Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | EZAGÜY MARTINS | ||
Descritores: | EXPROPRIAÇÃO PROVA PERICIAL DEFICIENTE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 11/22/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | ANULADA | ||
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Sumário: | I- As “Averiguações necessárias” contempladas no art.º 582º, n.º 1, do actual Código de Processo Civil nada acrescentam às “averiguações e inspecções indispensáveis” que pacificamente se concediam contempladas na normatividade do Código de Processo Civil anterior à reforma de 1995, relativa às avaliações. II- Desde que os Peritos, em aplicação do art.º 26º, do Cód. das Expropriações, procederam à determinação do custo de construção em função dos “outros critérios” contemplados no art.º 23º, n.º 5, do mesmo Código, assim preterindo os montantes fixados administrativamente, não poderão deixar de indicar a matéria factual que suportará o concluído custo de construção, diverso do fixado administrativamente. III- Não o tendo feito, e estribando-se a subsequente sentença no relatório pericial, sem nada acrescentar ou suprir, nessa sede factual, deverá a mesma ser anulada, determinando-se a efectivação de nova avaliação, tendo em vista suprir a referenciada omissão. (E.M.) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 2ª Secção (cível) deste Tribunal da Relação I- ICOR –, remeteu ao Tribunal Judicial da Comarca de Caldas da Rainha o processo de expropriação litigiosa – relativo a parcela de terreno n.º 369, abrangida pela declaração de utilidade pública relativa à construção da obra “IP 6 – Peniche/Óbidos (IC1/Nó com a variante de Caldas da Rainha)”, e que fazia parte de um prédio sito no Concelho de Óbidos – em que são expropriados A e mulher M e C e mulher E . Por despacho de folhas 63 a 65, adjudicou-se à entidade expropriante I , livre de ónus e encargos, a propriedade da referida parcela. Ordenando-se ainda a notificação da decisão arbitral à Expropriante e aos Expropriados. Inconformada com a decisão arbitral, dela recorreu a Expropriante, a folhas 71 a 76, concluindo dever ser a indemnização a pagar aos expropriados “fixada em montante não superior a € 38.940,05, a que haverá que deduzir a diferença a que alude o art.º 23º n.º 4 do Código, e com juros legais pelo período de 11.04.2001 a 11.12.2001.”. Também inconformados com tal decisão, recorreram os Expropriados, por requerimento de folhas 80 a 90, pugnando pela fixação de um valor de indemnização de € 203.654,20. Expropriante e Expropriados apresentaram documentos, e designaram perito, juntando quesitos. Tendo aqueles arrolado testemunhas. Tanto a Expropriante como os Expropriados deduziram resposta. A folhas 173 e 174, veio a Expropriante requerer fossem declaradas abrangidas pela expropriação, além da área inicial de 4.532 m2 da parcela n.º 369, também as áreas de 420 m2 e de 16 m2 adjacentes à mesma parcela e que faziam parte do art.º da freguesia de Olho Marinho, fixando-se o respectivo valor conjuntamente com o da área inicial da parcela. Notificados a propósito, manifestaram os Expropriados nada ter a opor ao assim requerido. Vindo, por despacho de folhas 180, a ser declaradas abrangidas pela expropriação as referidas áreas adjacentes. No entretanto sucedeu o IEP – Instituto das Estradas de Portugal – em todos os direitos e obrigações do ICOR. Teve lugar a avaliação, nos termos do art. 61º, n.º 2, do Código Expropriações. Os senhores Peritos apresentaram o Relatório de folhas 226 a 236, concluindo que a justa indemnização devida aos Expropriados, correspondente “à soma dos valores determinados para a parcela expropriada (terreno+benfeitorias) e para a desvalorização da parcela não expropriada, é de € 97.299,60, que arredondam para € 97.300,00 (noventa e sete mil e trezentos euros). Prescindida que foi a inquirição das testemunhas arroladas pelos Expropriados, e notificadas as partes para o efeito, apresentaram alegações tanto a Expropriante, como os Expropriados. Vindo a ser proferida sentença, na qual se concluiu pela seguinte forma: “Por