Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | LEOPOLDO SOARES | ||
Descritores: | RETRIBUIÇÃO SEGURADORA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 09/24/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
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Sumário: | Um seguro de saúde enquanto benefício que a entidade patronal decidiu, através de ordem de serviço, atribuir aos seus trabalhadores, assume natureza retributiva , visto que nas situações contempladas redunda em prestações regulares e periódicas com valor patrimonial geradoras de expectativa legítima do respectivo recebimento. (sumário elaborado pelo Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa: A A…., com sede na R. …., intentou , em nome dos trabalhadores que representa, acção , com a forma comum, contra B …, actualmente designado C…., com sede na R. ….. Pede a condenação da Ré : a) a respeitar o direito ao seguro de saúde dos trabalhadores do C ….– também designado seguro de doença na ordem de serviço nº 27/ADM/89 , de 27/10/89 – como um direito incorporado no seu contrato individual de trabalho, unilateralmente irrevogável por aquele; b) a declarar anulada a sua decisão de mandar cessar o seguro de saúde em 31/12/2005 ; c) em coima por ter omitido o pedido de parecer prévio, sob forma escrita, à Comissão de Trabalhadores, relativamente à decisão de fazer cessar o seguro de saúde, para o que deverá ser emitida a competente certidão e remetida à Inspecção de Trabalho. Alegou, em resumo, que no âmbito das relações de trabalho estabelecidas entre o Réu e os seus trabalhadores vigora, desde 3 de Julho de 1989, um regulamento interno aprovado pelo Ministro. Por força do art. 45º desse regulamento o órgão de gestão do C…. concedeu aos seus trabalhadores um seguro colectivo de doença. No prazo de 30 dias a contar da respectiva publicação, nem os trabalhadores nem os seus representantes se pronunciaram por escrito contra o referido regulamento Assim, após a adesão tácita dos trabalhadores o regulamento tornou-se irrevogável unilateralmente. Em 24 de Novembro de 2005, o órgão de gestão do C…. determinou unilateralmente a cessação desse seguro disso dando mero conhecimento à Comissão de Trabalhadores. O seguro colectivo de doença constitui parte integrante da respectiva remuneração. O órgão de gestão do C…. não pode, atentos os princípios da liberdade e da eficácia contratuais e do “favor laboratoris”, mandar cessar o seguro colectivo de doença. Realizou-se audiência de partes ( fls 110/111). Notificado para o efeito o Réu , representado pelo MºP, contestou ( fls 115 a 125). Alegou, em síntese, que com a entrada em vigor do DL 14/2003, de 30 de Janeiro, foram revogadas as deliberações do conselho directivo do C….. e as decisões do respectivo membro do Governo que instituíram prestações sociais, bem como benefícios ou regalias suplementares ao sistema remuneratório e foi determinada a cessação dos benefícios e regalias atribuídos, com ressalva dos direitos legitimamente adquiridos. O seguro de saúde consiste num sistema de assistência à saúde através de um seguro de grupo de que beneficiam os trabalhadores, seus cônjuges e filhos, que visa suportar despesas com assistência médica e medicamentosa complementar à que é prestada pela segurança social. Esta prestação não se encontra prevista na lei nem em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho nem ainda em regulamento credenciado pela lei e com ela conforme ,pelo que se mostra abrangida pela previsão do art. 6º nº 1 do DL 14/2003 que determina a revogação dos actos que a instituíram. Não é assim de aplaudir a possibilidade de ser atribuída tal prestação ao pessoal a admitir. Em relação ao pessoal já admitido cumpre ver se tal benefício pode ser atribuído ou mantido. O seguro em apreço é um benefício ou regalia que não tem natureza retributiva embora resulte ou possa resultar em vantagens de ordem patrimonial, sendo certo que visa complementar os benefícios atribuídos ou a conceder prestações não garantidas no âmbito dos regimes públicos obrigatórios. Reconhece que tais benefícios, apesar de não serem atribuições remuneratórias, apenas foram concedidos em face da relação laboral existente e da qualidade dos respectivos beneficiários, existindo assim um nexo com o contrato de trabalho. As obrigações constituídas têm por fonte contratos autónomos embora com conexão com o contrato