerente, mormente através do “Índice Geral Remissivo”, apresenta como novidade criativa um esquema ou método de consulta de dados organizado na base de várias classificações de produtos fármaco-terapêu-ticos e da sua indexação, mediante cruzamento daquelas, às páginas do livro. Fora pois criado um instrumento de consulta, com várias entradas, aos conteúdos descritivos das especialidades dos medicamentos constantes do livro, permitindo um acesso imediato, rápido e concentrado por parte dos potenciais utilizadores. Tudo indica que, ao tempo em que foi introduzido, em 1978, tal sistema constituía um método de busca pioneiro e, por conseguinte, uma obra com novidade criativa, o que não significa sem mais que fosse dotada de originalidade intelectual, nos termos acima expostos. Por seu lado, a obra da requerida Simposium Terapêutico não dispu-nha de uma tal aplicação, limitando-se a servir como um dicionário vulgar, mas que, depois de várias alterações introduzidas desde 2004, passou, a partir de 2007, a incluir um sistema integral de consulta semelhante ao da requerente. Mas será que a obra da requerente ostenta originalidade criativa? Vejamos então. Ora, as classificações de base utilizadas na organização do “Índice Geral Remissivo”, pelo que vem reflectido na matéria de facto assente, mais não são do que a agregação, sob a forma de listas ordenadas por ordem alfabética, dos nomes comerciais e das nomenclaturas dos produtos com referência às suas composições químicas, em particular ao princípio activo, conforme o material disponibilizado pela indústria farmacêutica. A sua disposição cruzada, sob a estrutura de um índice geral com referência às páginas do livro, obedece a uma técnica bibliográfica mais cedo ou mais tarde alcançável por força da dinâmica própria do mercado editorial. Não estamos assim perante a criação, por parte da requerente, de um thesaurus próprio ou de um conjunto de descritores original. Tanto assim é que, em virtude da evolução do mercado do medicamento, mormente com o crescente relevo da identificação do princípio activo, em particular no campo dos medicamentos genéricos, a requerida passou também a incluir na sua obra classificações nele baseadas, de forma a responder às exigências do mercado. Desta feita surge a necessidade óbvia de indexar tais classificações às páginas do livro que contêm as descrições de especialidade dos produtos, tal como precocemente a requerente o fizera. Para tal, a requerida tinha ao seu perfeito alcance os dados e a tecnologia bibliográfica disponível, sem necessidade de se apropriar de qualquer forma original que tivesse sido criada pela requerente. Não se vislumbra assim que a requerente tenha copiado o “Índice Geral Remissivo” da requerida, ao introduzir o índice das edições do Simposium de 2007 e das edições de 2008 da mesma obra, quanto a estas, ao que é suposto, uma vez que não vêm sequer mencionadas na matéria de facto dada como assente nem tão pouco se mostram especificadas no requerimento inicial. Limitou-se sim a organizar o referido índice com os dados e as técnicas disponíveis no mercado. De resto, a necessidade de inclusão de tais elementos na confecção da obra da requerida surge, a partir de 2003/2004, como consequência natural da evolução do mercado do medicamento e da tecnologia bibliográfica e informativa, o que acabou por esbater ou vulgarizar a inicial novidade do esquema de consulta introduzido pela requerente em 1978, precisamente porque esse esquema não era dotado de originalidade criativa que resistisse ao manancial informativo e tecnológico resultante da evolução do mercado. Essas vicissitudes acabam por demonstrar que a novidade do “Índice Geral Remissivo” da obra da requerente dependia mais do objecto sobre que incidia do que da forma criada e portanto da sua originalidade. É curioso notar que a requerente nem sequer reagiu às iniciativas da requerida quando esta introduziu na sua obra as novas classificações dos produtos, no decurso dos anos 2003 a 2006, e só o fez quando foram conectadas com as páginas do livro, o que, de certo modo, se afigura como uma componente secundária do sistema de consulta. Argumenta a requerente que só o fez agora porque o esquema de apropriação se tornou completo. É, na verdade, um argumento retórico que pretende convencer da justiça do caso e servir o interesse de que a requerente se sente lesada, por ser o factor mais atractivo de que dispunha na sua posição de concorrente com a requerida. Mas temos de reconhecer que afinal a requerente reagiu mais em função deste interesse material do que na defesa da pretensa