todo o exposto: - julga-se improcedente o recurso da entidade expropriante - julga-se parcialmente procedente o recurso dos expropriados fixando-se a indemnização a atribuir aos expropriados, pela expropriação da parcela, com área de 4.523 m.2, a destacar do prédio inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Olho Marinho, descrito na Conservatória do Registo Predial de Óbidos, em 97.229,60 (noventa e sete mil, duzentos e vinte e nove euros e sessenta cêntimos), a actualizar de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação, até ao trânsito em julgado desta decisão, segundo o disposto no n.º 1 do art.º 23.º do C. Expropriações.”. Inconformada recorreu a Expropriante, formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões: “1ª- A douta sentença recorrida aderiu ao laudo unânime dos peritos, considerando-o totalmente consistente, fundamentado, sem lacunas ou contradições que afectem as suas conclusões. 2ª- Como tal adoptou o valor indemnizatório a que os senhores peritos chegaram, sem atender ao facto de se estar no âmbito do recurso de uma decisão jurisdicional que obrigava o tribunal "ad quem" a decidir nos limites da instância recursiva, confirmando ou revogando total ou parcialmente a decisão recorrida de acordo com a prova produzida desde que dotada de força suficiente para abalar tal decisão (acórdão arbitral). 3ª- Assim, não obstante o facto de a entidade expropriante ter questionado nas conclusões da sua alegação a validade de alguns pontos do laudo pericial, a sentença recorrida nem sequer os apreciou, cometendo assim, salvo o devido respeito, a nulidade prevista no artigo 668° n° 1 al. d) do CPC. 4ª- Quer o laudo arbitral quer o laudo pericial seguiram idêntico critério de avaliação, calculando o valor do solo por referência à construção que nele seria possível efectuar se não tivesse sido sujeito a expropriação, num aproveitamento normal, de acordo com as leis e os regulamentos em vigor. 5ª- Porém, na determinação do valor do solo em função do custo da construção os srs árbitros tinham adoptado como referencial o montante fixado administrativamente à data da DUP, ou seja 90.500$00 por m2 (Portaria 929/99). 6ª- Os senhores peritos adoptaram sem qualquer fundamentação suportada em tabelas ou índices estatísticos o valor de 600,00€/m2 (120.000$00) na página 4 do seu relatório; e contraditoriamente logo na página seguinte consideraram o valor de 550,00€/m2 (110.000$00), igualmente sem o fundamentarem. 7ª- Apesar de a expropriante ter salientado esse facto nas conclusões da sua alegação, a Mma Juiz a qua não o apreciou, cometendo assim a referida nulidade. 8ª- Com esta simples correcção, que se impõe, e mesmo a manter-se o índice fundiário de 20% adoptado pelos srs. Peritos (e ainda que não se corrija o montante referido à área útil para o referido à área bruta), o valor unitário do solo reduz-se para 4.525$00 ou seja 22,57€/ m2 em vez dos 30€ / m2 proposto pelos peritos e adoptado na sentença. 10ª- Este valor unitário, aplicado à área de 2.000m2 conduz ao montante de 45.140,00€ como valor do solo apto para construção até à profundidade de 50m em vez do valor de 60.000€ proposto na perícia e adoptado na sentença, sob pena de violação do disposto no artigo 26° n° 5 do Código das Expropriações, cometida na decisão recorrida. 11ª- Para se afastarem daqueles montante referencial os peritos teriam de o fundamentar, sendo certo que não o fizeram, nem a sentença veio a fazê-lo. 12ª- Como quer que seja, jamais seria de aplicar um valor superior ao de 550€ /m2 que era um dos montantes referidos na perícia e correspondia ao valor defendido pelos próprios expropriados! 13ª- Correspondendo aos restantes 2.952m2 de terreno expropriado situados a profundidade superior a 50 metros 20% daquele valor unitário, a verba a atribuir-lhe a título de indemnização passa de 17.172€ para 13.325€.. 14ª- Segundo o laudo arbitral, o valor do terreno agrícola é de 500$00/m2, valor este que veio a ser confirmado no laudo pericial (2,50€/m2). 15ª- Os senhores peritos aceitaram a perda de 50% do respectivo valor, reclamada pelos expropriados, por passar de regadio a sequeiro. 