de trabalho. As questões que se suscitam com a cessação destes benefícios colocam-se em sede de cumprimento contratual, nos casos dos contratos já celebrados e cujos efeitos se constituíram na esfera jurídica das partes outorgantes. As expectativas dos trabalhadores na obtenção das prestações complementares em caso de doença e de reforma, nos casos em que estas eventualidades não ocorreram, não reclamam a protecção por aplicação do princípio da confiança. A eventual desvinculação da entidade empregadora da realização destes esquemas complementares por força daquela determinação legal não ofende de forma desproporcionada, arbitrária e injustificada as expectativas dos beneficiários quanto à futura obtenção daqueles complementos. Relativamente às expectativas dos trabalhadores no recebimento dos complementos de reforma - que apenas com a aquisição deste estatuto se constituirão em direitos – o Supremo Tribunal de Justiça, caracterizando-os como benefícios ou regalias sociais a que não se aplica o estatuto legal e as garantias de irredutibilidade da retribuição, tem considerado que, até à aquisição daquele estatuto, existe uma mera expectativa jurídica do trabalhador, podendo ser revogado pela entidade patronal o negócio jurídico unilateral que o instituiu. As mesmas considerações e conclusões serão de aplicar às prestações complementares em caso de doença. Assim, em relação aos benefícios estabelecidos através de um contrato de seguro, afigura-se que ressalvadas as prestações já efectuadas e as eventualidades já verificadas, não se perfilam outros direitos adquiridos a salvaguardar. O cumprimento do determinado no artigo 6º nº 2 do DL 14/2003 deve ser ponderado em face dos termos dos respectivos contratos de trabalho e do regime legal que lhes é aplicável, podendo a proibição de renovação dos benefícios imposta pelo nº 3 ter incidência nos contratos de seguro que estejam sujeitos a renovações periódicas. Portanto, estando o contrato de seguro colectivo de doença em causa sujeito ao princípio da liberdade contratual e sendo de natureza periódica, este apenas manterá a sua eficácia durante o período de vigência do contrato celebrado e apenas abrangerá os trabalhadores que no mesmo figurem como beneficiários. Da circunstância de ter sido considerada procedente a providência cautelar intentada contra o Réu não é de concluir pela procedência desta acção. A Autora apresentou “ reclamação” ( vide 130/131), à qual o Réu respondeu ( vide fls 133 /134). Dispensou-se a realização de audiência preliminar. Elaborou-se despacho saneador. Foi dispensada a selecção dos factos assentes e controvertidos ( vide fls 137). Realizou-se audiência de discussão e julgamento ( vide fls 183/184), na qual as partes acordaram sobre a matéria de facto. Foi proferida sentença ( vide fls 187 a 201) que na parte decisória teve o seguinte teor: “ Por todo o exposto decide-se: I – condenar o Réu a respeitar o direito ao seguro de saúde dos trabalhadores do C….. admitidos ao serviço deste antes da data da entrada em vigor do DL 14/2003 de 30 de Janeiro – também designado seguro de doença na Ordem de Serviço nº 27/ADM/89 de 27/!0/89 – como um direito incorporado no seu contrato individualmente de trabalho II – julgar ilegal e em consequência anular a decisão do Réu de mandar cessar o referido seguro de saúde em 31/12/2005 III – Condenar o Réu no pagamento das custas (art. 446º nº 1 e 2 do CPC) Notifique e registe. Face ao requerido na petição inicial extraia certidão da petição inicial e da contestação e remeta à Inspecção Geral do Trabalho para os fins tidos por convenientes”. Inconformado o Réu recorreu (vide fls 1206 a 221 ). Formulou as seguintes conclusões: (…) O Autor contra - alegou ( fls 225 a 238 ).. Concluiu que: (…) O recurso foi admitido ( vide 261 e 268) Foram colhidos os vistos dos Exmºs Adjuntos. Nada obsta à apreciação. *** Em 1ª instância foi dada como assente a seguinte matéria de facto: 1 – Em regra, os trabalhadores do Réu estão contratados em regime de contrato individual de trabalho. 2 – No âmbito das relações de trabalho estabelecidas pelas partes vigora um regulamento interno aprovado pelo Ministro da Indústria e Energia desde 3/7/1989 cuja cópia consta como documento 2 de fls. 16-78 que se dá aqui por reproduzido em cujo art. 1º consta que «O presente Regulamento aplica-se a todos os trabalhadores ao serviço do C……I, com vínculo de contrato de trabalho». 