originalidade criativa da sua obra, pois não cremos que esta originalidade dependa tão só de um mero esquema de conexão, ainda que múltipla, de um índice com as páginas de um livro. Não se descortinam assim na matéria de facto alegada e dada como assente outros elementos construtivos integrados no “Índice Geral Remissivo” da obra da requerente que ostentem carácter original criativo. Não se menospreza o facto, aliás provado, de que a requerente tenha despendido recursos humanos e financeiros na elaboração do “Índice Geral Remissivo”, ao realizar “estudos e levantamentos profundos de um conjunto de classificações com uma estrutura plural de classificações, que remetem e se relacionam umas com as outras, funcionando como um motor de busca, e que permite leituras dinâmicas dos conteúdos dos livros, em especial das especialidades farmacêuticas que lá se encontram”. É sabido que projectos deste tipo são, muitas vezes, laboriosos e caros. Mas não é a intensidade do labor e o custo económico que comandam a protecção autoral, mas sim a originalidade criativa; nem tudo o que é laborioso e caro merece ser tido como original. Se é certo que o investimento pode ser um índice para a ponderação sobre o nível protecção de uma obra original, jamais bastará, no entanto, o nível desse investimento para reconhecer tal originalidade. Aqui chegados, resta-nos concluir que, salvo o devido respeito por posição diversa, dos factos dados como indiciariamente assentes não decorre que o “Índice Geral Remissivo” incluído na obra Índice Nacional Terapêutico da requerente ostente uma originalidade criativa que mereça protecção a título do Direito de Autor, nos temos do artigo 4º do Dec.-Lei nº 122/2000, de 4 de Julho, e muito menos da alínea b) do nº 1 do artigo 3º do CDADC, no que se refere aos elementos contidos no índice das obras Simposium Terapêutico – Edição 2007 e Simposium Terapêutico – Interacções 2007 e porventura das Edições de 2008, publicadas pela requerida.
Sucede que a providência decretada estribou-se ainda no fundamento da concorrência desleal, considerando, muito genericamente, que se estaria perante duas obras idênticas que se prestavam à confusão entre os próprios concorrentes e os potenciais consumidores. Este pressuposto, no quadro da fundamentação da decisão recorrida, centrou-se na conclusão a que o tribunal recorrido chegou de que a requerida actuava ilicitamente ao copiar o “Índice Geral Remissivo” da obra da requerente. É certo que a agravante não enuncia, nas respectivas alegações de recurso, pelo menos de forma literal autónoma, o segmento da fundamentação relativo à concorrência desleal, mas afronta dois dos seus elementos integrativos - quanto à identidade da parte da obra em causa e quanto à projecção dos prejuízos na esfera patrimonial da requerente. E, em consonância com isso, pede a revogação total das medidas decretadas. Em face disso, considera-se como incluída no objecto do recurso ainda a impugnação da decisão quanto à fundamentação em sede de concorrência desleal, na parte em que versa sobre aos elementos em foco. Ora, considerando, como considerámos, que o “Índice Geral Remissivo” da obra da requerente não revela originalidade criativa que impeça a requerida de inserir nas suas obras o índice incluído nas edições de 2007 e seguintes do Simposium Terapêutico e do Simposium Terapêutico - Interacções, forçoso é concluir que não está verificada a apontada prática ilícita da requerida, o que faz sucumbir, sem mais, o pressuposto fundamental em que assentou a fundamentação da decisão recorrida no âmbito da concorrência desleal, sem necessidade de apreciar, nesta perspectiva, a falta de projecção do invocado prejuízo na esfera patrimonial da requerente. Em conclusão, da factualidade assente não decorre a probabilidade séria da existência dos direitos de autor invocados pela requerente nem, por via disso, do pretenso comportamento ilícito imputado à requerida, nos ter-mos legais acima configurados, que justifiquem as medidas cautelares de-cretadas. Termos em que se conclui pela procedência do agravo.
IV – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em : a) - julgar improcedente a questão suscitada da ilegitimidade processual da requerente; b)– não tomar conhecimento da impugnação por erro de facto; c) – e decidir, não obstante isso e no mais, dar provimento ao agravo e, por consequência, revogar a decisão recorrida, . Custas pela agravada.
Lisboa, 16 de Dezembro de 2008
Manuel Tomé Soares Gomes Maria do Rosário Oliveira Morgado Rosa Maria Ribeiro Coelho _______________________________________________________ |