16ª- Porém, tratando-se de terreno agrícola, é inconstitucional a atribuição de indemnização cumulativa pela perda de capacidade edificativa a tal solo, classificado como apto para outros fins. 17ª- Aliás no recurso dos expropriados nem sequer fora reclamada a atribuição de indemnização a esse título pelo que a questão extravasa o âmbito do recurso, violando o disposto no artigo 58° n° 1 do Código das Expropriações, como defendeu a expropriante perante o Tribunal de comarca, igualmente sem obter qualquer pronunciamento deste a esse respeito. 18ª- Em síntese: deverá a douta sentença ser revogada, determinando-se a correcção do montante indemnizatório devido aos expropriados, nos termos seguintes: a) Valor do terreno expropriado: 58.465€ em vez de 77.712€; b) Desvalorização da parte restante do prédio: 5.510,00€ em vez de 16.587,00€. 19ª- Deverá ainda ser ordenada a dedução prevista no artigo 23° n° 4 do Código.”. Contra-alegaram os Expropriados, pugnando pela manutenção do julgado. Recebidos os autos nesta Relação, foi ordenada a baixa dos mesmos à 1ª instância, a fim de aí, e no confronto da nulidade de sentença arguida pela Recorrente, ser proferido despacho suprindo a dita ou sustentando a não verificação da mesma. Na sequência do que, na 1ª instância, foi proferido o despacho meramente tabelar de folhas 492. II- Corridos os vistos legais, cumpre decidir. Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objecto daquele – vd. art.ºs 684º, n.º 3, 690º, n.º 3, 660º, n.º 2 e 713º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil - são questões propostas à resolução deste Tribunal: - se a sentença recorrida enferma da nulidade que lhe é assacada. - se a decisão recorrida viola o disposto no art.º 26° n.º 5 do Código das Expropriações. - e, outrossim, o princípio constitucional da igualdade. - qual o custo de construção a considerar para determinação da parte do terreno expropriado classificado como solo apto para construção. - se é “inconstitucional” a atribuição de indemnização pela perda de capacidade edificativa de solos classificados como aptos para outros fins. - se, de qualquer modo, a mera capacidade edificativa abstracta dos solos não deve ser valorada para efeitos de justa indemnização. * Considerou-se assente, na 1ª instância:“1. Por despacho n.° 12 799-C/2000, de 22/05/2000, do Secretário do Estado Adjunto e das Obras Públicas, publicado no D.R. n.° 142, II série, de 21/06/2000, com vista à implantação do IP 6 – Peniche - Óbidos (IC1- Nó com a variante Caldas da Rainha), foi declarada a utilidade pública urgente da expropriação da parcela n°, com área de 4.532 m.2, a destacar do prédio inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Olho Marinho , descrito na Conservatória do Registo Predial de Óbidos; 2. A parcela a expropriar situa-se no limite inferior da propriedade e divide o prédio em duas sub parcelas, sendo que umas das quais, com área de 420 m.2 foi absorvida pela expropriação sendo o total do terreno a expropriar de 4.952 m2; 3. Encontrava-se, à data da DUP, com horta; poços e oliveiras; 4. Tem valor de € 30,00 m2, sendo o índice fundiário da subparcela de 2952 m2 de 0,20, pelo que o valor total é de € 77.712,00; 5. O poço tem valor de € 3.000,00; 6. Face ao PDM de Óbidos a parcela encontra-se na transição de duas zonas classificadas de espaços agrícolas -RAN para espaços urbanizáveis- nível 2 e não fora o traçado do IP6 esta parcela estaria integrada no espaço urbanizável nível II; 7. A parte sobrante fica com pior localização e acesso; é declivosa; perde possibilidade de rega e capacidade edificativa e fica com área de 4.808 m2; 8. Perde capacidade edificativa por ter área inferior a 5000 m2, e produtividade, pela falta de rega; 9. Passando a ter o valor de € 3,45/m2, no valor total de € 16.587,60 (4.808 * 3,45); 10. Foi realizada a vistoria "ad perpetuam rei memoriam" da parcela a expropriar; 11. A entidade expropriante tomou posse administrativa da mesma, em 05 de Setembro de 2000.”. * Vejamos:II-1- Da pretendida nulidade de sentença. 