3 - … e em cujo art. 45º, sob a epígrafe «Subsídio Complementar de Saúde», consta: «O C…… poderá conceder aos seus trabalhadores subsídios complementares relativos a despesas de assistência médica e medicamentosa nos termos a definir em Ordem de Serviço». 4 – No prazo de 30 dias a contar da respectiva publicação, nem os trabalhadores visados nem os seus representantes se pronunciaram por escrito contra o referido regulamento. 5 – Por força do art. 45º desse Regulamento o órgão de gestão do C….. concedeu aos seus trabalhadores um seguro colectivo de doença através da Ordem de Serviço nº 027/ADM/89 de 27/10/89 conforme documento 3 de fls. 79-82 que se dá aqui por reproduzido e onde além do mais consta: « Seguro de Doença 1. No seguimento da política de pessoal que o C….. está a desenvolver e à semelhança do que tem sido prática noutras empresas, pretende o C…. implementar um seguro de doença, que complemente as comparticipações médicas e medicamentosas das instituições de previdência, em moldes semelhantes aos praticados pela ADSE para os trabalhadores da função pública. 2. Nesta conformidade é instituído, no âmbito de apoio do Instituto aos seus colaboradores, em regime de contrato individual de trabalho sem termo, um seguro de despesas médicas, nas condições apresentadas no mapa em Anexo 1. 3. Para os membros do agregado familiar só poderão ser comparticipadas as despesas efectuadas após a adesão ao “esquema” de seguro de doença agora anunciado (Anexo 2). 4. O seguro de doença produz efeitos a partir de 89.10.01. (…) » 6 – O Réu fez estender esse seguro aos trabalhadores com vínculo precário conforme Ordem de Serviço cuja cópia consta como documento 4 de fls. 82 nos seguintes termos: «NO seguimento da política desta Administração no sentido de enquadrar os colaboradores contratados a termo nos sistemas de benefícios até agora dirigidos apenas ao pessoal do quadro, decidiu o C.A. tornar extensível o seguro de doença aos colaboradores contratados a termo e respectivos agregados familiares, nos mesmos termos aplicados ao pessoal efectivo». 7 – O órgão de gestão do C…… determinou unilateralmente, em 24/11/2005 a cessação do seguro colectivo de doença, cujo termo deveria ocorrer em 31/12/2005, conforme documento 5 de fls. 83 que se dá aqui por reproduzido e onde consta, além do mais: «O Conselho Directivo, reunido nesta data, deliberou: a) Mandar cessar o contrato de Seguro de Saúde, celebrado pelo C…., no termo nele previsto, em cumprimento do DL 14/2003 de 30 de Janeiro, e do despacho do Sr Ministro da Economia e da Inovação, relativo aos benefícios suplementares do sistema remuneratórios atribuídos ao C….., e sem prejuízo do processo prioritário em curso para apuramento de eventuais outras implicações; b) Dar conhecimento do facto à Comissão de Trabalhadores do C….. e aos colaboradores do Instituto c) (…) » *** Cumpre referir que o objecto do recurso apresenta-se delimitado pelas conclusões da respectiva alegação (artigos 684º nº 3º e 690º nº 1º do CPC ex vi do artigo 87º do CPT ) [i] . Examinadas as conclusões de recurso constata-se que a única questão suscitada é a de saber se o seguro de doença que o Réu instituiu para os seus trabalhadores integra ou não a sua retribuição e como tal se o C….. o pode mandar fazer cessar. *** In casu, o Autor ,em representação dos trabalhadores da requerida (vide art 462º nº 2º do CT aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto, e 360º al e) da Lei nº 35/2004,de 29 de Julho) pretende que se mantenham em vigor o seguro colectivo de doença que o requerido celebrou de que os mesmos são beneficiários. Segundo o artigo 32º do DL nº 378/88,de 25 de Outubro: “o pessoal do IAPMEI rege-se, na generalidade, pelas normas aplicáveis ao contrato individual de trabalho e, na especialidade, pelo disposto em regulamento interno, aprovado pelo Ministro da Indústria e Energia”. Cabe agora referir que o artigo 82º da LCT, que vigorou até 1 de Dezembro de 2003 (vide art 3º nº 1º da Lei nº 99/2003,de 27 de Agosto, que aprovou o Código do Trabalho), estabelecia que: "1 - Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho. 2 - A retribuição compreende a remuneração de base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie. 3 - Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador". O artigo 83º do mesmo diploma regulava: "A retribuição pode ser certa, variável ou mista, isto é, constituida por uma parte certa e outra variável". Por sua vez, o art 84º do aludido diploma estatuia: "1 - É certa a retribuição calculada em função do tempo de trabalho. 2 - Para determinar o valor da retribuição variável tomar-se-á como tal a média dos valores que o trabalhador recebeu ou tinha direito a receber nos últimos doze meses ou no tempo da execução do contrato, se este tiver durado menos tempo. 3 - Se não for praticável o processo estabelecido no número anterior, o cálculo da retribuição variável far-se-á segundo o disposto nas convenções colectivas ou nas portarias de regulamentação de trabalho e na sua falta, segundo o prudente arbítrio do julgador". O art 85º da LCT regulava sobre a retribuição mista. Segundo o art 86º “não se considera retribuição a remuneração por trabalho extraordinário, salvo quando se deva entender que integra a retribuição do trabalhador”. O art 87º da LCT estatuia: “Não se consideram retribuição as importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações ou novas instalações, feitas em serviço do empregador, salvo quando, sendo tais deslocações frequentes, essas importâncias, na parte que excedam as respectivas despesas normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador”. O art 88º daquele diploma regulava: “1 - Não se consideram retribuição as gratificações extraordinárias concedidas pela entidade patronal como recompensa ou prémio dos bons serviços do trabalhador. 2 - O disposto no número anterior não se aplica às gratificações que sejam devidas por força do contrato ou das normas que o regem, ainda que a sua atribuição esteja condicionada aos bons serviços do trabalhador, nem àquelas que, pela sua importância e carácter regular e permanente, devam segundo os usos, considerar-se como elemento integrante da retribuição daquele”. Nos termos do art 89º não se considera retribuição a participação nos lucros da empresa, desde que ao trabalhador esteja assegurada pelo contrato uma retribuição certa, variável ou mista, adequada ao seu trabalho. O art 90º preceituava que: "1 - Compete ao julgador fixar a retribuição quando as partes o não fizeram e ela não resulte das normas aplicáveis ao contrato. 2 - Compete ainda ao julgador resolver as dúvidas que se suscitarem na qualificação como retribuição das prestações recebidas da entidade patronal pelo trabalhador". Resultava, pois, destas normas que desde que o trabalhador prove a existência de determinada atribuição patrimonial passa a caber ao empregador demonstrar que não se verificam os elementos definidores da retribuição. A definição contida no art 82º da LCT "pode ser decomposta, para efeitos analíticos, em quatro elementos: uma prestação patrimonial, regular e periódica, devida pela entidade empregadora ao seu trabalhador, como contrapartida da actividade prestada por este" - Comentário às Leis do Trabalho, Mário Pinto, Pedro Martins e António Carvalho, vol I, pág 247. De acordo com o STJ "segundo o conceito civilista de retribuição esta deveria ter como contrapartida e como base a actividade do trabalhador, mas tal conceito, com a moderna elaboração do direito do trabalho, foi ultrapassado e hoje integram-se no domínio da retribuição todos os benefícios outorgados pela entidade patronal e que se destinam a integrar o orçamento normal do trabalhador, conferindo-lhe a justa expectativa do seu recebimento, dada a sua regularidade e continuidade periódicas" - vide ac. de 8-5-96,CJ/STJ, Ano IV, Tomo II, pág 251. O Código do Trabalho que passou a vigorar a partir de 1 de Dezembro de 2003 veio estabelecer no seu artigo 249º: “1 - Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho. 2 - Na contrapartida do trabalho inclui-se a retribuição base e todas as prestações regulares e periodícas feitas, directa ou indirectamente em dinheiro ou em espécie. 3 - Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador. 4 - A qualificação de certa prestação como retribuição, nos termos dos nºs 1º e 2º,determina a aplicação dos regimes de garantia e tutela dos créditos retributivos previstos neste Código”. Segundo o art 250º do mesmo diploma: “1 - Quando as disposições legais, convencionais ou contratuais não disponham em contrário, entende-se que a base de cálculo das prestações complementares e acessórias nelas estabelecidas é constituída apenas pela retribuição base e diuturnidades. 