1. Em causa está para a Expropriante, que se reporta expressamente ao art.º 668º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil, a pretendida omissão de pronúncia, na dita sentença, sobre as questões suscitadas por aquela quanto à “validade de alguns pontos do laudo pericial”, nas conclusões das alegações apresentadas nos quadros do art.º 64º do C.E. Pontos esses quais seriam: - a consideração, no laudo dos Srs. Peritos – a págs. 4 do relatório – sem qualquer fundamentação suportada em tabelas ou índices estatísticos, do valor do solo (apto para construção) de 600,00 €/m2, e, contraditoriamente, a adopção, logo na página seguinte, do valor de 550,00€/m2, “igualmente sem o fundamentarem”. - a indevida ponderação, no mesmo laudo, da perda de capacidade edificativa da parcela sobrante (a poente), por se tratar de solo classificado como apto para outros fins. É certo que notificadas as partes do relatório pericial, nenhuma dele reclamou, como poderiam ter feito, caso entendessem enfermar o mesmo de “qualquer deficiência, obscuridade ou contradição”, ou que as conclusões “não se mostram devidamente fundamentadas”. Precludindo assim a possibilidade de, em momento ulterior, e desde logo em sede de alegações, representarem perante o juiz tais irregularidades daquela peça. Sem que, no entanto, isso signifique terem as partes deixado de poder, naquela mesma sede, expender o que se lhes oferecesse quanto à matéria do valor de indemnização, e, logo, considerando o valor do solo (apto para construção, e, ou, o da parte restante do prédio) que reputam justo, e porquê, bem como a inconsiderabilidade da perda de capacidade edificativa da parte sobrante. Até porque os enunciados fundamentos de reclamação contra o relatório…não incluem o erro técnico na fundamentação. E nem se compreenderia, em qualquer caso, que de outro modo fosse, quando se trata, o laudo pericial, de elemento de prova sujeito à livre apreciação do juiz, cfr. art.ºs 389º, do Código Civil, e 591º, do Código de Processo Civil. O qual, mesmo na ausência de reclamação das partes, pode determinar a prestação de esclarecimentos ou aditamentos, vd. art.º 587º, n.º 4, do Código de Processo Civil. Isto, sem prejuízo de constituir ponto aceite pela generalidade que, em matéria de expropriações, a menos que tenha havido violação da lei aplicável, o laudo pericial unânime é um indicador seguro da fixação judicial da prestação indemnizatória.[1] Ocorrendo a arguida omissão de pronúncia – antitético do dever, consagrado no art.º 660º, n.º 2, do Código de Processo Civil, de o juiz resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua consideração – quando efectivamente a sentença recorrida não haja conhecido de tais pontos, ou não haja considerado o todo da matéria da indemnização em termos que impliquem o prejuízo do específico conhecimento dos ditos pontos. 2. Ora, efectivamente, não se pronunciou a sentença recorrida sobre nenhuma das enunciadas questões, suscitadas nas alegações da Recorrente. Não podendo aquelas, de todo, considerarem-se abrangidas nos expensórios de natureza geral e abstracta, produzidos relativamente ao conceito de “justa indemnização” e em sede de “desvalorização das parcelas sobrantes”. Certo, quanto àquele último ponto, que conquanto haja o Senhor juiz a quo começado por referir a insurgência do “recorrente por alegadamente os parâmetros usados no laudo pericial efectuado por ter procedido à valorização das parcelas sobrantes, sem que a tal houvesse lugar”, nada conheceu, sequencialmente, quanto ao particular da indevida ponderação, no mesmo laudo, da perda de capacidade edificativa da parcela sobrante. Nem o conhecimento desse ponto resultando prejudicado pela consideração, naquela mesma sede – e após referências produzidas relativamente à “primazia” do laudo pericial, nesta sorte de processos – de que “o laudo dos peritos do tribunal mostra-se consistente, fundamentado, sem lacunas ou contradições que afectem as suas conclusões. Os critérios seguidos por este laudo são os que mais se adequam aos critérios apontados pelo artigo 26º do C.E. aplicável”, e “Assim, entende-se nenhum reparo merecer o laudo em causa, mostrando-se justo o valor da indemnização nele fixado…”. Aliás, permita-se-nos, nem se tratou do laudo dos peritos do tribunal, que sim do laudo de todos os peritos intervenientes, do tribunal, da expropriante e dos expropriados, que todos eles – e para lá de discrepâncias no tocante às respostas aos “quesitos”, a referenciar infra – subscreveram sem ressalva o alcançado “valor de indemnização”. Verificada estando pois a arguida nulidade de sentença, por omissão de pronúncia. Com procedência das conclusões da Recorrente, nesta parte. E sendo que a nulidade assim verificada não obsta, porém, e de per si ao conhecimento do objecto da apelação, cfr. art.º 715º, n.º 1, do Código de Processo Civil. II-2- Da violação do disposto no art.º 26º, n.º 5, do considerável Código das Expropriações. Não sofre crise que a lei substantiva a considerar é a vigente à data da declaração da utilidade pública da parcela a expropriar, por se tratar, aquela – como referem, v.g., Oliveira Ascensão[2] e Fernando Alves Correia[3] - do facto constitutivo da relação jurídica da expropriação. Cobrando assim aplicação ao caso dos autos o Código das Expropriações aprovado pela Lei nº 168/99, de 18/09, que entrou em vigor em18/11/99, cfr. art.º 4º citado Decreto-Lei. Isto posto: 1. Equaciona a Recorrente uma tal violação, na circunstância de a sentença recorrida – e assim acolhendo o sentido do relatório de avaliação – ter preterido, relativamente ao cálculo do valor do solo apto para construção – 2000 m2 da parcela expropriada – a consideração do custo de construção fixado administrativamente à data da DUP – de 90.500$00/€ 451,41 – preferindo-lhe um custo que assim foi estimado em € 600,00/m2 quanto à parcela expropriada, e € 550,00 quanto à “parte sobrante” do prédio. Pois, sustenta, tal “alteração” apenas poderia ter lugar quando existissem fundamentos justificativos da “alteração do critério adoptado neste ponto pelo laudo arbitral”. Os quais “não reconhece”. Os critérios de “Cálculo do valor do solo apto para construção” mostram-se estabelecidos no art.º 26º do Cód. das Expropriações. Sendo que, na impossibilidade de aplicação do critério matriz enunciado no n.º 2 do art.º, face à inexistência de lista de transacções e avaliações fiscais, manda o n.º 4 do mesmo normativo calcular “o valor do solo apto para construção…em função do custo da construção, em condições normais de mercado, nos termos dos números seguintes.” Tal impossibilidade, diga-se, foi equacionada já no laudo arbitral de folhas 38 a 46 – vd. ponto 9.2 – sendo concedida pelas partes. E, deste modo, importaria atender “como referencial, aos montantes fixados administrativamente para efeitos de aplicação dos regimes de habitação a custos controlados ou de renda condicionada”, vd. n.º 5. 2. Quando o legislador utiliza, nesta matéria, o vocábulo “referencial”, não o faz inconsequentemente. Com efeito, e como refere Pedro Elias da Costa,[4] os critérios de valorização previstos no Código das Expropriações, são meramente instrumentais para se alcançar o valor real e corrente dos bens a expropriar, pelo que apenas são legítimos se atingirem ou servirem para atingir esse fim. Para evitar que constituam um entrave a alcançar-se a justa indemnização, “o legislador atribuiu carácter referencial, ou seja, não vinculativo, aos critérios estabelecidos nos art.ºs 26.º ao 32.º do CE, ou seja, os respeitantes à valorização dos bens (art. 23.º/5)”. E continua: “Note-se que o legislador não considerou como referenciais os factores mencionados nos n.ºs 2 a 4 do art. 23.º, nem os critérios de classificação dos solos previstos no art. 25.º. A exclusão dos factores dos n.ºs 2 a 4 do art. 23.º justifica-se pelo facto de não se tratar de critérios que visem a determinação do valor de mercado, mas que têm como fundamento razões de justiça social, ou resultam da aplicação do princípio da boa fé. Quanto aos critérios de classificação do solo, apesar de não lhes ter sido atribuído carácter referencial pelo n.º 5 do art. 23.º, entendemos que não devem ser usados sempre que contrariem o princípio geral previsto no n.º 1 do art. 23.º, que preceitua que a justa indemnização deve atender ao “destino efectivo ou possível numa utilização económica normal”. Assim, não deverão ser aplicadas as regras de classificação dos solos previstas no art. 25.º, quando tal resultar na valorização do bem, de acordo com um destino, material ou juridicamente, impossível”. Por conseguinte, os critérios que são referenciais, isto é, não vinculativos, são apenas aqueles que respeitam à valorização dos bens.[5] De qualquer modo, ponto é que o carácter não vinculativo, porque referencial, do critério do sobredito art.º 26º, n.º 5, não implica, na estrita economia do Código das Expropriações, a livre opção, no acto da avaliação, pelo acolhimento, para efeitos de determinação do custo de construção, de um outro qualquer valor. Na verdade, de acordo com o disposto no art.º 23º, n.º 5, do Código das Expropriações, “…o valor dos bens calculado de acordo com os critérios referenciais constantes dos artigos 26º e seguintes deve corresponder ao valor real e corrente dos mesmos, numa situação normal de mercado, podendo a entidade expropriante e o expropriado, quando tal se não verifique, requerer, ou o tribunal decidir oficiosamente, que na avaliação sejam atendidos outros critérios para alcançar aquele valor”. 3. Ora efectivamente o “custo unitário da construção”, de € 600,00/m2, considerado, aliás em unanimidade, pelos senhores peritos – vd. “IV- Critérios de Avaliação 1- Parcela a Expropriar…a - Terreno”, do relatório respectivo, a folhas 229 – não corresponde ao valor estabelecido, “por metro quadrado, do preço de construção” para efeitos de renda condicionada, à data da D.U.P. Data aquela de reporte necessário, ex vi do disposto no art.º 24º, n.º 1, do Código das Expropriações: “O montante da indemnização calcula-se com referência à data da declaração de utilidade pública…”. Certo também a propósito sobrelevar aquela, como anota J. A. Santos,[6] que não a da data da publicação de tal declaração. Com efeito, atenta a zona (III) em que se insere a parcela expropriada, tal valor do preço de construção é de 90.500$00/€451,41, cfr. Portaria n.º 982-C/99, de 30 de Outubro, que não “Portaria n. 928 de 99”, como se consignou no relatório de arbitragem, a folhas 45, ou “(Portaria 929/99)”, como vem referido nas alegações da Recorrente apresentadas nos quadros do art.º 64º do Código das Expropriações. 4. Concede-se porém, nas alegações dos expropriados, no recurso interposto da decisão arbitral, um tal sentido de requerimento conforme à previsão do art.º 23º, n.º 5, 2ª parte, do Código das Expropriações. E, assim, certo vir interposto tal recurso de decisão em que se considerou expressamente um “Custo de construção de 90.500$00”, estabelecido por Portaria, na medida em que fundamentam aqueles o seu inconformismo com a mencionada avaliação, não aceitando “os valores constantes” da mesma, “por entenderem que o valor aí referido é manifestamente inferior ao seu valor real, além de que…não foi levada em conta a desvalorização da área sobrante a poente.”, pretendendo que seja apurado “o valor real e correcto do mesmo (prédio) numa situação normal de mercado, conforme preceitua o artigo 23 n.º 5 do supra mencionado Diploma”. Indicando factores vários que entendem dever ser ponderados, v.g. características da zona envolvente, acessos e qualidade urbana da mesma, condições para loteamento urbano, preço dos lotes por m2 na zona, custos de loteamento “no local…de reduzido valor…”… E admitindo “ainda seguir outros critérios, tendo em conta o valor da construção, a área da implantação…a construção de um primeiro andar possível no local…”, vd. art.ºs 16º e seguintes das referidas alegações quanto ao “solo apto para construção”. Sendo tais factores relativos a critérios outros, reflectidos nos quesitos apresentados pelos expropriados, a que os peritos responderam a folhas 233 a 236. Dest’arte não deverá impressionar, pelo que ao custo de construção respeita, a consignação, no laudo pericial em que se estriba a sentença recorrida, de que “Para a determinação do valor da parcela a expropriar, seguiu-se o disposto no Art.