2 - Para efeitos do disposto no número anterior, entende-se por: a ) retribuição base – aquela que, nos termos do contrato ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, corresponde ao exercício da actividade desempenhada pelo trabalhador de acordo com o período normal de trabalho que tenha sido definido; b) Diuturnidade – a prestação pecuniária, de natureza retributiva e com vencimento períodico, devida ao trabalhador nos termos do contrato ou do instrumento de regulamentação colectiva do trabalho, com fundamento na antiguidade”. O art 251º regula: “A retribuição pode ser certa, variável ou mista, isto é constituida por uma parte certa e outra variável”. Segundo o art 252º: “1 - É certa a retribuição calculada em função do tempo de trabalho. 2 - Para determinar o valor da retribuição variável toma-se como tal a média dos valores que o trabalhador recebeu ou tinha direito a receber nos últimos 12 meses ou no tempo de execução do contrato se este tiver durado menos tempo. 3 - Se não for praticável o processo estabelecido no número anterior,o cálculo da retribuição variável faz-se segundo o disposto nos instrumentos de regulamentação colectiva e, na sua falta, segundo o prudente arbítrio do julgador. 4 - O trabalhador não pode, em cada mês de trabalho, receber montante inferior ao da retribuição mínima garantida”. O art 253º regula sobre a retribuição mista. Nis termos do art 254º o trabalhador tem direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição que deve ser pago até 15 de Dezembro de cada ano. Por sua vez, o art 255º veio estabelecer: “1 - A retribuição do período de férias corresponde à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efectivo. 2 - Além da retribuição mencionada no número anterior, o trabalhador tem direito a um subsídio de férias cujo montante compreende a retribuição base e as demais prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho. 3-... 4-...”. O art 260º regula: “1 - Não se consideram retribuição as importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador, salvo quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias, na parte que exceda os respectivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos parte integrante da retribuição do trabalhador. 2 - O disposto no número anterior aplica-se, com as necessárias adaptações, ao abono para falhas e ao subsídio de refeição”. O art 261º estatui: “1 - Não se consideram retribuição: a) As gratificações ou prestações extraordinárias concedidas pelo empregador como recompensa ou prémio dos bons resultados obtidos pela empresa; b) As prestações decorrentes de factos relacionados com o desempenho ou mérito profissionais, bem como a assiduidade do trabalhador, cujo pagamento, nos períodos de referência respectivos não esteja antecipadamente garantido. 2 - O disposto no número anterior não se aplica às gratificações que sejam devidas por força do contrato ou das normas que o regem, ainda que a sua atribuição esteja condicionada aos bons serviços do trabalhador, nem àquelas que, pela sua importância e carácter regular e permanente, devam segundo os usos, considerar-se como elemento integrante da retribuição daquele. 3 - O disposto no nº 1º não se aplica, igualmente, às prestações relacionadas com os resultados obtidos pela empresa quando, quer no respectivo título atributivo quer pela sua atribuição regular e permanente, revistam carácter estável, independentemente da variabilidade do seu montante”. Nos termos do art 262º não se considera retribuição a participação nos lucros da empresa, desde que ao trabalhador esteja assegurada pelo contrato uma retribuição certa, variável ou mista, adequada ao seu trabalho”. ** Mas será que se deve considerar o seguro em causa como fazendo parte da retribuição dos trabalhadores que o Autor representa ? Afigura-se evidente que o seguro em questão configura um benefício que o Réu decidiu conceder aos seus trabalhadores, através de ordem de serviço ( vide 5), nos termos mencionados no regulamento interno (vide artigos 39º do da LCT e 153º do CT e pontos nº 2 e 3 da matéria assente),certamente como forma de manter a sua colaboração. Não estamos, pois, perante mera liberalidade. Aliás, tal como se refere em acórdão desta Relação de 12.7.07 , embora respeitante a seguros de vida e de acidentes pessoais que o C…. decidiu atribuir aos seus trabalhadores , através de ordens de serviços, “o não ter essa natureza de