º 26º do Código da Expropriações…”. Repare-se que ao “quesito” – em rigor após a reforma processual de 95, não se formulam quesitos…mas enunciam-se questões de facto a esclarecer, vd. art.º 577º, do Código de Processo Civil – da expropriante sobre se “O valor unitário do solo apto para construção é de 2.715$00, obtido por aplicação da fórmula (90.500$00x0,80x0,25x0,15), responderam os Peritos “Não, vide relatório”. Tendo-se tratado pois da aplicação dos critérios do art.º 26º, excepto no tocante à determinação do custo de construção em função dos montantes fixados administrativamente, assim preteridos pelos “outros critérios” contemplados no citado art.º 23º, n.º 5, verdadeira “válvula de escape do sistema”, nas palavras de João Pedro de Melo Ferreira,[7] permitindo à entidade expropriante e ao expropriado, “quando o valor dos bens fixado segundo as regras de cálculo fixadas no Código das Expropriações forem inferiores ou superiores ao valor de mercado…requererem ao tribunal, ou mesmo este decidir oficiosamente que na avaliação sejam atendidos outros critérios para alcançar aquele valor”. Diga-se ainda que sempre se poderia entender que a directa aplicabilidade desses outros critérios seria alcançada na consideração da inconstitucionalidade, por violação do art.º 62º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, da equiparação – na determinação do valor do solo apto para construção – ao custo material de construir ou “custo de construção”, do “valor do mercado da construção”, sendo este último o conceito que efectivamente é relevante na determinação da indemnização. Sob pena de afastamento do “critério de determinação do valor da indemnização do critério de uma «justa indemnização»”. Como, com referência ao Código das Expropriações de 1991, decidiu o Tribunal Constitucional, nos seus Acórdãos n.º 677/2006.[8] E sustenta, aparentemente por reporte ao actual Código das Expropriações, Bernardo Sabugosa Portal Madeira.[9] 5. Ponto sendo, porém, que não tendo os Srs. Peritos procedido à reprodução sistemática, sob o Ponto IV do seu relatório, das circunstâncias de facto que ponderaram para efeitos de alcançar o considerado custo unitário da construção, também não é no cotejo com as ditas respostas aos “quesitos” – que muitas vezes são…“irrelevante para a nossa avaliação…prejudicado…a consideração é subjectiva…vide relatório” – que será possível lobrigar aquelas. As quais, de resto, poderão mesmo transcender o âmbito dos quesitos, e posto que se trata de uma AVALIAÇÃO do prédio, passando aliás também pela determinação do custo de construção no mesmo. Com efeito, no domínio do Código de Processo Civil de 1939, referia Alberto dos Reis, em anotação ao art.º 609º, que “Os louvados procedem às averiguações e inspecções indispensáveis para se habilitarem a indicar o valor do prédio…em vez de o chefe de secção entregar quesitos aos louvados…o que lhes entrega é a relação de bens a avaliar”.[10] Sendo que o assim anotado valia também para o Código de Processo Civil anterior à reforma de 1995, no confronto do lugar paralelo do art.º 605º. A reforma de 1995 reduziu a uma só as anteriores modalidades de prova pericial – que a lei designava por arbitramento – unificando, aparentemente, o regime respectivo. Sendo assim, e designadamente, que no tocante à indicação do objecto da perícia, dispõe o art.º 577º, n.º 1, que “Ao requerer a perícia, a parte indicará logo, sob pena de rejeição, o respectivo objecto, enunciando as questões de facto que pretende ver esclarecidas através da diligência”. Ora, e por um lado, “A substituição da exigência da indicação de quesitos pela da indicação das questões de facto cujo esclarecimento as partes pretendem obter da perícia dispensa a formulação de perguntas precisas, deixando ao perito maior margem de manobra na elaboração do relatório…”.[11] Margem de manobra que assim sempre se reportaria, in casu, e desde logo, ao questionado custo de construção. Por outro lado, e desde logo, a questão de facto bastante e suficiente, em matéria de avaliação é…o quanto vale o objecto avaliando. E relativamente a ela tudo o mais em sede factual, que se revele necessário indagar, cabe nos poderes relativos às “averiguações necessárias”, contempladas no art.º 582º, n.º 1, do actual Código de Processo Civil, relativamente a todo e qualquer procedimento de prova pericial. “Averiguações necessárias” aquelas que nada acrescentam, temos para nós, às “averiguações e inspecções indispensáveis”, que assim pacificamente se concediam contempladas na normatividade do Código de Processo Civil anterior à reforma de 1995, relativa às avaliações. Diga-se, por fim e relativamente à circunstância de o art.º 61º, n.º 3, do Código das Expropriações de 1999, mantendo a referência expressa à “diligência” de avaliação, mandar aplicar o disposto nos art.ºs 578º a 588º do Código de Processo Civil, com exclusão do art.º 577º, que tal não retira base ao raciocínio que se veio a explanar. Por um lado, logo no art.º 578º, ao prever-se que “o juiz ouve a parte contrária sobre o objecto proposto”, se está a remeter também para as regras do art.º 577º relativas ao modo de “Indicação do objecto da perícia”. Depois, afigura-se-nos manifesto que o que esteve em causa, com a apontada exclusão do art.º 577º, foi apenas o afastamento – no processo de expropriação – da colocação da avaliação na disponibilidade das partes. Com efeito enquanto naquele normativo se comete à parte o ónus de “requerer a perícia”, no art.º 61º, n.º 2, do Código das Expropriações, “Entre as diligências a realizar tem obrigatoriamente lugar a avaliação…”. 6. O que tudo, como é meridiano, se repercutiu numa sentença que se estriba no relatório pericial, sem nada acrescentar ou suprir, nessa sede factual. Sendo ainda de assinalar que conquanto o dito relatório se apresente, aparentemente, subscrito por unanimidade…já unânimes não foram as respostas aos quesitos – hoje formalmente integrando aquele – dos expropriados, por estes reportados à questão do valor do terreno. Assim se verificando quanto aos quesitos 8º, 9º, 12º e 13º. Ora, isto posto, resulta que se impõe anular a sentença recorrida, determinando-se a efectivação de nova avaliação, tendo em vista suprir a referenciada omissão relativa à matéria factual que suportará o concluído custo de construção, diverso do fixado administrativamente. Como, também nesta sorte de processos, consente o disposto no art.º 712º, n.º 4, do Código de Processo Civil. Tratando-se deste modo da especificação das circunstâncias de facto determinantes do custo unitário de construção, que aliás concluíram – sem outras substanciações – ser “correcto face ao local”, no mesmo relatório, em sede de “Desvalorização da parte restante do prédio (Dp)”. III- Nestes termos, acordam em anular a sentença recorrida, devendo proceder-se a nova avaliação, em que, relativamente aos custos unitários de construção alcançados, se especifiquem as circunstâncias de facto que os suportam. Custas pelo vencido a final, sem prejuízo de legais isenções. Lisboa, 2007-11-22 (Ezagüy Martins) (Maria José Mouro) [1] Neste sentido, e entre tantos, vd. o Acórdão desta Relação, de 24-10-2006, proc. 5660/2006-7, in www.dgsi.pt/jtrl.nsf. [2] In CJ, Tomo II/92, págs. 29 a 34. [3] In “As Grandes Linhas da Recente Reforma do Direito Urbanístico Português”, pág. 70. [4] In “Guia das Expropriações por Utilidade Pública”, 2.ª Ed., págs. 263 a 265 [5] Assim, no Acórdão da Relação do Porto, de 11-01-2007, proc. 0636693, in www.dgsi.pt/jtrp.nsf. [6] In “Código das Expropriações, Anotado e Comentado”, 4ª Ed., Dislivro, 2005, pág. 328. [7] In “Código das Expropriações, Anotado”, 3ª ed., Coimbra Editora, 2005, págs. 132, 133. [8] In DR II Série, n.º 19 de 26-01-2007. [9] In “A indemnização nas Expropriações por Utilidade Pública”, Almeida e Leitão Lda., Porto, 2007, págs. 57-61. [10] In “Código de Processo Civil, Anotado”, Vol. IV, págs. 285, 287. [11] José Lebre de Freitas. A. Montalvão Machado. Rui Pinto, in “Código de Processo Civil, Anotado”, Vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pág. 503. |