retribuição, mas antes a de mera liberalidade, ou seja, de valores atribuídos com “animus donandi”, sem prévia vinculação da entidade patronal (Monteiro Fernandes, ob. cit., pág. 362, Lobo Xavier, “Introdução ao Estudo da Retribuição no Direito do Trabalho Português”, RDES, ano I, 2ª Série, nº 1, pág. 83) seria ónus de prova que recairia sobre a agravante, que o não logrou fazer” – vide aresto proferido no processo nº 4178/2007-4 in www.dgsi.pt . Assim, afigura-se que a prestação em apreço deve ser qualificada como uma modalidade de retribuição em espécie, como uma regalia que o C…. concedeu aos seus trabalhadores conferindo-lhes uma legítima expectativa de dela beneficiar. O seguro em apreço acaba por constituir uma prestação regular e periódica com inegável valor patrimonial para quem dela usufrui que é, desde logo, poder beneficiar da protecção do seguro sem suportar o inerentes custos. Assim, afigura-se que estamos perante prestação em espécie que deve ser qualificada como retribuição, tanto mais que o Réu não ilidiu a presunção estabelecida no nº 3º do art 249º do CT. E nem se venha argumentar que não estamos perante qualquer atribuição patrimonial directa, mas perante meras expectativas (susceptíveis de concretização ou não) de recebimentos monetários ou de prestações futuras nas situações ( de doença) em que o seguro em apreço lograria aplicabilidade. É que o cariz retributivo da prestação em apreço não advém do valor ou protecção a receber ,mas do facto dos trabalhadores do C….. – sem terem de pagar a inerente contrapartida monetária - usufruirem da protecção conferida pelo seguro (que constitui contrato a favor de terceiro). E também não se argumente com o Decreto-Lei nº 14/2003, de 30.01, que entrou em vigor em 1 de Fevereiro de 2003 (vide art 8º). O seu art 1º (objecto) estatui: “O presente diploma visa disciplinar a atribuição de regalias e benefícios suplementares ao sistema remuneratório, directos ou indirectos, em dinheiro ou em espécie que acresçam à remuneração principal dos titulares de órgãos de administração ou gestão e de todos os trabalhadores das entidades abrangidas por este diploma, independentemente do seu vínculo contratual ou da natureza da relação jurídica de emprego”. Nos termos do seu artigo 2º(âmbito de aplicação): “O presente diploma aplica-se aos fundos e serviços autónomos, ou seja, todas as entidades que preencham cumulativamente os requisitos previstos nas alíneas a) e b) do nº 3º do art 2º da Lei nº 91/2001,de 20 de Agosto, incluindo as que, nos termos das suas leis orgânicas estejam subsidiariamente submetidas ao regime das empresas públicas, em qualquer das suas modalidades”. Segundo o seu artigo 3º (sistema remuneratório): “1 - O sistema remuneratório dos titulares de órgãos de administração ou de gestão e restante pessoal das entidades referidas no artigo anterior é composto pela remuneração principal, respectivos suplementos, prestações sociais e subsídio de refeição, desde que previstos na lei ou em instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho. 2 - É proibida a atribuição aos titulares de órgãos da administração ou gestão e restante pessoal das entidades referidas no artigo anterior de quaisquer regalias e benefícios suplementares ao sistema remuneratório, em dinheiro ou espécie, directos ou indirectos, que acresçam às componentes remuneratórias referidas no número anterior (remuneração principal, respectivos suplementos, prestações sociais e subsídio de refeição, desde que previstos na lei ou em instrumentos de regulamentação colectiva do trabalho), designadamente os seguintes: a)Cartões de crédito...; b)... c)Seguros dos ramos «Vida» e «Não Vida», exceptuando os obrigatórios por lei; g)..... O artigo 5º (responsabilidade) do diploma em apreço, por sua vez, regula que: “1 - Os titulares dos órgãos de administração ou gestão, bem como os restantes dirigentes, das entidades referidas no art 2º ,que autorizem a atribuição de regalias e benefícios suplementares ao sistema remuneratório em violação do disposto no presente diploma incorrem em responsabilidade civil, disciplinar e financeira, constituindo ainda tal conduta fundamento para a cessação do respectivo cargo. 2 - O recebimento de quaisquer regalias e benefícios suplementares ao sistema remuneratório em violação do disposto no presente diploma obriga à reposição do respectivo montante, independentemente da responsabilidade disciplinar que ao caso couber”. O artigo 6º (situações existentes) estatui: “1 - Ficam revogadas todas as disposições gerais e especiais não constantes de lei ou de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, bem como todos os regulamentos e actos, que contrariem o disposto no presente diploma. 2 - Cessam imediatamente com a entrada em vigor do presente diploma todas as regalias e benefícios suplementares ao sistema remuneratório previstos no nº 2º do artigo 3º,que já tenham sido atribuidos, com excepção dos que correspondam a direitos legitimamente adquiridos. 3 - São proibidos o aumento ou a renovação das regalias e benefícios suplementares, constantes de instrumentos de regulamentação colectiva do trabalho ou de contrato escrito que correspondam a direitos legitimamente adquiridos. 4 - Presume-se não existir direito a regalias e benefícios suplementares quando os mesmos, devendo sê-lo, não tenham sido declarados para efeitos de tributação de rendimentos na última declaração fiscal daquele que os reivindique”. É certo que decorre deste diploma a proibição aos titulares de órgãos da administração ou gestão e restante pessoal das entidades ali referidas beneficiarem de quaisquer regalias e benefícios suplementares ao sistema remuneratório, em dinheiro ou espécie, directos ou indirectos, que acresçam às componentes remuneratórias. Contudo embora o diploma em causa revogue as ordens de serviço que deram origem ao seguro em apreço não logra aplicação no tocante a direitos legitimamente adquiridos, sendo certo, por outro lado, que não se infere do mesmo que da sua aplicação possa resultar diminuição de retribuições. In casu, afigura-se que a retirada do direito em questão configura uma diminuição ilegal da retribuição dos trabalhadores do C….. afectando direitos legitimamente adquiridos por eles. Argumentar-se-á que tal interpretação é contrária ao que resulta do disposto na al c) do nº 2º do art 3º e do art 6º ambos do DL nº 14/2003. Todavia cabe recordar por um lado o disposto no artigo 12º nº 1º do Código Civil e por outro que estando perante direitos legitimamente adquiridos (o de beneficiar daquele tipo de seguro) pelos trabalhadores ao serviço do C….., sendo certo que o nº 2º do artigo 6º do supra citado diploma excepciona tal situação. Tal como se refere no supra citado aresto desta Relação de 12.7.07 “ importa, no entanto, ponderar que a segunda parte do nº 2 do art. 6.º expressamente salvaguarda as regalias e benefícios que correspondam a direitos legitimamente adquiridos” – vide aresto proferido no processo nº 4178/2007-4 in www.dgsi.pt . Assim, afigura-se legítima a manutenção dos anteriormente existentes. Por outro lado, cumpre ainda salientar que tal como refere nesse aresto “ tendo tais ordens de serviço sido aceites pelos trabalhadores, como foram, elas não podem ser alteradas por determinação unilateral do empregador – arts. 7.º e 39.º do RJCIT e 95.º e 153.º do Cód. Trab. (vide a propósito o Ac. do STJ de 4.02.2004, AD, 515º, pág. 1734)”. Tal implica a improcedência do recurso. ** Nestes termos acorda-se em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida. Custas pela apelante. DN ( processado e revisto pelo relator - nº 5º do art 138º do CPC). Lisboa, 24/9/08 Leopoldo Soares Seara Paixão Ferreira Marques _______________________________________________________ [i] Nas palavras do Conselheiro Jacinto Rodrigues Bastos: “As conclusões consistem na enunciação, em forma abreviada, dos fundamentos ou razões jurídicas com que se pretende obter o provimento do recurso… Se as conclusões se destinam a resumir, para o tribunal ad quem, o âmbito do recurso e os seus fundamentos pela elaboração de um quadro sintético das questões a decidir e das razões porque devem ser decididas em determinado sentido, é claro que tudo o que fique para aquém ou para além deste objectivo é deficiente ou impertinente” – Notas ao Código de Processo Civil, volume III, Lisboa, 1972, pág 299. Como tal transitam em julgado as questões não contidas nas supra citadas conclusões. Por outro lado, os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas pelas partes e decididas pelos Tribunais inferiores, salvo se importar conhecê-las oficiosamente ( vide vg: Castro Mendes , Recursos , edição AAFDL, 1980, pág 28, Alberto dos Reis , CPC, Anotado, Volume V, pág 310 e acórdão do STJ de 12.12.1995, CJSTJ, Tomo III, pág 156). |